A entrada
em cena de Rui Rio apregoa novo momento em Portugal: sem Passos, serão mais fáceis
os entendimentos com o PS em matérias estruturais. Porém, nada garante que tal
suceda, apesar de estar a formar-se um curioso trio dos pactos de regime: ao
desafio de Marcelo, o patrocinador de consensos (por apelo de Nuno Morais Sarmento) junta-se Costa e o líder do PSD.
Alegadamente com o intuito de Rio e Costa fecharem dois
acordos até ao próximo verão, Pedro Marques, Ministro do Planeamento e das Infraestruturas,
encontrar-se-á, no próximo dia 27, segundo o Expresso do passado dia 24, com uma delegação do PSD, liderada por Manuel
Castro Almeida, ex-Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, para
abordar a preparação do quadro comunitário pós-2020, naquela que é a primeira
de várias reuniões para encontrar consensos entre o PSD e o Governo. E, para
abordar a problemática da descentralização, Álvaro Amado foi o escolhido do PSD
para reunir com Eduardo Cabrita, Ministro da Administração Interna. Os principais
temas em que os dois partidos querem acertar agulhas são o plano para o quadro
comunitário pós-2020 e a descentralização, bem como a reprogramação do quadro
de fundos da UE Portugal 2020, mas Justiça e Segurança Social também estão em
cima da mesa.
A seguir
ao 37.º Congresso do PSD, António Costa reuniu com o novo líder socialdemocrata
com vista a entendimentos possíveis até ao verão. Apesar do prazo apertado para
a negociação, os dois dirigentes parecem entender-se, tendo classificado o
encontro como “muito construtivo”. Segundo o Expresso, na reunião de duas horas e meia, Costa e Rio falaram de
fundos europeus, descentralização e também de Justiça e Segurança Social.
Todavia, Costa esclareceu que os
acordos com o PSD não servirão para pôr em causa o acordo parlamentar de
esquerda, não havendo “nenhuma razão para mudar nada”. Ao invés, assinalou que,
sobre certos temas, “é desejável que não se limite a haver um acordo entre os partidos da
maioria, mas que possa ser alargado a outras forças políticas, designadamente
ao PSD”.
Nestas matérias e apesar de estarmos em ano pré-eleitoral,
creio que os acordos podem resultar, já que, em matéria de descentralização,
também os partidos à esquerda acordam em princípio, embora entendam que o
Governo não vai tão longe como devia; e, no respeitante ao quadro comunitário,
não concordam, mas não se metem para não inviabilizar esta solução de governo.
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É óbvio que
os dois ex-presidentes das duas principais câmaras do país têm, sem surpresas, a descentralização como o tema
mais consensual. Também poder haver pontes nos fundos
comunitários. Mais difícil, apesar dos objetivos aparentemente comuns, será o
acordo na estratégia para a Educação, Saúde e Segurança Social, ainda que Rio
tenha deixado o apelo no congresso e Costa tenha confirmado essa vontade,
dizendo ser “positivo para o país a nova
disponibilidade do PSD”. Não há dúvidas de que Rui Rio quer
dialogar:
“Tenho como muito relevante, senão mesmo decisivo para o futuro de
Portugal, o diálogo entre os partidos”.
Não há
bloco central, mas haverá mais diálogo do que com Passos. Rio até deixou um
aviso subtil ao PS, antecipando uma posição negativa dos socialistas:
“Do ponto de vista
eleitoral é de salutar evidenciar e explicar as nossas diferenças, mas quando
levamos para lá da própria realidade e, dessa forma, nos fechamos
completamente, só estamos a prejudicar o interesse nacional”.
Após o
encontro com o Primeiro-Ministro em São Bento, Rio garantiu que existe “uma
nova fase entre o PS e o PSD”, considerando “imprescindível
que haja em Portugal este ambiente de cooperação entre os dois maiores partidos”,
embora não baste. E o líder do PSD assinalou que os consensos serão
“mais fáceis” com o CDS do que com o BE, embora não queira excluir “ninguém”, querendo,
antes, “introduzir uma cultura diferente em que, desde que não haja grandes
divergências, se consiga dialogar em prol do país”.
