Estamos
a meio da campanha eleitoral para a Presidência da República e quem deve ocupar
com grande prazer lúdico e autossatisfação os intervalos de trabalho de sofá ou
de escrivaninha é o atual inquilino de Belém. Tal é o desaforo de pobreza e
banalidade que emoldura os dez candidatos em estrada larga ou em ruelas de
burgo progressivo ou de casal inóspito!
É
a descrença na ideologia que leva à pregação de banalidades ou é a falta de
perfil de liderança que produz a sensaboria de um ato eleitoral para cargo que
deveria ser considerado prestigiado e prestigiante? Não posso esquecer que é o
órgão de soberania que vem mencionado e pautado em primeiro lugar na CRP (Constituição
da República Portuguesa),
artigos 120.º a 140.º, e as suas altas funções não podem ser ignoradas,
eclipsadas ou subestimadas.
São
quatro as funções presidenciais: a da representação da República Portuguesa; a
da garantia da independência nacional, da unidade do Estado e do regular
funcionamento das instituições democráticas; e a de comando supremo das forças
armadas (cf
CRP, art.º 120.º). Miguel
Sousa Tavares só regista duas: garantir o regular funcionamento das
instituições democráticas e garantir a independência nacional (vd
Expresso, de 2016.01.16, pg 07).
Sendo importante, é pouco.
Por
outro lado, é o único órgão de soberania para o qual a CRP estipula a existência,
composição e competências dum órgão político de consulta (cf
CRP, art.º 141.º), o
Conselho de Estado (CRP, art.os 141.º-146.º) e que tem de ser consultado nalguns
casos. De resto, a CRP prevê mais mecanismos de consulta, mas técnica e não
política (vd art.os 181.º, 217.º/3 e 274.º/2).
Do
lado da representação da República não se percebe que o Presidente não
participe nas diversas “cimeiras” internacionais de direção estratégica e não
presida aos atos de relevância nacional (recordo o braço de
ferro entre o PR e o PM sobre a inauguração da ponte ferroviária de São João), passando o PR a cortar fitas
em empreendimentos de índole privada. Do lado da independência nacional e
unidade do Estado parece que o PR deveria ser mais ouvido pelos outros órgãos
de poder, sobretudo em matérias que signifiquem alienação (conveniente
ou não) da soberania
e naquelas em consequências das quais os portugueses se venham a sentir mais
divididos (isto, sem negar a competência da condução da
política geral da parte do Governo – CRP, art.º 182.º). Como garante do regular
funcionamento das instituições democráticas, lá vem o poder de dissolução da
Assembleia da República (vd CRP, art.º 172.º) e o da demissão do
Primeiro-Ministro em certas circunstâncias (vd CRP, art.º 195.º/2) – o que se deveria esperar não
ser necessário. Quanto à função de comandante supremo das forças armadas, o PR
deveria ser mais ouvido em matéria militar. Recordo a denominada lei dos
coronéis que Mário Soares vetou ou o diferendo entre Sampaio e Barroso a
propósito da participação de Portugal na guerra do Iraque, de que resultou a
participação do país pelo envio de forças da GNR (força
policial militar dependente do MAI),
porque alegadamente o PR se terá oposto ao envio de elementos das forças
armadas. Depois, a magistratura de influência pode ser utilíssima em muitas
circunstâncias, valências e setores.
***
Parece
que, nestas eleições, querem afastar do panorama político a ideologia e ater-se
ao pragmatismo, na esteira da recomendação explicitada recentemente por Cavaco
Silva. E o resultado é lastimável. Se excetuarmos Edgar Silva e Maria Matias,
os quais propagam incansavelmente as bases ideológicas e pragmáticas das
formações partidárias de que provêm, embora também permitam a evidenciação das
suas origens e do seu passado menos recente, os outros fixam-se em
estereótipos. Um deles até se fez um comentário obsceno em relação a uma afirmação
de uma candidata adversária. Um outro insiste no combate cerrado à corrupção –
propósito meritório, mas sem indicação dos meios a mobilizar. Dois parecem
estar a usufruir do ensejo para conhecerem o país, dispensando os dez anos que demorou
Cavaco Silva para tomar conhecimento do país profundo.
Porém,
acho que devo fixar-me um pouco naqueles a quem as sondagens publicadas no Expresso de hoje, dia 16, atribuem a
dianteira, embora desigual: Marcelo Rebelo de Sousa, com 54,8% dos votos;
Sampaio da Nóvoa, com 16,8%; e Maria de Belém, com 16,3%.
***
Quanto
a Maria de Belém, é certo que tem experiência política, governativa e
gestionária. Todavia, tornar-se hostil a críticas que lhe dirigem ou responder
com evasivas não parece configurar uma eficaz postura política. Pensar
demasiado antes de se pronunciar sobre um facto ou uma questão é não perceber
que o tempo político não se compadece com delongas de espera. E que tem perfil
político – partidário e governativo – deve sabê-lo muito bem. Por outro lado,
salientarem-lhe a competência política e profissional, quando no 2.º Governo de
Guterres preferiu a pasta da Igualdade à da Saúde porque esta era demasiado
pesada, ou quando presidente do PS permitiu, à revelia dos estatutos, lançar o
partido numa disputa de eleições primárias para candidatura ao cargo de
Primeiro-Ministro (todos sabem que não se elegem ministros
nem primeiros-ministros),
torna-se ínvio. Não há pastas ministeriais mais pesadas ou menos. E, se não
zelou a observância os estatutos de partido, como pode zelar a observância da
Constituição?
