Já
se sabia que a troika saiu do país, em meados de 2014, de forma limpa mercê do branqueamento que o XIX
Governo conseguiu fazer da situação financeira e económica, secundado pelos
diversos órgãos e serviços dele dependentes e pelas diversas assessorias de
cariz técnico.
Enquanto
o país ultrapassava sofrivelmente as periódicas avaliações trimestrais “muito
positivas”, sem controlo eficaz das finanças públicas, designadamente ao nível
do défice orçamental e do estancamento da dívida soberana, falhando supinamente
as diversas previsões, o BES engrossava o buraco do esvaimento de fundos, vindo
a implodir meses depois (ficando o povo mais enriquecido com um “Novo Banco”), e o Banif, amparado pela ajuda
capitalizante do Estado, caminhou a passos de gigante para a queda precipicial
de 20 de dezembro de 2015,integrando-se a parte dita boa no Santander Totta,
restando um veículo de ativos não especificados, quiçá autocomandado.
Entretanto,
a aproximação temporal das eleições legislativas de 4 de outubro de 2015
provocou um eclipse temporário de uns cinco relatórios cujo conhecimento
público, se antecedente ao ato eleitoral, poderia ter ditado outros resultados,
como a seu tempo a imprensa denunciou, denúncia de que também dei parte.
Quanto
a reformas estruturais, nomeadamente a reforma do Estado, nem vê-las!
***
Findo
que foi o ano de 2015, sabe-se que, segundo os especialistas, está em máximos de seis meses
o risco da dívida pública nacional (“E
o que será dívida pública nacional? Só do Estado ou também das empresas e, em especial,
da Banca?),
considerando a diferença entre os juros de Portugal e os da Alemanha. É a
reação às necessidades maiores de financiamento do Estado que são objeto de
previsão para os próximos anos e o sintoma da incerteza instalada em relação a
Portugal após o que se passou com os bancos nacionais.
Um diretor
da BlackRock (gestora
de ativos), Scott Thiel, entrevistado na
televisão da Bloomberg, uma das mais vistas pelos investidores, dá conta da incerteza
política que perpassa o país e dos casos recentes na banca – designadamente o modo como se geriu a recapitalização do Novo Banco – que
estão a deixar “apreensivos” os investidores
relativamente a Portugal.
O diretor
adjunto do investimento em obrigações da BlackRock diz
ver com bons olhos o investimento em Portugal, dum ponto de vista “fundamental”
(olhando para os
fundamentos económicos),
mas verifica a reação “relativamente negativa” dos mercados à nossa
situação política. A “apreensão” dos investidores a que se refere Scott Thiel ajudará a compreender
porque estão a subir os juros de Portugal, alargando o spread de
risco em relação à Alemanha – “um indicador de risco crucial acima dos 220 pontos base”, comparáveis
com “os 120 pontos de Espanha e os 102 de Itália”.
***
Por
outro lado, está agendada a chegada da missão da troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) a
Portugal no próximo dia 27 para a terceira avaliação pós-programa. E dizem os
observadores que traz uma longa lista de críticas e indicações com vista a relançar
o investimento. A razão de ser do já denominado amplo caderno de encargos é a
convicção de Bruxelas do não cumprimento cabal (e mesmo a existência de recuos) do
programa de austeridade imposto a Portugal, entre 2011 e 2014.
Um documento
de trabalho da Comissão Europeia lista mais de uma dezena de pontos de
estrangulamento do investimento empresarial cuja resolução se torna urgente. E
um outro dossiê centra-se nas contas públicas, no défice excessivo e na dívida
– suscitando dúvidas quanto à sustentabilidade desta.
No atinente à
economia empresarial, muitos dos vários recados são decalcados das avaliações
anteriores, ainda no período de ajustamento. Assim, a troika continua a apontar
a dificuldade de despedimento individual de trabalhadores, a continuidade do
sistema centralizado da formação de salários mercê da contratação coletiva, a
índole labiríntica da burocracia dos licenciamentos comerciais, a desadequação
das qualificações das pessoas, o facto de os impostos privilegiarem o recurso à
dívida em detrimento do capital em forma de ações, o barramento da entrada de
novos concorrentes por via das “regras vigentes no setor portuário e na grande
distribuição e retalho”.
No próximo dia
27, já será conhecida a proposta de Orçamento do Estado, onde são revertidas (embora parcialmente) várias medidas de charneira do
plano de austeridade da troika e dos XIX e XX Governos, aplicado a partir de
2011.
Bruxelas
lembrará às autoridades portuguesas o estado bastante mau do investimento no
país, de que ressalta a terceira taxa mais baixa da Europa em proporção do PIB (Produto Interno Bruto), com o valor do investimento total
nacional em apenas 15,2% do PIB – só mais fraco em Chipre (11,7%) e na Grécia (10,4%).