E, a
completar o trio, Marcelo garantiu a sua disponibilidade para “acompanhar de
forma empenhada” a convergência entre partidos em matérias estruturais, dizendo:
“Se
eu ando há dois anos a apelar a esse estado de espírito, é porque sem dúvida o
Presidente da República considera que é útil para Portugal que se procurem domínios, primeiro que se apure quais são os domínios,
e, dentro dos domínios, se procure formas de diálogo entre os vários partidos”.
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A crítica
ao caso da “Google”, que optou por Lisboa, não afetará o objetivo de Rio e
Costa na descentralização. Já antes, enquanto autarcas, defendiam uma
desconcentração do Estado em Lisboa. Como lembrou Costa, tinham “pontos de
vista comuns em matéria de descentralização”. Agora espera continuar “a ter esses pontos de vista
comuns”. E Rio confirmar essa esperança do Primeiro-Ministro: “A reunião fez-me lembrar outras que tivemos
no passado”.
No
congresso, o líder do PSD sugeriu o Tribunal Constitucional e a Provedoria da
Justiça em Coimbra. Mas agora propõe uma descentralização calma, evitando casos
como o do Infarmed:
“Não pode ser
mudado, obviamente, de um dia para o outro, mas tem de se inserir numa
estratégia de médio e longo prazo, consistente, coerente e convicta.
[…] Os países mais atrasados são aqueles
que concentram e tudo centralizam. Os países desenvolvidos são os que descentralizam
e menos concentram.”.
Porém,
Rio não está a pensar na regionalização, ideia que não mais repetiu.
No
final de 2017, o Primeiro-Ministro disse querer o pacote da descentralização
aprovado até 2019, ou seja, antes das eleições e realçou que não quer que esta
seja uma reforma do PS, mas de toda a AR. Contudo, nos detalhes é que está o
problema. Como o processo tem vários intervenientes – a ANMP (Associação Nacional de Municípios
Portugueses) e a ANAFRE
(Associação Nacional de
Freguesias), por exemplo
– não será fácil chegar rapidamente a consensos. Até outubro passado, as
eleições autárquicas impediam avanços. Depois, a instabilidade no PSD. Agora
parece ser o momento, antes do início do clima pré-eleitoral das eleições
europeias e legislativas, dando o PS sinais positivos com Carlos César a
classificar Rio de interlocutor mais “válido” face ao passado recente do PSD. Porém, não será fácil equilibrar
o financiamento e o alargamento das competências, mantendo as finanças públicas
sãs e a transparência.
As
obras públicas foram o único ponto em que foi explícita a vontade do Governo de
fazer um pacto com o PSD – o apelo chegou no verão, mas foi recusado. Rio não
falou do tema no congresso, apesar de ser um dos primeiros dossiês onde pegará.
Também na sua moção de estratégia global, não há qualquer referência a fundos
comunitários, mas o tema será discutido, até porque Rio já tem em mãos um
documento do Governo. E Costa frisou
que a definição da estratégia para o pós-Portugal 2020 “deve ter um acordo
e um apoio o mais vasto possível”.
Uma notícia do Público
em janeiro revelava que o PSD não quererá mais estradas, devendo a aposta ser
um aeroporto e as ferrovias, nem investimentos para satisfazer lobbies. A incidência será na
investigação científica e na criação de infraestruturas necessárias à gestão
mais eficaz do Estado, incluindo informação estatística e sobre o território,
sendo que a questão dos fundos comunitários está ligada à da descentralização,
uma vez que o Presidente da República já apelou à inclusão dos “Portugais
demasiadas vezes esquecidos”. Já em janeiro, o Conselho de Estado “realçou o
papel crucial da coesão social e territorial para Portugal, papel esse
necessariamente presente nas complexas negociações do Quadro Financeiro Plurianual
da União Europeia”. O Governo definiu o primeiro semestre deste ano como meta
para a definição de consensos nos fundos. E Rio disse, à saída do encontro com
António Costa:
“O
imediato é a questão do próximo quadro comunitário de apoio, o Portugal 2030
como lhe chamou o Governo, e temos de andar rápido. E a questão da descentralização
ou municipalização.”.
Contudo,
é de registar que o orçamento comunitário vai encolher com a saída do Reino
Unido e, se as soluções que aumentem as receitas não chegarem a tempo, Portugal
será um dos prejudicados enquanto país que beneficia do Fundo de Coesão.
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Há,
porém, três matérias que suscitam mais divergências: a Segurança Social, a
Saúde e a Educação. A Segurança Social é uma preocupação que está
na cabeça de Costa e de Rio, mas onde o acordo será difícil. Rio
explicou no congresso:
“No
espaço de uma geração teremos, para cada idoso, apenas um trabalhador e meio no
ativo, e teremos três idosos para cada jovem. Esta realidade vai exercer uma
grande pressão sobre a Segurança Social.”.
Até o Ministro
da Segurança Social admitiu que a sustentabilidade do atual sistema começará a
estar em risco a partir de 2030. O líder do PSD
não quer fazer alterações de curto prazo, mas a pensar no longo prazo. Assim, declarou,
no passado dia 20, que “não estão em causa
alterações à situação presente”, mas que é preciso “tomar medidas e reformar
para o futuro, para o que vai ser a Segurança Social daqui a 10 anos, tendo em
conta a situação demográfica”.
Se há
consenso nas preocupações, nas soluções o acordo será crítico. Dificilmente o
PS alinhará na proposta de Rio sobre uma parcela da pensão variável, em função
do crescimento económico, até mesmo na diversificação das fontes de receita. E Rio
foi crítico, por exemplo, do aumento da derrama estadual cuja receita reverte
para a Segurança Social. Em contraponto, se o Governo continuar a optar por
tributar o capital – Costa já disse que “tem de haver novas formas que não
dependam só dos salários”. Ora, dificilmente o novo PSD apoiará esta linha de
ação.
Na Saúde, o PS está mais perto do PSD do que do
PCP ou BE, mas
o legado deixado pelo anterior Governo é frequentemente alvo de críticas. Por
seu turno, a oposição socialdemocrata tem utilizado as situações dramáticas dos
hospitais para criticar a atual solução governativa. Para Rio “tem de haver
investimento no apetrechamento humano, nos equipamentos e na sensibilização da
população em termos de cuidados de saúde”. Costa também quer isso, mas diz que
os investimentos não podem ser feitos todos de imediato e aproveita para
criticar o anterior Governo. Na comemoração dos 40 anos do SNS, Costa disse que
esta é “uma excelente altura” para se refletir sobre o sistema público de saúde
– um bom indicador para futuros consensos com Rio. Ambos partilham a ideia da
coexistência entre o SNS e um serviço privado, o que os distingue da
extrema-esquerda. Mas isso poderá não será suficiente para os juntar na reforma.
Na
Educação, o caso será ser mais fraturante. Rio acusou o Governo de
“experimentalismo pedagógico” e de causar instabilidade no sistema de ensino:
“Reverte-se, subverte-se e lança-se a instabilidade nas escolas só
porque se teima que tudo tem de mudar sem diagnóstico rigoroso, sem avaliação
do que foi feito e sem compromisso com as principais forças políticas e sociais”.
Para
o líder socialdemocrata importa “dignificar o papel dos professores através de uma formação
inicial mais exigente e de uma profissionalização mais rigorosa”. E uma das frases
mais aplaudidas do discurso do último dia do Congresso não cairá bem no
eleitorado socialista:
“Os professores são profissionais do
conhecimento e não animadores de salas de aula”.
Será que,
no atinente à Justiça, Rio seguirá a linha da sua vice-presidente Elina Fraga
revertendo o atual mapa judiciário (que é o de Passos com retoques de cosmética) e gerado por Sócrates?
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Ora, do Bloco de Esquerda vem a informação de que no
investimento público não se “sente necessidade” de diálogo com PSD. Foi o que
afirmou em Leiria Catarina Martins, ali presente para
as jornadas parlamentares do BE, quando foi questionada pelos jornalistas. E sublinhou que se tem ficado “aquém do que é
possível”, no que diz respeito ao investimento público, nos Orçamentos do Estado.
Interpelada sobre o impacto da aproximação do PSD ao PS,
Catarina respondeu secamente, segundo a RTP3, que “mais importante do
que debater reuniões, encontros ou desencontros [com os laranjas], é debater propostas
políticas concretas” para o país.
A coordenadora
do BE frisou que só acordo à esquerda “pode permitir opções de investimento público
que combatam os problemas estruturais da economia portuguesa”. E deixou
um aviso:
“Se
um acordo à esquerda permitiu uma recuperação de salários e pensões, algum
crescimento económico e criação de emprego também só um acordo que seja com a esquerda
pode permitir opções de investimento público que combatam os problemas estruturais
da economia portuguesa, nomeadamente combatam os setores rentistas, o
endividamento externo, a assimetria do território e o défice social que tem o
nosso país”.
E, no
discurso de hoje, dia 26, sustentou que a ferrovia pode ser o motor da
reconversão energética do país; isto é, o investimento nas linhas férreas
pode, segundo a bloquista, ser sinónimo do combate ao aquecimento global, bem
como da diminuição do endividamento externo e diminuição das assimetrias do
território nacional.
***
Marques Mendes, por sua vez,
disse no comentário dominical do dia 25, na SIC que a primeira semana de Rio
não foi brilhante. Mas percebeu-se a ideia central: Rio foi um líder anti-Passos.
E especificou alguns pontos: o diálogo com António Costa, a escolha de Elina
Fraga, a ideia (vazia) de uma política de justiça (para todos) e o confronto
com os deputados. E frisou que esta estratégia “tem alguns problemas”. Os
contactos entre o líder da oposição e o Governo são positivos, mas Rio admitiu negociar
alguns acordos, mas que são a agenda de Costa. E Mendes considera que há um
falhanço nestas negociações: ficou de fora o desenvolvimento do Interior, a
coesão”. Por isso, tem de haver um terceiro acordo na discussão do governo e do
PSD. E o que Rio disse da justiça e da segurança social é quase nada.
O
comentador político afirmou que Rio faz bem em demarcar-se de Passos Coelho,
“mas tem de ser por causas e não por casos”. Um deles é o da eleição de
Fernando Negrão. E sobre isto disse:
“Negrão
é mais vítima do que réu. No lugar dele, tinha vindo embora, mas tem
legitimidade para ficar. O principal teste e desafio são os debates com o
primeiro-ministro. Se não estiver bem, fragiliza-se ainda mais.”.
E Marques
Mendes, também esquecendo a Justiça, atira:
“Já
é tempo de o PSD começar a fazer oposição, o que se passa na saúde, na dívida
pública”.
Segundo ele, o estado de graça do Ministro
da Saúde acabou (mas não
vai cair), porque as críticas
são generalizadas: hospitais queixam-se da falta de médicos, há dívidas a
fornecedores. Também no setor, “não foram feitas reformas, nem vão ser feitas”,
diz Mendes, que julga estar o Governo a gerir o quotidiano. Ao fim de dois anos
de governação, os problemas vêm ao de cima e vai suceder noutros setores, como
na educação, sendo que, para o comentador, o problema está na própria
geringonça e na ditadura das finanças. E “o PSD e o CDS andam distraídos.
***
Não percebo
a lógica de acordo de regime em temas basilares e chutar o bloco central, como
é difícil acordo estável e alargado em temas como Justiça, Saúde e Educação. Quanto
ao investimento público, não é esperar o apoio de 2/3 dos deputados. Quem governa
deve buscar decidir o apoio suficiente para decidir e não defraudar com recuos
o interesse público.
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