A
2 de janeiro pp, a Sala de Imprensa da Santa Sé publicou a noticiou a entrada
em vigor do Acordo Global entre a Santa
Sé e o Estado da Palestina, com texto em italiano (versão original) e inglês do teor seguinte:
“Em referência ao Comprehensive Agreement between the
Holy See and the State of Palestine (acordo global entre a Santa Sé e
o Estado de Palestina), assinado a 26 de junho de 2015, a Santa Sé e o Estado
de Palestina notificaram reciprocamente o cumprimento dos procedimentos
requeridos para sua a entrada em vigor, nos termos do artigo 30.º do mesmo
Acordo.
“O Acordo, constituído por um
Preâmbulo e 32 Artigos, salvaguarda aspetos essenciais da vida e da atividade
da Igreja na Palestina, reafirmando ao mesmo tempo o apoio a uma solução
negociada do conflito na região”.
***
A
este respeito, a agência Ecclesia, da
CEP (Conferência Episcopal
Portuguesa), ainda a 2 de janeiro,
sublinhava:
-
A assinatura do documento, em junho passado, por D. Paul Richard Gallagher, secretário do Vaticano para
as relações com os Estados, e por Riad Al-Malki, ministro dos Negócios
Estrangeiros da Palestina;
- A
afirmação, por Gallagher, da esperança da Santa Sé em que o acordo ajude a
promover um “fim definitivo para o conflito israelo-palestino”, que “continua a
causar sofrimento às duas partes” (Israel e Palestina);
-
A satisfação expressa por Al-Malki pelo facto de “pela primeira vez” se verificar “um
reconhecimento oficial” do Estado da Palestina, por parte da Santa Sé, que integra
coerentemente o acordo em causa;
- A
virtualidade que o acordo comporta, segundo o líder da diplomacia palestina, da
consolidação e melhoria do “atual estado de coisas, no qual a Igreja Católica
Romana goza de direitos, privilégios, imunidades e livre acesso”, reconhecendo
o “importante” contributo da Igreja “para as vidas de muitos palestinos”;
- A
alusão do ministro palestiniano, no seu discurso, ao “estatuto especial da
Palestina” como “local de nascimento do Cristianismo e berço das religiões
monoteístas”;
- A existência
anterior de um primeiro “acordo básico” assinado entre as duas partes, a 15 de
fevereiro de 2000, de que se evoluiu para o presente acordo global;
- O essencial
do conteúdo – “aspetos essenciais da vida e da atividade da Igreja no Estado da
Palestina” – plasmado no predito preâmbulo e nos 32 artigos do corpo do documento;
- O reconhecimento da personalidade
jurídica da Igreja Católica, com a garantia da liberdade de culto e da
autonomia das suas instituições, isentando o pessoal eclesiástico do serviço
militar, entre outras determinações;
- E a assunção das questões ligadas
às propriedades eclesiásticas e ao regime fiscal como “objeto de novas
negociações e acordos”.
***
Por
seu turno, a Rádio Vaticana (RV),
no passado dia 3, referia-se ao documento como “composto por um preâmbulo e 32
artigos”, levando “em consideração os aspetos essenciais da vida e da atividade
da Igreja Católica na Palestina”.
No
entanto, a RV parece sintetizar melhor os aspetos de conteúdo ao especificar:
“Trata-se, no fundo, da
liberdade de ação da Igreja, da sua jurisdição, do estatuto do pessoal, dos
lugares de culto, das atividades sociais e caritativas da Igreja, dos seus
meios de comunicação social, das questões fiscais e da propriedade”.
Por
outro lado, a RV não subestima a índole instrumental do Acordo enquanto reafirmação
do “apoio da Igreja a uma solução negociada e pacífica do conflito entre Israel
e a Palestina” e acrescenta a informação de que, na cerimónia da assinatura, em
junho de 2015, estiveram presentes, além dos subscritores oficiais do documento,
o Patriarca Latino de
Jerusalém, o Núncio Apostólico na Terra Santa e o Delegado Apostólico em
Jerusalém e na Palestina, bem como o Representante da Palestina junto da Santa
Sé e os Presidentes das Câmaras Municipais de Belém e Ramallah.
***
Também
a RV destaca alguns aspetos do discurso de Gallagher que a agência Ecclesia não releva nem regista.
Assim,
o chefe da diplomacia vaticana fez votos para que a solução desejável de dois
Estados (Israel e Palestina) “se torne o mais depressa possível
numa realidade” e reconheceu que “o processo de paz não pode progredir senão
através da negociação entre as partes na presença e com o apoio da comunidade
internacional” – o que requer decisões corajosas”. Além disso, precisou que “os
católicos não pretendem nenhum privilégio, senão o de continuar a colaborar com
os seus cidadãos para o bem da sociedade” e assinalou que “a Igreja local, que
esteve implicada nas negociações, está satisfeita com os resultados obtidos e
sente-se feliz por ver consolidadas as boas relações com as autoridades civis”.
