O
Ministério da Educação (ME)
divulgou pelos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, bem como pelos
estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, uma diretriz por
antecipação sobre a eliminação das provas finais (vulgo,
exames) do 4.º e do
6.º ano de escolaridade e algumas alterações às provas finais do 9.º ano.
A
medida responde a uma situação anómala de um certo paroxismo psicossocial e
pedagógico que se manifesta na excessiva importância atribuída aos exames/provas
finais no fim dos diversos ciclos do ensino básico e também no termo do ensino
secundário (neste nível de ensino, muito por causa do acesso ao
ensino superior). Nunca
percebi como é que, cifrando-se no máximo de 30% o peso do exame/prova final,
se dá tanto relevo a esta forma de avaliação externa, sendo esta que mobiliza rankings, editoras, pais, alunos e obviamente
escolas/professores, deixando para segundo ou terceiro plano as demais
vertentes de cada disciplina e as outras componentes programáticas e
curriculares.
Preparam-se
livros, cadernos e fichas, mais fichas para exame. Exigem-se aulas
suplementares para anos e disciplinas de “exame” (mesmo
no 1.º CEB) porque
professores são colocados mais tarde, neva ou a escola é assaltada.
A
sobrevalorização do “exame” e disciplinas de “exame” criou o “estreitamento
curricular”, de difícil erradicação, já que colocou comparativamente em
patamares de relevo algumas escolas, sobretudo privadas, as quais registam uma procura
maior, sem que se avaliem os contextos de cada unidade orgânica, sobretudo os
que oferecem maiores limitações e requerem maior apoio.
Por outro lado, o ME aparece alinhado com o Programa do
Governo, assumindo o compromisso de proceder a uma avaliação da realização de
exames nos primeiros anos de escolaridade.
Em conformidade com o predito compromisso, refere ter-se
desencadeado um processo de auscultação de várias organizações e
individualidades sobre as premissas para a construção do novo modelo de
avaliação do Ensino Básico. Foram ouvidos, entre outros, “o Conselho de
Escolas, o Presidente do Conselho Nacional de Educação, as Associações de
Professores de Português e de Matemática, a Confederação Nacional das
Associações de Pais, a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e
Cooperativo, professores de diferentes ciclos do Ensino Básico, psicólogos,
diretores de escolas e agrupamentos de escolas e vários especialistas em
ciências da educação, didática e avaliação e desenvolvimento curricular”.
E
– considerando a “avaliação interna e externa das aprendizagens” essencial ao “sucesso
educativo dos alunos” e ao “bom desempenho das escolas” e constituindo um dever
da administração educativa monitorizar o desempenho do sistema, sobretudo no
respeitante às aprendizagens – o ME, na sequência daquele processo de avaliação
e de auscultação, apresentou à comunidade a proposta de sistema de avaliação
das aprendizagens para o Ensino Básico, a implementar já no ano letivo de
2015/2016.
***
O modelo integrado de avaliação das aprendizagens no Ensino
Básico parte dum complexo de pressupostos, de que se destacam os seguintes: o
objetivo da melhoria das aprendizagens e do sucesso escolar dos alunos, em
resultado das dinâmicas de avaliação; a opção pela avaliação contínua como
instrumento por excelência da avaliação interna, atuando os instrumentos de
avaliação externa como recurso potenciador da avaliação interna; a devolução da
aposta continuada na qualidade, pertinência e oportunidade da informação à
escola, às famílias e aos outros agentes assente na ação concertada e na cada
vez maior confiança no sistema; e a alteração da atual situação em que a avaliação
externa, centrada em apenas algumas disciplinas, conduz a um estreitamento
curricular, sentido pelos professores e pelas famílias, não sendo produzida
suficiente informação sobre outras disciplinas.
Quanto à organização do modelo, o ME clarifica os propósitos
da avaliação no quadro das provas de aferição e no das provas finais de
avaliação; define os momentos, finalidade e forma de utilização dos resultados da
aferição; determina o momento e objeto das provas finais.
Assim, “são clarificados os propósitos” e os termos “da
avaliação externa”. Neste âmbito, as provas de aferição das aprendizagens
visam: acompanhar o desenvolvimento do currículo nas diferentes áreas (e não apenas nas disciplinas de Português e de Matemática); fornecer informações detalhadas à escola, aos professores,
aos encarregados de educação e aos alunos sobre o desempenho destes; e potenciar
uma intervenção pedagógica atempada, dirigida às dificuldades específicas de
cada aluno. Por seu turno, as provas finais de avaliação das
aprendizagens visam: avaliar o desempenho dos alunos no final do ensino básico;
e certificar a conclusão do ensino básico, momento em que se abrem
oportunidades de escolha dos percursos escolares.
No atinente aos processos de aferição, o ME determina que
passam a realizar-se antes da conclusão de cada ciclo, de modo que se possa
agir atempadamente sobre as dificuldades detetadas: no 2.º ano (1.º Ciclo); no 5.º ano (2.º Ciclo); e no 8.º ano (3.º Ciclo).
Contra
o assumido até agora, a aferição abrangerá todas as áreas do currículo de modo
a contrariar o estreitamento curricular, observando-se o seguinte faseamento:
- No
2.º ano, o processo de aferição abrange todas as áreas do currículo, assumindo-se
uma certa progressividade, de modo que, em 2015/2016, uma prova incide sobre
Português e a outra sobre Matemática, apresentando as duas uma componente de
Estudo do Meio, mas, a partir de 2016/2017, a aferição já incluirá a área das
Expressões.
- No
5.º ano e no 8.º, em 2015/2016, são realizadas duas provas de aferição, uma na
disciplina de Português e outra na de Matemática, mas, partir de 2016/2017, as
provas de aferição do 5.º e do 8.º anos incidirão, rotativamente, sobre outras
áreas do currículo, prevendo-se também, em algumas disciplinas, a inclusão de
situações práticas nos instrumentos de avaliação.
São, assim,
“descontinuadas” – diz o ME – “as provas finais de ciclo do 4.º ano, do 6.º ano
e é suspenso o teste de inglês PET (Preliminary English Test)”. Acaba o negócio da avaliação por uma entidade privada.
As
provas de aferição são realizadas no final do ano letivo e, contra o que tinha
sido aventado, têm aplicação obrigatória e universal. E, para efeitos de análise,
os resultados das provas de aferição serão devolvidos às escolas e transmitidos
aos encarregados de educação e aos alunos através de uma Ficha Individual do Aluno, que regista o descritivo detalhado do
desempenho e as classificações por domínio ou tema. Além disso, a predita ficha
constitui-se como suporte das estratégias diferenciadas que integrarão a
prática letiva subsequente, em complemento de todos os dados gerados pela
avaliação interna.
As
provas de aferição do 2.º ano de escolaridade serão, por regra, realizadas nas
escolas dos alunos, em situação habitual de sala de aula, aplicadas pelos seus
professores.
Em
2015/2016, as provas de aferição do 2.º ano e as do 5.º são realizadas na
última semana de aulas e as do 8.º ano, após a última semana de aulas, em datas
compatíveis com o restante calendário de avaliação externa.
Quanto
ao 9.º ano, ou seja, o final do ensino básico, serão realizadas provas finais
nas disciplinas de Português e de Matemática, no regime em que decorrem desde
2005.
***
Sobre a concretização do modelo, o ME garante que “será
criado um grupo de trabalho, constituído por professores e especialistas em
avaliação e currículo, que acompanhará a implementação deste modelo e procederá
à sua avaliação”; informa que estão, “neste momento, a ser produzidas as convenientes
alterações legislativas necessárias à implementação deste modelo,
designadamente o calendário das mesmas que será brevemente dado a conhecer às
escolas”; e prevê a realização de “reuniões de trabalho com os diretores dos
Agrupamentos e Escolas não agrupadas”, para o esclarecimento e o debate sobre
estas medidas.
***
José
Maria Azevedo (2015),
em “Notas para um terceiro ciclo de avaliação” (in CNE, Avaliação Externa das Escolas), citando uma recomendação do CNE
(Conselho
Nacional de Educação)
afirma que AEE (Avaliação Externa das Escolas) tanto é enditada como limitada,
ao nível da informação, pelo alargamento da aplicação dos exames/provas finais
no ensino básico. E considera sintomática, neste aspeto, a referida recomendação
no âmbito da administração educativa central: “conter a excessiva importância
concedida aos resultados das provas de avaliação externa, no âmbito do processo
de avaliação externa das escolas desenvolvido pela IGEC” (vd
Recomendação n.º 2/2015 sobre Retenção
Escolar nos Ensinos Básico e Secundário, aprovada a 23 de fevereiro de 2015 e
publicada a 25 de março).
Por outro
lado, reconhece que, “para além da necessidade de valorizar outros resultados e
outras competências não observáveis nas provas”, não podemos esquecer que os
resultados da escola são expressão de muitos fatores. E apresenta como exemplo
o facto de não conhecermos “o peso das ajudas externas nos resultados, vulgo explicações e frequência de institutos
de ensino de línguas ou de outras formas de apoio” e a sua assimétrica
distribuição social e territorial.
Por
sua vez, o CNE faz, no documento de 25 de março, ainda outras recomendações também
no âmbito da administração educativa central, de que se recolhem as mais
relacionadas com esta matéria:
- Minimizar as solicitações
de cariz burocrático-administrativo acometidas às escolas, de forma a permitir
emergência de lideranças orientadas para a aprendizagem e sucesso educativo;
- Reorganizar os
percursos escolares, evitando a excessiva segmentação, que favorece a retenção,
dando particular atenção ao 1.º e 2.º ciclos;
- Reavaliar a
adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objetivos de aprendizagem dos
ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização;
- Rever as
condições de acesso à prova final de 9.º ano, permitindo o acesso universal,
alterando o estatuto do aluno autoproposto;
- Repensar as
implicações dos resultados das provas finais no prosseguimento de estudos;
- Articular
medidas nacionais de corresponsabilização das famílias pelo percurso escolar
dos seus/suas educandos/as e pela vinculação aos planos de recuperação das
aprendizagens e controlo da indisciplina definidos.
***
O CNE, a meu ver, de forma incoerente, acabou de propor, passado dia 7, a criação
de novo exame no 9.º ano, de “literacia científica”, a juntar aos já existentes
de Português e Matemática, e defendeu a manutenção de exames com peso na
classificação dos alunos no final dos 2.º e 3.º ciclos. Essa putativa nova prova
do 9.º ano seria, nas palavras o Presidente do CNE, “um teste que integra conhecimentos vários na área das ciências, com uma
abordagem mais integrada dos conhecimentos”.
É certo que, por um lado, a avaliação da literacia científica contraria o “estreitamento
curricular”, decorrente da “excessiva importância” dada, nos últimos anos, à
avaliação do desempenho a Português e a Matemática, e que levou à desvalorização
de “outras matérias”, mas, por outro, não inverte a tendência das escolas de supinamente
orientarem o seu trabalho quase exclusivamente para a obtenção de resultados.
***
Desta vez, o
ME não pode ser acusado de não ter avaliado a situação ou o status quo da Educação ou de não ter
ouvido as organizações e entidades. Porém, apesar de pôr bastante bem o dedo na
ferida, comete o erro de as medidas anunciadas e ainda não decretadas serem
para valer já. É o novo PREC da educação!
Penso que é
legítimo e até meritório não concordar com a trapalhada herdada, que não foi implementada
de modo melhor que este, mas as escolas e os alunos respiravam por um ano
letivo: suspendiam-se as provas finais (4.º, 6.º e 9.º anos) e a índole milimétrico-cronométrica e vinculativa a
cada ano de escolaridade das metas curriculares. E tínhamos um ano para refletir
e decidir das medidas, que podiam perfeitamente ser estas.
Ou será que
o Governo teme o seu fim prematuro ainda durante este ano?
2016.01.09 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário