sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Para David Justino, 15% dos professores nunca o deveriam ter sido


Num jantar-conferência, no passado dia 5, em Castelo de Vide, do distrito de Portalegre, totalmente centrado na área da educação, José David Gomes Justino, vice-presidente do PSD e ex-Ministro da Educação, sustentou que “o melhor investimento em educação é o investimento nos professores” e fez uma apreciação do estado atual da classe. E esmou:
Sei que existem 20 a 25% que são professores excecionais, 60% que são bons ou razoáveis e 15% que são professores que nunca deviam ter entrado”.
E, ao mesmo tempo, naquele jantar-conferência, no quadro da universidade de verão do PSD, apontando que o sistema de Ensino continua sem promover o mérito entre os professores, pediu que se trate melhor esta classe profissional. A este respeito, na referência implícita ao diferendo da classe com o Governo sobre a contagem integral do tempo de serviço dos professores, disse:
Tudo aquilo que fizermos para melhorar o exercício profissional dos professores é um bom investimento, tem é de se tratar melhor os professores, não é criar expectativas que depois não são correspondidas”.
Para quem diz não gostar de falar de educação, já não é pouco e seria interessante se ele não tivesse culpas no cartório. Vem isto a propósito de, logo na sua intervenção inicial, David Justino ter explicado que não gosta de falar de educação, porque não tem “por hábito frequentar oráculos”, dizendo:
Eu sei que há tarôs e essas coisas nas televisões, mas não sei qual vai ser o futuro da educação”.
O antigo Ministro da Educação do XV Governo Constitucional, liderado por José Manuel Durão Barroso (entre 2002 e 2004), ora presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, considerou “crucial” a seleção dos professores à entrada da carreira, lamentando que “de há uns anos para cá” esta não exista, pelo que “mais tarde ou mais cedo entram todos”. E vincou, agregando à sua crítica o que se passa no ensino superior, onde há “excelentes investigadores que nunca deviam dar uma aula” ou vice-versa:
Entram os muito bons, mas também os muito maus. Enquanto não conseguirmos resolver este problema de base, o resto não se resolve.”.
Mas, na área do ensino superior apontou ainda a endogamia, patente sobretudo nas universidades, como “um problema complicadíssimo”, mas considerando poder resolver-se com “uma medida simples”. Dizendo ser ainda do tempo “em que havia diretores do departamento que contratavam os seus próprios filhos”, declarou:
Uma universidade só pode contratar doutorados – acabavam os assistentes – e só pode contratar doutorados que não sejam doutorados pela sua própria instituição, tem de os ir buscar fora”.
Respondendo a uma pergunta duma aluna da universidade de verão, Justino classificou como “irracional” a medida do Governo de reduzir em 5% o número de vagas nas universidades e institutos politécnicos em Lisboa e Porto, que nem sequer favoreceu o Interior. E sentenciou, contra esta medida, tendo-a como a mais irracional que existe:
O que estão a fazer é condicionar o acesso dos melhores alunos aos melhores cursos e uma parte deles estão em Lisboa e estão no Porto”.
E, ironizando disse que esta medida lhe deu a saber que Aveiro, Coimbra e Braga ficam no Interior, já que foram estes distritos que beneficiaram de vagas adicionais.
Instado a pronunciar-se sobre a eliminação dos exames (aliás, provas finais) do 4.º e 6.º anos, o que foi o terceiro vice-presidente do PSD a participar na universidade de verão no passado dia 5, depois de Salvador Malheiro e de Morais Sarmento, defendeu que, se no primeiro caso é aceitável, no segundo “é um erro clamoroso”, pois deixa de haver instrumentos de monitorização e de mobilização de alunos, professores e escolas. E alertou:
Espero que não, mas o meu receio é que nos testes já feitos este ano e que vão ser publicados pelo PISA em Dezembro de 2019 se calhar vamos ter a primeira quebra nos resultados”.
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No predito jantar-conferência participou igualmente o antigo reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, que também colabora com o CEN, órgão que tem por missão elaborar o programa do partido. E, como se deixou entrever, ficou assente, na ótica dos participantes, que um dos “problemas de base” no ensino é o facto de existir uma percentagem relevante de professores que “nunca” deviam ter entrado na sala de aula e que o país não conseguirá resolver “nada” na educação, enquanto não for capaz de resolver a falta de critérios na “entrada” de professores no sistema de ensino.
Também Sebastião Feyo de Azevedo admitiu que há “uma pequena percentagem de maus professores”. E, para Justino, a culpa é da atual política para a educação do Governo socialista, que acusa de responsável pelo hodierno sentimento generalizado de “desmotivação, cansaço e mal-estar” nas escolas, em parte, graças à forma como são tratados os professores, atirando:
Não é por contratar professores a torto e a direito, que vamos ter melhores resultados. […]. Tem de se tratar melhor os professores, não criando expectativas que depois não são correspondidas.”.
