A revisão do
Estatuto do Ministério Público (MP), cuja
negociação e aprovação pelo Ministério da Justiça se arrasta há meses, dominou
o XI Congresso do Sindicato dos Magistrados (SMMP), que decorreu no Funchal nos dias 2 e 3 de fevereiro, sob o lema “Identidade, exemplo, futuro” e com cerca
de 400 participantes, incluindo conferencistas, congressistas, procuradores,
deputados e especialistas em outras matérias ligadas ao direito.
A sessão de abertura teve a presença do Presidente do
Governo regional, Miguel Albuquerque, do Presidente da Câmara Municipal do
Funchal, Paulo Cafôfo, da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal e
da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, a
representar o Governo. Contou com uma intervenção da Procuradora-Geral da
República e recebeu a leitura duma mensagem do Presidente da República ao Congresso.
Nos dois dias
de duração do congresso foi apresentado o livro “Sindicalismo na Magistratura do MP”, do juiz conselheiro Bernardo
Colaço, tendo marcado presença, para falar da obra, o antigo presidente do SMMP
e do Tribunal Constitucional Guilherme da Fonseca. E a psicóloga Bárbara
Fonseca apresentou um estudo sobre as condições de trabalho dos magistrados do
MP.
O Congresso
terminou com a apresentação das conclusões pelo presidente do SMMP, António
Ventinhas, e com a intervenção da representante da República na Região Autónoma
da Madeira, Ireneu Cabral Barreto.
Nos dois dias
de trabalhos foram discutidos temas relevantes como “O Ministério Público português: Autonomia, Independência e Estabilidade”;
“O Ministério Público Português: Carreira
e Desempenho da Instituição”; e “O
Ministério Público Português: Organização e Funcionamento”, este com a
participação do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra.
Em relação
aos temas, o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) admite que todos os temas estão relacionados com o
Estatuto do MP, mas haveria também oportunidade à abordagem de outros assuntos
na ordem do dia, como é o caso do Pacto para a Justiça, cujas mais de 80
medidas foram recentemente apresentadas a Marcelo Rebelo de Sousa. António
Ventinhas, por outro lado, disse à Lusa
que o congresso ocorreu em “plena fase de revisão dos estatutos” e numa altura
em que o sindicato e Ministério da Justiça ainda não tinham chegado a acordo
sobre as alterações a introduzir no documento que rege a atividade e a carreira
destes profissionais. E lembrou que o processo negocial com o Ministério da
Justiça decorre desde junho do ano passado, com propostas, contrapropostas e
“maratonas” de reuniões, tendo o Governo assumido o compromisso de entregar,
durante este mês de fevereiro, uma nova proposta para discussão.
***
Das diversas
intervenções no Congresso ou à margem dele destacam-se alguns aspetos
considerados mais pertinentes.
O vice
Procurador-Geral da República, Adriano Cunha, disse ter sido penoso gerir o
Ministério Público, atendendo à falta de meios e ao atraso na revisão do
estatuto daqueles magistrados.
Ao intervir
na mesa sobre “O Ministério Público
Português: carreira e desempenho da instituição” e lembrando que a lei
orgânica do Ministério Público já previa a revisão do estatuto desde 2014, Adriano
Cunha observou:
“Entrou
em vigor em 2014 [a lei orgânica do Ministério Público], estamos em 2018 e
ainda estamos no início da discussão formal do estatuto”.
Adriano Cunha
manifestou a sua satisfação por a classe estar a discutir o anteprojeto de lei
precisamente “numa altura em que não se sabe quem é o [próximo] procurador da
República” porque “não se pode legislar para o transitório, há que ver isto em
termos abstratos, em termos futuros”. E aduziu:
“É
bom que não se saiba quem é, podendo ser toda a gente e ninguém, ou seja,
podendo ser qualquer pessoa, obriga-nos, de facto, a ter muito mais cautelas”.
Ao falar
sobre as carreiras no Ministério Público, o procurador da República Rui Cardoso,
antigo presidente do SMMP, recordou que a lei de 2008 continua atual. E disse:
“Estamos
desde 2008 a 2018 a discutir as carreiras, o problema é o mesmo, o diagnóstico
é o mesmo, os princípios a defender são os mesmos”.
Como foi
referido, no âmbito do XI Congresso, foi ainda apresentada a obra “Sindicalismo na Magistratura do Ministério
Público, motor histórico da sua dignificação” (título completo), que “dá conta da situação
existente anteriormente no regime derrubado onde o papel do MP estava quase reduzido
ao de um agente do governo com a má nota de envolver o juiz neste sistema”.
O livro
contém igualmente o relato pormenorizado do envolvimento e intervenções mais
significativas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Púbico.
Por seu
turno, o SMMP alertou para a intenção do poder político de condicionar a
autonomia do Ministério Público e lembrou que o mandato do Procurador-Geral da
República termina por exoneração, e não por caducidade. A este respeito,
regista-se nas conclusões do Congresso:
“Quanto
à duração do mandato do PGR e à sua configuração constitucional, há que
sublinhar que o mesmo não tem a duração de seis anos, pode ter menos em caso de
acordo entre ambos os órgãos do poder executivo no sentido da exoneração, mas
também pode ter mais de seis anos se não houver acordo. O mandato não termina,
pois, por caducidade, mas sim pela exoneração.”.
É óbvio que o
mandato não termina automaticamente nem por caducidade. É necessário o ato de
exoneração nos termos constitucionais. É claro que pode terminar antes de 6
anos a pedido do titular ou por iniciativa de quem tem o poder de propor a
nomeação e a exoneração. Porem, será temerário deixar prolongar o mandato
indefinidamente para lá dos seis anos.
No documento
de conclusões com 37 pontos, o SMMP denuncia que, no atinente à participação do
MP na execução da política criminal, definida pelos órgãos de soberania, há uma
intenção clara do poder político em condicionar a autonomia do MP na
investigação criminal.
O SMMP conclui,
por outro lado, que a garantia da autonomia e independência do MP se confronta “com
diversificados problemas” tais como défice de magistrados, falta gritante de
funcionários para dar apoio à execução das decisões dos magistrados e de
assessorias especializadas na criminalidade complexa, designadamente
económico-financeira. E alerta para a “depauperização dos quadros da Polícia
Judiciária, com consequências para a investigação criminal e para o apoio a
quem tem a responsabilidade de dirigir a investigação, além de problemas de
relacionamento e harmonização entre a dependência funcional e orgânica”.
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Em
declarações aos jornalistas à saída do Congresso, a Procuradora-Geral da República
revelou, no dia 2, que foi aberto um inquérito à violação do segredo de
justiça, na Operação Lex. E frisou que o segredo de justiça deve ser “assumido por todos os intervenientes processuais e não só pelo MP”. E sublinhou
que esta
questão “também implica os jornalistas”, vincando que a
“comunicação é muito rápida”. Em causa estão as últimas críticas à Operação
Lex, pelo facto de alguns meios de comunicação social terem sido avisados das
buscas a casa de Rui Rangel e de Luís Filipe Vieira. “Que eu saiba, participaram mais de 100 pessoas”, fez questão de
lembrar Marques Vidal, deixando um apelo: “É
preciso uma reflexão completa, um compromisso dos intervenientes”.
Marques Vidal
referiu que o arquivamento do inquérito a Mário Centeno, sobre
alegadas vantagens em troca de bilhetes para o Benfica-Porto da época passada,
foi um “procedimento comum” e que “o Ministério Público atuou respeitando os
seus princípios”. E, questionada pelos jornalistas, recusou comentar o facto de
os juízes que estão a ser investigados no âmbito da Operação Lex estarem ainda
em funções. Aliás, estão suspensos preventivamente desde o dia 2.
***
A Secretária
de Estado Adjunta e da Justiça disse, no dia 2, que a revisão do Estatuto do
Ministério Público é “uma prioridade” do Ministério da Justiça, cujo processo
legislativo terá início agora com a apresentação do anteprojeto ao Governo.
Disse a governante:
“A
revisão do Estatuto do Ministério Público, adaptando-o à lei de organização do
sistema judiciário, é uma medida que consta do programa do Governo e que
constituiu uma prioridade para o Ministério da Justiça”.
Em
representação da Ministra da Justiça, a Secretária de Estado Helena Mesquita
Ribeiro disse que o Ministério da Justiça recebeu em janeiro “os últimos
contributos da Procuradoria-Geral da República (PGR)”, facto que permitiu ao Governo “encerrar esta fase do dossiê”. E
anunciou:
“Inicia-se
agora formalmente o processo legislativo com a apresentação do anteprojeto a
todo o Governo e o desencadear do processo de consultas”.
Mesquita
Ribeiro salientou ser entendimento do Ministério da Justiça, “na prática e não
na mera retórica”, que “as grandes opções de futuro” devem ser trabalhadas “em
ambiente de consenso e pacificação”, revelando que o projeto “consagra um
modelo de carreira plana”. Segundo a governante, “o projeto consagra um modelo
de carreira plana, ambição histórica deste Sindicato, que favorece a
valorização do conhecimento adquirido e premeia mais claramente o mérito”,
assegurando “melhor o paralelismo entre as magistraturas, na primeira
instância”.
Considerou
que o estatuto “clarifica a estrutura hierárquica do Ministério Público e
modela as relações entre os vários órgãos; “reforça o caráter uno da
magistratura do Ministério Público, independentemente das jurisdições” e “põe
termo aos espaços de divergência entre a Lei de Organização do Sistema
Judiciário e a disciplina estatutária do Ministério Público”. E observou:
“Pensamos
que, com esta proposta, o Ministério Público ficará mais apto a responder aos
desafios que se lhe colocam no Século XXI”.
***
A predita
mensagem do Presidente da República, que foi lida no Congresso, felicitava o
Sindicato pela realização do XI encontro e augurava os maiores êxitos para o
mesmo.
Marcelo
saudou igualmente o Pacto da Justiça, salientando que “este inovador e importante
trabalho não terminou e é necessário, com o mesmo empenho e espírito de missão,
que o Sindicato do Ministério Público participe ativamente na plataforma
permanente da Justiça”.
O congresso
terminou com a apresentação das conclusões pelo presidente do SMMP e com uma
intervenção da representante da República na Madeira, Ireneu Cabral Barreto.
***
Espera-se
que o Congresso constitua uma pedra no charco para a melhor administração da
Justiça e melhor perceção do facto pela opinião pública em geral. Mas era bom
que os magistrados se abstivessem de farpar a política, que, ao fim e ao cabo,
também é marca deles.
2018.02.04 –
Louro de Carvalho
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