Tal como noutras ocasiões, também agora se
levanta a questão do critério para nomeação do CEMGA (Chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas), apenas sendo diferente agora a consensualidade
gerada em torno da escolha do Almirante Silva Ribeiro, que está apontado para
este cargo de topo nas Forças Armadas.
Com efeito, a notícia destes dias é
sinteticamente a de que quatro anos
depois de a Marinha ter sido preterida pelo Exército, um almirante, António Silva
Ribeiro, é apontado para CEMGFA; Mendes Calado deverá ser o novo CEMA (Chefe do
Estado-Maior da Armada); e Belém
ainda não recebeu informação oficial.
A verdade da
notícia resulta do facto de o atual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante António Silva Ribeiro, ter
sido escolhido pelo Governo e aprovado por unanimidade no Conselho de Chefes de
Estado Maior como o próximo CEMGA. A escolha não é surpreendente – e
apenas o seria se o Governo quisesse comprar uma guerra com a Marinha –, já que
este ramo tinha sido preterido há quatro anos para este cargo.
Dizem os
observadores, apoiados em fontes militares, que há uma regra não escrita de
rotação dos ramos na chefia do EMGFA. Todavia, em 2014, o general Pina
Monteiro, então Chefe do Estado-Maior do Exército, sucedeu ao piloto-aviador
Luís Araújo, general da Força Aérea, quando era suposto ter sido escolhido um
almirante. Apesar de o processo de sucessão de Pina Monteiro já estar em
andamento – dado que faz 66 anos no próximo dia 1 de março, terá de passar à
reserva – a Casa Militar do Presidente
da República diz ainda não ter qualquer “informação oficial sobre o assunto”.
Estas
alterações no topo das Forças Armadas ocorrem num momento de tensão entre as chefias dos ramos e o Ministro da Defesa
Nacional, Azeredo Lopes, em razão do número de efetivos a incorporar nas
fileiras em 2018 (200 em vez dos 620 pretendidos pelos chefes militares), mas cuja causa Marques Mendes entende estar não
tanto na questão do número de efetivos, mas na própria escolha das chefias.
Ademais, agora põe-se o acento numa alegada fuga de informação para o Expresso a referir, ainda recentemente, um
memorando que explicitava o descontentamento dos quatro chefes militares de
topo em relação ao assunto.
Nos termos
da Constituição, cabe ao Presidente da República nomear o Chefe do Estado-Maior
General das Forças Armadas sob proposta da Governo, o qual estabelece os
critérios e as formas da escolha – provavelmente em articulação com as
autoridades castrenses – para formular a proposta. Por isso, pareceria
prematuro que a Casa Militar da Presidência da República já tivesse informação
oficial, o que não quer dizer que o Presidente não tenha sido já abordado.
Se
efetivamente o Presidente aceitar nomear Silva Ribeiro como CEMGFA, o
poder político terá de escolher quem lhe sucederá no comando de topo da Armada.
Com efeito, cabe também ao Presidente da República nomear “os Chefes de Estado-Maior
dos três ramos das Forças Armadas”, ouvido, neste caso, “o Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas”.
O nome mais
provável para chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) será o do vice-almirante
António Mendes Calado, que terá sido já convidado pelo próprio Ministro da
Defesa Nacional, após as conversas que manteve com os restantes
vice-almirantes. Seria o homem mais consensual entre as altas patentes do ramo.
Foi comandante da fragata Corte-Real entre 2002 e 2005 e comandou a
força envolvida na crise da Guiné-Bissau em 2004.
Os outros
militares bem posicionados para ascender a CEMA, mas cujos nomes seriam menos
consensuais, são o vice-almirante Gouveia e Melo, submarinista e atual Comandante
Naval, ou o vice-almirante Silvestre Correia, Military Representative de
Portugal na NATO.
***
Silva
Ribeiro é dos três chefes dos ramos o mais recente no cargo. E, desde a sua
nomeação em dezembro de 2016, se especula que fora escolhido para suceder ao
anterior CEMA, almirante Macieira Fragoso, que se manifestara surpreendido com
a sua substituição, sendo já então perspetivada a sua ascensão a CEMGFA. Era de
difícil sustentabilidade o Ministro da Defesa Nacional e o Governo voltarem a
nomear um homem do Exército como CEMGFA. Havia, no entanto, alguma competição
com a Força Aérea pois o general Manuel Rolo tomou posse como Chefe
do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA) em fevereiro de 2016 e é o mais antigo
dos chefes dos ramos no lugar.