Em Portugal, o investimento real terá subido 5,6% em 2015, mas desacelerará, em
2016, 3,9% – o que parece manifestamente insatisfatório para compensar a razia
dos anos do ajustamento (queda
de 12,5% em 2011, de 16,6% em 2012 e de 5,1% em 2013).
Ao mesmo
tempo, a taxa de investimento público está em mínimos (2,28% do PIB), representando apenas 15% do
investimento total na economia.
Neste
panorama crítico, sobressaem as autarquias, tidas como algo obsoletas nos
mecanismos tratamento e canalização dos negócios. Todavia, tudo aponta no
sentido de a missão da troika não estar especialmente preocupada com o setor
público em si, mas voltar a crítica para as formas pouco eficazes de
impulsionar a economia e para “a complexidade dos procedimentos administrativos,
como “os regimes de licenciamento”, já que “a margem das medidas de
simplificação” e “redução da carga administrativa” preconizada pelo “programa
de ajustamento económico é limitada e está exclusivamente focada na
administração pública central”.
***
Em suma, o
aludido documento da Comissão Europeia versa
basicamente um conjunto de pontos que gravitam em torno de impostos, salários e concorrência.
Assim:
No atinente
aos impostos, a Comissão critica a
falta de “estabilidade e previsibilidade” no fisco, o que é mais
um entrave ao investimento empresarial. Depois, além de os impostos serem muito
elevados, perde-se muito tempo no
seu pagamento. Com
efeito, é excessivo “o número de horas gastas pelas empresas
de média dimensão para preparar, entregar e pagar impostos”.
Em relação à
política laboral, em que se enquadra a política salarial, a Comissão destaca a dificuldade em despedir, o problema da contratação coletiva e a falta de qualificação dos trabalhadores.
Quanto à primeira, alega, na sequência dos demais relatórios da troika, que “as
regras restritivas dos despedimentos podem travar investimentos”; indica a
contratação
coletiva como geradora dum “sistema de formação de salários”
demasiado “centralizado”, a prejudicar “o ajustamento eficiente dos salários”;
e, aponta a falta de qualificação dos trabalhadores como constitutiva de um
grande entrave progresso económico do país.
Também podia
acusar a insuficiente qualificação dos empresários, a insuficiência da
organização empresarial, a locupletação de administradores e os altos cultos de
produção conexos (não
tanto com os salários)
com impostos, preços de matérias-primas, energia, comunicações, combustíveis,
etc.
Quanto à
concorrência, o referido documento aponta a legislação
como fonte de dificuldade para a
concorrência em vários setores: as regras em vigor em
setores como os portos e a distribuição (sobretudo a retalho) tornam mais difícil a geração de concorrência nestes
setores importantes. Porém silencia-se na denúncia da especulação financeira
que dilapida Estados e empresas.
Mas há ainda
mais pontos críticos no rol de reparos da troika, de que se respigam os
seguintes:
Estado labiríntico da burocracia dos
licenciamentos. Este é um ponto em que a Comissão Europeia vê poucos progressos,
um ano e meio depois do final do programa de ajustamento. Com efeito, “a
complexidade dos procedimentos administrativos como, por exemplo, os regimes de
licenciamento” configura um enorme entrave ao investimento e ao bem-estar.
As autarquias como símbolo da pouca
eficiência do Estado. Também aqui a Comissão Europeia assinala que “a margem
das medidas de simplificação e de redução da carga administrativa levada a cabo
pelo programa de ajustamento económico é limitada e está exclusivamente focada
na administração pública central”. Aos olhos da troika, as autarquias gerem os seus negócios e
investimento com recurso a processos obsoletos. Poderia acrescentar a parcialidade
e o compadrio
O eterno problema dos prazos de
pagamento.
A Comissão Europeia, embora registe melhorias a este nível, reconhece que são
ainda insuficientes, pois continua a pagar-se e a receber-se demasiado tarde, o
que “limita o acesso a financiamento” e cria problemas de tesouraria nas PME (pequenas e médias empresas).
A convicção de que é mais vale
endividar-se do que injetar capital. É fator que penaliza fortemente a atividade das
empresas. Na verdade, as regras fiscais induzem os gestores e proprietários a
criarem a autoconvicção de que “é mais conveniente o endividamento do que a
injeção de capital nas companhias” – o que “torna mais difícil o processo de
desalavancagem (redução
do endividamento) que há
muito se pede em Portugal”.
***
Eis alguns
dos pontos mais relevantes que levarão a troika a chamar a capítulo as
autoridades governativas do país, a par da inevitável análise centrada nas
contas públicas (défice
orçamental e dívida acumulada). Resta esperar a ver como se comporta o XXI Governo e os deputados da
XIII Legislatura, se por acaso persistem no embarque acrítico da locomotiva
esmagante da UE e do Euro. Quo vadis,
Lusitania?
2016.01.18 – Louro de Carvalho
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