Como revelou a Rádio Renascença hoje, dia 3 de setembro, os bispos portugueses
associam-se ao “sofrimento do Santo Padre e de toda a Igreja”, comprometendo-se
a seguir as suas orientações para erradicar os abusos de menores. E manifestam explícita
e inequivocamente o seu “total apoio” em carta enviada ao Papa Francisco e
divulgada esta segunda-feira no Simpósio do Clero, que se manifestou, em bloco,
solidário e em comunhão com o Papa.
E Dom António Augusto Azevedo, Bispo
Auxiliar do Porto e presidente da Comissão
das Vocações e Clero, sublinhou que, “nestes tempos em que algumas
notícias e acontecimentos têm ensombrado o ministério sacerdotal, a nossa
presença significa que acreditamos na santidade do sacerdócio e na sua força
profética” e que “a comunhão com o Papa Francisco implica que
partilhemos do seu sonho de um renovado impulso missionário para a Igreja”
A predita carta refere que “os Bispos
de Portugal”, reunidos em Fátima para o simpósio do clero sob o tema ‘O Padre:
ministro e testemunha da alegria do Evangelho’, aproveitam o
ensejo para, antes de mais, agradecer a Francisco “a oportuna e corajosa Carta ao Povo de Deus sobre o drama do
abuso de menores por parte de membros responsáveis da Igreja”.
A Carta ao Povo de Deus foi divulgada a 20
de agosto, depois de ser conhecido um relatório do Estado da Pensilvânia, nos
Estados Unidos, a dar conta de abusos sexuais de menores ao longo de 70 anos e que
terão atingido mais de mil vítimas. Nela, Francisco expressa “vergonha e
arrependimento pelos crimes cometidos na Igreja” e “pede a todos os
católicos que se envolvam na condenação de abusos de menores e na solidariedade
com as vitimas”.
Agora, os bispos portugueses
escrevem:
“Também nós partilhamos o sofrimento do
Santo Padre e de toda a Igreja e propomo-nos seguir as orientações para erradicar
as causas desta chaga”.
A seguir, fazem referência implícita
à carta de Monsenhor Vigano, ex-núncio apostólico em Washington, que pediu a
renúncia de Francisco. A este respeito, a carta do Episcopado Português, cuja
leitura suscitou muitos aplausos no Centro Paulo VI, onde decorre o Simpósio do
Clero (de 3 a 6 de
setembro), sublinha na
posição dos prelados:
“Neste
momento, perante tentativas de pôr em causa a credibilidade do Seu ministério,
queremos manifestar-lhe a nossa fraterna proximidade e o total apoio à sua
pessoa, pela comunhão com a sua missão de Pastora universal e a completa adesão
ao seu magistério”.
E a
carta termina, em jeito de oração, pedindo a intercessão de Nossa Senhora de
Fátima “para que Deus fortaleça” o Papa “na incansável missão de animar,
orientar, e renovar a Igreja com ‘a alegria do Evangelho’”.
***
Estava a aguardar uma posição coletiva do Episcopado Português, que
parecia não haver meio de aparecer. Porém, confesso que a sua leitura perante
os sacerdotes reunidos em simpósio tem um impacto maior do que se fosse
divulgada pela Comunicação Social, a quem poderia passar ao de leve ou
desconhecida, uma vez que não dá conta de qualquer escândalo. Só gostava que a
carta fosse explícita na posição contra o ultraconservadorismo malévolo que
pretende desacreditar e depor o Papa. E, a meu ver, os nossos bispos, que
gastam o discurso a citar e a elogiar este Papa, devem à Igreja esta coerência
e uma posição clara.
Todavia, há que frisar a existência de bons precedentes.
O Cardeal Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, deu, a 29 de agosto,
uma entrevista ao “Observador” em que
denuncia a “campanha organizada entre os ultraconservadores para ferirem de
morte o Papa Francisco” e aproveita a ocasião para abordar várias
questões referentes à Igreja que andam presentemente nas “bocas do mundo”,
fazendo-o com clareza e frontalidade.
Sobre a suficiência ou não dos pedidos de desculpa que se têm multiplicado,
o prelado disse:
“Isso era necessário,
era a primeira coisa. Agora, é preciso não esquecer que a Igreja já está a
trabalhar no campo. Basta, por exemplo, referir que o Papa instituiu a
Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, com membros de grande
qualidade, seja da parte da hierarquia seja da parte dos leigos independentes.”.
E, sobre o facto de a dita
Comissão ter um período conturbado, com a saída de Marie Collins no ano
passado, e ter sido reativada este ano, declarou:
“O Papa explicou isso
agora na entrevista com os jornalistas no voo de regresso a Roma. Não pôs em
causa o trabalho da Comissão para julgar os casos. Concretamente, era preciso
fazer uma comissão particular para os casos dos bispos, uma vez que outros
bispos têm também de participar no juízo, e isso dificultava o trabalho. Bom, e
as várias conferências episcopais também já definiram um conjunto de normas
para enfrentar os casos que aparecem.”.
Depois, chamou a atenção para o documento da Conferência Episcopal, de
2012, publicado na sua página web,
que é
um conjunto de normas redigido em obediência à Santa Sé, que “obrigou todas as conferências
episcopais a fazê-las e a aplicá-las de modo concreto em cada país”. São normas
que visam a prevenção e a proteção sobre o abuso de crianças e de adultos
vulneráveis.
No dia 2 de setembro, em Fátima, no fim da Missa de domingo a que
presidiu, o Cardeal Marto pediu “profunda comunhão” com Francisco e o apoio ao
Pontífice diante do “ataque ignóbil e organizado” de que está a ser vítima. E lembrou a visão da Jacinta em que contava à Lúcia que
via o Santo Padre a ser agredido e insultado, referindo que “é isso que está a acontecer!”.
Com a voz
visivelmente embargada, no final da celebração e antes de dar a bênção final,
Dom António Marto referiu-se ao momento que a Igreja vive, para “um
esclarecimento e um pedido”:
“Todos nós sabemos que estamos a viver um
momento muito doloroso para a nossa Igreja por causa dos escândalos de abuso de
menores cometidos por responsáveis da Igreja, em particular nos Estados Unidos
e na Irlanda; igualmente doloroso porque estamos a assistir a um ataque ignóbil
e organizado contra a pessoa do Santo Padre, procurando pôr em causa a sua
credibilidade e procurando criar uma divisão na Igreja.”.
Lembrando que
a situação não é nova e está bem presente na Mensagem de Fátima, disse:
“Queria recordar que Nossa Senhora aqui em
Fátima, há cem anos, veio pedir oração e penitência pelos pecados do mundo e da
Igreja para que não se repitam mais estes escândalos e veio pedir também para
que a Igreja permaneça unida ao Santo Padre e não se deixe dividir”.
E concluiu:
“Daqui de Fátima vamos dizer ao Santo Padre
que escutámos o seu apelo na carta que escreveu ao Povo de Deus para todos,
todos, nos empenharmos na criação de uma cultura de proteção e prevenção
dos menores para que nunca mais se repitam estes escândalos na Igreja e
dizer-lhe também que rezamos por ele para que Deus, por intercessão de Nossa
Senhora, o proteja, à sua pessoa, ao seu ministério e à reforma da Igreja
que ele está a realizar”.
É de
registar que Dom António Marto foi o primeiro bispo português a referir-se ao momento
que a Igreja atravessa, na referida entrevista ao Observador, considerando que a divulgação da carta do antigo
embaixador do Vaticano nos EUA, a alegar que o Papa sabia há 5 anos de
acusações de abusos sexuais relativas a um cardeal norte-americano, faz parte
de “uma campanha organizada pelos
ultraconservadores para ferirem de morte” o líder da Igreja.
O Cardeal
disse que os crimes de pedofilia – “uma
catástrofe de ordem espiritual, moral e pastoral” – praticados por padres
católicos, que têm sido divulgados nos últimos anos, e que ganharam dimensão
nas últimas semanas, deixaram os membros da Igreja Católica
“profundamente chocados” e suscitaram um “sentimento de grande humilhação” na
Igreja.
Perante esta
“hecatombe”, o prelado concorda que os pedidos de desculpa não chegam, mas
garante que o Papa Francisco está a trabalhar no sentido de reformar a Igreja
também neste campo, emitindo normas mais estritas que impeçam o encobrimento
dos casos e implementando formas de realizar julgamentos canónicos a bispos e
cardeais que ocultem casos de pedofilia de que tenham conhecimento “para salvaguardar o bom nome da instituição,
esquecendo a dignidade das pessoas que foram feridas e ofendidas”.
Perante
milhares de peregrinos portugueses, alemães, italianos, espanhóis, irlandeses,
brasileiros e da América do Sul, em geral, e debaixo dum calor tórrido, fez, à
homilia, uma meditação “breve” sobre o Evangelho proclamado este domingo, na
qual desafiou os peregrinos a fazerem um exame de consciência permanente
sobre o estado do seu coração, não o “estado
físico mas da relação com Deus”. Com efeito, segundo o prelado, “o que
conta é um coração puro e purificado, pois é aquilo que sai de dentro do homem,
que sai do seu interior, que o torna impuro”; é verdadeiramente “do coração que
saem as más intenções” e as situações que, na vida, nos tornam impuros, tais
como: “imoralidades, roubos,
assassínios, adultérios, cobiça, injustiças, fraudes, devassidão, inveja,
difamação, orgulho e insensatez”.
Depois, esclareceu
que Jesus nos chama “a cuidar do nosso
coração, do interior dele porque a fronteira entre o bem e o mal não passa fora
de nós, mas dentro de nós”. E estabeleceu uma comparação com a água, que,
se sai inquinada na fonte, corre envenenada. Assim, também as ações
que resultam de um coração envenenado “serão envenenadas”. Por isso,
acrescentou:
“Temos de fazer um exame de consciência
sobre o estado de saúde da nossa consciência que depois está na base das nossas
ações”.
E terminou
enunciando uma das bem-aventuranças e fazendo um apelo:
“Felizes os puros de coração – dizem as
bem-aventuranças. Peçamos a Deus, por intercessão de Nossa Senhora, que infunda
em nós o amor a Ele […], que estreite a nossa união íntima de filhos com Ele,
que Faça arder sempre a caridade e o amor fraterno para que O possamos servir
nos nossos irmãos.”.
Também Dom
António Moiteiro, Bispo de Aveiro, tomou posição clara a 31 de agosto, através
dum comunicado aos diocesanos. Nele se repudiam “todos
os abusos sexuais contra vítimas inocentes e indefesas” e se reafirma que tudo se
fará para que tais crimes sejam abolidos da sociedade, “fazendo justiça na
defesa das vítimas e denunciando os culpados”.
Considerando que “a
Igreja é santa e pecadora, sempre necessitada de conversão e renovação”,
sublinha-se o esforço que Francisco, na continuação dos Papas que o precederam,
tem vindo a fazer para tornar a Igreja mais evangélica, em diálogo com o mundo
atual e para responder a problemas novos que se colocam à nossa ação pastoral,
merecendo “todo o nosso apoio como povo de Deus em terras de Aveiro”.
Assim, convidam-se todos os diocesanos ao “assentimento
filial aos ensinamentos do magistério do Papa”, ao compromisso com a “renovação
da nossa Igreja e do mundo em que vivemos” e à prece ao Espírito Santo para que
“nos ilumine nesta missão, que diz respeito a todos nós”.
E pede-se que este Comunicado seja dado a conhecer
através dos meios de comunicação social da Diocese e nas Eucaristias dominicais.
***
Também o Cardeal Patriarca de Lisboa,
com quem o Papa se solidarizou por o prelado lisbonense ter sido mal
compreendido na aplicação da Amoris
Laetitia escreveu, a 1 de setembro, uma carta aos diocesanos em que uma das
frases que se lê é “estamos com o Papa”.
É uma carta
de início de ano, com as linhas mestras para as atividades das paróquias ao
longo do próximo ano pastoral, que está prestes a começar. Mas Dom Manuel
Clemente faz questão de pedir comunhão profunda com o Papa Francisco – um
pedido significativo, tendo em conta a polémica à volta da Papa depois da
divulgação, no dia 26 de agosto, duma carta de Monsenhor Vigano, ex-núncio
apostólico em Washington.
***
Enfim, é com
gosto que vejo os responsáveis eclesiais portugueses de todo e os obreiros no
terreno inequivocamente solidários com o Papa e com a reforma da Igreja que ele está a empreender – sinal de que não estamos à espera de nenhuma “viradeira”
que nos leve à pesada tradição que asfixia, mas que estamos no rumo da refontalização
evangélica lida em contínua consonância com a leitura dos sinais dos tempos. E isto
dignifica e liberta!
2018.09.03 – Louro de Carvalho
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