Jorge
Coelho apresentou-a como a nova Joana d’Arc. Nada mais descabido. Não somos
franceses, não estamos em guerra com a Inglaterra. Maria de Belém não é
donzela, não é Maria-rapaz, não tem perfil militarista. E eu não desejo que tenha
um desfecho como o da santa padroeira de França. Eu, se fosse candidato, não
quereria ter um apoio destes, mas também não prometia levar os visitantes,
Chefes de Estado ou diplomatas, a jantar em instituições de idosos e crianças (não
que isso estivesse fora de agenda, mas não a ponto de constituir uma promessa).
Ademais,
se o seu programa é a Constituição (segundo diz), que explique bem como a lê!
***
Sampaio
da Nóvoa teve dificuldade em descolar do “desconhecido” e não sei se o
conseguirá com suficiência. Também não logrou demonstrar ainda aos olhos de
todos a sua capacidade política e não mostrou tirar partido da sua experiência
internacional (que a tem) nem afirmar a fusão das duas universidades de
Lisboa (a
clássica e a técnica)
numa universidade de escala. Por outro lado, poderia ter feito valer a sua
valia em Ciências da Educação (e o seu desempenho de reitor), que lhe dá o conhecimento do
país, das instituições e da origem dos estudantes, bem como o conhecimento das
realidades internacionais que os sistemas educativos espelham.
É
certo que o debate com Marcelo Rebelo de Sousa o projetou para a pantalha do
debate, levando o contendor a contradições e hesitações, mas não soube ou não
quis responder às provocações marcelistas, nem aquela de ter de ostentar na
lapela o apoio explícito de três ex-Presidentes da República. Ademais, o apoio
de Ramalho Eanes já em campanha tornou-se ambíguo. Respondeu àqueles que dizem
que não se faz de um soldado raso um general (falando de
política, é claro)
que Sampaio da Nóvoa já é um general. E, reforçando o seu apoio ao candidato,
declarou:
“É, sem dúvida, o melhor candidato. É um homem bom,
vertical, honesto. É um homem que agirá sempre em nome do interesso coletivo e
nunca em nome de interesses pessoais ou particulares. Portugal precisa de
Sampaio da Nóvoa, da sua integridade, da sua capacidade, da sua seriedade.
Espero que os portugueses compreendam a importância de ter Sampaio da Nóvoa na
Presidência da República, pelo futuro dos nossos filhos e netos, pelo futuro de
Portugal!”
Porém,
o general deu uma no cravo e outra na ferradura quando respondeu sobre o motivo
por que apoiara Cavaco Silva em eleições anteriores e agora apoia Nóvoa (sabe-se
que este se alinha em estrada diversa do ainda titular de Belém). Poderia, a meu ver, ter-se
escudado na diferença de conjuntura ou na novidade dos tempos atuais, mas
preferiu “algumas semelhanças” entre o
candidato e Cavaco. “Cavaco Silva é homem capaz, competente, interessado,
honesto”, atestou, depois de questionado se estava arrependido do apoio dado a
Cavaco nas suas duas candidaturas presidenciais (2006 e 2011), para, logo em seguida, dizer que essas qualidades caraterizam
Nóvoa. Contudo, o general ressalvou que, apesar de haver “algumas semelhanças”,
há também “muitas diferenças” entre ambas, até porque Nóvoa irá agir “num tempo
totalmente diferente”.
Foi então que Sampaio da Nóvoa aproveitou o momento para
frisar que o seu mandato será “muito diferente” dos mandatos de Cavaco Silva,
porque tem uma “visão presidencial e um conceito diferente” daquele que tem o
atual Presidente da República.
Ora, se quer ganhar numa eventual segunda volta, Nóvoa
terá de explicar uma e outra vez ao eleitorado a tal visão e conceito
diferentes que tem da função presidencial e lutar para que haja segunda volta. Mesmo
assim, eu preferiria não ter
um apoio destes a colar-me ao atual ocupante do Palácio presidencial.
***
E Marcelo? Prometeu contenção de
gastos na campanha: sem cartazes e outros materiais de propaganda, sem comícios
e caravanas. Porém, a grande entrevista foi passada a partir da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa com um painel de catedráticos a servir de pano de fundo.
E não podemos esquecer o seu púlpito semanal televisivo em que se pronunciava
sobre tudo da forma mais conveniente (embora a maior parte
das vezes se tornasse agradável e instrutivo o seu ponto de vista). A campanha em si não é contida
nem frugal; é avara e miserável, popularucha e vazia de conteúdo.
O académico, especialista em ciência
política e direito constitucional, bem poderia elucidar exaustiva e claramente os
portugueses sobre as funções presidenciais expressas e subentendíveis na
Constituição. Ao invés, anda quase sozinho; foge da chuva; promete tudo, incluindo
a aprovação de um orçamento que não conhece; privilegia a conversa de rua, de
café; vende e compra bolos e café; compra medicamentos, cebolas e tomates; visita
sede de adversário; promete lugar de desataque a Ronaldo, junta cultura com
futebol; fala como professor, mas sem conteúdos; apregoa democracia e pratica
demagogia; nega a razão por que escapou à tropa.
E mais não digo sobre Marcelo. Com
um perfil destes arrisca-se a ganhar à primeira volta, recusando da forma mais
abjeta o apoio partidário nacional do PSD e do CDS (uma
razão é São João da Madeira ter eleições),
mas acolhendo o da Madeira, recusando a visão circunscrita de “Cavaquistão”, “Passistão/Pafistão”
ou mesmo “Marcelistão” (falando de Viseu, em Viseu) e ambicionando o “Portugalistão”.
Quererá um poder absoluto suprapartidário a partir de Belém?
***
Desgraçada campanha, pobre país! Porque
não nos explicam como é que pensam exercer as funções presidenciais de forma completa,
clara e atraente? Em que é que serão diferentes de Cavaco e uns dos outros? Ainda
estão a tempo os candidatos.
2016.01.16
– Louro de Carvalho
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