Depois,
D. Gallagher, ao referir, com satisfação, o capítulo dedicado à liberdade
religiosa e de consciência, avaliou o Acordo como “um bom exemplo de diálogo e
colaboração” entre cristãos e muçulmanos no “complexo contexto do Médio
Oriente, onde, em certos países, os cristãos sofrem perseguições”.
***
Entretanto,
a RV faz uma resenha do percurso que levou a este Acordo bilateral e à reação
do Governo de Israel.
Assim,
no atinente ao percurso, a RV evoca as etapas recordadas, em junho passado, pelo
Padre David Neuhaus, vigário patriarcal para a comunidade católica de expressão
hebraica em Israel, na Civiltà Cattolica,
revista dos jesuítas italianos:
- Paulo
VI foi o primeiro Papa a afirmar, em 1975, que “os palestinianos não eram um
simples grupo de refugiados, mas sim um povo”.
- Em
1987, pela primeira vez, o Papa João Paulo II nomeara um árabe palestiniano à
cabeça do Patriarcado latino de Jerusalém, D. Michel Sabbah, que “não cessou
nunca de denunciar, sem rodeios, os sofrimentos suportados pelo seu povo devido
à ocupação israelita”.
- O
chefe da OLP (Organização
para a Libertação da Palestina), Yasser Arafat, foi recebido diversas vezes no Vaticano a partir de
1987.
- A
Santa Sé estabeleceu relações com o Estado de Israel em 1993 e com a OLP em
1994.
- No
Acordo fundamental com Israel, a Igreja declara inequivocamente “que rejeita
toda e qualquer interpretação religiosa para justificar as ambições
territoriais”.
-
Depois, houve a visita de João Paulo II aos campos de refugiados palestinianos
de Deheisheh, a 22 de março de 2000, e ao Yad Vashem, a 23 de março.
-
Bento XVI pediu, em maio de 2009, que a solução de dois Estados se tornasse uma
realidade, o que, “infelizmente, continua ainda a ser apenas um sonho”.
-
Francisco visitou a Terra Santa em maio de 2014, encontrando-se com as
autoridades dos dois Estados.
- E, em
8 de junho de 2014, na solenidade do Pentecostes, a convite do Papa Francisco,
realizou-se “o histórico e inédito encontro dos presidentes israelita e
palestiniano nos jardins do Vaticano” no âmbito da oração comum pela Paz
agendada pelo Pontífice.
***
Soube-se
que, por ocasião da assinatura deste Acordo Global, o ministro israelita dos
Negócios Estrangeiros advertiu que “esta medida prejudicaria os esforços
de paz”. Pela sua voz, Israel deplorava, de modo particular, a decisão da Santa
Sé de “reconhecer oficialmente a Autoridade Palestiniana como um Estado, uma
medida que qualificava de precipitada”, e acusava os signatários de “não tomarem
em consideração os interesses essenciais israelitas e o estatuto histórico
especial do povo hebreu em Jerusalém”.
***
Era
óbvio que o acordo com o Estado da Palestina iria cair no desagrado de Israel,
pois comportava naturalmente o reconhecimento oficial da Autoridade
Palestiniana como um Estado, adversário cujo estatuto de Estado Israel não reconhece.
Porém, a Santa Sé não pode deixar-se impedir ou condicionar na vontade de
celebrar acordo bilateral com qualquer Estado que aceite negociar com ela.
Cabe-lhe, em contrapartida, acautelar os incómodos que a sua postura possa criar
a terceiros ou envidar esforços no sentido de os minimizar.
Saúda-se
a celebração e a vigência do presente Acordo Global entre a Santa Sé e o Estado da
Palestina, porquanto: não se trata da absorção ou do domínio de um Estado ela
Igreja, como aconteceu recorrentemente em tempos que já lá vão (vg
Idade Média e Renascimento);
não se trata de situação inversa, como alguns Estados também intentaram em
tempos idos (v.g. Despotismo esclarecido, Bonapartismo…); não se trata da separação da
Igreja do Estado ditado por um regime político excessiva e devidamente secularista;
não se trata de um regime concordatário com cedências mútuas e a arquitetação de
alguns privilégios para compensar algumas das cedências; trata-se, porém, de um
sistema de acordo em que se reconhece o lugar e a ação de cada uma das partes,
com a garantia da autonomia recíproca, do exercício das diversas liberdades e
do reconhecimento do mérito do trabalho junto das populações, e com o propósito
de mútua cooperação.
Rejeita-se,
no entanto, a referência a privilégios concedidos à Igreja, feita pelo chefe da
diplomacia palestiniana, quando se trata de direitos originários da Igreja enquanto
organização ou de direitos criados por acordo livremente subscrito pelos outorgantes.
Enfim,
é o esquecimento de qualquer forma de teocracia ou de cesaropapismo e, sobretudo,
a realização contemporânea e possível do aforismo evangélico, “a César o que é
de César, a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).
2016.01.05 – Louro de Carvalho
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