segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Pode estar à vista o fim da OPA da China Three Gorges à EDP


Estão em jogo os caprichos ou os interesses chineses, que parecem estar a falar mais alto. A comunicação social fala em ‘choque elétrico’ na China a poder precipitar o fim da OPA à EDP.
Pelos vistos, o Governo chinês impôs à CTG (China Three Gorges) a mudança de perspetiva. Passou a ser mais importante o controlo da REN, onde a China detém 25% do capital através da State Grid, que a EDP, onde detém pouco mais de 23% do capital através da CTG.
Quase de súpito, Pequim desfez a cúpula da CTG, a empresa que planeou a OPA (oferta pública de aquisição) à EDP. Começou por demitir Ya Yang, o administrador financeiro, e encaminhou-o para outra empresa pública chinesa. A seguir, anunciou a saída de Lu Chun, o chairman, para cujo lugar foi nomeado o vice-ministro dos Recursos Hídricos.
Embora o Governo chinês não tenha adiantado quaisquer razões para tais mudanças, elas dão-se em cargos sensíveis e no decurso dum potencial negócio de milhares de milhões pelo controlo da elétrica portuguesa – o que dá azo a que haja entre nós quem veja sinais de que a OPA chinesa poderá vir a ser retirada. Aventa-se mesmo a hipótese de que a reformulação na administração da CTG pode ter surgido em função do propósito da retirada da OPA sobre a EDP, lançada há cerca de quatro meses. No entanto, não se conhece qualquer decisão no sentido de deixar cair a OPA, visto que as diligências prosseguem o seu curso nas diferentes instâncias por onde a operação tem de passar para lograr êxito. Contudo, Pequim dispõe agora dum argumento de peso para afrouxar ou até anular o seu interesse pelo controlo da elétrica portuguesa. Com efeito, a nova liderança da CTG pode optar por uma nova estratégia a seguir e que não passe pela aquisição da totalidade do capital da elétrica nacional.
O ECO, jornal digital, terá apurado junto de fonte conhecedora do processo que “a CTG tem 21 razões para retirar a oferta, pois são 21 as jurisdições da OPA”, a que se junta agora esta. Mas as razões para estas mudanças são mais profundas e terão a ver com a estratégia chinesa no setor elétrico, cuja prioridade passa menos pela produção “EDP” que pelas infraestruturas de transporte e distribuição “REN”, onde a China dispõe dum ponta-de-lança de topo mundial, a State Grid, a maior empresa chinesa e que detém 25% da gestora da rede elétrica REN.
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As vozes que se levantaram contra a alienação de setores estratégicos para o interesse nacional, embora tenham criticado duramente (e ainda a lamentem) a venda da EDP à CTG, empresa pública chinesa, que obviamente tinha de estar ao serviço do desígnio dum Estado politicamente totalitário (embora economicamente aberto e ambicioso), criticaram ainda mais duramente a alienação da REN, que poderia vir a corporizar a ambição controladora do Estado chinês. De facto, se uma fonte falha, arranja-se outra, o que não sucede com os canais de distribuição, difíceis de substituir. E a entrevisão dos factos parece estar a dar razão aos críticos mais acérrimos.
Na verdade, pode inferir-se que o conflito dos interesses da CTG com os planos de Pequim para a State Grid está a criar este enorme ruído e que as primeiras consequências práticas se fizeram sentir “na semana passada com o afastamento da dupla que esteve por detrás da OPA à EDP”, como refere o ECO. Com efeito, Ya Yang saiu de administrador financeiro da CTG para a National Power Investment Group, de que foi nomeado vice-administrador financeiro. Porém, como ainda integra o Conselho Geral e de Supervisão da EDP, coloca-se de momento o problema de conflito de interesses que, segundo os estatutos da EDP, terá de ser resolvido. Depois, o Governo de Pequim exonerou Lu Chun do cargo de chairman e nomeou Lei Mingshan, um seu vice-ministro, para lhe suceder no cargo, o qual, em termos do modelo de governação chinês, assume funções executivas – mudança que denota a vontade de Pequim de controlo mais direto da estratégia da CTG. 
Tudo leva a crer que o Governo chinês fora apanhado de surpresa pela decisão da CTG de avançar com a OPA sobre a EDP ou, pelo menos, que o negócio terá sido anunciado sem terem sido considerados os riscos que o negócio poderia representar para a State Grid. Com efeito, à luz das diretivas europeias, já transpostas para a lei nacional, tem de haver uma clara separação entre os operadores da rede de transporte e as atividades de produção e comercialização. Nestes termos, os chineses teriam de abdicar da REN para manter a EDP.
Foi, pelo menos, isto o que Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, sinalizou numa resposta à eurodeputada Ana Gomes. Quanto ao mais, Juncker sublinhou que Bruxelas tem poucos instrumentos para intervir na OPA e frisou que incumbe às autoridades reguladoras nacionais analisar os riscos da operação.
Ora, Pequim fez contas. E, em face delas, a sua prioridade são a REN, a gestora da rede elétrica nacional, e a State Grid, a segunda maior empresa do mundo em termos de receitas (348,9 mil milhões de dólares), segundo os dados do ranking Global 500 da Fortune. Ora, a CTG nem sequer surge nesse ranking, já que faturou “apenas” 11,45 mil milhões de euros em 2016, o que espelha a real dimensão das duas empresas em termos comparativos, de que sai ganhadora a State Grid. Além disso, estando a OPA ainda por registar, o caminho sinuoso que a operação vem percorrendo junto das diversas jurisdições onde tem de ser aprovada implicará medidas que descaracterizarão a EDP, sobretudo no atinente ao apetecível negócio das renováveis nos EUA. Aliás, a OPA da CTG às renováveis terá ganhado concorrentes de peso nos últimos tempos, entre os seguintes: Enel (italiana), Iberdrola (espanhola), Engie (francesa) e E.on e RWE (alemãs).
