sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O futuro do maior rio português em debate


Iniciado às 8,30 horas de hoje, 16 de fevereiro, com a receção dos participantes, está a decorrer até amanhã, dia 17, na Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos (Lisboa, Doca de Alcântara), o CONGRESSO DO TEJO III, onde são debatidas e avaliadas as situações mais problemáticas que afetam o Tejo, entre as quais o grave acidente recente da espuma descontrolada, e outros casos relacionados com a defesa e preservação do nosso maior Rio, tendo por principal escopo encontrar e propor soluções para serem tidas em consideração pelo poder político.
Trata-se duma organização da “Tagus Viva – Confraria do Tejo Vivo e Vivido”, associação cívica, sem fins lucrativos, de defesa do Ambiente e do Património Cultural, Material e Imaterial do Tejo, bem como da qualidade de vida das populações ribeirinhas, cujas origens remontam aos anos sessenta do século passado.
O evento conta com a presença do Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, da Ministra do Mar,  Ana Paula Vitorino, e de diversos especialistas qualificados nas diversas matérias que irão ser tratadas. Em comunicado enviado à Comunicação Social, a comissão organizadora destaca:
Este Congresso foi preparado cuidadosa e criteriosamente para que consiga ser uma verdadeira ‘pegada’ no Tejo, com temas e casos objetivamente selecionados para serem debatidos tendo em vista uma avaliação com rigor das circunstâncias negativas e insuficiências com que o Tejo se debate hoje, na presença de uma massa crítica significativa, de modo a permitir que essa avaliação seja feita com realismo por especialistas competentes nas diferentes matérias, na tentativa de procurarem encontrar e propor as soluções para serem tomadas na devida consideração pela Assembleia da República e pelas tutelas correspondentes, que leve a uma legislação adequada que possibilite dar o início à construção do futuro sustentável e sustentado de um Tejo Vivo e Vivido, para deixarmos Mais Tejo – Mais Futuro às novas gerações”.
Dos diversos temas, relevam-se os seguintes: “Os Usos da Água e Potenciais Conflitos”, “Administração Pública e Participação” e “Planeamento Estratégico e Desenvolvimento” – temas a desenvolver por diversos especialistas, como adiante se discrimina.
O congresso termina a 17 às 13 horas com a apresentação das conclusões, recomendações e proposta de Carta de Lisboa.
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De acordo com o programa, após a Sessão de Abertura – cuja mesa é constituída por João Matos Fernandes, Ministro do Ambiente, Lídia Sequeira, Presidente da APL, Nunes Correia (IST/UL), Presidente da Comissão Organizadora, Carlos Salgado, da Comissão Organizadora, António Carmona Rodrigues, da Comissão Organizadora, Manuel Ruano Lacerda, da Comissão Organizadora, João Soromenho Rocha, da Comissão Organizadora e Relator do Congresso, e Miguel Azevedo Coutinho, da Comissão Organizadora e Relator do Congresso – são organizados quatro painéis temáticos seguidos de debate (três no 1.º dia e um no 2.º).
O 1.º Painel – “Presente e Futuro: Os Usos da Água e Potenciais Conflitos sob a moderação de José Bastos Saldanha (Tagus Universalis), desdobrou-se nos subtemas seguintes: “Agricultura e rega”, por Eduardo Oliveira e Sousa (CAP); “Abastecimento urbano”, por José Sardinha (EPAL); “Produção de energia”, por Maria Clara Mais (EDP Produção); “Atividade portuária e navegabilidade”, por Pedro Virtuoso (ETE); “Turismo”, por Luís Mota Figueira (IPT); e “Valores ambientais e culturais”, por Maria da Graça Saraiva (FA/UL).
O 2.º Painel – “Presente e Futuro: Administração Pública e Participação” – sob a moderação de Pedro Santos Coelho (FCT/UNL), desdobrou-se nos subtemas: “Administração Central”, por António Sequeira Ribeiro (APAmbiente); “Riscos de cheias e secas”, por Rui Rodrigues (LNEC);
Diretiva-Quadro da Água”, por António Gonçalves Henriques (
LNEC); “Impactos Ambientais”, por Carla Antunes (U. Algarve); e “Participação pública”, por Lia Vasconcelos (FCT/UNL).
O 3.º Painel – “Presente e Futuro: Planeamento Estratégico e Desenvolvimento” – sob a moderação de João Ferrão (ICS/UL), desdobrou-se nos subtemas: “Recursos hídricos”, por Rodrigo Oliveira (IST/UL); “Ambiente”, por Fernando Santana (FCT/UNL); “Desenvolvimento regional”, por António Manuel Figueiredo (FEP, Quaternaire); e “Marketing Territorial”, por Manuel Reis Ferreira (Cons. Turismo).
No 1.º dia, para lá dos painéis referidos, houve ainda lugar para a mesa-redonda “conclusões e recomendações” formuladas no 1.º dia, moderada por António Carmona Rodrigues (Comissão Organizadora) e em que intervieram os moderadores dos painéis acima referenciados e os Relatores do Congresso João Soromenho Rocha e Miguel Azevedo Coutinho. Seguiu-se o debate. E, no fim do dia, ocorreu a Sessão de Trabalho paraPrograma de Ações e Preparação da Carta de Lisboa sob a moderação de João Soromenho Rocha e em que intervieram os Moderadores dos Painéis, Convidados e Relatores do Congresso”.
O Programa do 2.º dia será preenchido pelo 4.º Painel – “Mais Tejo, Mais Futuro”, sob a moderação de António Carmona Rodrigues e com intervenção de Pedro Santos Coelho (FCT/UNL), Lídia Sequeira (Presidente da APL), José Manuel Félix Ribeiro (F.C. Gulbenkian), Augusto Mateus (Cons. Economia) e Luís Veiga da Cunha (UNL).
Por fim, virá a Conferência de Encerramento – “Tejo, um Rio Luso-Espanhol”, moderada por Francisco Nunes Correia (Presidente da Comissão Organizadora), com intervenção de Núria Hernadez-Mora (FNCA-ESP), Pedro Serra (Cons. Hidr.) e Joaquim Poças Martins (FEUP) e a Sessão de Encerramento, com “Conclusões, Recomendações e Proposta de Carta de Lisboa” e participação de Ana Paula Vitorino (Ministra do Mar), Lídia Sequeira (Presidente da APL), Francisco Nunes Correia (Presidente da Comissão Organizadora), os membros da Comissão Organizadora Carlos Salgado, António Carmona Rodrigues e Manel Manuel Lacerda, bem como os relatores do Congresso João Soromenho Rocha e Miguel Azevedo Coutinho.
Após o encerramento, haverá um Tejo de Honra.
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O Congresso fica marcado por afirmações de Nunes Correia e de João Matos Fernandes.
O antigo Ministro do Ambiente do XVII Governo criticou a “queda dramática” na fiscalização e monitorização dos rios, no que foi contrariado pelo atual governante, que salientou a duplicação das ações inspetivas, enquanto as estações de controlo passaram de quatro para catorze.
Nunes Correia, antigo Ministro do Ambiente, apontou “fragilidades de instituições públicas” que levam a que possam suceder acidentes, como o recente da poluição do Tejo, em Abrantes, e disse serem preocupantes “as deficiências e ineficiências de fundo acumuladas ao longo de muitos anos”. Segundo o especialista, nos últimos anos, “têm sido dados sinais contraditórios” acerca da gestão dos recursos hídricos, com mais de um milhão de euros investidos no Tejo, “ao mesmo tempo que a monitorização e fiscalização caíram dramaticamente” e entidades como as direções de hidráulica desapareceram.
Questionado pelos jornalistas acerca daquelas críticas, o atual Ministro do Ambiente, Matos Fernandes, disse que, relativamente “à monitorização da qualidade da água dos rios, essas queixas fazem todo o sentido” e deu o exemplo do Tejo: “quando chegámos aqui [ao Governo] havia quatro estações. Hoje há 14”. Quanto às atividades de fiscalização, realçou que “mais do que duplicaram em dois anos”. E defendeu:
  Hoje conhecemos o rio e se não o conhecêssemos, não podíamos agir tão depressa e com tanta convicção como fizemos no episódio de poluição registado a 24 de janeiro, quando um manto de espuma branca, com cerca de meio metro, cobriu o rio Tejo na zona de Abrantes”.
Matos Fernandes considerou não necessitar de mais recursos, mas de “pôr a IGAMAOT [Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território] a fazer aquilo que faz melhor”, e o mesmo para outras entidades da área, como a APA (Agência Portuguesa do Ambiente), as CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional) ou o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas). Assim, segundo o Ministro, “conseguimos ir muito mais além do que o que fazíamos no passado” e, se em 2015, as coimas ambientais ultrapassaram 4 milhões de euros, em 2017, foram de mais de 12 milhões de euros.
No seu discurso no Congresso, o Ministro realçou que “havia 4 estações para monitorização de água do rio e neste momento há 14 e todas estão a funcionar”. Porém, acrescentou que, reconhecendo que, ao final dum ano havia que fazer mais, o Governo decidiu rever as licenças de descarga no rio Tejo e, até final de março, o trabalho de avaliação estará concluído.
Os jornalistas perguntaram o que se passará com as descargas da Celtejo, uma das empresas de pasta de papel que lança efluentes no Tejo, após a imposição duma redução devido ao baixo caudal e à poluição. E João Matos Fernandes sustentou:
   Quando esta limitação acabar, a Celtejo e outras empresas terão novas licenças [nas quais] a probabilidade de existirem fenómenos [como aqueles de poluição] é muitíssimo mais baixa”.

Referiu que a carga orgânica que em 2013 chegava ao Tejo, no caso da Celtejo, “ultrapassava as mil toneladas cada ano e chegou ao final de 2016 abaixo das 400 toneladas a cada ano”. Contudo, advertiu que, mesmo “sendo a licença da APA um mau sinal, é uma hipocrisia fazer qualquer relação entre a existência de mais carga orgânica e a licença”.
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Os autarcas de Abrantes, Mação e Vila Velha de Ródão, que não aceitam que se considerem as suas ETAR como o bode expiatório da poluição do rio, foram ao Parlamento repetir o que denunciaram há 2 anos sobre a poluição no Tejo. Mas agora acreditam num ponto de viragem.
Referem que, no essencial nada se alterou nos últimos três anos na resposta aos problemas de poluição no Tejo, ao invés, até se agravou em parte por causa da seca. Assim, as declarações feitas então continuam “atualíssimas”, como sublinhou a autarca de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque, lembrando dois casos de grande mortandade de peixes do Tejo em 2015, em Abrantes e Ortiga. Já o Presidente da Câmara Municipal de Mação, Vasco Estrela, pergunta: “Quando é que ouviram alguém dizer bem do Tejo?”.  E diz que as pessoas estão a fugir do rio por causa da poluição. Porém, apesar do desencanto, comum aos três autarcas, a autarca de Abrantes tem a expectativa de que desta é que é de vez. E o Presidente da Câmara Municipal de Vila Velha Ródão espera que “esta situação grave marque um ponto de viragem para o futuro porque, em relação ao passado recente, pouco mudou”.
O Presidente da Câmara de Mação pergunta ainda:Será que nos dias de hoje com a tecnologia e os académicos que temos não seria possível chegar a uma conclusão e encontrar uma solução?”. E esta é a interrogação que faz a deputada do Partido Ecologista os Verdes, Heloísa Apolónia, que diz: “Só não chegamos lá porque não pusemos os meios necessários no terreno”.
Para Carlos Matias, do Bloco de Esquerda, os responsáveis estão identificados há anos e estriba-se nas conclusões do relatório da comissão de acompanhamento sobre a poluição no Tejo (novembro de 2016) e no relatório sobre a qualidade da água no rio Tejo da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) de março de 2017, que também é referido pelo presidente da Câmara de Mação.
Vasco Estrela assinala que agora o rio está limpo, depois das medidas tomadas, uma das quais foi a redução em 50% das descargas da Celtejo, a celulose de Vila Velha de Ródão que tem sido apontada como a principal responsável pelo excesso de carga orgânica no médio Tejo.
Para Paulo Constantino do movimento proTEJO, o que “foi diferente desta vez é que se fizeram análises que detetaram serem as empresas de pasta e papel a origem do problema ambiental. 
Vasco Estrela lembra que foram o próprio Ministro e o presidente da APA a sinalizar o papel da Celtejo no mais recente episódio de poluição no rio. E sublinha que manter esta nebulosidade, acaba por “inquinar a solução, porque coloca as pessoas contra as empresas, as empresas contra as pessoas, as autarquias contra as autarquias”. Mas, reconhecendo que ninguém estará interessado em diabolizar as empresas, defende que a resposta passará por compatibilizar os interesses, sendo, para isso, necessário perceber o que o rio aguenta com menos caudal e lamenta que aquilo que era no passado uma mais-valia para estes concelhos seja hoje um ónus e deixa os desabafos sobre os impactos negativos para a economia da região.
Destacando a dificuldade em atrair investimento e criar emprego num concelho como Vila Velha de Ródão, Luís Miguel Pereira, autarca deste concelho, crê ser possível ter essas empresas (de pasta e papel), de grande dimensão e muito fiscalizadas, em equilíbrio com as questões ambientais. E questiona o foco sobre a Celtejo e o silêncio sobre outra empresa do concelho, com descargas muito mais poluentes (referência à Centroliva). Elenca igualmente todos os investimentos feitos pela autarquia e também pelas empresas do concelho para melhorar o desempenho ambiental, destacando a nova ETAR da Celtejo.
Paulo Constantino do movimento proTEJO reconhece terem sido dados bastantes passos, mas diz que já vamos em dois anos e era importante que fossem tomadas as medidas necessárias e apontadas pela comissão de acompanhamento da poluição no Tejo (conhecidas no final de 2016). É o caso das alterações à legislação sobre crimes ambientais para facilitar a penalização dos infratores e limitar a contestação judicial das ordens de encerramento. E destaca a revisão das licenças das empresas de celulose para parâmetros que permitam bom estado ecológico do rio.
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É de saudar toda esta movimentação académica e política em torno do futuro do Tejo. Lamenta-se que seja necessário verificar tais desastres ecológicos – repetidos e de grande dimensão – para se atuar. É grave o licenciamento não se tornar exigente no que toca à obrigatoriedade de construção das infraestruturas necessárias e a fiscalização não agir, suspeitando-se até de ser conivente como os desmazelos, negligências e contraordenações. Depois, devem ser apontados todos os prevaricadores e não apenas alguns. Por fim, esta movimentação em torno do Tejo tem de se tornar extensiva a todas as unidades das bacias hidrográficas e lacustres do país, bem como a todas as ETAR, lixeiras, aterros sanitários, postos de combustível, viveiros, edifícios e logradouros ao abandono, uso de pesticidas e de herbicidas.
Os congressos, encontros, semanários e simpósios não podem ficar-se nas brilhantes conclusões pespegadas nos papéis!
2018.02.16 – Louro de Carvalho

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