É a
designação da mais recente Carta Pastoral em forma de Motu Proprio do Papa Francisco, datada de 12 de fevereiro e
divulgada hoje, dia 15 – normativo com o qual se regula a renúncia, por motivo
de idade, dos titulares de alguns ofícios de nomeação pontifícia.
Antes de
enunciar os normativos que o documento pretende clarificar e ao articulado que
constitui o conteúdo deste pequeno conjunto de prescrições, o Pontífice faz o
enquadramento bíblico e espiritual que leva a estas determinações e que tem um
alcance que deve ser meditado.
Ao
comentar, na homilia de 30 de maio de 2017, em Santa Marta, uma passagem do
livro dos Atos dos Apostolo (Ap 20,17-27), que dá conta do ambiente que
envolveu a despedida de Paulo da Igreja de Éfeso, que o apóstolo tinha
estabelecido, o Papa exortava a que se rezasse “pelos pastores, pelos nossos
pastores: pelos párocos, pelos bispos e pelo Papa”. E agora vem dizer-nos que
já na altura pedia que as pessoas aprendessem a despedir-se ou a deixar oportunamente
os cargos que lhes foram confiados. Não podem, com efeito, ser em tempo algum
ocasião de estorvo ou empecilho a que a missão prossiga de forma eficaz.
Ademais, “ a conclusão de um ofício eclesial deve ser considerada parte
integrante do próprio serviço, enquanto postula uma nova disponibilidade”.
Por
outro lado, Francisco traz à mesa da reflexão a consideração da necessidade de
assumir interiormente a disponibilidade e a preparação, se o motivo for a
idade, para a renúncia ao cargo ou para continuar nele durante mais algum
tempo.
Mais diz
que aquele que vai apresentar a renúncia tem necessidade de se preparar diante
de Deus, despojando-se dos poderes que tenha e da presunção de que é
indispensável – o que permitirá atravessar com paz e confiança tal momento, que
de outro modo poderia ser doloroso e conflitual. Ao mesmo tempo, quem se
prepara para a aposentação (reforma, jubilação) deve, na oração humilde e
confiante, formular um projeto de vida para a etapa a iniciar,
disponibilizando-se, na humildade e austeridade, para prestar serviços
pastorais compatíveis com a sua condição.
E
adverte que, se excecionalmente for pedido que o titular do cargo continue ao
serviço por um período de tempo mais longo, isso implicará abandonar
generosamente “o próprio novo projeto pessoal”. Porém, tal circunstância não
será nem um privilégio, nem um triunfo pessoal, nem um favor devido a
presumíveis obrigações decorrentes da amizade ou da vizinhança, nem um como que
ato de gratidão pela eficácia dos serviços prestados. Somente motivos conexos
com o bem comum eclesial postularão tal excecionalidade.
Esclarece
o Pontífice que a decisão pontifícia de aceitação de renúncia ou de pedido de
continuação no cargo para lá da idade prescrita nunca é um ato automático, mas
um ato de governo, que implica a virtude da prudência que levará, por meio de
um adequado discernimento, a tomar a decisão mais acertada.
A
decisão de prolongamento de permanência num cargo acontecerá, por exemplo, se
for considerada importante para completar adequadamente um projeto muito
profícuo para a Igreja; se for conveniente assegurar a continuidade de obras
importantes; se houver alguma dificuldade conexa com a composição do dicastério
respetivo num período de transição; se for reconhecida a importância do
contributo pessoal do titular em exercício para a aplicação de diretivas recentemente
emitidas pela Santa Sé ou para a receção de novas orientações do Magistério.
***
O
Papa aprecia “o generoso empenho e a preciosa experiência acumulada de quem
exerceu, durante diversos anos, alguns cargos de particular responsabilidade
quer nas Igrejas particulares quer na Cúria Romana ou nas Representações Pontifícias”.
Todavia, percebeu a necessidade duma atualização das normas acerca dos tempos e
das modalidades de renúncia ao ofício por motivos do limite de idade. Por isso,
depois das necessárias consultas, houve por bem:
-
Estabelecer algumas clarificações ao
artigo 2.º do Rescriptum ex audientia,
de 3 de novembro de 2014, concedida ao Cardeal Secretário de Estado e ora
confirmado (que
refere que o Presidente e os membros do Colégio especial de sete cardeais ou
bispos formado na Congregação para a Doutrina da Fé são nomeados pelo Papa), relativo aos Bispos
diocesanos, Bispos coadjutores e Bispos auxiliares.
Com
efeito, os cânones 401 e 402 do CIC (Codex Iuris Canonici – Código de Direito Canónico) estabelecem que o Bispo
diocesano que tenha completado os 75 anos de idade e o que, em virtude da sua
precária saúde ou outra causa grave, se torne menos apto para o desempenho do
ofício, apresentem a renúncia ao Sumo Pontífice, que providenciará depois de
examinar todas as circunstâncias. O bispo cuja renúncia seja aceite, mantém o
título de resignatário (emérito) da sua diocese e o direito de nela residir, a menos que a Sé Apostólica,
medidas as circunstâncias providencie de outro modo, devendo a Conferência
Episcopal procurar prover à condigna sustentação do Bispo, mas sem deixar de
considerar a obrigação primária que impende sobre a diocese que o emérito
serviu. E o cânone 411 aplica aos Bispos coadjutores e aos Bispos auxiliares
estas disposições no atinente à renúncia e à sustentação. E disposições
análogas contêm os cânones 210-211, 218 e 213 do CCEO (Codex Canonum Ecclesiarum
Orientalium – Código dos Cânones para as Igrejas Orientais) em relação aos Bispos
eparcas e exarcas, Bispos coadjutores e Bispos auxiliares para com o Patriarca,
devendo o Sínodo dos Bispos da Igreja patriarcal ou o Conselho dos Hierarcas
providenciar à côngrua sustentação dos eméritos.
-
Modificar as normas canónicas
respeitantes à renúncia ao ofício por motivo de idade, por parte dos Chefes
de Dicastério não cardeais e dos Prelados Superiores da Cúria Romana e das Representações
Pontifícias.
Ficam assim modificados: o art.º
5.º § 2 do Constituição Apostólica Pastor Bonus; o art.º 3.º do
Regulamento Geral da Cúria Romana; o art.º 2.º do Rescriptum
ex audientia, de 3 de novembro de 2014, referente aos Bispos que desempenham
outros ofícios de nomeação pontifícia e aos Representantes Pontifícios; e o art.º
20.º §1 do Regulamento para as Representações Pontifícias.
Nestes
termos, o Papa, estabelece:
Ao
completarem 75 anos de idade, os bispos diocesanos e eparquiais e quantos a
eles são equiparados pelos cânones 381 § 2 CIC e 313 CCEO, como o bispos
coadjutores e auxiliares ou titulares com especial cargo pastoral, são
convidados a apresentar ao Sumo Pontífice a renúncia ao seu ofício pastoral (vd art.º 1.º).
Completados
os 75 anos, os Chefes de Dicastério da Cúria Romana não Cardeais, os Prelados
Superiores da Cúria Romana e os Bispos que desempenham outros ofícios na
dependência da Santa Sé não cessam ipso
facto as funções do seu ofício, mas devem apresentar a renúncia ao Sumo
Pontífice (vd
art.º 2.º).
Do
mesmo modo, completados os 75 anos de idade, os Representantes Pontifícios não cessam
ipso facto as funções do seu ofício,
mas, em tal circunstância, devem apresentar a renúncia ao Sumo Pontífice (vd art.º 3.º).
Para
se tornar eficaz, a renúncia deve ser aceite pelo Sumo Pontífice, que decidirá
avaliando as circunstâncias concretas (vd art.º 4.º).
Apresentada
a renuncia, o ofício é considerado prorrogado enquanto não for comunicada a
aceitação da renúncia ou a sua prorrogação por tempo determinado ou
indeterminado, contrariamente ao estabelecido, em termos gerais, nos cânones
189 § 3 do CIC e 970 do § 1 do CCEO (vd art.º 5.º) – que preveem o prazo de três meses para a
aceitação por parte da autoridade competente para aceitar a renúncia que careça
de aceitação, após o que ela se tornava automática, ou o ato de apresentação da
renúncia que a torna automática, no caso de ela não carecer de aceitação. É o
que não se aplica aos titulares dos cargos mencionados no presente Motu Proprio.
***
Obviamente,
o predito enquadramento bíblico e espiritual constitui uma pérola desta Carta
Pastoral e põe nos devidos termos a atitude psicológica que deve assumir o
verdadeiro servidor. Não agarrado ao lugar nem dele dependente, está disponível
para exercer a missão que lhe foi destinada ou as funções que lhe são
confiadas. E deve fazê-lo enquanto for necessário, não devendo sair do cargo
nem antes nem depois de ser dele dispensado ou sem que seja aceite a sua
renúncia e mantendo a disponibilidade para continuar se tal lhe for solicitado.
É
claro que nunca deve sobrepor-se às circunstâncias uma posição pessoal, uma
ambição, uma recompensa, um ato de gratidão, mas o bem comum da Igreja e a
pertinência do contributo pessoal à causa, pertinência que deve ser avaliada
não pelo próprio, mas por quem de direito.
O
limite de idade estabelecido resulta duma norma, mas que nunca deve ser automaticamente
aplicada, já que as pessoas são diferentes e podem estar capacitadas para lá do
limite de idade como podem ficar menos capazes antes de atingir esse limite. E,
no caso de doença ou de outro impedimento grave, é de ter em conta que ninguém
é obrigado ao impossível, embora seja solicitado muitas vezes um sacrifício
adicional. Por outro lado, há pessoas que tendem a julgar-se incapazes antes do
tempo. Assim, também aqui o juízo definitivo sobre a dispensa deve provir da
competente autoridade. Porém, nunca se pode esperar que seja a morte ou a
doença a solução para os problemas. E, se é verdade que não é lícito descartar
as pessoas quando já não parecem úteis à vitalidade das instituições, também é
certo que a manutenção de pessoas nos ofícios além das suas capacidades
prejudica inevitavelmente os mesmos ofícios.
Há,
em todo o caso, algo que parece estranho. Não consta, ao menos publicamente,
que tenha havido um bater com a porta, de forma automática e precipitada, por
parte das entidades nomeadas pelo Papa. Parece, antes, que alguns, levados por
carreirismo supino, se sentem vítimas da não recondução em cargos em que se
julgavam os mais competentes ou que deles estavam a servir-se para veicular as
suas posições e interpretações, por vezes, contrárias às do Papa. Será que Francisco,
com o atual Motu Proprio, quererá
prevenir possíveis situações futuras ou remediar situações presentes, não
conhecidas da opinião pública, mas que tenham a ver com o alegado desconforto
gerado pela nova orientação que o Pontífice quer dar à Cúria Romana e às
Representações Pontifícias e pelo ímpeto reformista que pretende imprimir à
Igreja? Pretenderá evitar cenários de demissões em bloco? Se assim for, o
enquadramento espiritual que antecede este normativo é deveras insuficiente!
Tem de ser mais veemente, claro e audaz.
2018.02.15 – Louro
de Carvalho
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