Na
sequência do 37.º Congresso do PSD, em que Rui Rio se consagrou como o líder em
virtude da vitória obtida nas eleições diretas, e porque o novo Presidente do
Partido revelou junto do chefe da bancada parlamentar que preferia trabalhar
com outra direção, Hugo Soares, presidente cessante do grupo parlamentar
convocou eleições e resolveu não se candidatar.
Apesar
de se ter falado em vários nomes, o único deputado socialdemocrata que se
perfilou como candidato foi Fernando Negrão, que apoiara Pedro Santana Lopes na
corrida eleitoral às diretas partidárias. Porém, nada o impedia, dado o ajuste
de unidade entre Santa e Rio, muito embora adversários do novo líder, em que
sobressai Pauta Teixeira da Cruz, antiga Ministra da Justiça de Passos Coelho,
tenha acusado Rio de traição pela escolha de Elina Fraga, que travou acesa luta
contra a reforma da justiça de Teixeira da Cruz, chegando a ponto de apresentar
queixa-crime, em nome da Ordem dos Advogados, de que era bastonária ao tempo,
contra todos os membros do Conselho de Ministros que aprovaram o novo mapa
judiciário alegando atentado contra o Estado de Direito.
Na votação
para a liderança da bancada parlamentar, Negrão, o candidato único sob a égide
de Rio, não foi além dos 39,7%, mas aceitou a vitória com base na sua leitura dos
resultados, no que foi apoiado pelo Presidente do PSD, e afirmou que há um
problema de “ética” na bancada, deixando o grupo parlamentar em polvorosa. Até
dizem que a eleição do novo líder parlamentar no dia 22 deixara a bancada do
PSD em clima de guerra civil. Fernando Negrão contou 35 votos a favor, 32
brancos e 21 nulos num universo de 88 deputados (um dos deputados, Pedro Pinto, já
tinha anunciado que não votaria). E, se o
resultado já denota o mau estar na bancada, as posteriores declarações de
Fernando Negrão carregaram o tom do descontentamento, por ter dito:
“Há um problema, não de natureza política, mas de natureza ética, neste
grupo parlamentar”.
Mais. Na
declaração em que assumiu a liderança da bancada, afirmou que os 32 votos em
branco “podem ser considerados um
benefício da dúvida” – o que deixou incrédulos muitos deputados, que
esperavam que o eleito não assumisse o cargo ante o facto de a maioria ter
optado assim: 53 deputados, somando os brancos e os nulos, num contexto em que
não é possível o voto contra. E dois parlamentares exprimiram publicamente o
descontentamento. Foi o caso de Paula Teixeira da Cruz, que devolveu “em dobro”
a Negrão a acusação de falta de ética e declarou que “a liderança da bancada do
PSD não está legitimada nem do ponto de vista político nem do ponto de vista
jurídico”, considerando a leitura de Negrão próxima da linha estalinista. E
Sérgio Azevedo, ex-vice-presidente da bancada, escreveu no Facebook:
“Não querendo pessoalizar, porque vai muito além disso, teremos que
remontar ao plebiscito para a aprovação da Constituição de 1933, num Estado
autoritário e fascizante, para se admitir o ‘voto branco’ como um voto
favorável ou, se quisermos, de não rejeição. Para mais, teremos igualmente de
contradizer séculos de teoria política ou, no limite, pôr em causa uma certa
doutrina, maioritária de resto, que considera o mesmo voto como uma ‘rejeição
ativa’.”.
Para este
deputado (que lê a atitude do eleito como fascizante), pior do que isso – e pessoalizando –, são as suspeições de razão ética
sobre colegas que teriam não votado mesmo integrando a lista que se apresentou
a sufrágio. Com efeito, “sendo o voto
secreto isso é impossível de aferir”.
Por seu
turno, Negrão, em entrevista à SIC Notícias, considerou ridículas tais
afirmações, dizendo que se trata de “opiniões minoritárias” e admitiu um cenário
em que deixará o cargo:
“Abandonarei a liderança do grupo parlamentar se houver uma rebelião, mas estamos a falar de pessoas
adultas e presumo que não esteja em curso uma rebelião”.