O suposto novo
CEMGFA, que passou pela agência externa portuguesa de espionagem e foi
subdiretor do SIEDM (Serviço de Informações Estratégicas e Militares), é elogiado por fontes civis e militares na vertente
académica e intelectual (é também professor catedrático do Instituto de
Ciências Sociais e Políticas), mas é
criticado pela pouca experiência de comando efetivo de navios. Num discurso
num almoço/conferência do International Club of Portugal, sobre “os
serviços de informações aliados no combate ao terrorismo”, em março de 2015,
sendo comandante-geral da Autoridade Marítima, defendeu a
possibilidade de os serviços de informações fazerem escutas em território
nacional. Dizia ele:
“Na qualidade de académico que reflete sobre
estas problemáticas, posso dizer que analisando os problemas relacionados com o
combate ao terrorismo não vejo como se pode combater uma ameaça dessas sem
instrumentos que deem capacidade aos serviços”.
Entre os
instrumentos a que se referia, o vice-almirante apontou a capacidade de
realizar operações encobertas, o recrutamento de operacionais no terreno ou a possibilidade de realizar escutas,
tal como em “países que têm democracias há centenas de anos”, que “são
parceiros na NATO e na União Europeia”.
***
Para
cumprimento do estabelecido constitucionalmente, o processo de seleção e
nomeação de um chefe de um ramo militar obedece a vários passos. O Ministro da
Defesa e o Primeiro-Ministro selecionam um nome, que é apresentado pelo titular
da pasta ao CEMGFA. A seguir, o conselho do ramo, composto por oficiais generais,
discute o candidato e informa o CEMGFA da sua posição. Por sua vez, este passa
essa informação ao Ministro, que toma a decisão com o Primeiro-Ministro. No
caso da nomeação do CEMGFA, em vez do conselho do ramo ou dos ramos, é o caso
discutido no conselho de chefes de Estado-Maior. A última palavra, porém, é sempre
do Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, que pode não
aceitar, voltando o processo à estaca zero. Já aconteceu, por diversas vezes, o
Presidente não aceitar o nome proposto para a chefia dos ramos, mas não lhe
cabe a iniciativa da escolha, pelo menos em termos formais e públicos.
Por mim,
sempre considerei estranho que se discuta se o CEMGFA deve ser nomeado pelo
critério da antiguidade. É cada vez menos verdade que “a antiguidade é um
posto”. Nem sempre o mais antigo tem maior competência para o exercício do
cargo que é necessário prover. Também me repugna o simples critério da
rotatividade, pois os candidatos não são necessariamente iguais. E não vale
aduzir nem o contentamento dos militares nem o facto de a escolha ser
competência do poder político, competência que não se contesta, mas que deve levar
à tomada de decisões informada. Nem sempre os militares, mesmo os generais,
detêm uma visão holística das matérias e pode esgotar-se a sua capacidade de
comando superior e direção. E, muitas vezes, o poder político escolhe mal,
sobretudo se se estriba apenas no uso das suas competências.
Como em
qualquer posto cimeiro na administração pública, também no topo da estrutura
militar deveriam privilegiar-se critérios de natureza humana e técnica,
capacidade de chefia e direção e, no caso dos militares, refrescamento de
conhecimentos, manutenção reforçada da capacidade de comando e idoneidade para
relacionamento com os órgãos de soberania.
A defesa
militar da República, que também é ação política – obviamente não partidária –
não pode ser entregue a qualquer entidade nem pode ser objeto de negociações. A
competência política e militar deveria ser o grande e suficiente critério para
a nomeação acertada, devendo, em caso de empate, recorrer-se ao voto.
***
Só nestes
termos é que o Ministro da Defesa teria legitimidade para garantir que “não há
polémica escondida” com os chefes militares ou lembrar que cabe ao Estado, e
não aos ramos, definir as missões a realizar pelas forças portuguesas. Os militares
também integram o Estado, embora não os seus órgãos de soberania.
É óbvio que o
Ministro tem de garantir que a segurança de instalações ou de pessoas não está
em causa. Porém, devia assegurar o número de efetivos solicitado por quem
conhece o terreno e necessário ao funcionamento das estruturas e ao cumprimento
das missões e sustentar que é preciso “estabelecer prioridades” sobre as
missões a desempenhar.
Por isso,
pode parecer apaziguador, mas também é estranho que o titular da pasta da
Defesa Nacional tenha vindo, no dia 6, à margem da participação no Encontro
Nacional de Estudantes de Ciência Política, no Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas, rejeitar em
absoluto o cenário de dificuldade e de descontentamento. Por um lado, o
número de efetivos há de ser sempre considerado escasso; por outro, a
designação de chefias é sempre problemática. E, ainda, é de considerar que os vencimentos,
sobretudo os dos escalões mais baixos, não é confortável.
No entanto,
concorda-se com o político quando diz que não lhe “passa pela cabeça, como
aliás nunca foi admitido pelos Chefes dos Estados-Maiores nem pelo CEMGFA que a
questão da segurança – coletiva, de instalações ou de pessoas – pudesse ser um
elemento a negligenciar nessas prioridades” que têm de ser equacionadas. Mas é
redundante que venha deixar claro que não cabe aos ramos definir que missões Portugal realiza ou deixa de
realizar. Todos sabemos que “as missões, não são os militares que as
definem, é o Estado” português (que os militares integram e que defendem) quem faz essa escolha e que, por isso, a discussão
não se coloca, para o Ministro em “abdicar” ou não de missões.
Há,
entretanto, algo que parece andar politicamente ao contrário, quando diz: “É definir, à luz das dificuldades que temos
do ponto de vista de recrutamento, que as missões prioritárias são estas”. Ora, o que deveria ser, do
meu ponto de vista, era definir as missões e, em consonância tudo fazer para
otimizar o recrutamento.
Certamente que
é prioritário, como diz o Ministro, garantir a segurança de pessoas e instalações
em território nacional; e é oportuno referi-lo no rescaldo do episódio de Tancos, com o furto de
material de guerra que seria encontrado quatro meses depois pela Polícia
Judiciária Militar.
Também é
pacífico que o Ministro diga que não é
“juiz de contradições” a propósito de os militares virem com um
memorando e, logo a seguir, virem, em aparente contradição, garantir que nunca
estiveram em causa as missões. Se assim é, para que precisam de mais efetivos? Porém,
é de questionar por que motivo lançam o fogo e correm logo a apagá-lo.
Certa é também
a preocupação do Ministério da Defesa, não apenas com o número de efetivos mas também
com a capacidade de “retenção” dos
candidatos às Forças Armadas:
“Como
vamos conseguir reforçar a atração das Forças Armadas do ponto de vista da
carreira profissional e como vamos conseguir reter essas pessoas para
conseguirem ter carreira que as satisfaça?”.
Uma parte da
solução passará pelo alargamento
do período máximo dos contratos que ligam os militares aos ramos,
que deverá passar dos atuais seis para os 18 anos. Azeredo Lopes diz que “os ramos vão poder gerir com mais liberdade
a possibilidade de prolongamento do vínculo daqueles que têm nas suas fileiras”
que está em curso um “estudo” que permita perceber, junto dos próprios
militares, quais os principais fatores que levam ao desinteresse na carreira
militar.
A isto é de
responder que são os baixos salários e a falta de garantia de inserção
profissional depois da passagem pelo mundo castrense. E este fator agravar-se-á
se os contratos forem até 18 anos. Que empregador é que os absorve com 40 anos
de idade?
Tão certo
isto é que tem sido notícia que baixos salários e carga horária estão a gerar
“forte descontentamento” nas praças das Forças Armadas, em especial do Exército.
Em salário líquido, estes militares recebem, em cada mês, menos do que o
salário mínimo nacional, o que se nota mais com o fim do pagamento do subsídio
de Natal em duodécimos.
Em
declarações à agência Lusa, Luís
Reis, presidente da Associação de Praças, afirmou que a associação tem sido contactada
nas últimas semanas por militares descontentes com os “baixos salários” face à
“sobrecarga horária” e às condições de habitabilidade e alimentação nas
unidades. Estes militares percebem que estão mal pagos para o serviço que
fazem, pela enorme carga horária que tem. Querem melhores condições
remuneratórias e de habitabilidade.
Foi criado um
grupo fechado na rede social ‘Facebook’ que já reúne “mais de 6700 militares”
que vão publicando fotografias a retratar as “más condições” quer de
alimentação, quer de habitabilidade em várias unidades. Porém, contactado pela Lusa, o presidente da Associação de
Praças demarcou-se da iniciativa, confirmando, no entanto, que desde há três
semanas se intensificou “um forte descontentamento e mal-estar” entre as
praças, em especial do Exército, que tem uma progressão na carreira “mais
difícil” do que nos outros ramos. E considerou:
“Se
pudessem meter o papel para se irem embora amanhã sem serem penalizados iam-se
todos embora”.
***
Também se
aplica à instituição militar, em matéria de efetivos, meios logísticos e
salários, a máxima de que “não se fazem omeletes sem ovos”. E, em matéria de salários,
recordo que um dos pecados que bradam ao céu é “não pagar o salário a quem
trabalha”. Registe-se nas atas.
2018.02.07 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário