quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Quando a competência não é critério suficiente…


Tal como noutras ocasiões, também agora se levanta a questão do critério para nomeação do CEMGA (Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas), apenas sendo diferente agora a consensualidade gerada em torno da escolha do Almirante Silva Ribeiro, que está apontado para este cargo de topo nas Forças Armadas.
Com efeito, a notícia destes dias é sinteticamente a de que quatro anos depois de a Marinha ter sido preterida pelo Exército, um almirante, António Silva Ribeiro, é apontado para CEMGFA; Mendes Calado deverá ser o novo CEMA (Chefe do Estado-Maior da Armada); e Belém ainda não recebeu informação oficial.
A verdade da notícia resulta do facto de o atual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante António Silva Ribeiro, ter sido escolhido pelo Governo e aprovado por unanimidade no Conselho de Chefes de Estado Maior como o próximo CEMGA. A escolha não é surpreendente – e apenas o seria se o Governo quisesse comprar uma guerra com a Marinha –, já que este ramo tinha sido preterido há quatro anos para este cargo.  
Dizem os observadores, apoiados em fontes militares, que há uma regra não escrita de rotação dos ramos na chefia do EMGFA. Todavia, em 2014, o general Pina Monteiro, então Chefe do Estado-Maior do Exército, sucedeu ao piloto-aviador Luís Araújo, general da Força Aérea, quando era suposto ter sido escolhido um almirante. Apesar de o processo de sucessão de Pina Monteiro já estar em andamento – dado que faz 66 anos no próximo dia 1 de março, terá de passar à reserva – a Casa Militar do Presidente da República diz ainda não ter qualquer “informação oficial sobre o assunto”.
Estas alterações no topo das Forças Armadas ocorrem num momento de tensão entre as chefias dos ramos e o Ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, em razão do número de efetivos a incorporar nas fileiras em 2018 (200 em vez dos 620 pretendidos pelos chefes militares), mas cuja causa Marques Mendes entende estar não tanto na questão do número de efetivos, mas na própria escolha das chefias. Ademais, agora põe-se o acento numa alegada fuga de informação para o Expresso a referir, ainda recentemente, um memorando que explicitava o descontentamento dos quatro chefes militares de topo em relação ao assunto.
Nos termos da Constituição, cabe ao Presidente da República nomear o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas sob proposta da Governo, o qual estabelece os critérios e as formas da escolha – provavelmente em articulação com as autoridades castrenses – para formular a proposta. Por isso, pareceria prematuro que a Casa Militar da Presidência da República já tivesse informação oficial, o que não quer dizer que o Presidente não tenha sido já abordado.
Se efetivamente o Presidente aceitar nomear Silva Ribeiro como CEMGFA, o poder político terá de escolher quem lhe sucederá no comando de topo da Armada. Com efeito, cabe também ao Presidente da República nomear “os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas”, ouvido, neste caso, “o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas”.
O nome mais provável para chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) será o do vice-almirante António Mendes Calado, que terá sido já convidado pelo próprio Ministro da Defesa Nacional, após as conversas que manteve com os restantes vice-almirantes. Seria o homem mais consensual entre as altas patentes do ramo. Foi comandante da fragata Corte-Real entre 2002 e 2005 e comandou a força envolvida na crise da Guiné-Bissau em 2004.
Os outros militares bem posicionados para ascender a CEMA, mas cujos nomes seriam menos consensuais, são o vice-almirante Gouveia e Melo, submarinista e atual Comandante Naval, ou o vice-almirante Silvestre Correia, Military Representative de Portugal na NATO.
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Silva Ribeiro é dos três chefes dos ramos o mais recente no cargo. E, desde a sua nomeação em dezembro de 2016, se especula que fora escolhido para suceder ao anterior CEMA, almirante Macieira Fragoso, que se manifestara surpreendido com a sua substituição, sendo já então perspetivada a sua ascensão a CEMGFA. Era de difícil sustentabilidade o Ministro da Defesa Nacional e o Governo voltarem a nomear um homem do Exército como CEMGFA. Havia, no entanto, alguma competição com a Força Aérea pois o general Manuel Rolo tomou posse como Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA) em fevereiro de 2016 e é o mais antigo dos chefes dos ramos no lugar.
O suposto novo CEMGFA, que passou pela agência externa portuguesa de espionagem e foi subdiretor do SIEDM (Serviço de Informações Estratégicas e Militares), é elogiado por fontes civis e militares na vertente académica e intelectual (é também professor catedrático do Instituto de Ciências Sociais e Políticas), mas é criticado pela pouca experiência de comando efetivo de navios. Num discurso num almoço/conferência do International Club of Portugal, sobre “os serviços de informações aliados no combate ao terrorismo”, em março de 2015, sendo comandante-geral da Autoridade Marítima, defendeu a possibilidade de os serviços de informações fazerem escutas em território nacional. Dizia ele:
Na qualidade de académico que reflete sobre estas problemáticas, posso dizer que analisando os problemas relacionados com o combate ao terrorismo não vejo como se pode combater uma ameaça dessas sem instrumentos que deem capacidade aos serviços”.
Entre os instrumentos a que se referia, o vice-almirante apontou a capacidade de realizar operações encobertas, o recrutamento de operacionais no terreno ou a possibilidade de realizar escutas, tal como em “países que têm democracias há centenas de anos”, que “são parceiros na NATO e na União Europeia”.
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Para cumprimento do estabelecido constitucionalmente, o processo de seleção e nomeação de um chefe de um ramo militar obedece a vários passos. O Ministro da Defesa e o Primeiro-Ministro selecionam um nome, que é apresentado pelo titular da pasta ao CEMGFA. A seguir, o conselho do ramo, composto por oficiais generais, discute o candidato e informa o CEMGFA da sua posição. Por sua vez, este passa essa informação ao Ministro, que toma a decisão com o Primeiro-Ministro. No caso da nomeação do CEMGFA, em vez do conselho do ramo ou dos ramos, é o caso discutido no conselho de chefes de Estado-Maior. A última palavra, porém, é sempre do Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, que pode não aceitar, voltando o processo à estaca zero. Já aconteceu, por diversas vezes, o Presidente não aceitar o nome proposto para a chefia dos ramos, mas não lhe cabe a iniciativa da escolha, pelo menos em termos formais e públicos.
Por mim, sempre considerei estranho que se discuta se o CEMGFA deve ser nomeado pelo critério da antiguidade. É cada vez menos verdade que “a antiguidade é um posto”. Nem sempre o mais antigo tem maior competência para o exercício do cargo que é necessário prover. Também me repugna o simples critério da rotatividade, pois os candidatos não são necessariamente iguais. E não vale aduzir nem o contentamento dos militares nem o facto de a escolha ser competência do poder político, competência que não se contesta, mas que deve levar à tomada de decisões informada. Nem sempre os militares, mesmo os generais, detêm uma visão holística das matérias e pode esgotar-se a sua capacidade de comando superior e direção. E, muitas vezes, o poder político escolhe mal, sobretudo se se estriba apenas no uso das suas competências.
Como em qualquer posto cimeiro na administração pública, também no topo da estrutura militar deveriam privilegiar-se critérios de natureza humana e técnica, capacidade de chefia e direção e, no caso dos militares, refrescamento de conhecimentos, manutenção reforçada da capacidade de comando e idoneidade para relacionamento com os órgãos de soberania.
A defesa militar da República, que também é ação política – obviamente não partidária – não pode ser entregue a qualquer entidade nem pode ser objeto de negociações. A competência política e militar deveria ser o grande e suficiente critério para a nomeação acertada, devendo, em caso de empate, recorrer-se ao voto. 
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Só nestes termos é que o Ministro da Defesa teria legitimidade para garantir que “não há polémica escondida” com os chefes militares ou lembrar que cabe ao Estado, e não aos ramos, definir as missões a realizar pelas forças portuguesas. Os militares também integram o Estado, embora não os seus órgãos de soberania.
É óbvio que o Ministro tem de garantir que a segurança de instalações ou de pessoas não está em causa. Porém, devia assegurar o número de efetivos solicitado por quem conhece o terreno e necessário ao funcionamento das estruturas e ao cumprimento das missões e sustentar que é preciso “estabelecer prioridades” sobre as missões a desempenhar. 
Por isso, pode parecer apaziguador, mas também é estranho que o titular da pasta da Defesa Nacional tenha vindo, no dia 6, à margem da participação no Encontro Nacional de Estudantes de Ciência Política, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, rejeitar em absoluto o cenário de dificuldade e de descontentamento. Por um lado, o número de efetivos há de ser sempre considerado escasso; por outro, a designação de chefias é sempre problemática. E, ainda, é de considerar que os vencimentos, sobretudo os dos escalões mais baixos, não é confortável.
