Já
quando o Governo de José Sócrates procedeu à nacionalização do BPN (Banco
Nacional de Negócios),
emparceirava com a justificação oficial de acautelar a contaminação de todo o sistema
financeiro, pelo efeito de dominó, a justificação, propalada um pouco entre
dentes, do acautelamento dos negócios financeiros das Misericórdias e outras
entidades sociais e religiosas, bem como de investimentos significativos de
organismos conexos com a Segurança Social.
Nestes
termos, a nacionalização decretada pelo Governo, que se seguiu à aprovação
parlamentar da lei-quadro das nacionalizações, veio a acautelar, oficialmente, a
confiança no sistema financeiro e a sua presumível robustez e, oficiosamente, certos
interesses do Estado e de respeitáveis entidades privadas, muitas das quais de
utilidade pública.
O
Governo deixou de fora da medida nacionalizadora a SLN (Sociedade
Lusa de Negócios),
que passou a operar com outra designação e presumivelmente com outro estatuto.
A
Comunicação Social levantou questões, dúvidas e suspeitas sobre factos e
personalidades, que nunca obtiveram explicação cabal. A Comissão Parlamentar de
Inquérito não chegou a conclusões inequívocas e as autoridades judiciárias não
levaram à barra dos tribunais os responsáveis. Os dinheiros sumiram, mas a
culpa continua a pedir casamento sem que haja pretendentes. Sobre o BES/GES, ficamos
à espera para ver.
***
Se,
no caso do BES/GES, o problema das Misericórdias, Igrejas e Institutos do
Estado não parecem ter andado na berlinda – mas empresas que foram do Estado, empresas
privadas e inúmeras personalidades (algumas das quais agraciadas com galardões
das ordens honoríficas portuguesas) – com o Banif as coisas sucederam de outra
maneira.
Já
refleti sobre os custos e sobre as diversas tipologias de lesados do desaire
dos bancos. O governador do BdP chegou a declarar que a resolução encontrada
para o Banif é semelhante à do BES, o que parece não corresponder à realidade,
dado que o Fundo pagou menos que no caso anterior, cabendo ao Estado a injeção
de maior volume de capital a acrescentar ao anteriormente injetado. Por outro
lado, o Banif foi vendido, ainda que por um montante de cerca da quarta parte
do valor estimado, ao passo que o Novo Banco ainda não foi vendido.
Por
um lado, da parte da anterior administração surgem críticas viperinas, quer
endereçadas ao BdP quer dirigidas ao Governo; por outro, critica-se o Governo
por não ter liquidado o Banco, não promover a sua integração na CGD (Caixa
Geral de Depósitos) ou
esperar pelo dia 1 de janeiro. Até se diz à boca cheia que a Comissão Europeia
obrigara à venda ao Santander Totta.
Liquidar
o Banco não descredibilizaria o sistema financeiro mais do que o estado de
descredibilização e dificuldade a que chegou. E, apesar de agora vir o Governo
a terreiro declarar que preferia a integração do Banif na CGD, não se pode concluir
que a solução para o Banif se deva exclusivamente à intenção de mascarar a
saída limpa do programa de ajustamento ou a impedir a perturbação adicional do período
eleitoral. A ser assim, teríamos de concluir que a Comissão Europeia e o BCE
teriam sido mauzinhos ao fazerem rebentar a castanha nas mãos de um Governo que
ainda não tinha aquecido as cadeiras de São Bento.
Paira
no ar a ideia de que terá havido a intenção de proteger determinados interesses,
pois, se a resolução caísse em data posterior a 1 de janeiro, teria havido
maior distribuição dos prejuízos, em virtude das novas regras da zona Euro.
O
Expresso, publicado no passado dia 22
de Janeiro, afirmava que a resolução do Banif e o momento se deve, não tanto à
bola de neve que arrastasse o sistema financeiro, mas ao acautelamento dos
depósitos e da dívida sénior de Misericórdias e de diversos organismos
públicos.
Parece
estranho que o Governo pretenda acautelar interesses de entidades criadas e
mantidas pelas Igrejas e de outras entidades privadas ainda que de interesse público.
Não obstante, se o não fizesse, teria provavelmente que vir em auxílio financeiro
em virtude da prestação social circunstancialmente imprescindível que aquelas
entidades desenvolvem. No atinente aos organismos públicos, parece mais
legítimo que o Estado venha pressurosamente em seu auxílio pelo meio mais
económico possível. Porém, deve apurar responsabilidades, seja de quem for.
Todavia,
não posso deixar de tecer algumas considerações.
Em
primeiro lugar, se o Estado tem um banco público – a CGD – sempre que for
necessário acautelar interesses públicos ou equivalentes, mesmo que apenas
circunstancialmente, no caso da resolução de um banco, teria de bater o pé a Bruxelas
ou a Frankfurt em defesa dos interesses nacionais. E, a ser verdade o que veio
à ribalta da Comunicação Social, este Governo, neste aspeto, não é melhor que
os quatro anteriores.
Depois,
se os organismos públicos fazem depósitos em bancos levados por amizades,
compadrios ou confianças políticas partidárias, deveriam os seus líderes ser
responsabilizados disciplinar, criminal e civilmente – devendo rever-se todo o processo
de nomeação e manutenção dos respetivos titulares. Porque não hão de ser obrigados
a depositar ou investir os capitais não aplicáveis na gestão corrente ou no investimento
físico no banco público e/ou a levar os organismos que dirigem a diversificarem-se
como clientes de várias instituições financeiras, de modo que os eventuais riscos
sejam minimizados? Sendo o interesse público que está em causa, há que agir em
nome da ética pública.
Quanto
aos responsáveis de Igrejas e suas obras sociais como as Misericórdias e demais
IPSS (instituições
particulares de segurança social),
é preciso acabar com a tendência de confiar em exclusivo (ou
maioritariamente) nas
instituições em que pontificam ou colaboram determinadas personalidades (amigos,
correligionários, familiares…)
e diversificar a confiança de capitais. Está em causa a ética que resulta da
prestação pública das instituições, da consciência moral e da prestação de contas
perante Deus e as comunidades. Está em causa o dinheiro da coletividade, dos benfeitores,
dos equipamentos de utilização coletiva e, em muitos casos, o dinheiro dos pobres
(também
se sabe que muitas vezes as Misericórdias são geridas, não em nome da Igreja ou
os pobres, mas em nome dos interesses pessoais e de prestígio balofo, quando
não sob desígnio político)!
Ademais,
quando os serviços públicos são insuficientes na gestão dos dinheiros dos outros,
sempre haverá recurso à denúncia pública e à reclamação administrativa; quando
se confia em compadres, gera-se uma relação de dependência que funciona num ou noutro
sentido.
Cautela
e caldos de galinha nunca fizeram mal.
2016.01.29 –
Louro de Carvalho
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