Criticou fortemente o facto de os sucessivos ministros romperem com as políticas anteriores na educação, pois isso cria instabilidade. E disse a este respeito:
Chega um ministro e muda as coisas completamente. Esta instabilidade gera desmotivação em quem já está lá [os professores], às vezes, de má vontade.”.
David Justino, que foi também presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), pretende que o sistema avance no sentido de “permitir que apenas os melhores possam entrar no sistema de ensino”. Depois, o passo seguinte é “dar-lhes condições” para que possam fazer da melhor forma o seu trabalho. E, assim, acredita que “a qualidade do ensino e da aprendizagem está fortemente dependente da qualidade dos professores” e deu um exemplo de um amigo, que não nomeou, que é excelente investigador, mas que nunca devia ter entrado numa sala de aula.
O antigo governante entende que o problema da educação não se resolve colocando mais dinheiro em cima desse problema, pois “o investimento em educação não se mede com números” e garante que “não é por ter mais despesa que a educação é melhor”, já que “nem toda a despesa é investimento”.
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David Justino – antigo autarca, antigo deputado, investigador e professor associado com agregação na área da sociologia, que foi Ministro da Educação, Presidente do Conselho Nacional de Educação e consultor do Presidente Cavaco Silva para os assuntos sociais – não pode atirar para o ar números ou dados percentuais. Deveria sustentar as suas asserções. Como sabe que 20 a 25% dos professores são excecionais, 60% são bons ou razoáveis e 15% nunca deveriam ter entrado no sistema?
Sem o questionar sobre o que entende por “excecionalidade” dos professores, deve assentar-se em que a menção de excelente e a de muito bom, atribuídas na avaliação de desempenho são condicionadas por muitos fatores, alguns dos quais pouco têm a ver com o desempenho em sala de aula. Basta considerar a fixação de percentis para a atribuição de tais menções. Que entende o rico e douto por professores razoáveis ou como chegou aos 15% que não deviam ter entrado? Não haverá um bom número percentual de outros profissionais formados por universidades que não deveriam entrar no respetivo sistema profissional? Mas as provas em estágios e profissionalização foram e são bem duras!
Quer que os candidatos a docentes sejam selecionados ao entrarem na carreira. Devia, antes, promover a sua seleção ao entrarem na formação inicial e no termo da mesma. Como é que se deixa que as instituições de ensino superior não exijam condições académicas análogas às exigidas para outros cursos superiores, por exemplo, medicina, direito, engenharias, etc., não se lhes exigindo condições otimizáveis da formação e monitorizando a sua aplicação? E por que motivo se exige para ingresso no ensino superior apenas notas, sem se explorarem outros meios de seleção? Ora isto não é culpa só deste Governo. Aliás, foram governos de Cavaco Silva que dispensaram da profissionalização docentes que estivessem no sistema (a lecionar no grupo disciplinar para tinham habilitação própria) há 15 anos aquando da entrada em vigor de determinada legislação, como dispensaram do segundo ano da profissionalização (que implicava um PFAP – projeto de formação e avaliação pedagógica, com aulas observadas e atividades supervisionadas no âmbito da gestão escolar) aqueles titulares de habilitação própria que estivessem a lecionar há seis anos. 
Mais esquece o professor que muitos dos docentes provisórios – alguns com o 7.º ano do ensino liceal ou equivalente – aguentaram, em tempos de crise no ensino, a escola e educaram gerações e gerações de adolescentes e jovens. Deram aulas, foram dirigentes escolares, aguentaram os serviços de secretaria e de ação social escolar, porque estudavam, se aplicavam e pediam conselhos a gente que sabia. Depois, quando já não eram precisos, foram descartados. Já, por exemplo, os antigos regentes escolares, regentes agrícolas e diplomados pelas escolas que deram origem a muitos institutos, auxiliares de enfermagem – obviamente com cursos de qualificação e aperfeiçoamento – foram convertidos, respetivamente, em professores, engenheiros técnicos e enfermeiros.     
Foi Justino que declarou enquanto ministro não se poder prescindir do concurso nacional de docentes por se tratar de um bem público. O que o fez mudar?   
Por outro lado, quem iniciou o mecanismo de tratar mal os docentes foi justamente o Governo de Durão Barroso, bradando ao vento que os professores podiam não ter jeito para dirigir escolas e advogando a criação da figura do diretor, que podia não ser um professor, e retirando a interrupção das atividades letivas em novembro. Criou-se um caldo de cultura em que Maria de Lurdes Rodrigues conseguiu desferir o mais rude golpe contra a classe docente, gabando-se de que perdeu os professores, mas ganhou os pais – golpe que só foi suavizado em parte com Isabel Alçada, mas que ganhou novos contornos sob a troika.   
Sobre as ruturas educacionais dos sucessivos ministros com os antecessores, há que dizer que Justino só não fez mais porque não teve tempo. Assim, apesar de o seu Primeiro-Ministro proclamar a criação do ensino infantil, a redução do ensino básico para seis anos (dois ciclos de 4 e 2 anos, respetivamente) e a reformulação do ensino secundário distribuindo-o por dois ciclos de dois anos cada um, o Governo conseguiu fazer aprovar no Parlamento uma Lei de Bases da Educação (LBE), em rutura ideológica, organizativa e procedimental com a LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), consensual em 1986 e ainda em vigor hoje com pequenas alterações, mas que não vingou graças ao veto de Sampaio e ao desinteresse de Santana Lopes, sucessor de Barroso; fez aprovar um novo estatuto do aluno, já substituído; e determinou novos desenhos curriculares, planos de estudos, programas disciplinares e procedimentos da avaliação sumativa em todos os cursos do ensino secundário, quer nos diretamente orientados para prosseguimento de estudos, quer nos orientados para o ingresso no mundo do trabalho (cursos profissionais, artísticos, cursos de educação e formação…). Mas os ciclos de estudos mantiveram-se como dantes e não se mexeu no ensino básico. E foi com Justino que se estabeleceu a maior barafunda de sempre nos concursos e colocação de professores, só porque foi escolhida uma empresa informática sem experiência na matéria (pelos vistos ligada à família política do Ministro) que não se entendia com a equipa de procedimentos do ME, problema que só a sua sucessora Maria do Carmo Félix Seabra viria a resolver, já o ano letivo havia de ter começado.
E, como Presidente do CNE, Justino quis que o Governo de Passos fizesse aprovar no Parlamento a LBE de 2004 retocada, mas Crato não conseguiu passar do eduquês a melhor eduquês com o ensino não por competências, mas com as rígidas metas de aprendizagem.
Depois, é preciso alterar tudo o que se afigure de errado, mesmo que venha do passado, pois nem tudo o que é passado é bom, como nem tudo o que é novo é bom. E dizer que sem as provas de 4.º e 6.º anos ficamos sem instrumentos de monitorização e mobilização é ignorar o esforço e estudo desenvolvido em torno das provas de aferição (2.º, 5.º e 8.º anos). Ou temer pelos resultado do PISA é não ter em conta que estes testes não se estribam no currículo, mas nos quesitos de desenvolvimento etário consensuais na OCDE.       
Justino sobre o ensino superior pretende que Lisboa e Porto se mantenham campeões na corrida ao ensino superior, quando este Governo pecou por ter lançado uma medida tímida e não acompanhada de infraestruturas físicas e sociais noutras cidades. E acusar as universidades de compadrio e nepotismo é demais. Ninguém supõe que os doutoramentos (que dão os futuros titulares dos quadros) não sejam pautados por critérios de competência científica e académica. E, se calhar, é irracional exigir que só possam ser contratados doutores que venham de fora, privando a academia de colher alguns frutos do investimento que fez em formação académica, como o será pensar que só por um indivíduo ser doutor já serve para ingressar na carreira e nela progredir. Então teria o investigador-professor de rejeitar in limine o convite para catedráticos convidados a licenciados como Durão Barroso, Passos Coelho, Vítor Constâncio, Mário Soares, Carlos Costa, etc. – pelos conhecimentos e capital de relação adquiridos no exercício de altas funções.
E, embora pense que muitos investigadores e cientistas não tenham capacidade para a docência (muitos têm muita dificuldade em exprimir-se e em liderar), deve saber que todo o professor universitário ou dos institutos politécnicos, que abrace a carreira académica, deve estar capacitado para a investigação e para a direção da academia e das suas estruturas – direção que nunca deve ser entregue a diretores de banca, de outras instituições financeiras ou meros gestores.
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Enfim, seria bom que David Justino, que não conseguiu pôr os membros do CNE em sintonia perfeita com ele a propósito de pareceres a dar a este Governo ou ao anterior, se empenhasse e levasse os seus colegas professores da universidade de verão do PSD a fazer formação aprofundada na linha da socialdemocracia e do programa e estatutos do seu partido, mas que não aproveitassem a universidade partidária para disparar em todas as direções na partidarização da educação, deixando a quem governa alguma liberdade para fazer bem e mesmo cometer alguns erros e, em 2019, promover o pacífico “ajuste de contas” por via eleitoral judicativa do mandato desta solução governativa. Exige-se isto de investigador, professor universitário, político que teve responsabilidades legislativas, executivas, consultivas, autárquicas e técnicas.  
2018,09.07 – Louro de Carvalho          

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