quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Descoberta a causa da morte de Caravaggio, até agora desconhecida


Mais de 400 anos após a sua morte, a revista “The Lancet Infectious” divulgou um estudo em que os investigadores (sete cientistas franceses e italianos) adiantam que as análises feitas a um esqueleto que têm como sendo comprovadamente o de Caravaggio revelaram a presença da bactéria ‘taphylococcus aureus’, responsável, juntamente com acumulação de considerável volume de chumbo (que só por si não o matava), pelo desenvolvimento de uma infeção grave que culminou em sépsis, uma infeção generalizada.
Porém, o caráter conflituoso de Caravaggio (1571-1610) terá sido o grande responsável pela sua morte, pois terá sido uma luta, um duelo, em que se envolveu nos últimos dias de vida, em Chiaia, Nápoles, sul de Itália, a provocar-lhe os ferimentos que degeneraram numa infeção generalizada fatal.
Segundo o jornal Globoos cientistas acreditam que a bactéria terá sido contraída quando o pintor ficou ferido durante um duelo, tendo Caravaggio começado a apresentar sintomas de febre entre 15 dias e um mês após ter sofrido o ferimento.
Esta última luta obrigou Caravaggio a fugir, embarcado de Nápoles, mas foi preso numa paragem em Palo, perto de Roma. Depois de libertado seguiu a pé para norte, até Porto Ercole, na Toscânia, onde morreu no dia 18 de julho de 1610, aos 38 anos, num hospital com sinais de febre maligna e sépsis, tendo sido enterrado no cemitério local.  
Mais de 400 anos após a morte do pintor italiano, cujo verdadeiro nome era Michelangelo Merisi, um grupo de investigadores procurou no velho cemitério italiano os restos mortais que pudessem corresponder à descrição de um homem de cerca de 1,65 metros entre os 35 e 40 anos de idade. E dos 9 resultados chegou-se a uma correspondência após um longo processo de análises, que passaram por testes de carbono para datar a idade do esqueleto, de ADN, para estabelecer a ligação à família Merisi, e testes à respetiva estrutura óssea, que revelaram a presença de níveis elevados de chumbo, um componente das tintas usadas pelo pintor. E, para chegarem à causa da morte analisaram restos da polpa dentária de Caravaggio e procederam a outras análises específicas de ADN, que permitiram concluir que a sépsis resultante de uma infeção provocada pelos ferimentos da luta em que se envolveu foi a causa da morte, excluindo outras hipóteses como a malária ou a brucelose.
Assim, o pintor Michelangelo Merisi da Caravaggio morreu devido a uma infeção bacteriana.
A este respeito, um comunicado do Instituto IHU Méditerranée Infection de Marselha – o centro de estudos responsável pela investigação –, citado pela AFP no dia 18 de setembro, revelou:
Graças à cooperação com antropólogos italianos e com a microbiologista Giuseppe Cornaglia, as equipas do Hospital Universitário Mediterrâneo de Marselha (IHU) conseguiram extrair dentes do esqueleto de Caravaggio. Os investigadores extraíram a polpa dentária, rica em vasos sanguíneos. Combinando três métodos de deteção do ADN, ‘o assassino foi identificado: um Staphylococcus aureus’.”.
***
Caravaggio foi um dos pintores que revolucionaram a pintura dos séculos XVI-XVII, destacando-se pelo realismo dos seus quadros. Foi mesmo um dos maiores artistas do barroco italiano que viveu na segunda metade do século XVI e nos primeiros anos do século XVII. Dono de uma personalidade forte e um estilo extravagante, grande parte de sua obra chocou a sociedade. A sua pintura foi considerada revolucionária para a época, seja nas técnicas utilizadas, seja nas pessoas retratadas. Ele mesmo dizia de si:
Não sou um pintor valentão, como me chamam, mas sim um pintor valente, isto é, que sabe pintar bem e imitar bem as coisas naturais.
Produziu diversas obras, de que se destacam: Baco, Narciso, Medusa, Os Trapaceiros, A Ceia em Emaús, Judith e Holofernes, Os Músicos, O Tocador de Alaúde, A Flagelação de Cristo, A Vocação de São Mateus, O Êxtase de São Francisco de Assis, São Francisco de Assis em Meditação, David com a Cabeça de Golias, A Decapitação de João Batista, A Crucificação de São Pedro.
Com um estilo singular, Caravaggio expressou forte realismo em suas obras. Em grande parte delas prevalecem os temas religiosos e mitológicos. Utilizou jogos de luzes e sombras, técnica típica do estilo barroco chamada de “claro-escuro” (em italiano, chiaroscuro). Assim, o fundo nas suas obras era composto de cores escuras que muitas vezes confundiam os espectadores. É o “tenebrismo”, designação dada à técnica em que ele utilizava luz e cor em primeiro plano sobre um fundo escuro. Essa caraterística, presente nas suas obras, oferecia um ar sombrio e maior dramaticidade às personagens retratadas. E o foco maior do artista estava em expressar o rosto e os sentimentos das figuras retratadas. A grande questão é que ele produziu obras com foco nos aspetos mundanos, ou seja, sem grandes idealizações. Gostava de representar as pessoas como eles eram e como ele as via nas ruas de Roma.
Uma das obras do pai do tenebrismo, a Natividade com São Francisco e São Lorenzo, pintada em 1609, na cidade siciliana de Palermo, para o Oratório de San Lorenzo, é um dos tesouros artísticos desaparecidos, segundo o El País, Brasil. Os outros são: o ‘Templo de Salomão’, em Jerusalém; ‘O Homem na Encruzilhada”, mural de Diego Rivera; ‘O Camponês Catalão em Rebeldia’, de Joan Miró; o ‘Colosso de Rodes’; ‘Leda e o cisne’, de Leonardo dá Vinci; ‘Bent Propeller’, escultura de Alexander Calder para o World Trade Center; Budas de Bamiyan; o ‘Santo Graal’; e ‘As ninfeias’, de Claude Monet.  
Poucos desaparecimentos foram mais rocambolescos que a predita pintura de Caravaggio, roubada pela máfia siciliana, em 1969, com brutalidade, cortando a tela com uma lâmina de barbear. Continua a ser uma das obras de arte mais procuradas pelo FBI e pelos Carabinieri. Pela Sicília circula todo o tipo de rumor, desde a sua destruição por via dum terramoto a um ataque duma vara de porcos. Para acrescentar mais confusão aos rumores, um mafioso arrependido declarou recentemente que a peça foi tirada do país por um antiquário suíço, já falecido, e depois vendida por bagatela no mercado negro. O certo é que aquilo que os visitantes podem admirar atualmente no Oratório de San Lorenzo é uma versão digitalizada do original.
Poderia facilmente chegar a 20 milhões de dólares, dado o limitado número de obras que existem de Caravaggio, sem dúvida um dos melhores e mais originais pintores da história.
***
O nome Caravaggio refere-se ao nome da cidade onde ele viveu. Alguns historiadores acreditam que nasceu em Milão e mais tarde, passou a viver na vila de Caravaggio. Isso porque a sua família fugia da peste em Milão.
Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, nasceu a 29 de setembro de 1571 na cidade de Porto Ercole, na comuna de Monte Argentario, Itália. O pai faleceu quando ele tinha 6 anos.
Com 12 anos frequentou o ateliê de Simone Peterzano, em Milão, o que lhe despertou o interesse pelas artes plásticas. Ali, permaneceu como aprendiz durante uns anos. Ao perfazer 18 anos, faleceu-lhe a mãe faleceu. Destinado a viver como pintor, Caravaggio foi viver em Roma. Ali trabalhou como aprendiz em diversos ateliês. No início, teve uma vida difícil, chegando a passar fome e vivendo nas ruas da grande cidade. Assim, passou a vender pinturas nas ruas até começar a trabalhar para o Cardeal Del Monte, patrono da escola de pintores de Roma, a chamada “Academia de São Lucas”. Foi durante esse período que Michelangelo Caravaggio produziu diversas obras de cunho religioso. No entanto, começou a ter problemas com os excessos da vida boémia que levava. Nesse contexto, ficou endividado e recusou trabalho por ser fiel ao seu estilo. E matou o nobre Tommasoni, procurador, por desavenças num jogo de pallacorda, em 1606, após o que fugiu de Roma para Nápoles. E, mais tarde, foi para ilha de Malta, onde chegou a ser preso por ter brigado com um nobre. Depois disso, partiu para a Sicília, passando pelas cidades de Siracusa, Messina e, por fim, Palermo.
Em 1609, Caravaggio retornou a Nápoles, onde foi ferido pelos amigos do nobre com quem havia brigado. Machucado e acometido pela malária, faleceu, como foi referido, no dia 18 de julho de 1610, aos 38 anos.
Dias depois de sua morte, o Papa de Roma absolveu-o do assassinato que perpetrou.
Surgiram controvérsias sobre a sua morte, sendo que alguns acreditavam que fora assassinado numa praia, a norte de Roma, não tendo sido encontrado o seu corpo até a ano de 2010, ano a partir do qual se começou a fazer luz até à descoberta publicada nestes últimos dias.
Viveu, assim, os últimos 4 anos de vida em exílio, depois de ter fugido de Roma, após o que faleceu por infeção bacteriana. Os seus restos mortais foram encontrados em 2010 nas escavações dum cemitério em Porto Ercole, Tuscania. Os cientistas, através de testes de ADN e de datação por carbono, concluíram, com 85% de fiabilidade, tratar-se de Michelangelo Merisi da Caravaggio.
***
Entretanto, Silvano Vinceti, o investigador que anunciou os resultados, disse que, através da análise das ossadas, foi também encontrada uma alta concentração de chumbo, chumbo que provinha provavelmente das suas tintas. De facto, “ele era conhecido por ser extremamente desorganizado com elas”. Ora, segundo o investigador, o envenenamento por chumbo não mata por si só – ele tinha feridas infetadas e sofria de uma insolação – mas foi uma das causas.
Os historiadores terão de reescrever as frases finais da biografia do grande pintor barroco Michelangelo Merisi. Com efeito, o aludido novo estudo realizado por um prestigioso centro hospitalar e universitário, o Instituto IHU Méditerranée Infection de Marselha, conduzido por 7 cientistas franceses e italianos e publicado pela revista “Lancet Infectious”, demonstra que o artista italiano não morreu de sífilis, malária ou brucelose como se acreditou durante quatro séculos, mas por uma infecção que contraiu durante uma briga em que foi ferido com uma espada. Conhecido por seu temperamento fogoso, que lhe custou vários exílios na vida, o pintor faleceria poucos dias depois numa pequena localidade da Toscana, aos 38 anos.
Foi a sua arcada dentária a chave do segredo da causa da sua morte
O segredo estava na sua arcada dentária. A equipa de pesquisadores examinou a polpa dos seus molares, caninos e incisivos, onde abundam os vasos sanguíneos, para descobrir a causa real da morte, o que permitiu detetar – segundo um dos autores do estudo, Michel Drancourt, professor de microbiologia médica – os micróbios que o organismo do pintor continha no momento da sua morte. A partir dessa amostra extraída dos seus dentes, foi examinada, em primeiro lugar, a presença de sífilis, malária ou brucelose, que eram algumas das hipóteses mais habituais sobre a morte do pintor. Mas, como refere Didier Raoult, diretor desse instituto marselhês especializado na chamada paleomicrobiologia, todos os exames deram negativo. E “foi ao utilizar métodos mais amplos de análise do DNA que começamos a obter as pistas que nos levaram a esta conclusão”, como disse o cientista que resume: “Utilizamos técnicas próprias da polícia científica para resolver mistérios do passado”. Neste caso, o assassino era o Staphylococcus aureus, uma bactéria.
Porém, antes de fazer a análise, foi preciso encontrar o esqueleto de Michelangelo Merisi da Caravaggio. Uma equipa dirigida pelo microbiólogo italiano Giuseppe Cornaglia conseguiu localizá-lo num cemitério de Porto Ercole, a localidade da Toscana onde morreu após fugir de Nápoles. A equipa fez uma triagem dos restos mortais encontrados, selecionando apenas os esqueletos correspondentes a um homem de 1,65 metros de altura e idade entre 35 e 40 anos no momento da morte. Encontraram nove ao todo, mas só um deles datava do século XVII, segundo o exame de carbono-14. E frisa Drancourt:
Uma comparação genética com os habitantes de Porto Ercole que têm o mesmo sobrenome que Caravaggio [Merisi ou Merisio] permitiu confirmar que se tratava, com altíssima probabilidade, do esqueleto do pintor”.
A análise de cadáveres de outros séculos não é só uma curiosidade, já que, segundo Drancourt, permite entender melhor as epidemias do presente, porque “observar o que aconteceu no passado nos pode ajudar a combater o que acontece hoje em lugares como Madagáscar”, como assinalou numa referência ao recente surto de peste bubónica e pneumónica naquela ilha africana. E o especialista vinca:
Na verdade, não temos um gosto específico pelas personagens históricas. Em 98% dos casos, os estudos são feitos com os corpos de pessoas anónimas.”.
Porém, a nova hipótese sobre a morte do artista não entusiasma muito Pierre Curie, grande especialista em pintura italiana do século XVII e conservador do Museu Jacquemart-André de Paris, que inaugurou hoje, dia 20 de setembro, uma exposição que inclui 10 obras de Caravaggio procedentes dos maiores museus italianos. A este respeito, disse Curie, partidário de se deixarem os cadáveres em paz:
É fruto [a nova hipótese] de um fetichismo que não contribui muito nem para a glória do artista nem para a história da arte. Acho insalubre ficar procurando esqueletos em cemitérios.”.
Embora não acredite que as investigações sobre o pintor tendam a acabar, assegura:
Haverá outras no futuro, porque não sabemos grande coisa sobre sua vida. Caravaggio é uma personagem que nos escapa. E talvez seja melhor assim, porque isso nos permite projetar o que quisermos na obra desse grande pintor.”.
***
A vida bastante desconhecida e algo lendária de Caravaggio gera, a partir de ontem, dia 19, um entendimento diferente. E continua a valer a pena visionar o documentário “Caravaggio – O Mestre dos Pincéis e da Espada” retrata a vida do pintor. Dirigido por Helio Goldsztejn, foi produzido pela TV Cultura e a Malabar Filmes em 2012.
2018.09.20 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário