segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Já não era sem tempo: bispos portugueses manifestam total apoio ao Papa


Como revelou a Rádio Renascença hoje, dia 3 de setembro, os bispos portugueses associam-se ao “sofrimento do Santo Padre e de toda a Igreja”, comprometendo-se a seguir as suas orientações para erradicar os abusos de menores. E manifestam explícita e inequivocamente o seu “total apoio” em carta enviada ao Papa Francisco e divulgada esta segunda-feira no Simpósio do Clero, que se manifestou, em bloco, solidário e em comunhão com o Papa.
E Dom António Augusto Azevedo, Bispo Auxiliar do Porto e presidente da Comissão das Vocações e Clero, sublinhou que, “nestes tempos em que algumas notícias e acontecimentos têm ensombrado o ministério sacerdotal, a nossa presença significa que acreditamos na santidade do sacerdócio e na sua força profética” e que “a comunhão com o Papa Francisco implica que partilhemos do seu sonho de um renovado impulso missionário para a Igreja”
A predita carta refere que “os Bispos de Portugal”, reunidos em Fátima para o simpósio do clero sob o tema O Padre: ministro e testemunha da alegria do Evangelho, aproveitam o ensejo para, antes de mais, agradecer a Francisco “a oportuna e corajosa Carta ao Povo de Deus sobre o drama do abuso de menores por parte de membros responsáveis da Igreja”.
A Carta ao Povo de Deus foi divulgada a 20 de agosto, depois de ser conhecido um relatório do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, a dar conta de abusos sexuais de menores ao longo de 70 anos e que terão atingido mais de mil vítimas. Nela, Francisco expressa “vergonha e arrependimento pelos crimes cometidos na Igreja” e “pede a todos os católicos que se envolvam na condenação de abusos de menores e na solidariedade com as vitimas”.
Agora, os bispos portugueses escrevem:
Também nós partilhamos o sofrimento do Santo Padre e de toda a Igreja e propomo-nos seguir as orientações para erradicar as causas desta chaga”.
A seguir, fazem referência implícita à carta de Monsenhor Vigano, ex-núncio apostólico em Washington, que pediu a renúncia de Francisco. A este respeito, a carta do Episcopado Português, cuja leitura suscitou muitos aplausos no Centro Paulo VI, onde decorre o Simpósio do Clero (de 3 a 6 de setembro), sublinha na posição dos prelados:
Neste momento, perante tentativas de pôr em causa a credibilidade do Seu ministério, queremos manifestar-lhe a nossa fraterna proximidade e o total apoio à sua pessoa, pela comunhão com a sua missão de Pastora universal e a completa adesão ao seu magistério”.
E a carta termina, em jeito de oração, pedindo a intercessão de Nossa Senhora de Fátima “para que Deus fortaleça” o Papa “na incansável missão de animar, orientar, e renovar a Igreja com ‘a alegria do Evangelho’”.
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Estava a aguardar uma posição coletiva do Episcopado Português, que parecia não haver meio de aparecer. Porém, confesso que a sua leitura perante os sacerdotes reunidos em simpósio tem um impacto maior do que se fosse divulgada pela Comunicação Social, a quem poderia passar ao de leve ou desconhecida, uma vez que não dá conta de qualquer escândalo. Só gostava que a carta fosse explícita na posição contra o ultraconservadorismo malévolo que pretende desacreditar e depor o Papa. E, a meu ver, os nossos bispos, que gastam o discurso a citar e a elogiar este Papa, devem à Igreja esta coerência e uma posição clara.    
Todavia, há que frisar a existência de bons precedentes.
O Cardeal Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, deu, a 29 de agosto, uma entrevista ao “Observador” em que denuncia a “campanha organizada entre os ultraconservadores para ferirem de morte o Papa Francisco” e aproveita a ocasião para abordar várias questões referentes à Igreja que andam presentemente nas “bocas do mundo”, fazendo-o com clareza e frontalidade.
Sobre a suficiência ou não dos pedidos de desculpa que se têm multiplicado, o prelado disse:
Isso era necessário, era a primeira coisa. Agora, é preciso não esquecer que a Igreja já está a trabalhar no campo. Basta, por exemplo, referir que o Papa instituiu a Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, com membros de grande qualidade, seja da parte da hierarquia seja da parte dos leigos independentes.”.
E, sobre o facto de a dita Comissão ter um período conturbado, com a saída de Marie Collins no ano passado, e ter sido reativada este ano, declarou:
O Papa explicou isso agora na entrevista com os jornalistas no voo de regresso a Roma. Não pôs em causa o trabalho da Comissão para julgar os casos. Concretamente, era preciso fazer uma comissão particular para os casos dos bispos, uma vez que outros bispos têm também de participar no juízo, e isso dificultava o trabalho. Bom, e as várias conferências episcopais também já definiram um conjunto de normas para enfrentar os casos que aparecem.”.
Depois, chamou a atenção para o documento da Conferência Episcopal, de 2012, publicado na sua página web, que é um conjunto de normas redigido em obediência à Santa Sé, que “obrigou todas as conferências episcopais a fazê-las e a aplicá-las de modo concreto em cada país”. São normas que visam a prevenção e a proteção sobre o abuso de crianças e de adultos vulneráveis.
No dia 2 de setembro, em Fátima, no fim da Missa de domingo a que presidiu, o Cardeal Marto pediu “profunda comunhão” com Francisco e o apoio ao Pontífice diante do “ataque ignóbil e organizado” de que está a ser vítima. E lembrou a visão da Jacinta em que contava à Lúcia que via o Santo Padre a ser agredido e insultado, referindo que “é isso que está a acontecer!”.
Com a voz visivelmente embargada, no final da celebração e antes de dar a bênção final, Dom António Marto referiu-se ao momento que a Igreja vive, para “um esclarecimento e um pedido”:
Todos nós sabemos que estamos a viver um momento muito doloroso para a nossa Igreja por causa dos escândalos de abuso de menores cometidos por responsáveis da Igreja, em particular nos Estados Unidos e na Irlanda; igualmente doloroso porque estamos a assistir a um ataque ignóbil e organizado contra a pessoa do Santo Padre, procurando pôr em causa a sua credibilidade e procurando criar uma divisão na Igreja.”.
Lembrando que a situação não é nova e está bem presente na Mensagem de Fátima, disse:
Queria recordar que Nossa Senhora aqui em Fátima, há cem anos, veio pedir oração e penitência pelos pecados do mundo e da Igreja para que não se repitam mais estes escândalos e veio pedir também para que a Igreja permaneça unida ao Santo Padre e não se deixe dividir”.
E concluiu:
Daqui de Fátima vamos dizer ao Santo Padre que escutámos o seu apelo na carta que escreveu ao Povo de Deus para todos, todos, nos empenharmos  na criação de uma cultura de proteção e prevenção dos menores para que nunca mais se repitam estes escândalos na Igreja e dizer-lhe também que rezamos por ele para que Deus, por intercessão de Nossa Senhora,  o proteja, à sua pessoa, ao seu ministério e à reforma da Igreja que ele está a realizar”.
É de registar que Dom António Marto foi o primeiro bispo português a referir-se ao momento  que a Igreja atravessa, na referida entrevista ao Observador, considerando que a divulgação da carta do antigo embaixador do Vaticano nos EUA, a alegar que o Papa sabia há 5 anos de acusações de abusos sexuais relativas a um cardeal norte-americano, faz parte de “uma campanha organizada pelos ultraconservadores para ferirem de morte” o líder da Igreja.
O Cardeal disse que os crimes de pedofilia – “uma catástrofe de ordem espiritual, moral e pastoral” – praticados por padres católicos, que têm sido divulgados nos últimos anos, e que ganharam dimensão nas últimas semanas,  deixaram os membros da Igreja Católica “profundamente chocados” e suscitaram um “sentimento de grande humilhação” na Igreja.
Perante esta “hecatombe”, o prelado concorda que os pedidos de desculpa não chegam, mas garante que o Papa Francisco está a trabalhar no sentido de reformar a Igreja também neste campo, emitindo normas mais estritas que impeçam o encobrimento dos casos e implementando formas de realizar julgamentos canónicos a bispos e cardeais que ocultem casos de pedofilia de que tenham conhecimento “para salvaguardar o bom nome da instituição, esquecendo a dignidade das pessoas que foram feridas e ofendidas”.
Perante milhares de peregrinos portugueses, alemães, italianos, espanhóis, irlandeses, brasileiros e da América do Sul, em geral, e debaixo dum calor tórrido, fez, à homilia, uma meditação “breve” sobre o Evangelho proclamado este domingo, na qual  desafiou os peregrinos a fazerem um exame de consciência permanente sobre o estado do seu coração, não o “estado físico mas da relação com Deus”. Com efeito, segundo o prelado, “o que conta é um coração puro e purificado, pois é aquilo que sai de dentro do homem, que sai do seu interior, que o torna impuro”; é verdadeiramente “do coração que saem as más intenções” e as situações que, na vida, nos tornam impuros, tais como:  “imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiça, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho e insensatez”.
Depois, esclareceu que Jesus nos chama “a cuidar do nosso coração, do interior dele porque a fronteira entre o bem e o mal não passa fora de nós, mas dentro de nós”. E estabeleceu uma comparação com a água, que, se sai inquinada  na fonte, corre envenenada.  Assim, também as ações que resultam de um coração envenenado “serão envenenadas”. Por isso, acrescentou:
Temos de fazer um exame de consciência sobre o estado de saúde da nossa consciência que depois está na base das nossas ações”.
E terminou enunciando uma das bem-aventuranças e fazendo um apelo:
Felizes os puros de coração – dizem as bem-aventuranças. Peçamos a Deus, por intercessão de Nossa Senhora, que infunda em nós o amor a Ele […], que estreite a nossa união íntima de filhos com Ele, que Faça arder sempre a caridade e o amor fraterno para que O possamos servir nos nossos irmãos.”.

Também Dom António Moiteiro, Bispo de Aveiro, tomou posição clara a 31 de agosto, através dum comunicado aos diocesanos. Nele se repudiam “todos os abusos sexuais contra vítimas inocentes e indefesas” e se reafirma que tudo se fará para que tais crimes sejam abolidos da sociedade, “fazendo justiça na defesa das vítimas e denunciando os culpados”.
Considerando que “a Igreja é santa e pecadora, sempre necessitada de conversão e renovação”, sublinha-se o esforço que Francisco, na continuação dos Papas que o precederam, tem vindo a fazer para tornar a Igreja mais evangélica, em diálogo com o mundo atual e para responder a problemas novos que se colocam à nossa ação pastoral, merecendo “todo o nosso apoio como povo de Deus em terras de Aveiro”.
Assim, convidam-se todos os diocesanos ao “assentimento filial aos ensinamentos do magistério do Papa”, ao compromisso com a “renovação da nossa Igreja e do mundo em que vivemos” e à prece ao Espírito Santo para que “nos ilumine nesta missão, que diz respeito a todos nós”.
E pede-se que este Comunicado seja dado a conhecer através dos meios de comunicação social da Diocese e nas Eucaristias dominicais.
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Também o Cardeal Patriarca de Lisboa, com quem o Papa se solidarizou por o prelado lisbonense ter sido mal compreendido na aplicação da Amoris Laetitia escreveu, a 1 de setembro, uma carta aos diocesanos em que uma das frases que se lê é “estamos com o Papa”.
É uma carta de início de ano, com as linhas mestras para as atividades das paróquias ao longo do próximo ano pastoral, que está prestes a começar. Mas Dom Manuel Clemente faz questão de pedir comunhão profunda com o Papa Francisco – um pedido significativo, tendo em conta a polémica à volta da Papa depois da divulgação, no dia 26 de agosto, duma carta de Monsenhor Vigano, ex-núncio apostólico em Washington.
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Enfim, é com gosto que vejo os responsáveis eclesiais portugueses de todo e os obreiros no terreno inequivocamente solidários com o Papa e com a reforma da Igreja que ele está a empreender – sinal de que não estamos à espera de nenhuma “viradeira” que nos leve à pesada tradição que asfixia, mas que estamos no rumo da refontalização evangélica lida em contínua consonância com a leitura dos sinais dos tempos. E isto dignifica e liberta!
2018.09.03 – Louro de Carvalho    

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