quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Seminário Diplomático 2016

Decorreu, nos dias 5 e 6 de janeiro, no Museu do Oriente, o Seminário Diplomático 2016. Trata-se de uma iniciativa anual do MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros) que decorre tradicionalmente no arranque do ano, promovendo um encontro dos embaixadores de Portugal com membros do Governo, entre os quais o chefe da diplomacia e representantes de diversos setores (nomeadamente, da administração pública, das instituições académicas e da malha empresarial), para debater os principais temas de interesse para a política externa portuguesa.
Na abertura dos trabalhos, interveio o presidente da Fundação Oriente, Carlos Monjardino, e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Como orador convidado, interveio também na sessão de abertura, ainda das da intervenção do Ministro, o engenheiro António Guterres, que terminou no final do ano transato o seu mandato à testa do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e que desenvolveu o tema do “Deslocamento forçado como sintoma da situação internacional”.
Os trabalhos prosseguiram com uma sessão dedicada ao tema “Portugal e a Europa num mundo em mudança”, com a participação do ministro dos Negócios Estrangeiros e de todos os secretários de Estado deste ministério: a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques; a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro; o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro; e o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Oliveira.
O programa do primeiro dia do seminário, o dia 5, compreendeu ainda três painéis temáticos, nomeadamente um sobre “Inovação e Investimento”, com uma intervenção do ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral; outro sobre “as prioridades e objetivos para 2016 no setor do mar”, com a presença da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino; e um terceiro, que foi dedicado à Fundação Champalimaud, com a presidente da instituição, Leonor Beleza.
No mesmo dia, foi entregue o prémio Francisco Melo e Torres, iniciativa da CCIP (Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa) e da CIEP (Confederação Internacional dos Empresários Portugueses) que distingue o “Diplomata do Ano” – este ano, o embaixador José Augusto Duarte. E, no final da tarde, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, recebeu em audiência os chefes de missão, seguindo-se uma receção no Palácio de Belém.
No segundo dia, o dia 6, o seminário prosseguiu com sessões sobre “Interoperabilidade e comunicações do MNE: um imprescindível salto tecnológico” e “Portugal e as Comunidades Portuguesas: prioridades políticas”, com o secretário de Estado responsável pela emigração, seguindo-se depois reuniões dedicadas aos grupos regionais.
Cumprindo a tradição, o primeiro-ministro, António Costa, ofereceu um almoço aos diplomatas.
A sessão de encerramento contou com intervenções da secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, do presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Miguel Frasquilho, e da secretária-geral do MNE, Ana Martinho.
O seminário terminou com uma audiência com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, aos chefes de missão.
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O núcleo fundamental das declarações de António Guterres tem a ver com o panorama que atravessa o mundo no atinente aos refugiados. O ex-ACNUR e antigo Primeiro-Ministro Socialista (1995-2002) – lamenta o crescimento ingente da onda de migrantes e refugiados sem que se tenha feito quase nada pela alteração da situação das condições de vida nos países de proveniência no respeitante às causas – à guerra, à fome, à falta de trabalho e às destruições diversas. Por outro lado, denuncia a ambição sem escrúpulos dos traficantes de pessoas, que produzem o tráfico para a morte: prometem trabalho, viagem em boas condições, exigem pesadas contrapartidas, mas abandonam-nos à morte e, quando não à morte, ao inevitável infortúnio cavado na precariedade, no abandono e no sofrimento. Referiu que alguns constroem embarcações (frágeis) já com a finalidade de fazerem uma única viagem e nelas amontoam as pessoas como se fossem mercadorias.
Sobre a responsabilidade da Europa, em particular da UE, acusou a ineficácia generalizada, mercê da volta da atenção quase exclusiva para o fenómeno dos atentados terroristas e da crescente onda de xenofobia e de algum racismo que origina a ereção de vários tipos de muros. Como país exceção nesta matéria, releva a postura da Alemanha.
E deixa uma nota premonitória de que o pior pode estar ainda para vir, depois de passar este inverno.
Além desta intervenção de António Guterres, merecem referência a intervenção do ministro da Economia e a do ministro dos Negócios Estrangeiros.
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Caldeira Cabral selecionou três necessidades prioritárias a nível externo: a promoção da tecnologia, a internacionalização das universidades e a inovação das empresas.
