sábado, 16 de janeiro de 2016

Esta campanha presidencial é incaraterística!

Estamos a meio da campanha eleitoral para a Presidência da República e quem deve ocupar com grande prazer lúdico e autossatisfação os intervalos de trabalho de sofá ou de escrivaninha é o atual inquilino de Belém. Tal é o desaforo de pobreza e banalidade que emoldura os dez candidatos em estrada larga ou em ruelas de burgo progressivo ou de casal inóspito!
É a descrença na ideologia que leva à pregação de banalidades ou é a falta de perfil de liderança que produz a sensaboria de um ato eleitoral para cargo que deveria ser considerado prestigiado e prestigiante? Não posso esquecer que é o órgão de soberania que vem mencionado e pautado em primeiro lugar na CRP (Constituição da República Portuguesa), artigos 120.º a 140.º, e as suas altas funções não podem ser ignoradas, eclipsadas ou subestimadas.
São quatro as funções presidenciais: a da representação da República Portuguesa; a da garantia da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas; e a de comando supremo das forças armadas (cf CRP, art.º 120.º). Miguel Sousa Tavares só regista duas: garantir o regular funcionamento das instituições democráticas e garantir a independência nacional (vd Expresso, de 2016.01.16, pg 07). Sendo importante, é pouco.
Por outro lado, é o único órgão de soberania para o qual a CRP estipula a existência, composição e competências dum órgão político de consulta (cf CRP, art.º 141.º), o Conselho de Estado (CRP, art.os 141.º-146.º) e que tem de ser consultado nalguns casos. De resto, a CRP prevê mais mecanismos de consulta, mas técnica e não política (vd art.os 181.º, 217.º/3 e 274.º/2).
Do lado da representação da República não se percebe que o Presidente não participe nas diversas “cimeiras” internacionais de direção estratégica e não presida aos atos de relevância nacional (recordo o braço de ferro entre o PR e o PM sobre a inauguração da ponte ferroviária de São João), passando o PR a cortar fitas em empreendimentos de índole privada. Do lado da independência nacional e unidade do Estado parece que o PR deveria ser mais ouvido pelos outros órgãos de poder, sobretudo em matérias que signifiquem alienação (conveniente ou não) da soberania e naquelas em consequências das quais os portugueses se venham a sentir mais divididos (isto, sem negar a competência da condução da política geral da parte do Governo – CRP, art.º 182.º). Como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, lá vem o poder de dissolução da Assembleia da República (vd CRP, art.º 172.º) e o da demissão do Primeiro-Ministro em certas circunstâncias (vd CRP, art.º 195.º/2) – o que se deveria esperar não ser necessário. Quanto à função de comandante supremo das forças armadas, o PR deveria ser mais ouvido em matéria militar. Recordo a denominada lei dos coronéis que Mário Soares vetou ou o diferendo entre Sampaio e Barroso a propósito da participação de Portugal na guerra do Iraque, de que resultou a participação do país pelo envio de forças da GNR (força policial militar dependente do MAI), porque alegadamente o PR se terá oposto ao envio de elementos das forças armadas. Depois, a magistratura de influência pode ser utilíssima em muitas circunstâncias, valências e setores.
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Parece que, nestas eleições, querem afastar do panorama político a ideologia e ater-se ao pragmatismo, na esteira da recomendação explicitada recentemente por Cavaco Silva. E o resultado é lastimável. Se excetuarmos Edgar Silva e Maria Matias, os quais propagam incansavelmente as bases ideológicas e pragmáticas das formações partidárias de que provêm, embora também permitam a evidenciação das suas origens e do seu passado menos recente, os outros fixam-se em estereótipos. Um deles até se fez um comentário obsceno em relação a uma afirmação de uma candidata adversária. Um outro insiste no combate cerrado à corrupção – propósito meritório, mas sem indicação dos meios a mobilizar. Dois parecem estar a usufruir do ensejo para conhecerem o país, dispensando os dez anos que demorou Cavaco Silva para tomar conhecimento do país profundo.
Porém, acho que devo fixar-me um pouco naqueles a quem as sondagens publicadas no Expresso de hoje, dia 16, atribuem a dianteira, embora desigual: Marcelo Rebelo de Sousa, com 54,8% dos votos; Sampaio da Nóvoa, com 16,8%; e Maria de Belém, com 16,3%.
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Quanto a Maria de Belém, é certo que tem experiência política, governativa e gestionária. Todavia, tornar-se hostil a críticas que lhe dirigem ou responder com evasivas não parece configurar uma eficaz postura política. Pensar demasiado antes de se pronunciar sobre um facto ou uma questão é não perceber que o tempo político não se compadece com delongas de espera. E que tem perfil político – partidário e governativo – deve sabê-lo muito bem. Por outro lado, salientarem-lhe a competência política e profissional, quando no 2.º Governo de Guterres preferiu a pasta da Igualdade à da Saúde porque esta era demasiado pesada, ou quando presidente do PS permitiu, à revelia dos estatutos, lançar o partido numa disputa de eleições primárias para candidatura ao cargo de Primeiro-Ministro (todos sabem que não se elegem ministros nem primeiros-ministros), torna-se ínvio. Não há pastas ministeriais mais pesadas ou menos. E, se não zelou a observância os estatutos de partido, como pode zelar a observância da Constituição?
Jorge Coelho apresentou-a como a nova Joana d’Arc. Nada mais descabido. Não somos franceses, não estamos em guerra com a Inglaterra. Maria de Belém não é donzela, não é Maria-rapaz, não tem perfil militarista. E eu não desejo que tenha um desfecho como o da santa padroeira de França. Eu, se fosse candidato, não quereria ter um apoio destes, mas também não prometia levar os visitantes, Chefes de Estado ou diplomatas, a jantar em instituições de idosos e crianças (não que isso estivesse fora de agenda, mas não a ponto de constituir uma promessa).
Ademais, se o seu programa é a Constituição (segundo diz), que explique bem como a lê!
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Sampaio da Nóvoa teve dificuldade em descolar do “desconhecido” e não sei se o conseguirá com suficiência. Também não logrou demonstrar ainda aos olhos de todos a sua capacidade política e não mostrou tirar partido da sua experiência internacional (que a tem) nem afirmar a fusão das duas universidades de Lisboa (a clássica e a técnica) numa universidade de escala. Por outro lado, poderia ter feito valer a sua valia em Ciências da Educação (e o seu desempenho de reitor), que lhe dá o conhecimento do país, das instituições e da origem dos estudantes, bem como o conhecimento das realidades internacionais que os sistemas educativos espelham.
É certo que o debate com Marcelo Rebelo de Sousa o projetou para a pantalha do debate, levando o contendor a contradições e hesitações, mas não soube ou não quis responder às provocações marcelistas, nem aquela de ter de ostentar na lapela o apoio explícito de três ex-Presidentes da República. Ademais, o apoio de Ramalho Eanes já em campanha tornou-se ambíguo. Respondeu àqueles que dizem que não se faz de um soldado raso um general (falando de política, é claro) que Sampaio da Nóvoa já é um general. E, reforçando o seu apoio ao candidato, declarou:
 “É, sem dúvida, o melhor candidato. É um homem bom, vertical, honesto. É um homem que agirá sempre em nome do interesso coletivo e nunca em nome de interesses pessoais ou particulares. Portugal precisa de Sampaio da Nóvoa, da sua integridade, da sua capacidade, da sua seriedade. Espero que os portugueses compreendam a importância de ter Sampaio da Nóvoa na Presidência da República, pelo futuro dos nossos filhos e netos, pelo futuro de Portugal!”

