terça-feira, 25 de setembro de 2018

Governo dá uns passos avante e os mesmos para trás


Já é estranho, embora se perceba, que os governantes liderados pelo Primeiro-Ministro faltem àquelas promessas que o fervor e a capciosidade eleitorais costumam gizar, defraudando com isso as expectativas que o eleitorado legitimamente criou ou acolheu. Porém, faltar com a palavra dada em matérias significativas durante o exercício governativo, sobretudo quando as decisões não dependem da arquitetura gerada pelas forças políticas que ocupam a Assembleia da República, é desonesto e sintoma de incompetência. Talvez por isso, o mecanismo de dar o dito por não dito fique usualmente a cargo de ministros com pequena visibilidade e relevância na vertente política. Só que dos ministros esperam-se políticas, já que as técnicas são atribuições das assessorias e, quando muito, dos secretários de Estado.
Aliás, coisa similar aconteceu com o Parlamento no âmbito da avaliação de desempenho dos professores e da PACC (prova de avaliação de conhecimentos e capacidades). Ambos os instrumentos de avaliação foram criados pela antiga Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, sem que os deputados da oposição no Parlamento tomassem qualquer atitude política significativa. Porém, em tempos do governo minoritário de Sócrates, os deputados da oposição moveram-se contra a então Ministra Isabel Alçada e ditaram uma lei em conformidade, que o Tribunal Constitucional (TC) chumbou, com a Ministra a declarar que “venceu o Sistema Educativo”. No Governo do PSD/CDS, para legitimar a opção de Nuno Crato, veio o PSD justificar a retoma do assunto da avaliação de desempenho dos docentes, contrariando a perspetiva da lei em tempo gizada no Parlamento. E, no atinente à PACC, veio o PS deitar abaixo a insistência do Governo, desdizendo do trabalho de Lurdes Rodrigues e de Alçada, no que foi secundado pelo TC.
Neste aspeto do cumprimento de promessas, é de fazer jus a Durão Barroso por ter prometido que, enquanto houvesse crianças em lista de espera para cuidados de saúde, não haveria novo Aeroporto Internacional de Lisboa (Tivesse ele cumprido também com a promessa da redução de impostos), pelo que, a ser assim, não haverá mais aeroporto nem TGV nem bitola europeia para as linhas de comboio. Também Sócrates cumpriu quando inadvertidamente garantiu que estávamos todos a trabalhar para termos “um país cada vez mais pobre”. Pena foi que não tenha, como prometeu, pôr nos eixos os grandes interesses instalados, tendo, antes, dado azo ao descalabro político, económico e financeiro, embora não sendo o culpado de tudo isto. Onde param os seus diáconos e mestres-de-cerimónias?
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Mas indo a pontos em concreto, é de ter em linha de conta alguns, por estarem nas malhas da ágora nos últimos dias: o caso do Infarmed, a contagem do tempo de serviço dos professores e a equiparação ou não das licenciaturas pré-Bolonha a mestrados.
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O Governo decidiu suspender a deslocalização do Infarmed para o Porto, decisão que o Ministro da Saúde considera “coerente” com o que Governo tem afirmado e que foi tomada tendo em conta a vontade dos trabalhadores da instituição. Respondendo às críticas do CDS-PP, Campos Fernandes disse, no dia 21, à Comissão Parlamentar de Saúde, que “há uma decisão coerente com o que foi dito na altura” em que o Governo anunciou a deslocalização da sede da Autoridade do Medicamento de Lisboa para o Porto e quando nomeou a comissão para estudar os cenários e impactos da deslocalização. Com efeito, para o Ministro, o contexto político mudou com a criação da comissão na Assembleia da República para avaliar as questões da descentralização de serviços públicos, não devendo ser extraído da comissão o caso do Infarmed, apesar de aqui se tratar só de deslocalização, no que reside a falácia justificativa. Por outro lado, o Ministério da Saúde terminou este mês a análise ao relatório do grupo de trabalho criado para estudar os cenários da deslocalização do Infarmed, tendo sido com base no relatório, em conjunto com o “atual contexto político”, que decidiu que a questão do Infarmed iria ser analisada pela comissão criada no Parlamento. Ora, sendo assim, a decisão ministerial é prematura, a não ser que por telepatia já o governante conheça as conclusões da Comissão. Ademais, segundo o predito relatório, a deslocalização traria “maior produtividade e eficiência, nomeadamente com a construção de instalações mais adequadas do que as atuais, no Parque de Saúde, em Lisboa”. É certo que era “um investimento de cerca de 17 milhões de euros, mas que, ao fim de 15 anos”, poderia gerar “uma poupança de 8,4 milhões”. Porém, a análise feita pelo grupo de trabalho sobre a manifestação da vontade dos trabalhadores, que pretendiam não mudar para o Porto, constitui uma “barreira” à deslocalização do Infarmed.
E, assim, podemos concluir que ou o Governo tem medo de alguns trabalhadores ou considera que há trabalhadores de 1.ª e trabalhadores de 2.ª. Não sei se o Governo está a sucumbir à máquina do Estado ou à máquina dos interesses instalados sob a tutela do megacentralismo de Lisboa no diz que sim e diz que não sobre uma matéria mal anunciada, mal explicada, quiçá doada como presente envenenado como compensação da frustração duma candidatura à EMA, iniciada em Lisboa e concluída pelo Porto!       
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Sem grandes delongas, cabe referir que a questão da contagem integral do tempo serviço dos professores, congelado para efeitos de progressão na carreira, já fez correr muita tinta e disparar para a cena pública enormidades a coberto de relatórios da OCDE, do FMI e da Comissão Europeia, publicados em tempo favorável às opções governativas, obviamente com base em informação exportada e sendo que o responsável pelo comité da OCDE que elabora tais relatórios é português e, pelos vistos, membro do Governo.
