Se o Governo da República e as autarquias
locais, embora com a cooperação das diversas associações, não asseguram o
bem-estar das populações, é de perguntar para que servem. E não há dúvida de
que a defesa e segurança das populações não estão garantidas se o ecossistema fica
seriamente prejudicado, seja por causa das guerras, seja por causa das epidemias,
ou devido às más políticas públicas ou, como neste caso, por força da busca desenfreada
do lucro.
Segundo
o que revelou a APA (Agência
Portuguesa do Ambiente),
em conferência de imprensa, a carga orgânica visível no Tejo, na zona de
Abrantes, acima do açude, foi provocada pelas indústrias de pasta de papel. As análises detetaram níveis de celulose cinco mil vezes acima dos
níveis recomendados, com a
Celtejo a contribuir para a maioria das descargas.
Nuno
Lacasta, presidente da APA, responsabiliza todas as fábricas de papel da
região, mas reconhece que a Celtejo é responsável por 90% das descargas deste
tipo de indústrias que chegam ao rio na zona em causa.
E esta
empresa foi notificada para durante 10 dias reduzir as descargas a metade.
Passado esse período, a fábrica de
pasta de papel da Altri, em Vila Velha de Ródão, 5 de fevereiro,
procedeu-se a uma reavaliação da poluição no rio. Só nessa altura ficou
definido o volume de reduções necessário, a atribuir tanto à Celtejo como às
restantes papeleiras.
A Celtejo veio agora defender a divulgação dos
resultados das análises à poluição no rio Tejo colocados em segredo de justiça
pelo Ministério Público (MP). Fonte da Celtejo disse à Lusa:
“A Celtejo concorda com os ambientalistas na
importância da divulgação dos resultados das análises [feitas pela
Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território]”.
Na verdade, as associações ambientalistas, Quercus e Zero, defenderam a
necessidade de respeitar a decisão do MP de colocar em segredo de justiça o
inquérito à poluição no Tejo, embora entendam que, por razões de saúde
pública, os resultados deveriam ser públicos.
À Lusa, o presidente da Quercus,
João Branco, lamentando que o inquérito esteja em segredo de justiça, embora
aceite a ordem judicial, sustentou:
“Nós achamos que devia ser
divulgado, que é uma informação relevante para a opinião pública, mas
não só. Por questões de segurança e saúde pública, os valores deviam ser
conhecidos.”.
Por seu turno, Francisco Ferreira, da Zero, defendeu que deve ser
respeitada a decisão judicial e considerou fundamental que se “averigúem as
circunstâncias” do episódio de poluição no rio Tejo, para se perceber se houve
ou não um acidente relacionado com a fábrica de celulose Celtejo ou se se
tratou apenas de poluição acumulada. E opinou:
“Seria importante que toda esta informação
fosse pública para nós melhor percebermos o que se pode e deve decidir em relação
à produção naquela zona”.
O MP notificou a IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e
do Ordenamento do Território) de que os
elementos recolhidos no âmbito do inquérito sobre a poluição no Tejo estão em
segredo de justiça. E, em nota divulgada no dia 9, a IGAMAOT referia que
recebeu uma notificação do DIAP (Departamento de Investigação e Ação
Penal) de Castelo Branco sobre o inquérito por crime de poluição no rio, na qual
se lia que “todos os elementos já
coligidos, bem como todos os demais elementos juntos e a obter, relativos à
investigação no âmbito do processo de inquérito (…) se encontram sujeitos a
segredo de justiça”.
Também a PGR (Procuradoria-Geral da República) revelou, no dia 27 de janeiro, que o MP instaurou um
inquérito a empresas de Vila Velha de Ródão, na sequência de participação de
crime de poluição apresentada pelo Ministério do Ambiente. A abertura do
inquérito surgiu na sequência dos recentes fenómenos de poluição detetados a 24
de janeiro, junto à queda de água do açude insuflável de Abrantes. E, a dia 31
de janeiro, o presidente da APA, como foi dito, revelou que a carga poluente
que afetou o Tejo teve origem nas descargas da indústria da pasta de papel.
***
Unidos contra a poluição do Tejo, os partidos políticos
querem a revisão de licenças ambientais das empresas que operam no rio e exigem
o reforço da sua fiscalização.
Depois de António Costa ter garantido que a redução das emissões de
descarga vai mesmo avançar, estes grupos políticos com representação
parlamentar juntam-se à luta.
Neste mesmo sentido, o Ministério do Ambiente anunciou, no passado dia 5,
que a limitação imposta à Celtejo (ou seja, a redução de 50% do volume diário
de descargas efluentes no Tejo) vai ser prolongada por mais 30 dias.
E, para o PS, há três pontos fundamentais considerar: a remoção da matéria orgânica
acumulada no fundo das albufeiras, depositada sob a forma de sedimentos;
a revisão das licenças ambientais
das empresas que operam no Tejo, seguindo os princípios ‘adaptar’ e
‘mitigar’, em face da nova realidade deste recurso hídrico; e a limitação do volume de efluentes rejeitados
pela Celtejo, enquanto não estiver concluído o plano de investimentos da
empresa.
Já o Bloco de Esquerda realça que “o problema da poluição do rio
Tejo tem responsáveis identificados e uma história de propostas apresentadas
num passado recente”. Por outro lado, o deputado Pedro Soares
destaca, positivamente, a decisão do Governo do encerramento da empresa
Fabrióleo e da imposição de limites à produção da Celtejo.
Os comunistas dizem que o foco tem de estar na
fiscalização. A deputada Paula Santos defende que “no imediato é necessário o reforço das ações de fiscalização
pelas autoridades competentes para garantir o cumprimento da legislação em
vigor em matéria ambiental”, mas O PCP diz que não será necessário
aumentar os meios humanos e técnicos para concretizar essa mudança.
Até à
direita, as opiniões convergem neste mesmo sentido. O PSD define como
prioridade o cumprimento das licenças de descarga e realça a necessidade de
“ajustar e flexibilizar essas licenças às oscilações de caudais”. Os socialdemocratas
pedem ainda a instalação de “sistemas de monitorização
permanente, quer nos rios quer no interior das fábricas” a fim de “garantir a sua consulta independente e autónoma, sem intervenção
da empresa em causa”. Contudo, neste ponto, divergem dos comunistas,
exigindo mais recursos humanos e técnicos, bem como a criação dum “tribunal especializado em ambiente e recursos
naturais que tenha recursos especializados, quer no apoio, quer assessoria dos
magistrados nestes assuntos”.
Também a palavra de ordem para o CDS é “fiscalização”, sendo “inquestionável
a necessidade de revisão das licenças de descarga emitidas”.
***
A Celtejo,
além de ter exigido a publicação dos resultados das análises,
sublinhou que os técnicos da IGAMAOT “não conseguiram realizar a recolha”,
sendo que “a incompetência na recolha, mesmo com a presença das autoridades em
permanência no local, é profundamente penalizadora para a Celtejo”, segundo afirmou
à Lusa fonte da fábrica, que afirmou,
por outro lado, que as amostras sempre foram recolhidas sem qualquer problema.
No entanto, segundo a Celtejo, os técnicos da IGAMAOT “não conseguiram realizar
a recolha, ao contrário do que aconteceu com os coletores da Celtejo e da ARH (Administração
da Região Hidrográfica) que
funcionaram normalmente”.
Porém, Nuno
Banza, inspetor-geral da IGAMAOT, explicou, no dia 5, em conferência de
imprensa sobre os resultados das análises aos afluentes da ETAR:
“A recolha de amostras na indústria Celtejo
teve, por duas vezes, problemas ao nível do coletor automático que não recolheu
o líquido por razões que desconhecemos. Na terceira tentativa, pedimos o apoio
da GNR, do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente e esse coletor foi
guardado. Durante 24 horas, o coletor funcionou, no entanto, apenas recolheu no
final alguma espuma e muito pouco líquido.”.
Também no
passado dia 6, o proTejo-Movimento pelo Tejo veio acusar a inspeção de
incompetência na recolha das amostras.
***
As empresas
não gostam de que se lhes pisem os calos. E o ambientalista Arlindo Marques, do
proTejo-Movimento pelo Tejo e conhecido como o “guardião do Tejo”, vai responder em tribunal num
processo movido pela empresa de celulose Celtejo, a qual, acusada pelo
ambientalista de fazer as descargas que poluem o rio, exige uma indemnização no
valor de 250 mil euros, acrescidos de juros de mora até integral pagamento para
“compensar a autora pelos danos sofridos por causa da ofensa cometida” –
alegadamente contidas nas “afirmações que têm por objetivo gerar na opinião
pública a ideia de que a autora é responsável, ou corresponsável, pela alegada
poluição do rio Tejo”.
Porém, o
ambientalista dispõe duma testemunha de defesa de peso. Com efeito, o juiz do
TICÃO disponibilizou-se para ser testemunha de defesa de Arlindo Marques. E, ao
jornal regional mediotejo.net, Carlos
Alexandre assume a defesa do ambientalista, declarando:
“Disponibilizei-me e vou servir de testemunha
do Arlindo Marques no
processo porque sou de Mação, porque conheço bem o rio e os seus problemas com
a poluição (…) e por estar solidário com o exercício de cidadania de Arlindo
Marques”.
Ao mesmo
jornal, o predito juiz lembra que viveu em Mação até aos 18 anos e que, em 1983,
quando estava no 5.º ano da Faculdade, foi carteiro em Ortiga. Nessa altura
bateu “à
porta daquela gente toda” e é por isso que conhece “bem o rio e
as gentes ribeirinhas, os problemas de poluição e a importância dos seus
impactos no Tejo e de quem fazia e quer fazer vida dele”.
Carlos
Alexandre, conhecido por ser o juiz de instrução de processos mediáticos como o
que decorre da Operação Marquês ou do caso GES, no âmbito daquelas declarações,
alerta também para o problema dos incêndios:
“Em Mação temos
duas frentes que nos dão muitas dores de cabeça (…) Por terra, é o problema dos
incêndios; por água, é o problema do rio e da poluição. Nota-se a
olhos vistos a deterioração das águas do Tejo, a jusante de Vila Velha de Ródão, e vou dar testemunho disso mesmo em tribunal, na defesa do Arlindo, porque a ele me
associo e ao trabalho de cidadania que tem desenvolvido.”.
Porém, o réu diz
ter escrito duas cartas a Marcelo e que o Presidente já lhe respondeu.
***
Na defesa do
interesse público e na promoção da segurança do território, pessoas e bens, o
Estado tem de ser muito cuidadoso na produção de legislação e na atividade
fiscalizadora. E quem de direito deve fazer justiça ante a transgressão. A instalação
e a manutenção de empresa da índole das referenciadas devem ser objeto duma
autorização que obrigue à autoconstrução dum mecanismo de tratamento eficaz dos
efluentes, não se podendo contemporizar com mínimos nem se ficar pelas reduções.
O rio não pode ser o vazadouro do que quer que seja. A fiscalização deve ser
apertada e o rio vigiado. Bem basta a sedimentação devida à erosão das margens,
que já deveria levar a operações frequentes de desassoreamento e dragagem.
Rio poluído
dá águas inquinadas, vegetação envenenada, peixes e outras unidades zoológicas
contaminadas. É a necrose contagiante que vitima pessoas e animais e põe em
causa a produção agrícola e hortícola e o abastecimento de água às comunidades!
O bem público merece mais.
2018.02.11 – Louro de Carvalho
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