domingo, 4 de fevereiro de 2018

XI Congresso do SMMP marcado pela revisão do Estatuto do MP

A revisão do Estatuto do Ministério Público (MP), cuja negociação e aprovação pelo Ministério da Justiça se arrasta há meses, dominou o XI Congresso do Sindicato dos Magistrados (SMMP), que decorreu no Funchal nos dias 2 e 3 de fevereiro, sob o lema “Identidade, exemplo, futuro” e com cerca de 400 participantes, incluindo conferencistas, congressistas, procuradores, deputados e especialistas em outras matérias ligadas ao direito.
A sessão de abertura teve a presença do Presidente do Governo regional, Miguel Albuquerque, do Presidente da Câmara Municipal do Funchal, Paulo Cafôfo, da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal e da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, a representar o Governo. Contou com uma intervenção da Procuradora-Geral da República e recebeu a leitura duma mensagem do Presidente da República ao Congresso.
Nos dois dias de duração do congresso foi apresentado o livro “Sindicalismo na Magistratura do MP”, do juiz conselheiro Bernardo Colaço, tendo marcado presença, para falar da obra, o antigo presidente do SMMP e do Tribunal Constitucional Guilherme da Fonseca. E a psicóloga Bárbara Fonseca apresentou um estudo sobre as condições de trabalho dos magistrados do MP.
O Congresso terminou com a apresentação das conclusões pelo presidente do SMMP, António Ventinhas, e com a intervenção da representante da República na Região Autónoma da Madeira, Ireneu Cabral Barreto.
Nos dois dias de trabalhos foram discutidos temas relevantes como “O Ministério Público português: Autonomia, Independência e Estabilidade”; “O Ministério Público Português: Carreira e Desempenho da Instituição”; e “O Ministério Público Português: Organização e Funcionamento”, este com a participação do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra.
Em relação aos temas, o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) admite que todos os temas estão relacionados com o Estatuto do MP, mas haveria também oportunidade à abordagem de outros assuntos na ordem do dia, como é o caso do Pacto para a Justiça, cujas mais de 80 medidas foram recentemente apresentadas a Marcelo Rebelo de Sousa. António Ventinhas, por outro lado, disse à Lusa que o congresso ocorreu em “plena fase de revisão dos estatutos” e numa altura em que o sindicato e Ministério da Justiça ainda não tinham chegado a acordo sobre as alterações a introduzir no documento que rege a atividade e a carreira destes profissionais. E lembrou que o processo negocial com o Ministério da Justiça decorre desde junho do ano passado, com propostas, contrapropostas e “maratonas” de reuniões, tendo o Governo assumido o compromisso de entregar, durante este mês de fevereiro, uma nova proposta para discussão.
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Das diversas intervenções no Congresso ou à margem dele destacam-se alguns aspetos considerados mais pertinentes.
O vice Procurador-Geral da República, Adriano Cunha, disse ter sido penoso gerir o Ministério Público, atendendo à falta de meios e ao atraso na revisão do estatuto daqueles magistrados.
Ao intervir na mesa sobre “O Ministério Público Português: carreira e desempenho da instituição” e lembrando que a lei orgânica do Ministério Público já previa a revisão do estatuto desde 2014, Adriano Cunha observou:
Entrou em vigor em 2014 [a lei orgânica do Ministério Público], estamos em 2018 e ainda estamos no início da discussão formal do estatuto”.
Adriano Cunha manifestou a sua satisfação por a classe estar a discutir o anteprojeto de lei precisamente “numa altura em que não se sabe quem é o [próximo] procurador da República” porque “não se pode legislar para o transitório, há que ver isto em termos abstratos, em termos futuros”. E aduziu:
É bom que não se saiba quem é, podendo ser toda a gente e ninguém, ou seja, podendo ser qualquer pessoa, obriga-nos, de facto, a ter muito mais cautelas”.
Ao falar sobre as carreiras no Ministério Público, o procurador da República Rui Cardoso, antigo presidente do SMMP, recordou que a lei de 2008 continua atual. E disse:
Estamos desde 2008 a 2018 a discutir as carreiras, o problema é o mesmo, o diagnóstico é o mesmo, os princípios a defender são os mesmos”.
Como foi referido, no âmbito do XI Congresso, foi ainda apresentada a obra “Sindicalismo na Magistratura do Ministério Público, motor histórico da sua dignificação” (título completo), que “dá conta da situação existente anteriormente no regime derrubado onde o papel do MP estava quase reduzido ao de um agente do governo com a má nota de envolver o juiz neste sistema”.
O livro contém igualmente o relato pormenorizado do envolvimento e intervenções mais significativas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Púbico.
Por seu turno, o SMMP alertou para a intenção do poder político de condicionar a autonomia do Ministério Público e lembrou que o mandato do Procurador-Geral da República termina por exoneração, e não por caducidade. A este respeito, regista-se nas conclusões do Congresso:
Quanto à duração do mandato do PGR e à sua configuração constitucional, há que sublinhar que o mesmo não tem a duração de seis anos, pode ter menos em caso de acordo entre ambos os órgãos do poder executivo no sentido da exoneração, mas também pode ter mais de seis anos se não houver acordo. O mandato não termina, pois, por caducidade, mas sim pela exoneração.”.
