De 16 a 18 de fevereiro, decorreu, no Centro de
Congressos de Lisboa, o 37.º Congresso do PSD, que obviamente tinha em vista
consagrar estatutariamente a vitória de Rui Rio obtida por eleições diretas no
passado dia 13 de janeiro e eleger os órgãos estatutários do partido. Sem
grandes novidades, portanto, embora com episódios e cambiantes dignos de
registo.
Desde logo, o esperado discurso de despedida de
Passos Coelho, não habitual quando o presidente cessante não foi candidato às
eleições internas, constituiu um ato de prestação de contas pela governação do
país nos tempos da troika e pela liderança o partido nos últimos tempos de
oposição forçada pela atual geometria parlamentar, apesar da vitória eleitoral resvés.
Rui Rio, o líder a entronizar, distribuiu pelo discurso de início e pelo de
encerramento as linhas fundamentais com que pretende tecer a liderança do PSD.
***
O seu primeiro discurso surgia como a primeira oportunidade para criar boa
primeira impressão. Não desiludiu os congressistas, mas também não surpreendeu.
Medindo as palavras, afirmou a rejeição do Bloco Central a par da disponibilidade
para acordos com o PS e não resistiu a apontar as reformas que lhe são caras: a
justiça, o sistema político e a comunicação social.
A principal
dúvida que pairava sobre Rio, dentro e fora do congresso, era relativa a um
putativo Bloco Central. E o líder foi claro:
“Não é, aliás, fácil de entender a lógica
das declarações de dirigentes do PS e dos outros dois partidos da
extrema-esquerda, quando se apressam a referir que a coligação parlamentar está
segura e que não há qualquer hipótese de um Bloco Central. Perdem tempo com o
que não existe nem existirá. Perdem tempo com o sexo dos anjos.”.
Em suma, o PSD está disponível para acordos, mas não
para bloco central. Seria bom que fosse clarificado em que difere o bloco
central dum largo e coerente conjunto de acordos de regime.
Também o líder não deixou dúvidas sobre a avaliação que faz da governação e do atual
modelo de governo, dizendo:
“Quando, na governação à vista, o Governo
cede à sua clientela, os parceiros da coligação parlamentar garantem a dita
segurança […]. Pode até a redução do défice público de 2017 para 2018 se
limitar a 0,1% ou 0,2% do PIB – que é praticamente o mesmo que nada – que só
isso basta para os parceiros de coligação, de imediato, assumirem um discurso
de oposição.”.
Rio tem um objetivo claro: encostar o PS à extrema-esquerda. Assim, disse
em tom sarcástico:
“O PSD apresentar-se-á aos portugueses como
uma alternativa forte e credível a esta governação presa à extrema-esquerda.
Uma governação que, ao abrigo de uma conjuntura económica favorável, vai
conseguindo esconder toscamente as deficiências estruturais que quotidianamente
se agravam. […]. Um governo que não aproveita um ciclo económico positivo para
robustecer o futuro e preparar o país para os ciclos negativos é um governo que
governa mal! Governa mal, mesmo quando parece que governa bem.”.
A via por que enveredou em termos discursivos desde o início da sua candidatura e reiterou no Congresso
foi a ética. E, embora Rio tenha agregado em torno de si militantes e operacionais
cuja ética é questionável, isso não o impediu de abrir o combate por aí. Assim,
falando para dentro do partido, o que não é estranho, atirou:
“Vamos ser realistas. Houve quem falhasse.
Houve quem se tivesse afastado dos valores éticos que todos professamos, mas
não podemos confundir a árvore com a floresta.”.
Por outro lado, se
todos lhe requeriam a capacidade de unir o partido, designadamente unindo com o
seu próprio projeto os que estiveram com Passos Coelho e os que estiveram com
Santana Lopes, Rio correspondeu. Elogiou Passos sem reservas e o papel que teve
na liderança dum “governo de salvação nacional”, o combate de Santana Lopes,
que convidou para presidir ao Conselho Nacional, e todos os que com ele estiveram
“de forma digna e sincera”.