No âmbito da tecnologia, o Ministro entende que Portugal deve estar “num dos principais radares de tecnologia e de empreendedorismo mundiais”. Para isso, é necessário “promover um país de alta tecnologia”, assegurando que não há nem pode haver qualquer contradição entre a modernidade e os setores tradicionais, de que destacou o setor têxtil, o do calçado, o agroalimentar e o da metalomecânica.
Quanto à internacionalização das universidades portuguesas, partindo da referência aos existentes casos de sucesso – designadamente o crescente número de estudantes estrangeiros em Portugal, a adesão a programas de formação universitária em parceria com instituições estrangeiras, a quantidade e qualidade de parcerias internacionais e o aumento da mobilidade de cientistas nacionais para centros de investigação internacionais – entende que se deve progredir no reconhecimento internacional dos sucessos decorrentes de um ensino superior nacional de qualidade.
No concernente à inovação empresarial, o Ministro da Economia sublinha a relevância da promoção da inovação, do fomento do empreendedorismo e, em especial, das start-ups. A este respeito, referiu que Portugal irá acolher, entre 2016 e 2018 o Wueb Summit, o maior evento anual do mundo no âmbito do empreendedorismo, inovação e tecnologia, com cerca de 40 mil participantes e acrescentou:
“Além dos benefícios imediatos para a economia, esta é uma oportunidade única para colocar Portugal no centro das novas tecnologias, com potencial para atrair investimento, criar emprego e melhorar a competitividade da economia”.
Além destas necessidades prioritárias de nível externo ora especificadas e em consonância com elas, Caldeira Cabral preconiza três prioridades para maximizar o aproveitamento do conhecimento que se produz no país e a sua subsequente tradução em valor económico. São elas: o reforço da transferência tecnológica e do conhecimento científico para a economia, através dos centros tecnológicos e da ligação entre universidades e empresas; o apoio à inserção de jovens qualificados nas empresas, a fim de que a internacionalização do tecido empresarial português crie um impacto real no mercado internacional e potencie o crescimento económico nacional; e a efetiva incentivação do empreendedorismo e das start-ups tecnológicas, enquanto contributo significativo para a criação de maior valor na economia e para o combate ao desemprego jovem.
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Por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros, entre as diversas prioridades para o país, destacou a parceria com Estados Unidos, a par da UE e da CPLP.
O reforço da relação bilateral com os Estados Unidos está conexo com a nossa “participação na NATO”, com a “centralidade dos Açores no espaço norte-atlântico” e com “o enorme poder de alavancagem representado pelos portugueses e luso-descendentes que vivem na América do Norte”. Neste âmbito, Augusto Santos Silva apontou a necessidade de se encontrar “uma solução mutuamente satisfatória para o aproveitamento da estrutura das Lajes”, mas afirmou que a cooperação com os Estados Unidos vai muito mais além da questão da base açoriana, referindo outras valências da parceria, designadamente as áreas da segurança, a economia, a ciência e a tecnologia.
Mencionando com o devido relevo o processo de construção europeia e o dinamismo do desenvolvimento da CPLP, o chefe da diplomacia deu largas à abordagem da questão da relação transatlântica, que ganhou nova visibilidade depois da tomada de posse do XXI Governo Constitucional, liderado por António Costa, sobretudo porque o embaixador americano em Lisboa, Robert Sherman, mostrou clara preocupação com o facto de os socialistas precisarem do apoio parlamentar do PCP e do Bloco de Esquerda, partidos que têm sido avessos à participação de Portugal na NATO.
Por outro lado, o chefe da diplomacia, Santos Silva, destacou a reintegração da AICEP na tutela dos Negócios Estrangeiros, destacando que “a diplomacia é um substantivo que dispensa adjetivos”, numa aparente crítica à chamada diplomacia económica tão endeusada por Paulo Portas, no XIX Governo, quer enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, quer enquanto vice-primeiro-ministro e coordenador das pastas atinentes à área económica.
Na estratégia do atual Governo e do atual Ministro dos Negócios Estrangeiros, a diplomacia é política, económica e cultural e deve ser vista sempre numa perspetiva holística.
Finalmente, desenhou-se a promessa de alargamento da rede diplomática, gradualmente “e na medida do possível”, tendo vindo à tona os danos gravosos do período de ajustamento, o que acabou por constituir mais uma postura de distanciamento do Executivo liderado por Pedro Passos Coelho, apesar de em diplomacia, como o próprio ministro enfatizou, uma certa continuidade dever ser observada por via de regra.
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A ver vamos se o Seminário Diplomático 2016 vai dar efetivos resultados ou se se circunscreve a mais um evento para enditar os anais do MNE. Por outro lado, veremos se a aliança interpartidária parlamentar à esquerda vai facilitar os propósitos dos ministérios da Economia e dos Negócios Estrangeiros.

2016.01.07 – Louro de Carvalho

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