É óbvio que o mandato não termina automaticamente nem por caducidade. É necessário o ato de exoneração nos termos constitucionais. É claro que pode terminar antes de 6 anos a pedido do titular ou por iniciativa de quem tem o poder de propor a nomeação e a exoneração. Porem, será temerário deixar prolongar o mandato indefinidamente para lá dos seis anos.
No documento de conclusões com 37 pontos, o SMMP denuncia que, no atinente à participação do MP na execução da política criminal, definida pelos órgãos de soberania, há uma intenção clara do poder político em condicionar a autonomia do MP na investigação criminal.
O SMMP conclui, por outro lado, que a garantia da autonomia e independência do MP se confronta “com diversificados problemas” tais como défice de magistrados, falta gritante de funcionários para dar apoio à execução das decisões dos magistrados e de assessorias especializadas na criminalidade complexa, designadamente económico-financeira. E alerta para a “depauperização dos quadros da Polícia Judiciária, com consequências para a investigação criminal e para o apoio a quem tem a responsabilidade de dirigir a investigação, além de problemas de relacionamento e harmonização entre a dependência funcional e orgânica”.
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Em declarações aos jornalistas à saída do Congresso, a Procuradora-Geral da República revelou, no dia 2, que foi aberto um inquérito à violação do segredo de justiça, na Operação Lex. E frisou que o segredo de justiça deve ser “assumido por todos os intervenientes processuais e não só pelo MP”. E sublinhou que esta questão “também implica os jornalistas”, vincando que a “comunicação é muito rápida”. Em causa estão as últimas críticas à Operação Lex, pelo facto de alguns meios de comunicação social terem sido avisados das buscas a casa de Rui Rangel e de Luís Filipe Vieira. “Que eu saiba, participaram mais de 100 pessoas”, fez questão de lembrar Marques Vidal, deixando um apelo: “É preciso uma reflexão completa, um compromisso dos intervenientes”.
Marques Vidal referiu que o arquivamento do inquérito a Mário Centeno, sobre alegadas vantagens em troca de bilhetes para o Benfica-Porto da época passada, foi um “procedimento comum” e que “o Ministério Público atuou respeitando os seus princípios”. E, questionada pelos jornalistas, recusou comentar o facto de os juízes que estão a ser investigados no âmbito da Operação Lex estarem ainda em funções. Aliás, estão suspensos preventivamente desde o dia 2.
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A Secretária de Estado Adjunta e da Justiça disse, no dia 2, que a revisão do Estatuto do Ministério Público é “uma prioridade” do Ministério da Justiça, cujo processo legislativo terá início agora com a apresentação do anteprojeto ao Governo. Disse a governante:
A revisão do Estatuto do Ministério Público, adaptando-o à lei de organização do sistema judiciário, é uma medida que consta do programa do Governo e que constituiu uma prioridade para o Ministério da Justiça”.
Em representação da Ministra da Justiça, a Secretária de Estado Helena Mesquita Ribeiro disse que o Ministério da Justiça recebeu em janeiro “os últimos contributos da Procuradoria-Geral da República (PGR)”, facto que permitiu ao Governo “encerrar esta fase do dossiê”. E anunciou:
Inicia-se agora formalmente o processo legislativo com a apresentação do anteprojeto a todo o Governo e o desencadear do processo de consultas”.
Mesquita Ribeiro salientou ser entendimento do Ministério da Justiça, “na prática e não na mera retórica”, que “as grandes opções de futuro” devem ser trabalhadas “em ambiente de consenso e pacificação”, revelando que o projeto “consagra um modelo de carreira plana”. Segundo a governante, “o projeto consagra um modelo de carreira plana, ambição histórica deste Sindicato, que favorece a valorização do conhecimento adquirido e premeia mais claramente o mérito”, assegurando “melhor o paralelismo entre as magistraturas, na primeira instância”.
Considerou que o estatuto “clarifica a estrutura hierárquica do Ministério Público e modela as relações entre os vários órgãos; “reforça o caráter uno da magistratura do Ministério Público, independentemente das jurisdições” e “põe termo aos espaços de divergência entre a Lei de Organização do Sistema Judiciário e a disciplina estatutária do Ministério Público”. E observou:
Pensamos que, com esta proposta, o Ministério Público ficará mais apto a responder aos desafios que se lhe colocam no Século XXI”.
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A predita mensagem do Presidente da República, que foi lida no Congresso, felicitava o Sindicato pela realização do XI encontro e augurava os maiores êxitos para o mesmo.
Marcelo saudou igualmente o Pacto da Justiça, salientando que “este inovador e importante trabalho não terminou e é necessário, com o mesmo empenho e espírito de missão, que o Sindicato do Ministério Público participe ativamente na plataforma permanente da Justiça”.
O congresso terminou com a apresentação das conclusões pelo presidente do SMMP e com uma intervenção da representante da República na Madeira, Ireneu Cabral Barreto.
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Espera-se que o Congresso constitua uma pedra no charco para a melhor administração da Justiça e melhor perceção do facto pela opinião pública em geral. Mas era bom que os magistrados se abstivessem de farpar a política, que, ao fim e ao cabo, também é marca deles.

2018.02.04 – Louro de Carvalho

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