Estão em jogo os caprichos ou os interesses
chineses, que parecem estar a falar mais alto. A comunicação social fala em ‘choque
elétrico’ na China a poder precipitar o fim da OPA à EDP.
Pelos vistos, o Governo chinês impôs à CTG (China Three Gorges) a mudança de perspetiva. Passou a ser mais importante o controlo da
REN, onde a China detém 25% do capital através da State Grid, que a EDP, onde
detém pouco mais de 23% do capital através da CTG.
Quase de súpito, Pequim desfez a cúpula da CTG, a empresa que planeou a OPA
(oferta
pública de aquisição) à EDP.
Começou por demitir Ya Yang, o administrador financeiro,
e encaminhou-o para outra empresa pública chinesa. A seguir, anunciou a saída de
Lu Chun, o chairman, para cujo lugar foi nomeado o
vice-ministro dos Recursos Hídricos.
Embora o Governo chinês não tenha adiantado quaisquer razões para tais
mudanças, elas dão-se em cargos sensíveis e no decurso dum potencial negócio de
milhares de milhões pelo controlo da elétrica portuguesa – o que dá azo a que
haja entre nós quem veja sinais de que a OPA chinesa poderá vir a ser retirada.
Aventa-se mesmo a hipótese de que a reformulação na administração da
CTG pode ter surgido em função do propósito da retirada da OPA sobre a EDP,
lançada há cerca de quatro meses. No entanto, não se conhece qualquer
decisão no sentido de deixar cair a OPA, visto que as diligências prosseguem
o seu curso nas diferentes instâncias por onde a operação tem de passar para lograr
êxito. Contudo, Pequim dispõe agora dum argumento de peso para afrouxar ou até
anular o seu interesse pelo controlo da elétrica portuguesa. Com efeito, a nova
liderança da CTG pode optar por uma nova estratégia a seguir e que não passe
pela aquisição da totalidade do capital da elétrica nacional.
O ECO, jornal digital, terá
apurado junto de fonte conhecedora do processo que “a CTG tem 21 razões para
retirar a oferta, pois são 21 as jurisdições da OPA”, a que se junta agora esta.
Mas as razões para estas mudanças são mais profundas e terão a ver com a
estratégia chinesa no setor elétrico, cuja prioridade passa menos pela produção
“EDP” que pelas infraestruturas de transporte e distribuição “REN”, onde a
China dispõe dum ponta-de-lança de topo mundial, a State Grid, a maior empresa chinesa e que detém 25% da
gestora da rede elétrica REN.
***
As vozes que se levantaram contra a alienação de
setores estratégicos para o interesse nacional, embora tenham criticado
duramente (e ainda a lamentem) a venda da EDP à CTG, empresa pública chinesa, que
obviamente tinha de estar ao serviço do desígnio dum Estado politicamente
totalitário (embora economicamente aberto e ambicioso), criticaram ainda mais duramente a alienação da REN,
que poderia vir a corporizar a ambição controladora do Estado chinês. De facto,
se uma fonte falha, arranja-se outra, o que não sucede com os canais de
distribuição, difíceis de substituir. E a entrevisão dos factos parece estar a
dar razão aos críticos mais acérrimos.
Na verdade, pode inferir-se que o conflito dos
interesses da CTG com os planos de Pequim para a State Grid está a criar este enorme
ruído e que as primeiras consequências práticas se fizeram sentir “na
semana passada com o afastamento da dupla que esteve por detrás da OPA à EDP”,
como refere o ECO. Com efeito, Ya
Yang saiu de administrador financeiro da CTG para a National Power Investment
Group, de que foi nomeado vice-administrador financeiro. Porém, como ainda
integra o Conselho Geral e de Supervisão da EDP, coloca-se de momento o
problema de conflito de interesses que, segundo os estatutos da EDP, terá de
ser resolvido. Depois, o Governo de Pequim exonerou Lu Chun do cargo de chairman e nomeou Lei Mingshan, um seu vice-ministro, para lhe suceder no
cargo, o qual, em termos do modelo de governação chinês, assume funções
executivas – mudança que denota a vontade de Pequim de controlo mais direto da
estratégia da CTG.
Tudo leva a crer que o Governo chinês fora apanhado de
surpresa pela decisão da CTG de avançar com a OPA sobre a EDP ou, pelo menos, que
o negócio terá sido anunciado sem terem sido considerados os riscos que o
negócio poderia representar para a State Grid. Com efeito, à luz das diretivas
europeias, já transpostas para a lei nacional, tem de haver uma clara separação
entre os operadores da rede de transporte e as atividades de produção e
comercialização. Nestes termos, os chineses teriam de abdicar da REN para
manter a EDP.
Foi, pelo menos, isto o que Jean-Claude Juncker, o
presidente da Comissão Europeia, sinalizou numa resposta à eurodeputada Ana
Gomes. Quanto ao mais, Juncker sublinhou que Bruxelas tem poucos instrumentos
para intervir na OPA e frisou que incumbe às autoridades reguladoras nacionais
analisar os riscos da operação.
Ora, Pequim fez contas. E, em face delas, a sua prioridade
são a REN, a gestora da rede elétrica nacional, e a State Grid, a segunda maior
empresa do mundo em termos de receitas (348,9 mil milhões de dólares), segundo os dados do ranking Global 500 da Fortune. Ora, a CTG nem sequer surge nesse ranking, já que faturou “apenas” 11,45
mil milhões de euros em 2016, o que espelha a real dimensão das duas empresas
em termos comparativos, de que sai ganhadora a State Grid. Além disso, estando a
OPA ainda por registar, o caminho sinuoso que a operação vem percorrendo junto
das diversas jurisdições onde tem de ser aprovada implicará medidas que
descaracterizarão a EDP, sobretudo no atinente ao apetecível negócio das
renováveis nos EUA. Aliás, a OPA da CTG às renováveis terá ganhado concorrentes
de peso nos últimos tempos, entre os seguintes: Enel (italiana), Iberdrola (espanhola), Engie (francesa) e E.on e RWE (alemãs).
***
Por falar em conflitos de interesses resolvidos
e a resolver, é do conhecimento público que a EDP está sem presidente da mesa da sua
Assembleia Geral. É que, após a saída de António Vitorino, os nomes de Pedro
Rebelo de Sousa e Menezes Cordeiro não passaram e os chineses não querem o atual
vice-presidente. Na
verdade, Vitorino, na sequência da sua eleição para diretor-geral da OIM (Organização
Internacional para as Migrações), criada após a Segunda Guerra Mundial, apresentou, já em julho, a renúncia ao cargo de
presidente da Mesa da Assembleia Geral e, por inerência, ao cargo de membro do
Conselho Geral e de Supervisão da EDP, tal como teve de abandonar o conselho de
administração do Santander Totta.
A renúncia, que era esperada, foi confirmada pela elétrica portuguesa em
comunicado enviado à CMVM (Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários).
Vitorino deixou a presidência da Mesa da Assembleia Geral da elétrica
portuguesa ainda antes das reuniões magnas que podem ser decisivas no desfecho
da OPA lançada pela CTG sobre a EDP e onde os acionistas devem
decidir se levantam ou não a limitação aos direitos de voto da EDP.
Atualmente, os chineses controlam, direta ou indiretamente, 28,25% do capital
da utility nacional, mas os estatutos limitam a contagem de votos a apenas 25%.
Assim, não é claro, dentro do atual enquadramento jurídico, se este acionista vai poder votar nesta reunião com 25% ou com 28,25%
dos direitos de voto. Em última instância, prevalece a decisão e a
interpretação jurídica do presidente da Mesa da Assembleia Geral.