Em termos ideológicos, o líder entende que o PSD tem de regressar à matriz socialdemocrata. Que socialdemocracia?
E aqui residirá a única crítica percetível de Rio à governação de Passos
Coelho. Com Rio, o PSD saberá ao que vai e donde vem. Eis a crítica em tom de
promessa:
“Iremos sempre fazer uma evolução em
harmonia com a nossa história – sem ferir os nossos princípios de sempre, sem
confrontos geracionais, sem sobressaltos ideológicos e sem ruturas
desnecessárias”.
No âmbito da justiça e
da reforma do regime, temas que lhe são particularmente caros, reiterou o que se
lhe tem ouvido: “Temos
de combate a politização da justiça, assim como temos de evitar a
judicialização da política”. Sem exemplificar, adiantou que “há zonas de fronteira que temos de clarificar e marcar muito bem”,
mas não disse quais nem disse aonde quer chegar ou o que fazer para evitar a politização da justiça e a judicialização
da política.
Na referência à comunicação social, ficou implicitamente vincada a tentação
de abelhudismo excessivo e, por vezes, irritante. E o discurso rioísta parece
dar a entender que o grande problema da justiça não é a corrupção e os que se
apropriam do dinheiro dos outros, a destruição de instituições e seus valores,
mas é a violação do segredo de justiça. Pergunta o líder:
“Quantas vezes, ao abrigo de uma suposta
liberdade, não se agridem os direitos dos mais vulneráveis? Quantas vezes […]
cidadãos não viram impunemente a sua condenação a ser feita na comunicação
social, em vez dos tribunais, que é o lugar certo e legal para se fazerem os
julgamentos no momento próprio?”.
O discurso inicial de Rio foi, sobretudo, para dentro do partido, com
pistas de análise até linhas de atuação, mas o discurso de encerramento é o que
parece ser emblemático, embora já sem referir expressamente alguns temas do primeiro.
***
O congresso enquanto momento de entronização de
Rio não lhe correu totalmente de feição. E o melhor deste congresso morno foi mesmo
o discurso de encerramento – um discurso com ideias e prioridades, obviamente a
acolher por quem perfilhe a linha de rumo do partido e do líder.
De resto, pouco
há a elogiar. Com efeito, a unidade artificial do partido pode ter ofuscado a
clarificação que era necessária. Teremos que ver no que vai dar a unidade construída
com o candidato derrotado e a integração quase em regime de paridade de elementos
das duas candidaturas. Só Luís Montenegro, embora de forma presunçosa e
desbocada a denunciou no palanque. Depois, revelou-se polémica a escolha da
equipa mais próxima da governança do partido, nomeadamente o nome de Elina
Fraga, que até assobios e vaias ouviu quando foi chamada ao palco. Nem sei por
que razão Elina é vaiada e Salvador Malheiro é recebido de bom grado. E a
antiga Ministra da Justiça teve o arrojo de acusar o toque pelo incómodo gerado
pela indigitação da antiga bastonária da OA, por motivo da luta que travou
contra o Governo por causa do novo mapa judiciário. E Paula Teixeira da Cruz
bradou: “Traição!”.
Além disso, os resultados da eleição da comissão política ficaram aquém dos
obtidos por Pedro Passos Coelho desde 2010.
Assim, este não foi o congresso que Rio gostaria de ter. Ficou, porém, o
benefício da dúvida face a um discurso bem estruturado e com as prioridades
políticas identificadas e sintetizadas na fórmula: “não é preciso inventar diferenças; as que existem são suficientes”.
E é verdade que as diferenças são suficientes. E, sim, como pretende Rio especificar
e concretizar os princípios defendidos por si ante a risibilidade da ideia de
entendimentos que anunciou. Como é possível mudar a Segurança Social, a Saúde
ou a Educação, a política económica e até a descentralização nos termos em que
Rio os propôs com este governo e com esta geometria parlamentar?