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Por falar em conflitos de interesses resolvidos e a resolver, é do conhecimento público que a EDP está sem presidente da mesa da sua Assembleia Geral. É que, após a saída de António Vitorino, os nomes de Pedro Rebelo de Sousa e Menezes Cordeiro não passaram e os chineses não querem o atual vice-presidente. Na verdade, Vitorino, na sequência da sua eleição para diretor-geral da OIM (Organização Internacional para as Migrações), criada após a Segunda Guerra Mundial,  apresentou, já em julho, a renúncia ao cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral e, por inerência, ao cargo de membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, tal como teve de abandonar o conselho de administração do Santander Totta.
A renúncia, que era esperada, foi confirmada pela elétrica portuguesa em comunicado enviado à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).
Vitorino deixou a presidência da Mesa da Assembleia Geral da elétrica portuguesa ainda antes das reuniões magnas que podem ser decisivas no desfecho da OPA lançada pela CTG sobre a EDP e onde os acionistas devem decidir se levantam ou não a limitação aos direitos de voto da EDP. Atualmente, os chineses controlam, direta ou indiretamente, 28,25% do capital da utility nacional, mas os estatutos limitam a contagem de votos a apenas 25%. Assim, não é claro, dentro do atual enquadramento jurídico, se este acionista vai poder votar nesta reunião com 25% ou com 28,25% dos direitos de voto. Em última instância, prevalece a decisão e a interpretação jurídica do presidente da Mesa da Assembleia Geral.
Com a renúncia formal de Vitorino, os estatutos abriram a porta a dois cenários: ou Rui Medeiros, vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral, sobe ao cargo de presidente ou há lugar a nova Assembleia Geral para designar o sucessor a António Vitorino.
Ora, apesar de a renúncia do presidente da Assembleia Geral da EDP ter ocorrido em julho, até ao momento, não há sucessor escolhido. E a escolha não está fácil: Pedro Rebelo de Sousa e Menezes Cordeiro, dois nomes sondados para a função, ficaram descartados devido a conflitos de interesses; e os chineses não aceitam a ‘promoção’ do vice-presidente Rui Medeiros ao cargo de máximo responsável das assembleias de acionistas da elétrica.
A OPA foi lançada em maio e está à espera da avaliação dos reguladores internacionais, desde logo a ERSE. Mas os contornos jurídicos da oferta (a CTG, a maior acionista, apresentou uma oferta sobre a totalidade do capital da elétrica, oferecendo uma contrapartida de 3,26 euros por ação, além de outra OPA sobre a EDP Renováveis) tornam o presidente da Mesa da Assembleia Geral uma figura essencial do processo, por exemplo, na decisão sobre os votos que os chineses poderão usar na votação para a desblindagem dos estatutos da empresa, ou seja, se a CTG pode votar com 25% do capital ou com os 28,25% (resultantes da soma da sua participação com a de outra empresa pública chinesa). Por isso, tornou-se crítica a escolha do próximo presidente, mobilizando todos os acionistas e a própria gestão, liderada por António Mexia.
Pedro Rebelo de Sousa é presidente da assembleia geral do BCP e o fundo de pensões do banco é acionista de referência da EDP, pelo que se verifica a incompatibilidade na acumulação de funções com a de presidente da reunião magna da elétrica. Menezes Cordeiro, por sua vez, terá produzido pareceres para a EDP, o que também gera a questão do conflito de interesses. O atual vice-presidente da Assembleia Geral da EDP, Rui Medeiros, é advogado de direito público e é agora o presidente em exercício, mas a CTG já terá comunicado a Luís Amado, o presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, que não quer a promoção automática de Rui Medeiros. Por outro lado, o advogado em causa é da Sociedade “Sérvulo & Associados, pelo que haverá conflito de interesses, dado que aquele escritório trabalha há anos para a EDP e terá até escrito pareceres sobre a OPA em curso, o que porá em causa a independência de Medeiros. Há mesmo que diga que ele nem deveria ser membro da assembleia geral.
Luís Amado, na qualidade de presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, terá já alertado o ‘presidente em exercício’ da Mesa da Assembleia Geral para a necessidade urgente de se encontrar um novo presidente da mesa. É que, segundo os estatutos, o presidente da Mesa da Assembleia Geral integra, como independente, o próprio conselho geral, com o estatuto de administrador não executivo. Ora, com a saída de Vitorino, o conselho geral tem o mesmo número de administradores dependentes dos acionistas (ou seja, indicado por eles para os representarem) e de independentes, o que implica violação das regras de governação da companhia. Amado terá pedido a Medeiros a convocação duma sessão da Assembleia Geral para ultrapassar o problema e recompor os órgãos sociais, mas tal essa marcação ainda não está feita.
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Está visto que os chineses não abdicam das suas leis e regulamentos, mas também conhecem os dos outros e tentam cumpri-los e fazê-los cumprir. Todavia, acima de tudo, zelam como é óbvio, os seus interesses, não só em termos de preservação, mas sobretudo em termos de otimização, ainda que tenham de fazer opções drásticas, mesmo sem o darem a entender. São um exemplo!
2018.09.03 – Louro de Carvalho 

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