A edição do
dia 18 de setembro do Jornal de Notícias
(JN) dá conta da
distribuição de um inquérito aos pais dos alunos de escolas do 1.º Ciclo do
Grande Porto e de Lisboa que terá levado alguns a denunciar a ocorrência ao Alto-Comissariado
para as Migrações (ACM), à Comissão para Igualdade e Contra a Discriminação
Racial (CICDR) e à Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro. Em
causa estão, segundo o referido diário portuense, questões sobre a ascendência
dos alunos e a origem dos pais. Neste sentido, os encarregados de educação são
convidados a responder ao inquérito e devem responder se a origem do pai ou da
mãe é “portuguesa, cigana, chinesa,
africana, Europa de Leste, indiana, brasileira ou outra”.
O inquérito destinava-se a servir de base a um
estudo organizado pela CLOO, empresa de consultadoria em economia
comportamental, em parceria com Fundação Belmiro de Azevedo, e coordenado pela
investigadora Diana Orghian, com o objetivo de contribuir para “melhorar os
métodos educativos em Portugal”. Mas foi entregue nas escolas demasiado cedo (antes de 24 de setembro),
antes do prazo previsto.
Segundo a informação da coordenadora, a CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados)
autorizou o inquérito, mas com a condição da retirada da palavra “cigana”, ao
passo que a DGE (Direção-Geral
da Educação) autorizou sem reservas no passado dia 3 de
agosto, pelo que a coordenação deixou seguir o inquérito na redação originária.
O documento de 15 páginas é composto por três
peças: os termos de participação e consentimento; a ficha de caraterização; e o
questionário. Os pais selecionados para dar resposta ao inquérito, podem efetivamente
recusar responder, mas devem justificar a recusa e dizer se se costumam ir às
reuniões da escola e qual o papel da ciência na melhoria da qualidade de vida.
A coordenação diz garantir o sigilo, sendo os
nomes e os números de telefone substituídos por códigos, e também promete que a
informação sobre nomes, idades e género não será partilhada com ninguém que não
integre a equipa.
Das
perguntas que constituem o inquérito, apenas três se relacionam com os hábitos
de leitura entre pais e filhos, um dos objetivos que o estudo se propõe
analisar. E algumas das questões colocadas aos pais, que tinham de responder verdadeiro ou falso, são um pouco patuscas ou reveladoras de carateres
desviantes, que não devem ser objeto de inquérito. Tal é o exemplo das
seguintes: “Às
vezes gosto de fofocar“, “Já senti inveja da sorte de outras pessoas”
e “Houve
ocasiões em que me aproveitei de alguém”.
***
A notícia foi replicada por vários órgãos de
comunicação social sob o signo do racismo ou sob o signo da discriminação, o
que não faz sentido, como se discorrerá adiante.
E, segundo a notícia avançada pelo Jornal de Notícias, as queixas partiram dos próprios encarregados
de educação dos alunos. A este propósito, o pai de um aluno que apresentou
queixa, aduzindo que se tratava de um “questionário tolo com perguntas
racistas”, declarou:
“Fui
levar o meu filho à Escola do Estádio do Mar, em Matosinhos, e entregaram-me um
envelope com uns papéis a dizer que fui selecionado para participar numa
investigação”.
O
Alto-Comissário para as Migrações, Pedro Calado, reagiu assim:
“Iremos
imediatamente diligenciar no sentido de apurarmos a existência de eventuais
atos discriminatórios”.
O SOS Racismo
lançou o seu conveniente protesto.
O CDS já veio avisar que o Estado
deve dar o exemplo no combate à xenofobia. Assim, a líder do CDS-PP sustentou,
logo no dia 18, que o Estado deve dar o exemplo e combater o racismo, num comentário sobre o dito inquérito considerado xenófobo. Assunção
Cristas afirmou no final de uma visita à Escola Teixeira de Pascoais, em
Lisboa:
“Se
está em causa uma situação que possa ser lida como racismo, é condenável; deve
ser escrutinada e vista com muita atenção. É preciso que o Estado, nas suas
várias estruturas, dê o exemplo de uma política inclusiva.”.
Assunção
Cristas caiu na leviandade, por duas vezes, de dizer que não leu o inquérito,
mas que leu as notícias, afirmou ser necessário diferenciar entre informação
sobre os alunos e discriminação, que é “absolutamente
de repudiar e inaceitável” e porfiou:
“Se
queremos ter estratégias de combate ao racismo, de combate à xenofobia ou de
combate à exclusão de determinados grupos que pertencem à nossa sociedade, que
são tão portugueses quanto nós, também precisamos de ter informação”.