De resto, a disposição normativa incluída na lei do OE 2018 é clara sendo de contar o tempo de serviço (e não “tempo de serviço”, que poderia significar “algum tempo”), ficando remetido para negociação o faseamento. E, por mais explicações que o Governo dê, não é convincente a base de sustentação para a inferição, que propõe, da contagem de 2 anos, 9 meses e 18 dias, sendo de justiça vincar que a progressão não é automática, como dizem, nem os professores são o corpo de funcionários mais bem pago. Só a intoxicação pública que os sucessivos governos vêm fazendo contra os professores, acolitados por arrogantes e invejosos fazedores de opinião, consegue fazer com que 69% dos portugueses desconsiderem os seus professores.     
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Outra novidade do recuo governamental. Os licenciados pré-Bolonha não vão ver os seus graus académicos equiparados a mestrados para efeitos de concursos ou de prosseguimento de estudos. Com efeito, ao contrário do que tinha sido anunciado em março, o MTCES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) decidiu não introduzir alterações ao enquadramento legal vigente”, como avança o Público de hoje, dia 25 de setembro. Questionado pelo mesmo jornal, o Governo não forneceu qualquer explicação para ter deixado cair a medida.
No final de março, o Ministro do Ensino Superior tinha adiantado que os bacharelatos e licenciaturas concluídas antes da reforma de Bolonha seriam equiparados a licenciaturas e mestrados, respetivamente, na revisão do regime jurídico de diplomas e graus académicos.
Passados seis meses, o MCTES recua: a equiparação foi “ponderada”, garante o Governo, mas “a decisão final foi no sentido de não introduzir alterações ao enquadramento legal atualmente vigente nesta matéria”.
Em nota enviada ao Público, o Governo acrescenta que “a solução adotada em Portugal continua a ser igualmente adotada em todos os países aderentes ao Processo de Bolonha, que também não definiram equiparações entre os anteriores e os novos graus académicos obtidos”.
De acordo com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, entre o ano letivo de 1996/97 e o de 2006/07, data do início da reforma em causa, estipulada pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março (na redação que lhe deu o Decreto-Lei n.º 115/2013, de 7 de agosto), quase 340 mil pessoas (mais propriamente, 337.269 pessoas) concluíram licenciaturas.
A equiparação dos bacharelatos e licenciaturas pré-Bolonha a licenciaturas e mestrados pós-Bolonha, respetivamente, prometida em março, seria válida para concursos de recrutamento, ingresso em ciclos de estudo e “todas as outras dimensões em que seja exigido o grau de licenciado ou de mestre” e tinha a seguinte justificação em nota enviada à Lusa pelo MCTES:
Em virtude de diversas questões colocadas a propósito da igualdade de acesso a concursos públicos por parte dos detentores de graus académicos obtidos em momento anterior à implementação do Processo de Bolonha, bem como da melhor comparação internacional das competências dos diplomados em engenharia em Portugal, será inserida no decreto-lei que estabelece o regime jurídico de graus e diplomas (atualmente [então] em discussão pública) uma disposição que estabelece a equiparação.
O MCTES explicava que o objetivo era reconhecer “que os graus obtidos anteriormente à implementação do Processo de Bolonha têm a mesma validade que os graus obtidos depois desse processo, dado estar em causa o mesmo tempo de formação”. A equiparação que se pretendia, “válida para todos os efeitos legais”, incluía concursos de recrutamento, concursos para ingresso em ciclos de estudos e todas as outras dimensões do quotidiano em que é exigido o grau de licenciado ou de mestre.
Aquela proposta para um novo regime jurídico de graus e diplomas académicos fora aprovada em Conselho de Ministros no dia 15 de fevereiro e esteve em discussão pública. Foi uma das soluções encontradas pelo Governo para dar resposta às conclusões dum relatório de avaliação que a OCDE elaborou. Porém, agora com a publicação do Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, ficou sem efeito a promessa de março.
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E não posso deixar de anotar que o Governo criou um grupo de trabalho para repensar os mecanismos de ingresso no ensino superior, que elaborou o relatório final com o título Relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior (diagnóstico e questões para debate), sobre o qual o CNE (Conselho Nacional de Educação) se pronunciou com reparos e com a seguinte nota:
O Conselho Nacional de Educação reconhece a necessidade de melhorar o sistema de acesso ao ensino superior e considera que o Relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior (diagnóstico e questões para debate), apresentado pelo grupo de trabalho para a avaliação do acesso ao ensino superior criado pelo Despacho n.º 6930/2016 MCTES, de 25 de maio, é um importante contributo nesse sentido. O Conselho manifesta a sua disponibilidade para aprofundar a reflexão e o debate na procura de consensos alargados, tomando como ponto de partida as recomendações refletidas no presente Parecer” (vd CNE, Parecer sobre Acesso ao Ensino Superior, março de 2017).
E, como tantas vezes, continuamos a aprofundar deixando tudo na mesma ao sabor da inércia ou dos interesses públicos e privados instalados! Aliás, este Governo cumpre tudo o que prometeu, mas à sua maneira…
2018.09.25 – Louro de Carvalho

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