sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Das razões de o Banif ter resolução antes de Janeiro de 2016

Já quando o Governo de José Sócrates procedeu à nacionalização do BPN (Banco Nacional de Negócios), emparceirava com a justificação oficial de acautelar a contaminação de todo o sistema financeiro, pelo efeito de dominó, a justificação, propalada um pouco entre dentes, do acautelamento dos negócios financeiros das Misericórdias e outras entidades sociais e religiosas, bem como de investimentos significativos de organismos conexos com a Segurança Social.
Nestes termos, a nacionalização decretada pelo Governo, que se seguiu à aprovação parlamentar da lei-quadro das nacionalizações, veio a acautelar, oficialmente, a confiança no sistema financeiro e a sua presumível robustez e, oficiosamente, certos interesses do Estado e de respeitáveis entidades privadas, muitas das quais de utilidade pública.
O Governo deixou de fora da medida nacionalizadora a SLN (Sociedade Lusa de Negócios), que passou a operar com outra designação e presumivelmente com outro estatuto.  
A Comunicação Social levantou questões, dúvidas e suspeitas sobre factos e personalidades, que nunca obtiveram explicação cabal. A Comissão Parlamentar de Inquérito não chegou a conclusões inequívocas e as autoridades judiciárias não levaram à barra dos tribunais os responsáveis. Os dinheiros sumiram, mas a culpa continua a pedir casamento sem que haja pretendentes. Sobre o BES/GES, ficamos à espera para ver.
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Se, no caso do BES/GES, o problema das Misericórdias, Igrejas e Institutos do Estado não parecem ter andado na berlinda – mas empresas que foram do Estado, empresas privadas e inúmeras personalidades (algumas das quais agraciadas com galardões das ordens honoríficas portuguesas) – com o Banif as coisas sucederam de outra maneira.
Já refleti sobre os custos e sobre as diversas tipologias de lesados do desaire dos bancos. O governador do BdP chegou a declarar que a resolução encontrada para o Banif é semelhante à do BES, o que parece não corresponder à realidade, dado que o Fundo pagou menos que no caso anterior, cabendo ao Estado a injeção de maior volume de capital a acrescentar ao anteriormente injetado. Por outro lado, o Banif foi vendido, ainda que por um montante de cerca da quarta parte do valor estimado, ao passo que o Novo Banco ainda não foi vendido.
Por um lado, da parte da anterior administração surgem críticas viperinas, quer endereçadas ao BdP quer dirigidas ao Governo; por outro, critica-se o Governo por não ter liquidado o Banco, não promover a sua integração na CGD (Caixa Geral de Depósitos) ou esperar pelo dia 1 de janeiro. Até se diz à boca cheia que a Comissão Europeia obrigara à venda ao Santander Totta.
Liquidar o Banco não descredibilizaria o sistema financeiro mais do que o estado de descredibilização e dificuldade a que chegou. E, apesar de agora vir o Governo a terreiro declarar que preferia a integração do Banif na CGD, não se pode concluir que a solução para o Banif se deva exclusivamente à intenção de mascarar a saída limpa do programa de ajustamento ou a impedir a perturbação adicional do período eleitoral. A ser assim, teríamos de concluir que a Comissão Europeia e o BCE teriam sido mauzinhos ao fazerem rebentar a castanha nas mãos de um Governo que ainda não tinha aquecido as cadeiras de São Bento.
Paira no ar a ideia de que terá havido a intenção de proteger determinados interesses, pois, se a resolução caísse em data posterior a 1 de janeiro, teria havido maior distribuição dos prejuízos, em virtude das novas regras da zona Euro.
O Expresso, publicado no passado dia 22 de Janeiro, afirmava que a resolução do Banif e o momento se deve, não tanto à bola de neve que arrastasse o sistema financeiro, mas ao acautelamento dos depósitos e da dívida sénior de Misericórdias e de diversos organismos públicos.
Parece estranho que o Governo pretenda acautelar interesses de entidades criadas e mantidas pelas Igrejas e de outras entidades privadas ainda que de interesse público. Não obstante, se o não fizesse, teria provavelmente que vir em auxílio financeiro em virtude da prestação social circunstancialmente imprescindível que aquelas entidades desenvolvem. No atinente aos organismos públicos, parece mais legítimo que o Estado venha pressurosamente em seu auxílio pelo meio mais económico possível. Porém, deve apurar responsabilidades, seja de quem for.
Todavia, não posso deixar de tecer algumas considerações.
Em primeiro lugar, se o Estado tem um banco público – a CGD – sempre que for necessário acautelar interesses públicos ou equivalentes, mesmo que apenas circunstancialmente, no caso da resolução de um banco, teria de bater o pé a Bruxelas ou a Frankfurt em defesa dos interesses nacionais. E, a ser verdade o que veio à ribalta da Comunicação Social, este Governo, neste aspeto, não é melhor que os quatro anteriores.
Depois, se os organismos públicos fazem depósitos em bancos levados por amizades, compadrios ou confianças políticas partidárias, deveriam os seus líderes ser responsabilizados disciplinar, criminal e civilmente – devendo rever-se todo o processo de nomeação e manutenção dos respetivos titulares. Porque não hão de ser obrigados a depositar ou investir os capitais não aplicáveis na gestão corrente ou no investimento físico no banco público e/ou a levar os organismos que dirigem a diversificarem-se como clientes de várias instituições financeiras, de modo que os eventuais riscos sejam minimizados? Sendo o interesse público que está em causa, há que agir em nome da ética pública.
Quanto aos responsáveis de Igrejas e suas obras sociais como as Misericórdias e demais IPSS (instituições particulares de segurança social), é preciso acabar com a tendência de confiar em exclusivo (ou maioritariamente) nas instituições em que pontificam ou colaboram determinadas personalidades (amigos, correligionários, familiares…) e diversificar a confiança de capitais. Está em causa a ética que resulta da prestação pública das instituições, da consciência moral e da prestação de contas perante Deus e as comunidades. Está em causa o dinheiro da coletividade, dos benfeitores, dos equipamentos de utilização coletiva e, em muitos casos, o dinheiro dos pobres (também se sabe que muitas vezes as Misericórdias são geridas, não em nome da Igreja ou os pobres, mas em nome dos interesses pessoais e de prestígio balofo, quando não sob desígnio político)!
Ademais, quando os serviços públicos são insuficientes na gestão dos dinheiros dos outros, sempre haverá recurso à denúncia pública e à reclamação administrativa; quando se confia em compadres, gera-se uma relação de dependência que funciona num ou noutro sentido.
Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal.  

2016.01.29 – Louro de Carvalho

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