Com a renúncia formal de Vitorino, os estatutos abriram a porta a dois
cenários: ou Rui Medeiros, vice-presidente da
Mesa da Assembleia Geral, sobe ao cargo de presidente ou há lugar a nova Assembleia
Geral para designar o sucessor a António Vitorino.
Ora, apesar de a renúncia do presidente da Assembleia Geral da EDP ter ocorrido em
julho, até ao momento, não há sucessor escolhido. E a escolha não está
fácil: Pedro Rebelo de Sousa e Menezes Cordeiro, dois nomes sondados para
a função, ficaram descartados devido a conflitos de interesses; e
os chineses não aceitam a ‘promoção’ do vice-presidente Rui Medeiros ao cargo
de máximo responsável das assembleias de acionistas da elétrica.
A OPA foi lançada em maio e está à espera da avaliação dos reguladores internacionais,
desde logo a ERSE. Mas os contornos jurídicos da oferta (a CTG, a
maior acionista, apresentou uma oferta sobre a totalidade do capital da
elétrica, oferecendo uma contrapartida de 3,26 euros por ação, além de outra
OPA sobre a EDP Renováveis) tornam o
presidente da Mesa da Assembleia Geral uma figura essencial do processo, por
exemplo, na decisão sobre os votos que os chineses poderão usar na votação para
a desblindagem dos estatutos da empresa, ou seja, se a CTG pode votar com 25% do
capital ou com os 28,25% (resultantes da soma da sua participação
com a de outra empresa pública chinesa). Por
isso, tornou-se crítica a escolha do próximo presidente, mobilizando todos os acionistas e a própria gestão,
liderada por António Mexia.
Pedro Rebelo de Sousa é presidente da assembleia geral do BCP e o fundo de pensões do banco
é acionista de referência da EDP, pelo que se verifica a incompatibilidade na acumulação de funções com a de
presidente da reunião magna da elétrica. Menezes Cordeiro, por
sua vez, terá produzido pareceres para a EDP, o que também gera a questão do conflito de interesses. O
atual vice-presidente da Assembleia Geral da EDP, Rui Medeiros, é
advogado de direito público e é agora o presidente em exercício, mas a CTG já
terá comunicado a Luís Amado, o presidente do Conselho Geral e de Supervisão da
EDP, que não quer a promoção automática de Rui Medeiros. Por outro
lado, o advogado em causa é da Sociedade “Sérvulo & Associados”, pelo que haverá conflito de interesses, dado que
aquele escritório trabalha há anos para a EDP e terá até escrito pareceres
sobre a OPA em curso, o que porá em causa a independência de Medeiros. Há mesmo
que diga que ele nem deveria ser membro da assembleia geral.
Luís Amado, na qualidade de presidente do Conselho Geral e de Supervisão da
EDP, terá já alertado o ‘presidente em exercício’ da Mesa da Assembleia Geral
para a necessidade urgente de se encontrar um novo presidente da mesa. É
que, segundo os estatutos, o presidente da Mesa da Assembleia Geral integra,
como independente, o próprio conselho geral, com o estatuto de administrador
não executivo. Ora, com a saída de Vitorino, o conselho geral tem
o mesmo número de administradores dependentes dos acionistas (ou
seja, indicado por eles para os representarem) e de independentes, o que implica violação das
regras de governação da companhia. Amado
terá pedido a Medeiros a convocação duma sessão da Assembleia Geral para
ultrapassar o problema e recompor os órgãos sociais, mas tal essa marcação
ainda não está feita.
+++
Está
visto que os chineses não abdicam das suas leis e regulamentos, mas também
conhecem os dos outros e tentam cumpri-los e fazê-los cumprir. Todavia, acima
de tudo, zelam como é óbvio, os seus interesses, não só em termos de
preservação, mas sobretudo em termos de otimização, ainda que tenham de fazer
opções drásticas, mesmo sem o darem a entender. São um exemplo!
2018.09.03 –
Louro de Carvalho
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