O JN de hoje, 19 de setembro, refere que
foram apresentadas dez queixas, até ao fim da tarde do dia 18, à CICDR. Uma
delas foi de Pedro Calado, Alto-Comissário para as Migrações, e as restantes
provêm de cidadãos anónimos. A empresa incorre em coimas que podem atingir os 8
mil euros por queixa. Como se foi dada autorização, só faltando tirar a palavra
“cigana”?
As queixas
serão avaliadas e tecnicamente analisadas de acordo com a lei portuguesa contra
a discriminação racial. A este respeito, a Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade referiu:
“Esta
questão é inaceitável, desde logo porque viola a lei da proteção de dados e a
lei da não discriminação”.
Jorge
Ascensão, da Confap, aponta:
“É
a prova de que os pais não estão a ser respeitados: nada deve ser entregue aos
alunos sem consentimento prévio ”.
Meu Deus! Se
a escola não tem autoridade para lidar com os alunos, para que serve? Mal vai a
educação se não há confiança entre escola e famílias.
E o pai dum
aluno da Escola Estádio do Mar dispara:
“Estou
convencido de que só estão a assumir que houve um erro porque os pais se
indignaram. Parece que fomos os únicos a ler o inquérito.”.
***
Perante as
reações deste género, a Fundação Belmiro de Azevedo retirou o apoio à
investigação.
E, em
declarações à agência Lusa, o
Diretor-Geral da DGE, José Vítor Pedroso, afirmou que já foi ordenada a
retirada dos inquéritos, acrescentando que vai ser apurado “o que correu mal”.
Pedroso
explicou que “qualquer inquérito que é
aplicado no recinto escolar necessita de uma autorização da DGE” e que,
neste caso, o questionário, depois de ser analisado, como tinha perguntas sensíveis,
exigiu uma avaliação prévia da CNPD, que aprovou o inquérito sob a condição de
retirar algumas “questões relacionadas com a origem étnica dos estudantes”.
Assim, os
responsáveis pela investigação tinham de retirar as questões indicadas, caso
quisessem fazer o inquérito nas escolas. E o Diretor-Geral da Educação
realçou que a DGE aprova os questionários que podem ser aplicados e, depois, o diretor
do estabelecimento decide se autoriza ou não a aplicação na sua escola. E,
sobre este caso, explicitou:
“O
que me referiram da escola é que tinham analisado uma versão, que não esta, e
que, no dia da aplicação do questionário, estes chegaram à escola num envelope
fechado. A escola, no meio de um primeiro dia de aulas, não teve tempo para
verificar.”.
***
Posto isto, importa ver o alcance
da não discriminação e o que se deve entender por combate ao racismo, xenofobia
e outras formas de exclusão e a consequente promoção da igualdade.
O preceito não estipula a não nomeação das situações com vista a estatística ou a estudo.
Se tivermos em conta o n.º 1 do mesmo artigo, mais do que omitir situações, devem os formadores de opinião, os promotores do respeito pelos direitos humanos, os cientistas, os juristas, os sociólogos, os educadores e os detentores do poder lutar por ideias e atos que garantam que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e que todos terão a justa igualdade de oportunidades na educação e prosseguimento de estudos, no acesso à cultura, ao trabalho, à profissão, à constituição de família, à proteção social, à segurança física e ao acesso a todo tipo de cargo público.
Por seu turno, a Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto, estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem (art.º 1.º).
O preceito não estipula a não nomeação das situações com vista a estatística ou a estudo.
Se tivermos em conta o n.º 1 do mesmo artigo, mais do que omitir situações, devem os formadores de opinião, os promotores do respeito pelos direitos humanos, os cientistas, os juristas, os sociólogos, os educadores e os detentores do poder lutar por ideias e atos que garantam que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e que todos terão a justa igualdade de oportunidades na educação e prosseguimento de estudos, no acesso à cultura, ao trabalho, à profissão, à constituição de família, à proteção social, à segurança física e ao acesso a todo tipo de cargo público.
Por seu turno, a Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto, estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem (art.º 1.º).
O n.º 2
do art.º 13.º da CRP estabelece que “ninguém
pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica, condição social ou orientação sexual”.
É aplicável a todas as pessoas
singulares e coletivas, públicas e privadas, no respeitante: à proteção social,
incluindo a segurança social e os cuidados de saúde; aos benefícios sociais; à
educação; ao acesso a bens e serviços e seu fornecimento, colocados à
disposição do público, incluindo a habitação; e à cultura. Não prejudica
o disposto no Código do Trabalho, na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas
e na Lei n.º 3/2011, de 15 de fevereiro, no que concerne “à proteção contra a discriminação na área do trabalho e do emprego, e
do trabalho independente”, tal como “não prejudica a adoção de medidas de
ação positiva para compensar desvantagens relacionadas com os fatores” acima
expostos (cf art.º 2.º).
E, pelo
art.º 4.º (proibição de discriminação) consideram-se
discriminatórias as seguintes práticas: recusa de fornecimento ou impedimento
de fruição de bens ou serviços, colocados à disposição do público; impedimento
ou limitação ao acesso e exercício normal de uma atividade económica; recusa ou
condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis; recusa ou
limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público; recusa ou
limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de
saúde públicos ou privados; recusa ou limitação de acesso a estabelecimento de
educação ou ensino público ou privado; constituição de turmas ou a adoção de
outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de educação ou
ensino, públicos ou privados, segundo critérios discriminatórios; recusa ou a
limitação de acesso à fruição cultural; adoção de prática ou medida por parte
de qualquer órgão, serviço, entidade, empresa ou trabalhador da administração
direta ou indireta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais,
que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito; adoção de
ato em que, publicamente ou com a intenção de ampla divulgação, seja emitida
uma declaração ou transmitida uma informação em virtude da qual uma pessoa ou
grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado em razão de qualquer dos
fatores indicados no artigo 1.º.
Quanto ao
mais, a Lei define as estruturas que se encarregam da promoção das práticas antidiscriminatórias,
competências, procedimentos a observar e condições em que serão punidas as
infrações, seja em termos contraordenacionais, seja em termos de ilícito
criminal.
Como é
óbvio, o conteúdo da lei não oferece qualquer motivo de discordância. Porém,
alguns alarmes indevidos não são consentâneos nem com os preceitos
constitucionais, nem com a lei, nem com a liberdade de expressão nem com a
liberdade de investigação. Reconhece-se que haja necessidade de obter
autorização das instituições vocacionadas para o efeito, dado o melindre que
uma investigação pode constituir num trabalho de campo quando está em causa a
proteção da privacidade dos cidadãos ou o respeito pela idiossincrasia de
grupos étnicos e sociais, mas não se pode ver o argueiro discriminatório onde
ele não está.
É o caso do
inquérito em causa, de que discordo, mas não por ser racista ou xenófobo.
Nomear, para
levantamento de situações e/ou estudo, proveniência “portuguesa,
cigana, chinesa, africana, da Europa de Leste, indiana, brasileira ou outra” –
não me queiram enganar – não é discriminação racial, étnica ou racismo. Ao
invés, só conhecendo em concreto as diversas situações, se pode cuidar da
garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos envolvidos em tais situações e exigir-lhes o cumprimento
dos deveres. O
resto é hipocrisia e o clamor que algumas forças vivas levantam sabe a paranoia
e confusão.
Mais: há encarregados de educação que não querem ciganos
e cidadãos de outras proveniências nas turmas dos filhos, há comerciantes e
industriais que exploram estrangeiros e gestores que tratam, de maneira
diferente, trabalhadores seus amigos e trabalhadores que não o são, até pagam
salários diferentes conforme a condição das pessoas (homens ou mulheres, nacionais ou estrangeiros, amigos ou
não…), fazem assédio sexual e/ou laboral (também proibido pela lei em causa) –, mas, ante casos destes, são os primeiros a agitar o
labéu do racismo e da xenofobia. Ora, estes vícios consistem na expressão
ideológica, nas ações e nas estratégias, que não na simples nomeações.
***
Disse que discordo do termos do inquérito, mas pelas
seguintes razões: um inquérito de opinião insulta se pede que se responda
honestamente, pois se presume a boa-fé e a cooperação de quem faz o esforço de
resposta (poderia, sim, solicitar-se
resposta objetiva, sem juízo de valor aos diversos itens); não há
vantagem em colher nome, número telefone, ou e-mail do inquirido, bem como
inquirir sobre idade exata, devendo, sim, estabelecer-se escalões etários em
que o inquirido possa situar-se (de
outro modo, pode estar-se a invadir a privacidade, o que não é necessário); há
perguntas que não se devem fazer por revelarem comportamentos pessoais sobre os
quais os cidadãos, sobretudo se identificados, não podem ser questionados, tais
como as referentes a hábitos de fofoquice, inveja ou aproveitamento de alguém;
e não de pode obrigar o inquirido a justificar a sua recusa a responder, sob
pena de falta de respeito pela liberdade do outro.
Por fim, há que ser lento em lançar rótulos de racismo,
xenofobia ou outro tipo de discriminação. Se formos a pensar as coisas ao
limite, perguntar o sexo de alguém pode levar mentes perversas a acusar a inquirição
de discriminação sexual, tal como perguntar pela idade poderia induzir discriminação
geracional. Abrenúncio!
Aquilo de que o predito inquérito enferma é coscuvilhice.
Quanto ao mais, trata-se de discriminação epistémica, que é útil. A discriminação
nefasta é a social, política, económica, laboral, educacional e cultural. Essa é
proibida por lei e por motivos humanitários – e é praticada recorrentemente. Modus in rebus!
2018.09.19 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário