sábado, 9 de janeiro de 2016

Modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens

O Ministério da Educação (ME) divulgou pelos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, bem como pelos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, uma diretriz por antecipação sobre a eliminação das provas finais (vulgo, exames) do 4.º e do 6.º ano de escolaridade e algumas alterações às provas finais do 9.º ano.
A medida responde a uma situação anómala de um certo paroxismo psicossocial e pedagógico que se manifesta na excessiva importância atribuída aos exames/provas finais no fim dos diversos ciclos do ensino básico e também no termo do ensino secundário (neste nível de ensino, muito por causa do acesso ao ensino superior). Nunca percebi como é que, cifrando-se no máximo de 30% o peso do exame/prova final, se dá tanto relevo a esta forma de avaliação externa, sendo esta que mobiliza rankings, editoras, pais, alunos e obviamente escolas/professores, deixando para segundo ou terceiro plano as demais vertentes de cada disciplina e as outras componentes programáticas e curriculares.
Preparam-se livros, cadernos e fichas, mais fichas para exame. Exigem-se aulas suplementares para anos e disciplinas de “exame” (mesmo no 1.º CEB) porque professores são colocados mais tarde, neva ou a escola é assaltada.
A sobrevalorização do “exame” e disciplinas de “exame” criou o “estreitamento curricular”, de difícil erradicação, já que colocou comparativamente em patamares de relevo algumas escolas, sobretudo privadas, as quais registam uma procura maior, sem que se avaliem os contextos de cada unidade orgânica, sobretudo os que oferecem maiores limitações e requerem maior apoio.  
Por outro lado, o ME aparece alinhado com o Programa do Governo, assumindo o compromisso de proceder a uma avaliação da realização de exames nos primeiros anos de escolaridade.
Em conformidade com o predito compromisso, refere ter-se desencadeado um processo de auscultação de várias organizações e individualidades sobre as premissas para a construção do novo modelo de avaliação do Ensino Básico. Foram ouvidos, entre outros, “o Conselho de Escolas, o Presidente do Conselho Nacional de Educação, as Associações de Professores de Português e de Matemática, a Confederação Nacional das Associações de Pais, a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, professores de diferentes ciclos do Ensino Básico, psicólogos, diretores de escolas e agrupamentos de escolas e vários especialistas em ciências da educação, didática e avaliação e desenvolvimento curricular”.
E – considerando a “avaliação interna e externa das aprendizagens” essencial ao “sucesso educativo dos alunos” e ao “bom desempenho das escolas” e constituindo um dever da administração educativa monitorizar o desempenho do sistema, sobretudo no respeitante às aprendizagens – o ME, na sequência daquele processo de avaliação e de auscultação, apresentou à comunidade a proposta de sistema de avaliação das aprendizagens para o Ensino Básico, a implementar já no ano letivo de 2015/2016.
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O modelo integrado de avaliação das aprendizagens no Ensino Básico parte dum complexo de pressupostos, de que se destacam os seguintes: o objetivo da melhoria das aprendizagens e do sucesso escolar dos alunos, em resultado das dinâmicas de avaliação; a opção pela avaliação contínua como instrumento por excelência da avaliação interna, atuando os instrumentos de avaliação externa como recurso potenciador da avaliação interna; a devolução da aposta continuada na qualidade, pertinência e oportunidade da informação à escola, às famílias e aos outros agentes assente na ação concertada e na cada vez maior confiança no sistema; e a alteração da atual situação em que a avaliação externa, centrada em apenas algumas disciplinas, conduz a um estreitamento curricular, sentido pelos professores e pelas famílias, não sendo produzida suficiente informação sobre outras disciplinas.
Quanto à organização do modelo, o ME clarifica os propósitos da avaliação no quadro das provas de aferição e no das provas finais de avaliação; define os momentos, finalidade e forma de utilização dos resultados da aferição; determina o momento e objeto das provas finais.
Assim, “são clarificados os propósitos” e os termos “da avaliação externa”. Neste âmbito, as provas de aferição das aprendizagens visam: acompanhar o desenvolvimento do currículo nas diferentes áreas (e não apenas nas disciplinas de Português e de Matemática); fornecer informações detalhadas à escola, aos professores, aos encarregados de educação e aos alunos sobre o desempenho destes; e potenciar uma intervenção pedagógica atempada, dirigida às dificuldades específicas de cada aluno. Por seu turno, as provas finais de avaliação das aprendizagens visam: avaliar o desempenho dos alunos no final do ensino básico; e certificar a conclusão do ensino básico, momento em que se abrem oportunidades de escolha dos percursos escolares.
No atinente aos processos de aferição, o ME determina que passam a realizar-se antes da conclusão de cada ciclo, de modo que se possa agir atempadamente sobre as dificuldades detetadas: no 2.º ano (1.º Ciclo); no 5.º ano (2.º Ciclo); e no 8.º ano (3.º Ciclo).
Contra o assumido até agora, a aferição abrangerá todas as áreas do currículo de modo a contrariar o estreitamento curricular, observando-se o seguinte faseamento:
- No 2.º ano, o processo de aferição abrange todas as áreas do currículo, assumindo-se uma certa progressividade, de modo que, em 2015/2016, uma prova incide sobre Português e a outra sobre Matemática, apresentando as duas uma componente de Estudo do Meio, mas, a partir de 2016/2017, a aferição já incluirá a área das Expressões.
- No 5.º ano e no 8.º, em 2015/2016, são realizadas duas provas de aferição, uma na disciplina de Português e outra na de Matemática, mas, partir de 2016/2017, as provas de aferição do 5.º e do 8.º anos incidirão, rotativamente, sobre outras áreas do currículo, prevendo-se também, em algumas disciplinas, a inclusão de situações práticas nos instrumentos de avaliação.
São, assim, “descontinuadas” – diz o ME – “as provas finais de ciclo do 4.º ano, do 6.º ano e é suspenso o teste de inglês PET (Preliminary English Test)”. Acaba o negócio da avaliação por uma entidade privada.
As provas de aferição são realizadas no final do ano letivo e, contra o que tinha sido aventado, têm aplicação obrigatória e universal. E, para efeitos de análise, os resultados das provas de aferição serão devolvidos às escolas e transmitidos aos encarregados de educação e aos alunos através de uma Ficha Individual do Aluno, que regista o descritivo detalhado do desempenho e as classificações por domínio ou tema. Além disso, a predita ficha constitui-se como suporte das estratégias diferenciadas que integrarão a prática letiva subsequente, em complemento de todos os dados gerados pela avaliação interna.
As provas de aferição do 2.º ano de escolaridade serão, por regra, realizadas nas escolas dos alunos, em situação habitual de sala de aula, aplicadas pelos seus professores.
Em 2015/2016, as provas de aferição do 2.º ano e as do 5.º são realizadas na última semana de aulas e as do 8.º ano, após a última semana de aulas, em datas compatíveis com o restante calendário de avaliação externa.
Quanto ao 9.º ano, ou seja, o final do ensino básico, serão realizadas provas finais nas disciplinas de Português e de Matemática, no regime em que decorrem desde 2005.
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Sobre a concretização do modelo, o ME garante que “será criado um grupo de trabalho, constituído por professores e especialistas em avaliação e currículo, que acompanhará a implementação deste modelo e procederá à sua avaliação”; informa que estão, “neste momento, a ser produzidas as convenientes alterações legislativas necessárias à implementação deste modelo, designadamente o calendário das mesmas que será brevemente dado a conhecer às escolas”; e prevê a realização de “reuniões de trabalho com os diretores dos Agrupamentos e Escolas não agrupadas”, para o esclarecimento e o debate sobre estas medidas.
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José Maria Azevedo (2015), em “Notas para um terceiro ciclo de avaliação” (in CNE, Avaliação Externa das Escolas), citando uma recomendação do CNE (Conselho Nacional de Educação) afirma que AEE (Avaliação Externa das Escolas) tanto é enditada como limitada, ao nível da informação, pelo alargamento da aplicação dos exames/provas finais no ensino básico. E considera sintomática, neste aspeto, a referida recomendação no âmbito da administração educativa central: “conter a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa, no âmbito do processo de avaliação externa das escolas desenvolvido pela IGEC” (vd Recomendação n.º 2/2015 sobre Retenção Escolar nos Ensinos Básico e Secundário, aprovada a 23 de fevereiro de 2015 e publicada a 25 de março).
Por outro lado, reconhece que, “para além da necessidade de valorizar outros resultados e outras competências não observáveis nas provas”, não podemos esquecer que os resultados da escola são expressão de muitos fatores. E apresenta como exemplo o facto de não conhecermos “o peso das ajudas externas nos resultados, vulgo explicações e frequência de institutos de ensino de línguas ou de outras formas de apoio” e a sua assimétrica distribuição social e territorial.
Por sua vez, o CNE faz, no documento de 25 de março, ainda outras recomendações também no âmbito da administração educativa central, de que se recolhem as mais relacionadas com esta matéria:
- Minimizar as solicitações de cariz burocrático-administrativo acometidas às escolas, de forma a permitir emergência de lideranças orientadas para a aprendizagem e sucesso educativo;
- Reorganizar os percursos escolares, evitando a excessiva segmentação, que favorece a retenção, dando particular atenção ao 1.º e 2.º ciclos;
- Reavaliar a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objetivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização;
- Rever as condições de acesso à prova final de 9.º ano, permitindo o acesso universal, alterando o estatuto do aluno autoproposto;
- Repensar as implicações dos resultados das provas finais no prosseguimento de estudos;
- Articular medidas nacionais de corresponsabilização das famílias pelo percurso escolar dos seus/suas educandos/as e pela vinculação aos planos de recuperação das aprendizagens e controlo da indisciplina definidos.

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O CNE, a meu ver, de forma incoerente, acabou de propor, passado dia 7, a criação de novo exame no 9.º ano, de “literacia científica”, a juntar aos já existentes de Português e Matemática, e defendeu a manutenção de exames com peso na classificação dos alunos no final dos 2.º e 3.º ciclos. Essa putativa nova prova do 9.º ano seria, nas palavras o Presidente do CNE, “um teste que integra conhecimentos vários na área das ciências, com uma abordagem mais integrada dos conhecimentos”. 
É certo que, por um lado, a avaliação da literacia científica contraria o “estreitamento curricular”, decorrente da “excessiva importância” dada, nos últimos anos, à avaliação do desempenho a Português e a Matemática, e que levou à desvalorização de “outras matérias”, mas, por outro, não inverte a tendência das escolas de supinamente orientarem o seu trabalho quase exclusivamente para a obtenção de resultados. 
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Desta vez, o ME não pode ser acusado de não ter avaliado a situação ou o status quo da Educação ou de não ter ouvido as organizações e entidades. Porém, apesar de pôr bastante bem o dedo na ferida, comete o erro de as medidas anunciadas e ainda não decretadas serem para valer já. É o novo PREC da educação!
Penso que é legítimo e até meritório não concordar com a trapalhada herdada, que não foi implementada de modo melhor que este, mas as escolas e os alunos respiravam por um ano letivo: suspendiam-se as provas finais (4.º, 6.º e 9.º anos) e a índole milimétrico-cronométrica e vinculativa a cada ano de escolaridade das metas curriculares. E tínhamos um ano para refletir e decidir das medidas, que podiam perfeitamente ser estas.   
Ou será que o Governo teme o seu fim prematuro ainda durante este ano?

2016.01.09 – Louro de Carvalho

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