segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O real alcance e interesse dos acordos ditos de regime

A entrada em cena de Rui Rio apregoa novo momento em Portugal: sem Passos, serão mais fáceis os entendimentos com o PS em matérias estruturais. Porém, nada garante que tal suceda, apesar de estar a formar-se um curioso trio dos pactos de regime: ao desafio de Marcelo, o patrocinador de consensos (por apelo de Nuno Morais Sarmento) junta-se Costa e o líder do PSD.
Alegadamente com o intuito de Rio e Costa fecharem dois acordos até ao próximo verão, Pedro Marques, Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, encontrar-se-á, no próximo dia 27, segundo o Expresso do passado dia 24, com uma delegação do PSD, liderada por Manuel Castro Almeida, ex-Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, para abordar a preparação do quadro comunitário pós-2020, naquela que é a primeira de várias reuniões para encontrar consensos entre o PSD e o Governo. E, para abordar a problemática da descentralização, Álvaro Amado foi o escolhido do PSD para reunir com Eduardo Cabrita, Ministro da Administração Interna. Os principais temas em que os dois partidos querem acertar agulhas são o plano para o quadro comunitário pós-2020 e a descentralização, bem como a reprogramação do quadro de fundos da UE Portugal 2020, mas Justiça e Segurança Social também estão em cima da mesa.
A seguir ao 37.º Congresso do PSD, António Costa reuniu com o novo líder socialdemocrata com vista a entendimentos possíveis até ao verão. Apesar do prazo apertado para a negociação, os dois dirigentes parecem entender-se, tendo classificado o encontro como “muito construtivo”. Segundo o Expresso, na reunião de duas horas e meia, Costa e Rio falaram de fundos europeus, descentralização e também de Justiça e Segurança Social.
Todavia, Costa esclareceu que os acordos com o PSD não servirão para pôr em causa o acordo parlamentar de esquerda, não havendo “nenhuma razão para mudar nada”. Ao invés, assinalou que, sobre certos temas, “é desejável que não se limite a haver um acordo entre os partidos da maioria, mas que possa ser alargado a outras forças políticas, designadamente ao PSD”.
Nestas matérias e apesar de estarmos em ano pré-eleitoral, creio que os acordos podem resultar, já que, em matéria de descentralização, também os partidos à esquerda acordam em princípio, embora entendam que o Governo não vai tão longe como devia; e, no respeitante ao quadro comunitário, não concordam, mas não se metem para não inviabilizar esta solução de governo.   
***
É óbvio que os dois ex-presidentes das duas principais câmaras do país têm, sem surpresas, a descentralização como o tema mais consensual. Também poder haver pontes nos fundos comunitários. Mais difícil, apesar dos objetivos aparentemente comuns, será o acordo na estratégia para a Educação, Saúde e Segurança Social, ainda que Rio tenha deixado o apelo no congresso e Costa tenha confirmado essa vontade, dizendo ser “positivo para o país a nova disponibilidade do PSD”. Não há dúvidas de que Rui Rio quer dialogar:
       “Tenho como muito relevante, senão mesmo decisivo para o futuro de Portugal, o diálogo entre os partidos”. 
Não há bloco central, mas haverá mais diálogo do que com Passos. Rio até deixou um aviso subtil ao PS, antecipando uma posição negativa dos socialistas:
     “Do ponto de vista eleitoral é de salutar evidenciar e explicar as nossas diferenças, mas quando levamos para lá da própria realidade e, dessa forma, nos fechamos completamente, só estamos a prejudicar o interesse nacional”.
Após o encontro com o Primeiro-Ministro em São Bento, Rio garantiu que existe “uma nova fase entre o PS e o PSD”, considerando “imprescindível que haja em Portugal este ambiente de cooperação entre os dois maiores partidos”, embora não baste. E o líder do PSD assinalou que os consensos serão “mais fáceis” com o CDS do que com o BE, embora não queira excluir “ninguém”, querendo, antes, “introduzir uma cultura diferente em que, desde que não haja grandes divergências, se consiga dialogar em prol do país”.
E, a completar o trio, Marcelo garantiu a sua disponibilidade para “acompanhar de forma empenhada” a convergência entre partidos em matérias estruturais, dizendo:
    “Se eu ando há dois anos a apelar a esse estado de espírito, é porque sem dúvida o Presidente da República considera que é útil para Portugal que se procurem domínios, primeiro que se apure quais são os domínios, e, dentro dos domínios, se procure formas de diálogo entre os vários partidos”.
***
A crítica ao caso da “Google”, que optou por Lisboa, não afetará o objetivo de Rio e Costa na descentralização. Já antes, enquanto autarcas, defendiam uma desconcentração do Estado em Lisboa. Como lembrou Costa, tinham “pontos de vista comuns em matéria de descentralização”. Agora espera continuar “a ter esses pontos de vista comuns”. E Rio confirmar essa esperança do Primeiro-Ministro: “A reunião fez-me lembrar outras que tivemos no passado”.
No congresso, o líder do PSD sugeriu o Tribunal Constitucional e a Provedoria da Justiça em Coimbra. Mas agora propõe uma descentralização calma, evitando casos como o do Infarmed:
    “Não pode ser mudado, obviamente, de um dia para o outro, mas tem de se inserir numa estratégia de médio e longo prazo, consistente, coerente e convicta. […] Os países mais atrasados são aqueles que concentram e tudo centralizam. Os países desenvolvidos são os que descentralizam e menos concentram.”.
Porém, Rio não está a pensar na regionalização, ideia que não mais repetiu.
No final de 2017, o Primeiro-Ministro disse querer o pacote da descentralização aprovado até 2019, ou seja, antes das eleições e realçou que não quer que esta seja uma reforma do PS, mas de toda a AR. Contudo, nos detalhes é que está o problema. Como o processo tem vários intervenientes – a ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) e a ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), por exemplo – não será fácil chegar rapidamente a consensos. Até outubro passado, as eleições autárquicas impediam avanços. Depois, a instabilidade no PSD. Agora parece ser o momento, antes do início do clima pré-eleitoral das eleições europeias e legislativas, dando o PS sinais positivos com Carlos César a classificar Rio de interlocutor mais “válido” face ao passado recente do PSD. Porém, não será fácil equilibrar o financiamento e o alargamento das competências, mantendo as finanças públicas sãs e a transparência.
As obras públicas foram o único ponto em que foi explícita a vontade do Governo de fazer um pacto com o PSD – o apelo chegou no verão, mas foi recusado. Rio não falou do tema no congresso, apesar de ser um dos primeiros dossiês onde pegará. Também na sua moção de estratégia global, não há qualquer referência a fundos comunitários, mas o tema será discutido, até porque Rio já tem em mãos um documento do Governo. E Costa frisou que a definição da estratégia para o pós-Portugal 2020 “deve ter um acordo e um apoio o mais vasto possível”.
Uma notícia do Público em janeiro revelava que o PSD não quererá mais estradas, devendo a aposta ser um aeroporto e as ferrovias, nem investimentos para satisfazer lobbies. A incidência será na investigação científica e na criação de infraestruturas necessárias à gestão mais eficaz do Estado, incluindo informação estatística e sobre o território, sendo que a questão dos fundos comunitários está ligada à da descentralização, uma vez que o Presidente da República já apelou à inclusão dos “Portugais demasiadas vezes esquecidos”. Já em janeiro, o Conselho de Estado “realçou o papel crucial da coesão social e territorial para Portugal, papel esse necessariamente presente nas complexas negociações do Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia”. O Governo definiu o primeiro semestre deste ano como meta para a definição de consensos nos fundos. E Rio disse, à saída do encontro com António Costa:
    “O imediato é a questão do próximo quadro comunitário de apoio, o Portugal 2030 como lhe chamou o Governo, e temos de andar rápido. E a questão da descentralização ou municipalização.”.
Contudo, é de registar que o orçamento comunitário vai encolher com a saída do Reino Unido e, se as soluções que aumentem as receitas não chegarem a tempo, Portugal será um dos prejudicados enquanto país que beneficia do Fundo de Coesão.
***
Há, porém, três matérias que suscitam mais divergências: a Segurança Social, a Saúde e a Educação. A Segurança Social é uma preocupação que está na cabeça de Costa e de Rio, mas onde o acordo será difícil. Rio explicou no congresso:
    “No espaço de uma geração teremos, para cada idoso, apenas um trabalhador e meio no ativo, e teremos três idosos para cada jovem. Esta realidade vai exercer uma grande pressão sobre a Segurança Social.”.
Até o Ministro da Segurança Social admitiu que a sustentabilidade do atual sistema começará a estar em risco a partir de 2030. O líder do PSD não quer fazer alterações de curto prazo, mas a pensar no longo prazo. Assim, declarou, no passado dia 20, que “não estão em causa alterações à situação presente”, mas que é preciso “tomar medidas e reformar para o futuro, para o que vai ser a Segurança Social daqui a 10 anos, tendo em conta a situação demográfica”.
Se há consenso nas preocupações, nas soluções o acordo será crítico. Dificilmente o PS alinhará na proposta de Rio sobre uma parcela da pensão variável, em função do crescimento económico, até mesmo na diversificação das fontes de receita. E Rio foi crítico, por exemplo, do aumento da derrama estadual cuja receita reverte para a Segurança Social. Em contraponto, se o Governo continuar a optar por tributar o capital – Costa já disse que “tem de haver novas formas que não dependam só dos salários”. Ora, dificilmente o novo PSD apoiará esta linha de ação.
Na Saúde, o PS está mais perto do PSD do que do PCP ou BE, mas o legado deixado pelo anterior Governo é frequentemente alvo de críticas. Por seu turno, a oposição socialdemocrata tem utilizado as situações dramáticas dos hospitais para criticar a atual solução governativa. Para Rio “tem de haver investimento no apetrechamento humano, nos equipamentos e na sensibilização da população em termos de cuidados de saúde”. Costa também quer isso, mas diz que os investimentos não podem ser feitos todos de imediato e aproveita para criticar o anterior Governo. Na comemoração dos 40 anos do SNS, Costa disse que esta é “uma excelente altura” para se refletir sobre o sistema público de saúde – um bom indicador para futuros consensos com Rio. Ambos partilham a ideia da coexistência entre o SNS e um serviço privado, o que os distingue da extrema-esquerda. Mas isso poderá não será suficiente para os juntar na reforma.
Na Educação, o caso será ser mais fraturante. Rio acusou o Governo de “experimentalismo pedagógico” e de causar instabilidade no sistema de ensino: 
    “Reverte-se, subverte-se e lança-se a instabilidade nas escolas só porque se teima que tudo tem de mudar sem diagnóstico rigoroso, sem avaliação do que foi feito e sem compromisso com as principais forças políticas e sociais”. 
Para o líder socialdemocrata importa “dignificar o papel dos professores através de uma formação inicial mais exigente e de uma profissionalização mais rigorosa”. E uma das frases mais aplaudidas do discurso do último dia do Congresso não cairá bem no eleitorado socialista:
    “Os professores são profissionais do conhecimento e não animadores de salas de aula”.
Será que, no atinente à Justiça, Rio seguirá a linha da sua vice-presidente Elina Fraga revertendo o atual mapa judiciário (que é o de Passos com retoques de cosmética) e gerado por Sócrates?
***
Ora, do Bloco de Esquerda vem a informação de que no investimento público não se “sente necessidade” de diálogo com PSD. Foi o que afirmou em Leiria Catarina Martins, ali presente para as jornadas parlamentares do BE, quando foi questionada pelos jornalistas. E sublinhou que se tem ficado “aquém do que é possível”, no que diz respeito ao investimento público, nos Orçamentos do Estado. Interpelada sobre o impacto da aproximação do PSD ao PS, Catarina respondeu secamente, segundo a RTP3, que “mais importante do que debater reuniões, encontros ou desencontros [com os laranjas], é debater propostas políticas concretas” para o país.
A coordenadora do BE frisou que só acordo à esquerda “pode permitir opções de investimento público que combatam os problemas estruturais da economia portuguesa”. E deixou um aviso:
    “Se um acordo à esquerda permitiu uma recuperação de salários e pensões, algum crescimento económico e criação de emprego também só um acordo que seja com a esquerda pode permitir opções de investimento público que combatam os problemas estruturais da economia portuguesa, nomeadamente combatam os setores rentistas, o endividamento externo, a assimetria do território e o défice social que tem o nosso país”.
E, no discurso de hoje, dia 26, sustentou que a ferrovia pode ser o motor da reconversão energética do país; isto é, o investimento nas linhas férreas pode, segundo a bloquista, ser sinónimo do combate ao aquecimento global, bem como da diminuição do endividamento externo e diminuição das assimetrias do território nacional.
***
Marques Mendes, por sua vez, disse no comentário dominical do dia 25, na SIC que a primeira semana de Rio não foi brilhante. Mas percebeu-se a ideia central: Rio foi um líder anti-Passos. E especificou alguns pontos: o diálogo com António Costa, a escolha de Elina Fraga, a ideia (vazia) de uma política de justiça (para todos) e o confronto com os deputados. E frisou que esta estratégia “tem alguns problemas”. Os contactos entre o líder da oposição e o Governo são positivos, mas Rio admitiu negociar alguns acordos, mas que são a agenda de Costa. E Mendes considera que há um falhanço nestas negociações: ficou de fora o desenvolvimento do Interior, a coesão”. Por isso, tem de haver um terceiro acordo na discussão do governo e do PSD. E o que Rio disse da justiça e da segurança social é quase nada.
O comentador político afirmou que Rio faz bem em demarcar-se de Passos Coelho, “mas tem de ser por causas e não por casos”. Um deles é o da eleição de Fernando Negrão. E sobre isto disse:
    “Negrão é mais vítima do que réu. No lugar dele, tinha vindo embora, mas tem legitimidade para ficar. O principal teste e desafio são os debates com o primeiro-ministro. Se não estiver bem, fragiliza-se ainda mais.”.
E Marques Mendes, também esquecendo a Justiça, atira:
    “Já é tempo de o PSD começar a fazer oposição, o que se passa na saúde, na dívida pública”.
Segundo ele, o estado de graça do Ministro da Saúde acabou (mas não vai cair), porque as críticas são generalizadas: hospitais queixam-se da falta de médicos, há dívidas a fornecedores. Também no setor, “não foram feitas reformas, nem vão ser feitas”, diz Mendes, que julga estar o Governo a gerir o quotidiano. Ao fim de dois anos de governação, os problemas vêm ao de cima e vai suceder noutros setores, como na educação, sendo que, para o comentador, o problema está na própria geringonça e na ditadura das finanças. E “o PSD e o CDS andam distraídos.
***
Não percebo a lógica de acordo de regime em temas basilares e chutar o bloco central, como é difícil acordo estável e alargado em temas como Justiça, Saúde e Educação. Quanto ao investimento público, não é esperar o apoio de 2/3 dos deputados. Quem governa deve buscar decidir o apoio suficiente para decidir e não defraudar com recuos o interesse público.

Sem comentários:

Enviar um comentário