Quer um Estado forte, mas com uma fortaleza que
entende nos termos seguintes:
“O Estado não é forte quando se mete em tudo
e – por tudo e por nada – impõe regras e burocracia aos cidadãos. O Estado é
forte quando liberta, o mais possível, o cidadão do seu jugo e quando, o mais
possível, o defende e protege.”.
Com o crescimento económico que o Governo propala – e que Rio denuncia
como “filho da conjuntura internacional” – o PSD tem de
encontrar forma de recuperar os 700 mil votos perdidos nas duas últimas
eleições.
Dos poucos objetivos concretos com que Rui Rio se comprometeu, sobressaiu
um:
“Não nos podemos conformar com um rendimento
per capita que corresponde apenas a
77% da média europeia, quando ainda recentemente se situava bem acima desse
valor”.
E definiu a meta. “Temos de ser capazes de atingir os 101%, que é o mesmo que dizer que
chegamos à metade mais rica”. Para tanto, reafirmou que a prioridade
é o investimento e as exportações, e não o consumo:
“O motor do crescimento
económico não pode assentar no consumo – nem público, nem privado […] O aumento
do consumo privado é o objetivo pretendido, ou seja, deve ser a consequência do
crescimento e não o seu principal motor.”.
Depois, elencou as prioridades: a natalidade e velhice, a Segurança Social, a Saúde,
a Educação e a descentralização política e administrativa.
No quadro da Segurança Social, Rio não inova: quer a sua sustentabilidade, hoje
posta em causa por causa da pressão demográfica. Enuncia a necessidade duma “reforma
que confira justiça, racionalidade económica e sustentabilidade”, mas não
especifica o modo como se alcança.
Na Saúde, foi mais longe ao defender o papel do setor privado, “desde que competentemente regulado e fiscalizado” e
sustentando que “o lucro no setor da saúde não pode ser visto
como algo de ilegítimo”. E quer mais investimento na Saúde: “no apetrechamento humano, nos equipamentos e na sensibilização da
população em termos de cuidados de saúde”.
Na Educação, criticou a reversão dos avanços significativos nesta área, o
regresso ao experimentalismo pedagógico e a instabilidade nas escolas, “só porque se teima que tudo tem de mudar”. E, sobre
os professores, diz que “precisamos de dignificar o
papel dos professores através de uma formação inicial mais exigente e uma
profissionalização mais rigorosa”, pois “os professores são
profissionais do conhecimento e não animadores de salas de aula”.
Na reforma do Estado, aponta à descentralização, dizendo ser o caminho
para “garantir um país mais equilibrado territorialmente e com uma
melhor e mais rigorosa gestão da despesa pública”. Recorrendo à sua
experiência de autarca, afirma que o descalabro da dívida pública (cerca de
126% do PIB) é
responsabilidade da administração central e não da administração local.
***
Outro facto que marcou o Congresso foi o discurso do antigo líder parlamentar,
que anunciou a sua saída do Parlamento no dia 5 de abril.
Apontado
como um dos sucessores de Passos Coelho, cedo anunciou que não seria candidato
à liderança do PSD e, mais tarde, juntou-se ao leque de nomes que apoiaram Santana
Lopes. Agora, depois da vitória de Rui Rio, anuncia a sua saída do Parlamento
para o dia 5 de abril.
Luís Montenegro afirmou
continuar a lutar ao lado do partido e assumiu uma futura disputa à liderança
do PSD, declarando:
“Conhecem
a minha convicção e a minha determinação, se for preciso estar cá, eu cá
estarei, para o que der e vier, sem receio de nada e sem estar por conta de
ninguém, sou totalmente livre. […] Desta vez decidi não, se algum dia entender
dizer sim, já sabem que não vou pedir licença a ninguém.”.
Este é o
tipo de discurso que alguns observadores consideram inoportuno e desnecessariamente
desafiante, impróprio do congresso que pretende a unidade e a capacitação para
uma oposição robusta. Mas foi fortemente aplaudido, o que tem o seu significado.
Montenegro
pediu ao líder que “concentre a sua energia e a energia da sua equipa no
combate aos nossos adversários externos” e que “não transforme o partido numa agremiação
dos amigos de Rui Rio”. E, fazendo questão de sublinhar que “esta é a hora de
Rui Rio”, prometeu “ajudá-lo” no seu mandato. No entanto, deixou vários recados
internos ao presidente e à sua equipa, pedindo o fim das “guerras artificiais”
e dos “adversários internos virtuais”. E assegurou:
“Eu não sou, não quero e não vou ser
oposição interna a Rui Rio. Eu sou e continuarei a ser oposição a António
Costa, a Catarina Martins e a Jerónimo de Sousa.”.
Considerou
ter sido alvo de “provocações e insinuações” nas últimas semanas: “desde falta
de coragem a taticismo, de calculismo a falta de autenticidade, o
deslumbramento de alguns deu para quase tudo”. Criticando indireta, mas
acerbamente o eleito, disse fora de tempo:
“Não fui eu
que estive à espera de disputar a liderança do PSD entre desejos alternantes de
ser Primeiro-Ministro ou Presidente da República”.
Classificando
de falso e injusto “acusar de falta de coragem
quem passou últimos anos não num sofá ou lugar de resguardo, mas a dar o corpo
às balas sem olhar a desgastes pessoais”, disse que, se querem colar-lhe o
“selo de calculismo”, haverá no partido “quem tenha a caderneta cheia e com
mais selos” do que ele próprio nessa matéria. Por si, frisou ter na sua “folha
de serviços várias derrotas internas”, mas nunca ter feito “opções a pensar ser
candidato a coisa nenhuma” e nenhum líder do PSD o “pode acusar de deslealdade”. Por isso, pediu a Rio que “ponha cobro a esses juízos
de intenções” e concentre a sua energia no combate aos adversários externos,
dizendo que “a sombra só incomoda os fracos”.
O antigo líder
parlamentar socialdemocrata classificou como “um suicídio político” que o
PSD seja “um apêndice” do atual PS, considerando que seria “oferecer a taluda a
António Costa e a terminação a Assunção”, pois, segundo ele, “o PS é hoje mais
bloquista que socialista, seja na ação interna de forma mais clara, seja no
discurso europeu onde é mais dissimulado, o PS é mais de Louçã do que é de
Mário Soares”. E disse que o antigo coordenador do Bloco “doutrinou grande
parte dos dirigentes socialistas, em especial os jovens turcos que por lá andam
e mandam”, dizendo que agora até tenta “doutrinar o país na televisão, rádios e
jornais”.
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Todas as moções foram aprovadas: da cannabis à
avaliação dos políticos. Porém, só o texto do líder foi “aprovado por unanimidade”. Não houve moções
rejeitadas, como é costume.
Foi aprovada por unanimidade a escolha dos candidatos e avaliação do desempenho
dos políticos. Todavia, se faz sentido a melhoria da seleção de candidatos, a
avaliação de desempenho cabe ao eleitorado.
Mereceu aprovação por larguíssima maioria o combate à precariedade
proposto pelos TSD para todos os setores económicos.
Foram aprovadas por larga maioria as moções referentes ao: rendimento
básico incondicional; regresso dos militantes expulsos; aumento dos deputados
pela emigração; financiamento dos serviços públicos de transporte; e limitação de
mandatos (cinco anos).
Foi aprovada por maioria a legalização do
uso de cannabis exclusivamente para
fins recreativos pessoais, limitada a adultos com idade igual ou superior a 21
anos.
***
E é este, em
síntese, o testamento coletivo do 37.º Congresso do PSD, com destaque para a
posição do líder e dos antilíderes de ocasião. Como irá ser executado este
testamento coletivo e com que proveito público? É o que veremos. Será Rio mais
um mito político a ruir?
2018.02.19 – Louro de Carvalho
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