***
Embora não as
tenham assumido publicamente, muitos deputados partilharam as críticas. Um dos
problemas levantados é o de assumir que os 35 votos favoráveis que recebeu
vieram dos 37 membros da lista com que se apresentou a sufrágio, apontando
Negrão o dedo a todos os outros deputados, incluindo “notáveis” do partido, em
que se inclui o antigo líder, Pedro Passos Coelho, que deixará o Parlamento no
final do mês. Diz Fernando Negrão:
“Há um problema, não de natureza política, mas de natureza ética, há um
problema neste grupo parlamentar, porque houve pessoas – eventualmente duas,
podem ser mais – que aceitaram integrar a lista e depois terão votado em branco”.
Lendo ilegitimamente
resultados de voto secreto e contestando a leitura de que a maioria da bancada
está contra si, o ora líder do grupo parlamentar, que diz ter recebido “centenas de
mensagens de apoio de deputados e membros do partido”, atribuiu o resultado ao momento “de transformação”
que o partido vive. E disse ter falado, entretanto, com o líder:
“Comuniquei ao Dr. Rui Rio os resultados, expliquei-lhe a leitura que
fazia dos mesmos e disse que, na minha opinião, assumiria a direção do grupo”.
Ao que Rio
terá respondido com o seu apoio, se Negrão “entende que deve assumir”.
O líder
parlamentar reforçou à SIC que “há uma mensagem de alguma incompreensão da
necessidade de mudança de políticas por parte do PSD e da novidade que Rui Rio
traz ao PSD” e lembrou que o dever dos deputados é o de cumprirem com a sua
obrigação, declarando:
“O
presidente do grupo parlamentar não tem de meter mão nos deputados, tem de
marcar a agenda política. Tenho a certeza de que os deputados têm sentido de
responsabilidade, respondem aos eleitores que os elegeram e que cumprirão com a
sua obrigação. […] Quando me proponho a fazer uma coisa, gosto de a levar até
às últimas consequências. Tenho 62 anos, a minha vida tem sido feita de
desafios, principalmente na política. Não têm sido desafios fáceis no PSD e
tenho levado todos até ao fim. A minha intenção é levar este até ao fim.”.
A votação
que Negrão obteve deixa o líder parlamentar socialdemocrata a grande distância
das votações obtidas pelos seus antecessores. Hugo Soares, no ano passado,
recolheu 85,4% dos votos (76 votos favoráveis, 12 votos brancos e um nulo). E Luís Montenegro, crítico de Rio, foi
sucessivamente eleito com 86%, 87% e quase 98% dos votos. Antes, a eleição para
a liderança parlamentar admitia votos contra, mas mesmo nesse sistema não se
encontra, em anos recentes, uma taxa de aprovação tão baixa do líder da
bancada. Acresce que o ex-Ministro – de períodos governativos curtos – fez
várias declarações públicas que apontavam noutro sentido. Ao DN, questionado sobre expectativas em
relação ao resultado, apontou para uma “direção forte”. E ao Observador afirmou que se “ganham
eleições com mais um voto do que a maioria”, o que alguns entendem que
pretendia dizer que a eleição estaria ganha se obtivesse 50% do votos + 1.
Agora, em
vez de juntar os votos brancos com os nulos, como querem os críticos, somou os brancos
aos votos a favor, alegando que eles agora significam a concessão do benefício
da dúvida, quando, antes, aceitava que fossem sinal de rejeição ativa.
***
Os desenvolvimentos no PSD revelam que os passistas não se redimiram das
eleições ganhas por poucochinho, que resultaram na impossibilidade de a
coligação partidária ganhadora não lograr a formação de um governo cujo
programa passasse no Parlamento devido à geometria parlamentar maioritária formada
à esquerda. E soube a amargo o resultado eleitoral autárquico da formação alaranjada.
Agora, a dialética norte-sul, corporizada respetivamente por Rio e Santana,
atirou para o aoristo o passismo e produziu uma unidade artificiosa mal
absorvida pelas hostes parlamentares socialdemocratas eleitas sob a égide de
Passos Coelho. Rio quis trabalhar com outra direção parlamentar, mas, porque
não é deputado e não tem um número significativo de deputados rioístas, teve de
aceitar a candidatura ligada ao santanismo (e a Passos).
Alguns regulamentos são precisos na fixação de normas sobre a leitura dos
resultados, mas, pelos vistos, o regulamento eleitoral da bancada laranja não
especifica a leitura, talvez porque não tenha chegado alguma vez a situações
como esta. E, assim, surgem interpretações diversas designadamente no
respeitante ao teor n.º
1 do art.º 7.º, que estabelece que “a direção é eleita pelo método maioritário,
com o mandato de duas sessões legislativas completas”.
Uns defendem que, em caso de lista única, basta
um voto (do
próprio) para a eleição ser legítima do ponto de vista jurídico. Outros defendem o contrário: em caso de
lista única, os votos favoráveis têm de ser superiores aos nulos e brancos para
que a eleição seja legítima do ponto de vista jurídico. Ora, de acordo com
a primeira interpretação, Negrão foi eleito de forma legítima; de acordo com a
segunda, não tem legitimidade. E Paula Teixeira da Cruz, adepta da segunda, diz
que “a liderança da bancada do PSD não está legitimada nem do ponto de vista
político nem do ponto de vista jurídico”. Segundo ela, há dois
problemas: um é de legitimidade política, pois alguém que tem 35
votos em 89 deputados fragiliza essa própria bancada frente ao que é a sua
oposição; e outro é o da falta de legalidade da eleição, pois o
regulamento fala em maioria, sendo que, se há apenas uma lista,
maioria é 50% + um, o que não se verificou.
E, quanto ao
significado dos votos em branco, Teixeira da Cruz contesta a interpretação de
os dar como “benefício da dúvida”, pois “nunca um voto branco foi
entendido assim do ponto de vista jurídico e político”. Para a ex-Ministra
de Passos Coelho, “um voto branco ou nulo nunca é um voto a favor”.
Do meu ponto de vista, Negrão não
tem legitimidade política e a que ele assume só não será combatida porque mais
ninguém se chegou à frente nem penso que venha a fazê-lo agora, vindo Paulo
Rangel dizer que “há todas as condições para levar o trabalho por diante”.
Dá-me a impressão de que pretenderão fritar a candidatura nortenha em lume
brando à espera de péssimo desempenho e mais resultados ou como fizeram a
Menezes. Mas pode haver surpresas.
No aspeto
jurídico, a própria Comissão de Eleições prestou um esclarecimento em tempos,
referindo que os votos em branco não são tidos em conta para nada, jogando-se
na distribuição de mandatos apenas com os votos expressos em listas coletivas
ou uninominais.
***
Assim, o que
se está a passar no quadro dos parlamentares sociais-democratas é explicável em
função de uma “coligação negativa” de descontentamentos ou da soma de
insatisfações, sejam elas conexas com o Congresso e com a contestação das
distritais por não terem nomes dos seus militantes nas listas para os órgãos
nacionais, sejam com o afastamento de Hugo Soares da liderança, o que é visto
como um ataque à autonomia do grupo parlamentar.
Num clima de
ajuste de contas, um socialdemocrata sintetiza três “razões “para o sucedido: a
lista para a direção estava nivelada por baixo; Fernando Negrão desagrada a
muita gente, que duvida da sua capacidade para um confronto político sólido nos
debates; e trata-se de uma votação contra Rio, pela forma como está a conduzir
esta transição.
Seria bom
para a democracia e para o projeto socialdemocrata que eles se entendessem e
pusessem de parte as guerras de miúdos ou guerras do alecrim e da manjerona. O
país precisa de conhecer projetos alternativos de governação sérios para poder
optar e políticos a sério.
2018.02.23 – Louro de Carvalho
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