No entanto, concorda-se com o político quando diz que não lhe “passa pela cabeça, como aliás nunca foi admitido pelos Chefes dos Estados-Maiores nem pelo CEMGFA que a questão da segurança – coletiva, de instalações ou de pessoas – pudesse ser um elemento a negligenciar nessas prioridades” que têm de ser equacionadas. Mas é redundante que venha deixar claro que não cabe aos ramos definir que missões Portugal realiza ou deixa de realizar. Todos sabemos que “as missões, não são os militares que as definem, é o Estado” português (que os militares integram e que defendem) quem faz essa escolha e que, por isso, a discussão não se coloca, para o Ministro em “abdicar” ou não de missões.
Há, entretanto, algo que parece andar politicamente ao contrário, quando diz: “É definir, à luz das dificuldades que temos do ponto de vista de recrutamento, que as missões prioritárias são estas”. Ora, o que deveria ser, do meu ponto de vista, era definir as missões e, em consonância tudo fazer para otimizar o recrutamento.
Certamente que é prioritário, como diz o Ministro, garantir a segurança de pessoas e instalações em território nacional; e é oportuno referi-lo no rescaldo do episódio de Tancos, com o furto de material de guerra que seria encontrado quatro meses depois pela Polícia Judiciária Militar.
Também é pacífico que o Ministro diga que não é “juiz de contradições” a propósito de os militares virem com um memorando e, logo a seguir, virem, em aparente contradição, garantir que nunca estiveram em causa as missões. Se assim é, para que precisam de mais efetivos? Porém, é de questionar por que motivo lançam o fogo e correm logo a apagá-lo.
Certa é também a preocupação do Ministério da Defesa, não apenas com o número de efetivos mas também com a capacidade de “retenção” dos candidatos às Forças Armadas:
Como vamos conseguir reforçar a atração das Forças Armadas do ponto de vista da carreira profissional e como vamos conseguir reter essas pessoas para conseguirem ter carreira que as satisfaça?”.
Uma parte da solução passará pelo alargamento do período máximo dos contratos que ligam os militares aos ramos, que deverá passar dos atuais seis para os 18 anos. Azeredo Lopes diz que “os ramos vão poder gerir com mais liberdade a possibilidade de prolongamento do vínculo daqueles que têm nas suas fileiras” que está em curso um “estudo” que permita perceber, junto dos próprios militares, quais os principais fatores que levam ao desinteresse na carreira militar.
A isto é de responder que são os baixos salários e a falta de garantia de inserção profissional depois da passagem pelo mundo castrense. E este fator agravar-se-á se os contratos forem até 18 anos. Que empregador é que os absorve com 40 anos de idade?
Tão certo isto é que tem sido notícia que baixos salários e carga horária estão a gerar “forte descontentamento” nas praças das Forças Armadas, em especial do Exército. Em salário líquido, estes militares recebem, em cada mês, menos do que o salário mínimo nacional, o que se nota mais com o fim do pagamento do subsídio de Natal em duodécimos.
Em declarações à agência Lusa, Luís Reis, presidente da Associação de Praças, afirmou que a associação tem sido contactada nas últimas semanas por militares descontentes com os “baixos salários” face à “sobrecarga horária” e às condições de habitabilidade e alimentação nas unidades. Estes militares percebem que estão mal pagos para o serviço que fazem, pela enorme carga horária que tem. Querem melhores condições remuneratórias e de habitabilidade.
Foi criado um grupo fechado na rede social ‘Facebook’ que já reúne “mais de 6700 militares” que vão publicando fotografias a retratar as “más condições” quer de alimentação, quer de habitabilidade em várias unidades. Porém, contactado pela Lusa, o presidente da Associação de Praças demarcou-se da iniciativa, confirmando, no entanto, que desde há três semanas se intensificou “um forte descontentamento e mal-estar” entre as praças, em especial do Exército, que tem uma progressão na carreira “mais difícil” do que nos outros ramos. E considerou:
Se pudessem meter o papel para se irem embora amanhã sem serem penalizados iam-se todos embora”.
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Também se aplica à instituição militar, em matéria de efetivos, meios logísticos e salários, a máxima de que “não se fazem omeletes sem ovos”. E, em matéria de salários, recordo que um dos pecados que bradam ao céu é “não pagar o salário a quem trabalha”. Registe-se nas atas.
2018.02.07 – Louro de Carvalho

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