Porém, o general deu uma no cravo e outra na ferradura quando respondeu sobre o motivo por que apoiara Cavaco Silva em eleições anteriores e agora apoia Nóvoa (sabe-se que este se alinha em estrada diversa do ainda titular de Belém). Poderia, a meu ver, ter-se escudado na diferença de conjuntura ou na novidade dos tempos atuais, mas preferiu “algumas semelhanças” entre o candidato e Cavaco.Cavaco Silva é homem capaz, competente, interessado, honesto”, atestou, depois de questionado se estava arrependido do apoio dado a Cavaco nas suas duas candidaturas presidenciais (2006 e 2011), para, logo em seguida, dizer que essas qualidades caraterizam Nóvoa. Contudo, o general ressalvou que, apesar de haver “algumas semelhanças”, há também “muitas diferenças” entre ambas, até porque Nóvoa irá agir “num tempo totalmente diferente”.
Foi então que Sampaio da Nóvoa aproveitou o momento para frisar que o seu mandato será “muito diferente” dos mandatos de Cavaco Silva, porque tem uma “visão presidencial e um conceito diferente” daquele que tem o atual Presidente da República.
Ora, se quer ganhar numa eventual segunda volta, Nóvoa terá de explicar uma e outra vez ao eleitorado a tal visão e conceito diferentes que tem da função presidencial e lutar para que haja segunda volta. Mesmo assim, eu preferiria não ter um apoio destes a colar-me ao atual ocupante do Palácio presidencial.
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E Marcelo? Prometeu contenção de gastos na campanha: sem cartazes e outros materiais de propaganda, sem comícios e caravanas. Porém, a grande entrevista foi passada a partir da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com um painel de catedráticos a servir de pano de fundo. E não podemos esquecer o seu púlpito semanal televisivo em que se pronunciava sobre tudo da forma mais conveniente (embora a maior parte das vezes se tornasse agradável e instrutivo o seu ponto de vista). A campanha em si não é contida nem frugal; é avara e miserável, popularucha e vazia de conteúdo.
O académico, especialista em ciência política e direito constitucional, bem poderia elucidar exaustiva e claramente os portugueses sobre as funções presidenciais expressas e subentendíveis na Constituição. Ao invés, anda quase sozinho; foge da chuva; promete tudo, incluindo a aprovação de um orçamento que não conhece; privilegia a conversa de rua, de café; vende e compra bolos e café; compra medicamentos, cebolas e tomates; visita sede de adversário; promete lugar de desataque a Ronaldo, junta cultura com futebol; fala como professor, mas sem conteúdos; apregoa democracia e pratica demagogia; nega a razão por que escapou à tropa.
E mais não digo sobre Marcelo. Com um perfil destes arrisca-se a ganhar à primeira volta, recusando da forma mais abjeta o apoio partidário nacional do PSD e do CDS (uma razão é São João da Madeira ter eleições), mas acolhendo o da Madeira, recusando a visão circunscrita de “Cavaquistão”, “Passistão/Pafistão” ou mesmo “Marcelistão” (falando de Viseu, em Viseu) e ambicionando o “Portugalistão”. Quererá um poder absoluto suprapartidário a partir de Belém?
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Desgraçada campanha, pobre país! Porque não nos explicam como é que pensam exercer as funções presidenciais de forma completa, clara e atraente? Em que é que serão diferentes de Cavaco e uns dos outros? Ainda estão a tempo os candidatos.

2016.01.16 – Louro de Carvalho

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