sábado, 24 de fevereiro de 2018

Clima de guerra civil na bancada parlamentar do PSD


Na sequência do 37.º Congresso do PSD, em que Rui Rio se consagrou como o líder em virtude da vitória obtida nas eleições diretas, e porque o novo Presidente do Partido revelou junto do chefe da bancada parlamentar que preferia trabalhar com outra direção, Hugo Soares, presidente cessante do grupo parlamentar convocou eleições e resolveu não se candidatar.
Apesar de se ter falado em vários nomes, o único deputado socialdemocrata que se perfilou como candidato foi Fernando Negrão, que apoiara Pedro Santana Lopes na corrida eleitoral às diretas partidárias. Porém, nada o impedia, dado o ajuste de unidade entre Santa e Rio, muito embora adversários do novo líder, em que sobressai Pauta Teixeira da Cruz, antiga Ministra da Justiça de Passos Coelho, tenha acusado Rio de traição pela escolha de Elina Fraga, que travou acesa luta contra a reforma da justiça de Teixeira da Cruz, chegando a ponto de apresentar queixa-crime, em nome da Ordem dos Advogados, de que era bastonária ao tempo, contra todos os membros do Conselho de Ministros que aprovaram o novo mapa judiciário alegando atentado contra o Estado de Direito.
Na votação para a liderança da bancada parlamentar, Negrão, o candidato único sob a égide de Rio, não foi além dos 39,7%, mas aceitou a vitória com base na sua leitura dos resultados, no que foi apoiado pelo Presidente do PSD, e afirmou que há um problema de “ética” na bancada, deixando o grupo parlamentar em polvorosa. Até dizem que a eleição do novo líder parlamentar no dia 22 deixara a bancada do PSD em clima de guerra civil. Fernando Negrão contou 35 votos a favor, 32 brancos e 21 nulos num universo de 88 deputados (um dos deputados, Pedro Pinto, já tinha anunciado que não votaria). E, se o resultado já denota o mau estar na bancada, as posteriores declarações de Fernando Negrão carregaram o tom do descontentamento, por ter dito:
Há um problema, não de natureza política, mas de natureza ética, neste grupo parlamentar”.
Mais. Na declaração em que assumiu a liderança da bancada, afirmou que os 32 votos em branco “podem ser considerados um benefício da dúvida” – o que deixou incrédulos muitos deputados, que esperavam que o eleito não assumisse o cargo ante o facto de a maioria ter optado assim: 53 deputados, somando os brancos e os nulos, num contexto em que não é possível o voto contra. E dois parlamentares exprimiram publicamente o descontentamento. Foi o caso de Paula Teixeira da Cruz, que devolveu “em dobro” a Negrão a acusação de falta de ética e declarou que “a liderança da bancada do PSD não está legitimada nem do ponto de vista político nem do ponto de vista jurídico”, considerando a leitura de Negrão próxima da linha estalinista. E Sérgio Azevedo, ex-vice-presidente da bancada, escreveu no Facebook:
Não querendo pessoalizar, porque vai muito além disso, teremos que remontar ao plebiscito para a aprovação da Constituição de 1933, num Estado autoritário e fascizante, para se admitir o ‘voto branco’ como um voto favorável ou, se quisermos, de não rejeição. Para mais, teremos igualmente de contradizer séculos de teoria política ou, no limite, pôr em causa uma certa doutrina, maioritária de resto, que considera o mesmo voto como uma ‘rejeição ativa’.”.
Para este deputado (que lê a atitude do eleito como fascizante), pior do que isso – e pessoalizando –, são as suspeições de razão ética sobre colegas que teriam não votado mesmo integrando a lista que se apresentou a sufrágio. Com efeito, “sendo o voto secreto isso é impossível de aferir”.
Por seu turno, Negrão, em entrevista à SIC Notícias, considerou ridículas tais afirmações, dizendo que se trata de “opiniões minoritárias” e admitiu um cenário em que deixará o cargo:
Abandonarei a liderança do grupo parlamentar se houver uma rebelião, mas estamos a falar de pessoas adultas e presumo que não esteja em curso uma rebelião”.
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Embora não as tenham assumido publicamente, muitos deputados partilharam as críticas. Um dos problemas levantados é o de assumir que os 35 votos favoráveis que recebeu vieram dos 37 membros da lista com que se apresentou a sufrágio, apontando Negrão o dedo a todos os outros deputados, incluindo “notáveis” do partido, em que se inclui o antigo líder, Pedro Passos Coelho, que deixará o Parlamento no final do mês. Diz Fernando Negrão:
Há um problema, não de natureza política, mas de natureza ética, há um problema neste grupo parlamentar, porque houve pessoas – eventualmente duas, podem ser mais – que aceitaram integrar a lista e depois terão votado em branco”.
Lendo ilegitimamente resultados de voto secreto e contestando a leitura de que a maioria da bancada está contra si, o ora líder do grupo parlamentar, que diz ter recebido “centenas de mensagens de apoio de deputados e membros do partido”, atribuiu o resultado ao momento “de transformação” que o partido vive. E disse ter falado, entretanto, com o líder:
Comuniquei ao Dr. Rui Rio os resultados, expliquei-lhe a leitura que fazia dos mesmos e disse que, na minha opinião, assumiria a direção do grupo”.
Ao que Rio terá respondido com o seu apoio, se Negrão “entende que deve assumir”.
O líder parlamentar reforçou à SIC que “há uma mensagem de alguma incompreensão da necessidade de mudança de políticas por parte do PSD e da novidade que Rui Rio traz ao PSD” e lembrou que o dever dos deputados é o de cumprirem com a sua obrigação, declarando:
O presidente do grupo parlamentar não tem de meter mão nos deputados, tem de marcar a agenda política. Tenho a certeza de que os deputados têm sentido de responsabilidade, respondem aos eleitores que os elegeram e que cumprirão com a sua obrigação. […] Quando me proponho a fazer uma coisa, gosto de a levar até às últimas consequências. Tenho 62 anos, a minha vida tem sido feita de desafios, principalmente na política. Não têm sido desafios fáceis no PSD e tenho levado todos até ao fim. A minha intenção é levar este até ao fim.”.
A votação que Negrão obteve deixa o líder parlamentar socialdemocrata a grande distância das votações obtidas pelos seus antecessores. Hugo Soares, no ano passado, recolheu 85,4% dos votos (76 votos favoráveis, 12 votos brancos e um nulo). E Luís Montenegro, crítico de Rio, foi sucessivamente eleito com 86%, 87% e quase 98% dos votos. Antes, a eleição para a liderança parlamentar admitia votos contra, mas mesmo nesse sistema não se encontra, em anos recentes, uma taxa de aprovação tão baixa do líder da bancada. Acresce que o ex-Ministro – de períodos governativos curtos – fez várias declarações públicas que apontavam noutro sentido. Ao DN, questionado sobre expectativas em relação ao resultado, apontou para uma “direção forte”. E ao Observador afirmou que se “ganham eleições com mais um voto do que a maioria”, o que alguns entendem que pretendia dizer que a eleição estaria ganha se obtivesse 50% do votos + 1.
Agora, em vez de juntar os votos brancos com os nulos, como querem os críticos, somou os brancos aos votos a favor, alegando que eles agora significam a concessão do benefício da dúvida, quando, antes, aceitava que fossem sinal de rejeição ativa.
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Os desenvolvimentos no PSD revelam que os passistas não se redimiram das eleições ganhas por poucochinho, que resultaram na impossibilidade de a coligação partidária ganhadora não lograr a formação de um governo cujo programa passasse no Parlamento devido à geometria parlamentar maioritária formada à esquerda. E soube a amargo o resultado eleitoral autárquico da formação alaranjada. Agora, a dialética norte-sul, corporizada respetivamente por Rio e Santana, atirou para o aoristo o passismo e produziu uma unidade artificiosa mal absorvida pelas hostes parlamentares socialdemocratas eleitas sob a égide de Passos Coelho. Rio quis trabalhar com outra direção parlamentar, mas, porque não é deputado e não tem um número significativo de deputados rioístas, teve de aceitar a candidatura ligada ao santanismo (e a Passos). 
Alguns regulamentos são precisos na fixação de normas sobre a leitura dos resultados, mas, pelos vistos, o regulamento eleitoral da bancada laranja não especifica a leitura, talvez porque não tenha chegado alguma vez a situações como esta. E, assim, surgem interpretações diversas designadamente no respeitante ao teor n.º 1 do art.º 7.º, que estabelece que “a direção é eleita pelo método maioritário, com o mandato de duas sessões legislativas completas”.
Uns defendem que, em caso de lista única, basta um voto (do próprio) para a eleição ser legítima do ponto de vista jurídico. Outros defendem o contrário: em caso de lista única, os votos favoráveis têm de ser superiores aos nulos e brancos para que a eleição seja legítima do ponto de vista jurídico. Ora, de acordo com a primeira interpretação, Negrão foi eleito de forma legítima; de acordo com a segunda, não tem legitimidade. E Paula Teixeira da Cruz, adepta da segunda, diz que “a liderança da bancada do PSD não está legitimada nem do ponto de vista político nem do ponto de vista jurídico”. Segundo ela, há dois problemas: um é de legitimidade política, pois alguém que tem 35 votos em 89 deputados fragiliza essa própria bancada frente ao que é a sua oposição; e outro é o da falta de legalidade da eleição, pois o regulamento fala em maioria, sendo que, se há apenas uma lista, maioria é 50% + um, o que não se verificou.
E, quanto ao significado dos votos em branco, Teixeira da Cruz contesta a interpretação de os dar como “benefício da dúvida”, pois “nunca um voto branco foi entendido assim do ponto de vista jurídico e político”. Para a ex-Ministra de Passos Coelho, “um voto branco ou nulo nunca é um voto a favor”.

Do meu ponto de vista, Negrão não tem legitimidade política e a que ele assume só não será combatida porque mais ninguém se chegou à frente nem penso que venha a fazê-lo agora, vindo Paulo Rangel dizer que “há todas as condições para levar o trabalho por diante”. Dá-me a impressão de que pretenderão fritar a candidatura nortenha em lume brando à espera de péssimo desempenho e mais resultados ou como fizeram a Menezes. Mas pode haver surpresas.

No aspeto jurídico, a própria Comissão de Eleições prestou um esclarecimento em tempos, referindo que os votos em branco não são tidos em conta para nada, jogando-se na distribuição de mandatos apenas com os votos expressos em listas coletivas ou uninominais. 
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Assim, o que se está a passar no quadro dos parlamentares sociais-democratas é explicável em função de uma “coligação negativa” de descontentamentos ou da soma de insatisfações, sejam elas conexas com o Congresso e com a contestação das distritais por não terem nomes dos seus militantes nas listas para os órgãos nacionais, sejam com o afastamento de Hugo Soares da liderança, o que é visto como um ataque à autonomia do grupo parlamentar.
Num clima de ajuste de contas, um socialdemocrata sintetiza três “razões “para o sucedido: a lista para a direção estava nivelada por baixo; Fernando Negrão desagrada a muita gente, que duvida da sua capacidade para um confronto político sólido nos debates; e trata-se de uma votação contra Rio, pela forma como está a conduzir esta transição.
Seria bom para a democracia e para o projeto socialdemocrata que eles se entendessem e pusessem de parte as guerras de miúdos ou guerras do alecrim e da manjerona. O país precisa de conhecer projetos alternativos de governação sérios para poder optar e políticos a sério.
2018.02.23 – Louro de Carvalho

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