Disse-o o Papa Francisco a cerca de sete
mil membros da Associação Nacional
da Polícia de Estado, que recebeu em audiência a 29 de setembro, na Sala
Paulo VI, no Vaticano.
É uma
associação une os membros da Polícia ainda em atividade e aqueles que, mesmo
tendo terminado seu serviço, ainda se sentem parte dela e levam por adiante os
seus ideais, nomeadamente a transmissão das “tradições da Polícia de Estado”,
favorecendo a união de todos os seus membros, em licença ou em serviço. No
dizer do Papa, valorizam-se, deste modo, “a
experiência dos membros idosos e o seu património histórico-cultural, que não
deve ser esquecido ou diluído, mas transmitido e ampliado e reforça-se o
vínculo entre as gerações, às vezes, afetado no contexto das relações sociais”.
E, na ótica do compromisso com o
bem comum, Francisco sublinhou:
“É
muito significativo que fazem parte dessa associação os cidadãos comuns que,
mesmo não sendo membros da Polícia, assumem os seus valores e o seu
compromisso. Assim, vós formais uma grande família: uma família aberta a todos
aqueles que se querem comprometer com o bem comum a partir de seus princípios,
uma família que gostaria de envolver e acolher todo o cidadão para difundir uma
cultura de legalidade, respeito e segurança.”.
Para o
Pontífice, sem tais fundamentos, nenhum contexto social pode alcançar o bem
comum, mas tornar-se-á um emaranhado de interesses pessoais contrapostos, pois
o bem duma sociedade não é dado apenas pelo
bem-estar da maioria ou pelo respeito dos direitos de quase todos, mas pelo bem
da coletividade como um conjunto de pessoas, de forma que, se alguém sofre, todos
os membros sofrem com ele. Disse-o respaldado na palavra de Paulo no cap. 12 da
1.ª Carta aos Coríntios de que, “se um membro sofre, com ele sofrem todos os
membros; e, se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria”
(1Cor
12,26).
Ora, nós somos o corpo de Cristo e cada um, pela sua parte, é um membro (cf id 12,27) e, quanto mais
fracos parecem ser os membros do corpo, tanto mais são necessários; aqueles que
parecem ser os menos honrosos do corpo, a esses rodeamo-los de maior honra, e
aqueles que são menos decentes, nós os tratamos com mais decoro, sendo que os
que são decentes não têm necessidade disso (cf id 22-24).
Vincando que “toda a injustiça
afeta sobretudo os mais pobres”, os mais pobres e atribulados do nosso tempo,
explicou:
“Quando
faltam a legalidade e a segurança, os vulneráveis são os primeiros a serem prejudicados,
porque possuem poucos meios para se defenderem e proverem a si mesmos. Toda a injustiça
afeta sobretudo os mais pobres e todos aqueles que de várias formas são os
últimos. Últimos, neste nosso
mundo, são aqueles que deixam a sua terra por causa da guerra e da miséria e
devem recomeçar do zero num contexto totalmente novo. Os últimos são aqueles que perderam a casa e
o trabalho e lutam para manter a sua família, os últimos são aqueles que vivem
marginalizados e doentes, ou são vítimas de injustiças e abusos.”.
E,
assinalando o papel da polícia, frisou:
“Vós
estais próximos a todas essas pessoas quando procurais prevenir o crime,
combater o bullying e fraudes, quando
colocais à disposição o vosso tempo e as vossas energias na formação dos jovens
e na vigilância das escolas, na proteção do território e do património
artístico, na organização de encontros e na formação de cidadãos mais ativos e
conscientes”.
Ora, a
associação a que se dirigiu introduz, segundo o Pontífice, “na massa da sociedade, o fermento da
igualdade e da fraternidade que nunca deixa de produzir seus frutos (...), valores transmitidos pelo Evangelho” que
transformaram radicalmente as mentalidades e as vidas. E “a
introdução dos valores da solidariedade e da paz, que encontram o seu ápice na
pessoa e na mensagem de Jesus, foram e ainda hoje são capazes de renovar as relações
interpessoais e sociais” – disse Francisco, que enunciou como conclusão o
seguinte:
“É
isso que desejamos para o nosso tempo, sabendo que, quando colocamos em prática
a caridade, ela muda o mundo e a história, mesmo que não percebamos logo os
seus efeitos. Esse é o nosso objetivo e essa é a contribuição dada pela
Associação Nacional da Polícia de Estado todas as vezes que, seguindo o exemplo
de seu Padroeiro, São Miguel
Arcanjo, se opõe a tudo o que fere ou destrói o ser humano.”.
***
Também o Papa Francisco, ao comentar, por ocasião do
Angelus com a multidão reunida na
Praça de São Pedro, os textos da Liturgia da Palavra deste XXVI domingo do
Tempo Comum no Ano B (dia 30 de setembro), nos remete para o dinamismo da fraternidade, que requer um percurso
pedagógico. Tanto Josué como os discípulos de Jesus se encheram de ciúmes por
indivíduos que não tinham entrado na tenda da reunião, no primeiro caso,
segundo o texto do Livro dos Números (vd Nm 11,25-29
-1.ª leitura) ou que não eram do grupo, no segundo caso,
conforme o relato de Marcos (vd Mc 9,38-43.45.47-48), profetizarem ou expulsarem demónios.
Efetivamente, quando o Senhor desceu na nuvem sobre
a tenda da reunião e falou com Moisés, tirou-lhe uma parte do Espírito que nele
pousava para os 70 anciãos, que profetizaram, mas não continuaram. Entretanto,
Eldade e Medad, que ficaram no acampamento, profetizavam. E Josué sugeriu a
Moisés que lho proibisse totalmente. Porém, Moisés, sabendo que o Espírito não
se deixa aprisionar por espaços por mais nobres que sejam nem pelas pessoas,
falou assim:
“Tens ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do SENHOR profetizasse, que o SENHOR enviasse o seu espírito sobre ele!” (Nm 11,29).
Este desejo de Moisés realiza-se
hoje em cada crente que recebeu o Batismo (e
a Confirmação) por força do Pentecostes,
em que o Espírito Santo irrompeu sobre os discípulos com a abundância dos seus
dons e está disponível para agir por intermédio de quem, mesmo sem conhecer a Cristo,
vive e atua segundo a sua consciência e movido pelo amor fraterno.
Por seu turno, o Evangelho de Marcos (3.ª leitura) mostra-nos os discípulos, pela
voz fogosa de João, a queixarem-se de que um homem que não era do grupo
expulsava demónios. Mas Jesus, conhecendo os pensamentos ciumentos deles,
disse-lhes:
“Não
o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer
mal de mim. Quem não é contra nós é por nós, pois, seja quem for que vos der a
beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá
a sua recompensa.” (Mc 9,39-41).
Ao lado da coerência, Jesus enaltece a dádiva e a
cortesia de a receber, venha da parte de quem vier. Porém, Francisco chamou a
atenção para o facto de o comportamento dos discípulos de Jesus ser muito
humano, muito comum, e o podermos encontrar “nas comunidades cristãs de todos
os tempos, provavelmente também em nós mesmos”. E considerou que “o Evangelho deste domingo nos apresenta um
daqueles particulares muito instrutivos da vida de Jesus com os seus discípulos”.
“Tens ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do SENHOR profetizasse, que o SENHOR enviasse o seu espírito sobre ele!” (Nm 11,29).
Segundo o Papa, “João e os outros
discípulos manifestam um comportamento de fechamento diante dum acontecimento
que não entra nos seus esquemas, neste caso a ação, mesmo sendo boa, de uma
pessoa ‘externa’ ao grupo de seguidores”. Mas Jesus, ao invés, “parece muito
livre, plenamente aberto à liberdade do Espírito de Deus, que não é limitado na
sua ação por nenhum confim e por nenhum recinto”.
E o
organizador do Missal Quotidiano Ferial, da Paulus (2016)
sustenta:
“As palavras que, um dia, Jesus dirigiu aos
Doze têm agora um alcance eclesial. A Igreja não tem o monopólio do bem [como
poderia dizer que dentro da Igreja ninguém tem o exclusivo do bem], pois o
Espírito também atua fora das suas fronteiras. No dia do Juízo, Deus
reconhecerá como Seus todos os que tiverem agido com os outros, movidos pelo
amor.”.
Francisco
diz que Jesus quis então educar os discípulos e a nós hoje nesta liberdade
interior.
Para o Pontífice, que disse fazer-nos
bem “refletir sobre este episódio e fazer um pouco de exame de consciência”,
aponta a existência do medo da ‘concorrência’ de que alguém possa atrair novos
seguidores. E então não se consegue apreciar o bem que os outros fazem: não é
bom porque ele “não é um dos nossos”. É uma forma de autorreferencialidade,
estando aqui a raiz do proselitismo. E a Igreja, como disse Bento XVI, não
cresce pelo proselitismo, mas pela atração, isto é, “cresce pelo testemunho
dado aos outros com a força do Espírito Santo”.
Segundo o Papa, “de boa-fé, aliás,
com zelo, gostar-se-ia de proteger a autenticidade duma certa experiência,
tutelando o fundador ou o líder dos falsos imitadores”. Mas a grande liberdade
de Deus (que ninguém pode
tolher) em doar-se a nós
“é um desafio e uma exortação a mudar os
nossos comportamentos e nossas relações” e “um convite que Jesus nos faz hoje”. E – disse ainda o Papa – “Ele convida-nos a não pensar segundo as
categorias do ‘amigo/inimigo’, ‘nós/eles’, ‘quem está dentro/quem está fora’,
‘meu/seu’, mas a ir além, a abrir o coração a fim de reconhecer a presença e a
ação de Deus mesmo em âmbitos incomuns e imprevisíveis e em pessoas que não
fazem parte de nosso círculo”. “Trata-se de estarmos mais atentos à
genuinidade do bem, do bonito e do verdadeiro que é realizado, do que ao nome e
procedência de quem o faz”. E, como sugere o Evangelho, “em vez de julgar
os outros, devemos examinar-nos e “cortar”, sem pactos, tudo o que pode
escandalizar as pessoas mais fracas na fé”.
Com efeito, o Evangelho, remando
contra o escândalo – em que se pode incluir o fenómeno desastroso da pedofilia
e dos abusos sexuais de menores, sobretudo por figuras proeminentes das Igrejas
– embora não devam ser tomados à letra os diversos elementos metafóricos, mas sendo
de tomar toda a sua força normativa e apelativa, é fortemente radical ao
estipular: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, melhor
seria para ele atarem-lhe ao pescoço uma dessas mós que são giradas pelos
jumentos e lançarem-no ao mar”.
Do mesmo modo se
deve acolher o aviso de que se a mão, o pé ou um dos olhos são ocasião de
pecado, mais vale cortar, pois é perdível entrar na vida mutilado (maneta), coxo ou cego a ir
inteiro para a Geena de fogo inapagável e onde o verme não morre. O mesmo se
diga de qualquer elemento corporal.
***
Também a
fraternidade implica a não acumulação de riquezas que leva ao seu
apodrecimento, como espelha a advertência aos ricos por parte de Tiago (vd Tg 5,1-6), mas à divisão (partilha) solidária e
equitativa, ainda que não igualitária. A fraternidade não admite que o ouro e a
prata dos ricos se enferrujem enquanto o salário que não pagaram aos
trabalhadores que lhes ceifaram as searas está a clamar ao céu contra eles. Com
efeito, a ferrugem do ouro e da prata, ou seja, o perfume das riquezas
acumuladas ou a busca do lucro pelo lucro, à custa da exploração e
espezinhamento dos outros, servirá de testemunho contra quem acumula e não sabe
repartir e devorará a sua carne como o fogo.
De facto, ninguém
pode servir a Deus e às riquezas ou ao dinheiro. Por isso, em nome do amor
fraterno, que entronca no amor de Deus, Tiago apela ao arrependimento e à
conversão:
“Chorai em altos gritos por causa
das desgraças que virão sobre vós” (Tg 5,1).
***
E o Papa concluiu a sua alocução,
pedindo a Maria, “modelo de acolhimento dócil das surpresas de Deus, que nos
ajude a reconhecer os sinais da presença do Senhor no meio de nós,
descobrindo-O em todo lugar em que Ele se manifestar, até mesmo nas situações
mais impensáveis e incomuns”; e que “ela nos ajude a amar a nossa comunidade
sem ciúmes e fechamentos, sempre abertos ao horizonte vasto da ação do Espírito
Santo”.
Será a fraternidade em projeto e em
ação.
2018.09.30 – Louro de Carvalho
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