A
redação do Zenit on line – o mundo visto
de Roma destaca o seguinte título “Índia: até os não cristãos querem participar
do jubileu”. Com efeito, não cristãos irmanam-se com os cristãos fazendo fila
para a travessia da Porta Santa da Misericórdia na Basílica de Santa Maria do
Monte, em Bandra, área suburbana na costa noroeste de Mombai, no Estado indiano
de Maharashtra.
Poderia
tratar-se duma postura de mimetismo alinhante num gesto folclórico de cariz
religioso. Porém, Dom Nereus Rodrigues, o reitor da referida Basílica, diz que “todos
estão ansiosos para receber o sacramento da reconciliação”.
Como
se entende isto se para aceder ao sacramento da reconciliação é necessário ter
recebido o Batismo, o sacramento porta de entrada na comunidade eclesial?
O
predito reitor, que todos os dias atende de confissão os penitentes, como o
padre Aniceto, o vice-reitor, explica:
“Muitos não cristãos vêm aqui,
ficam na fila e depois ajoelham-se diante do padre e sentam-se no
confessionário. Falam baixinho e pedem o perdão dos pecados”.
Dom Nereus Rodrigues
reconhece que, desde o início do Ano Jubilar, vem crescendo o número de pessoas
de outros credos que visitam a basílica. E, para aumentar nessas pessoas o
interesse pelo cristianismo, o bispo instalou painéis que explicam as obras
espirituais e corporais de misericórdia, sublinhadas pelo Papa Francisco para
este Jubileu. Assim, “os peregrinos podem ler, conhecer e depois praticar as
obras de misericórdia”.
***
O facto
mostra que a noção de pecado está presente no espírito dos crentes, qualquer que
seja o credo da sua pertença religiosa, já que espelha a séria consciência das
limitações e das falhas humanas na relação de cada um consigo mesmo, com o
transcendente e com o próximo, bem como a crença na possibilidade de
reconversão e mudança de vida. Depois, fica patente a possibilidade de cada um
se apresentar perante Deus conforme as suas próprias condições independentemente
da entidade que tenha tomado a iniciativa de mobilizar os povos para a prática
das obras de misericórdia (que não são exclusivo de ninguém) na sua dimensão de interioridade espiritual e na sua vertente
social e comunitária.
Os preditos
ministros do sacramento ensinam-nos, com a sua atitude de compreensão para com
a unidade na diferença, que é possível e desejável o acolhimento a todos. Todos
têm acesso, por vontade de Deus, aos benefícios da salvação. E a Igreja deve
sentir-bem tanto na obra da dilatação da fé como na humildade de dar testemunho
da salvação de que é serva, discípula e apóstola. Mais do que interpretar ao pé
da letra o aforismo Extra Ecclesiam non
erit salus, importa fixarmo-nos no princípio de que a Igreja é instrumento
da salvação para todos os homens e terá de testemunhar perante eles a realidade
do Ressuscitado e perante o Ressuscitado testemunhar os dramas de todos os homens.
Por outro lado não pode desistir de fazer discípulos em todas as nações e
tentar levar todos à fé em Cristo. É a força da missão entrosada com o diálogo
inter-religioso! E, se a Igreja tiver a consciência apurada de comunidade de
serviço e missão, não se fecha em seu casulo grupal nem se estriba em qualquer sentido
de superioridade e autorreferencialização. Ao invés proclama as bem-aventuranças,
praticando e promovendo a prática sincera e eficaz de todas as obras de
misericórdia.
***
Transcrevo as
obras de misericórdia na versão portuguesa do Pontifício Conselho Cor Unum:
OBRAS DE MISERICÓRDIA CORPORAL
1. Dar de comer a quem
tem fome.
2. Dar de beber a quem
tem sede.
3. Vestir os nus.
4. Acolher os
forasteiros.
5. Assistir os doentes.
6. Visitar os presos.
7. Sepultar os mortos.
OBRAS DE MISERICÓRDIA
ESPIRITUAL
1. Aconselhar os
duvidosos.
2. Ensinar os ignorantes.
3. Admoestar os
pecadores.
4. Confortar os aflitos.
5. Perdoar as ofensas.
6. Suportar pacientemente
as pessoas molestas.
7. Rezar a Deus pelos
vivos e pelos mortos.
Sobre as obras de misericórdia, o cardeal
Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, comentando o livro-entrevista
do Papa sobre a misericórdia e o atentado terrorista em Istambul (que matou 10 pessoas) no passado dia 15, reiterou o convite
à misericórdia, ressaltado no livro por Francisco. E assegura que é ela que
garante a justiça no respeito por cada um nos seus direitos e necessidades e
obviamente satisfazendo estes pressupostos da dignidade de toda a pessoa humana.
É nesta linha que o purpurado afirma que as obras de misericórdia “devem
tornar-se uma dimensão social” contra a postura meramente pietista de muitos, que
rezam para que haja pobres e desvalidos a fim de encontrarem espaço para a prática
da caridade (?!).
Mais garante Parolin que, em face dos
males que estão acontecendo e, mesmo condenando sem margem para dúvidas todos os
massacres, “o único remédio é a misericórdia” contra a pura sanha vingativa ou
contra o ambiente generalizado de medo e de insegurança.
É preciso ir “ao encontro das necessidades dos homens
como expressão da misericórdia” e como “expressão de justiça”. Porém, “tudo tem
de começar com uma atitude do coração que se abre ao irmão e vê um irmão em
cada pessoa” e “também com o perdão”, porque, “se não perdoamos, o ciclo de
violência e conflito não vai se romper”.
E o mesmo cardeal explicitou aso jornalistas:
“A
misericórdia vai além dos méritos; de outra forma, não seria misericórdia. O
Senhor veio para aqueles que abrem a porta, para aqueles que têm a intenção de
lhe abrir a porta”.
E sublinhou:
“Se há uma
superabundância de misericórdia, certamente deve haver uma atitude de abertura
por parte da pessoa. A graça de Deus não pode fazer nada com aqueles que
permanecem fechados; ela não pode entrar. O próprio Jesus disse no Apocalipse:
‘Eu estou à porta e bato; se alguém me abrir, eu entro’. E se alguém não abre, Ele
não entra”.
***
Enfim, que o Ano Jubilar constitua um jorrar da misericórdia
divina feita misericórdia entre os homens, plasmada na intensa e generalizada prática
da justiça e que haja paz.
Todos entendem a linguagem da misericórdia, mesmo
aqueles que abusam dos misericordiosos!
2016.01.14 –
Louro de Carvalho
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