Se
excetuarmos em parte a posição de Jorge Coelho, o programa Quadratura do Círculo na SIC
Notícias, de 14 de janeiro pp, foi arrasador para as medidas do ME (Ministério
da Educação) sobre o
Modelo integrado de avaliação externa das
aprendizagens no Ensino Básico.
Salientarei
do debate – entre Jorge Coelho, António Lobo Xavier e David Justino – alguns
dos aspetos mais críticos como se discrimina a seguir.
Foi
criticado o ME pelo facto de não ter ouvido os interessados, sobretudo o CNE (Conselho
Nacional de Educação)
e de ter cedido à pressão dos sindicatos de professores. Evidentemente que,
segundo o que declara o ME na informação fornecida às escolas, foram ouvidos,
entre outros:
“O
Conselho de Escolas, o Presidente do Conselho Nacional de Educação, as
Associações de Professores de Português e de Matemática, a Confederação
Nacional das Associações de Pais, a Associação de Estabelecimentos de Ensino
Particular e Cooperativo, professores de diferentes ciclos do Ensino Básico,
psicólogos, diretores de escolas e agrupamentos de escolas e vários
especialistas em ciências da educação, didática e avaliação e desenvolvimento
curricular”.
Pelos
vistos, só terá sido ouvido o Presidente do CNE e não o CNE em si. Todavia, são
do conhecimento público e do ME os textos do seminário realizado em Coimbra a
13 de março de 2015 compilados em livro sob o título Avaliação Externa das Escolas, publicado em dezembro pp, em que se
afirma necessário “conter a excessiva
importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa, no âmbito
do processo de avaliação externa das escolas desenvolvido pela IGEC”. E
reconhece que, “para além da necessidade
de valorizar outros resultados e outras competências não observáveis nas provas”,
não se pode esquecer que os resultados da escola são expressão de muitos
fatores, sendo que muitos deles não se espelham em provas finais.
Por
outro lado, o mesmo CNE produziu a Recomendação
n.º 2/2015, sobre Retenção Escolar nos Ensinos Básico e Secundário,
aprovada a 23 de fevereiro de 2015 e publicada a 25 de março. Esse documento
chega a conclusões genericamente consentâneas com as medidas governamentais
anunciadas, embora não totalmente coincidentes.
Entretanto,
o CNE aprovou em plenário um parecer proposto pelo Presidente sobre as
deliberações parlamentares sobre a matéria, como é natural, não totalmente
alinhadas com a iniciativa parlamentar. E, como o Governo ainda vai legislar
sobre a temática em causa – para o que “neste momento, a ser produzidas as
convenientes alterações legislativas necessárias à implementação deste modelo,
designadamente o calendário das mesmas que será brevemente dado a conhecer às
escolas” – é provável que venha a fazer a audição formal ao CNE. Se não o vier
a fazer, ou basta que o próprio Presidente tenha dado conhecimento atempado da
posição do Conselho – ele declarou na Quadratura
do Círculo o ter feito – e, se o julgar conveniente, reúna o Conselho para
que se pronuncie e publique o parecer concordante ou discordante.
O
Presidente do CNE atribuiu-lhe, além de funções de consulta, as de concertação.
Parece forçado já que o DL n.º 21/2015, de 3 de fevereiro (lei
orgânica do CNE), no
seu art.º 1.º estabelece:
“É um órgão independente, com funções consultivas,
que funciona junto do Ministério da Educação e Ciência (MEC) e goza de
autonomia administrativa”.
Quanto
à pressão sindical, não se podem confundir declarações de dirigentes sindicais
proferidas a posteriori com formas de
pressão prévias e/ou impertinentes que nem existiram. No máximo, constituíram
mais uma voz acrescida às que testemunham o generalizado ambiente de
contestação.
***
Tanto
o CNE como o Governo acusam os operadores do sistema educativo de privilégio dos
resultados da avaliação externa dos alunos e de estreitamento curricular em
torno das disciplinas de Português e Matemática. Porém, o CNE propõe a
manutenção do status quo, apenas
adicionando uma prova final no 9.º ano de literacia científica às já
existentes, recordando que a prova final de Inglês já estava consignada por
diploma legal. E o Governo, na lógica do entendimento da atual maioria política
parlamentar, optou pela supressão das provas finais no final do 1.º ciclo e do
2.º, mantendo a realização de provas finais nas disciplinas de Português e Matemática,
no regime em que decorrem desde 2005. Além disso, o ME, alegadamente no
espírito da governação de António Guterres e seguindo a valorização da aferição
por parte da equipa de Marçal Grilo, pretende instituir o regime de provas de
aferição em anos não finais de ciclo (2.º ano, 5.º ano e 8.º
ano). Para obviar ao
estreitamento curricular, garante progressivamente a inclusão, nas provas de
Português e de Matemática do 1.º ciclo, dados das outras disciplinas (este
ano, Estudo do Meio e, nos anos
subsequentes, também Expressões). Já no 2.º ciclo e no 3.º,
determina, para este ano, duas provas de aferição, uma em Português e outra em
Matemática, e, nos anos subsequentes, uma de Português ou de Matemática (alternadamente) e outra, em regime rotativo,
das demais áreas curriculares. Em qualquer caso, os resultados serão devolvidos
à escola e à família para efeitos da introdução de correção e melhoria na
aquisição das aprendizagens.
***
Muito
se discutiu no programa acima mencionado. Foi dito que o peso dos “exames” é
diminuto e a sua influência na conclusão dos ciclos é residual. No entanto, o
peso social dos “exames” ganhou uma dimensão incontrolável com repercussões nos
rankings com consequências na
(des)valorização das escolas, na preponderância das poucas disciplinas de
“exame” (a
que se estava a acrescentar o Inglês no 9.º ano) e na lecionação em regime de treino para o
figurino conhecido da prova final, mandando praticamente às malvas as outras
componentes curriculares, muito embora estivesse determinado que o grau de
satisfação das metas curriculares era marco de referência obrigatória e
vinculativa na avaliação das aprendizagens em cada ano da escolaridade. Ademais,
estava previsto o sistema de favorecimento ou de penalização das escolas (em
carga horária adicional)
conforme o menor ou o maior desvio entre as classificações na avaliação interna
e na avaliação externa dos alunos.
Por
outro lado, fizeram uma interpretação enviesada da necessidade de exercício
para a descoberta e para a aquisição e consolidação das aprendizagens, bem como
para a mestria – segundo os aforismos excercendo
disces (aprenderás pelo exercício) e exerce et magíster eris (usa e serás mestre). Acharam que aquilo que se
passa nas escolas é a normal lecionação segundo os programas e metas
curriculares e, depois, três ou quatro meses de treino para as provas finais,
como se o treino, o exercício e as mnemónicas de memorização fossem algum mal e
não tivessem utilidade para a aprendizagem. David Justino o disse e os outros o
seguiram. Porém, o que se passa é diferente. As escolas são incentivadas por
motivos apontados acima a privilegiar não o treino a partir das aprendizagens
adquiridas ou o exercício de busca, mas sobretudo o exercício em torno de
testes formatados para o figurino das provas finais (como
fazem as escolas de condução),
subalternizando ou eclipsando o resto. E, se a escola pública o não faz porque
não pode ou não quer, procuram-se escolas privadas que se prestem a este tipo
de preparação para o fim do 3.º ciclo e, sobretudo, para o fim do ensino
secundário e acesso ao ensino superior.
***
Outro
argumento espantoso é o de que é inédito o facto de políticos sem um pensamento
conhecido sobre educação (esta é direta para Tiago Brandão
Rodrigues) porem-se
a tomar medidas desta grandeza. E eu pergunto-me sobre o pensamento de David
Justino antes de assumir a pasta da educação no Governo de Durão Barroso ou
sobre o que se sabia, nesta matéria antes de sobraçarem a dita pasta, de Maria
de Lurdes Rodrigues, Maria do Carmo Félix Seabra, Augusto Santos Silva; Manuela
Ferreira Leite, Couto dos Santos, Sottomayor Cardia, Victor Alves, José Emílio
da Silva ou Rodrigues de Carvalho.
E
é caso para perguntar onde tinha Jorge Coelho a cabeça quando disse que David
Justino tinha sido um bom ministro. Foi no seu exercício ministerial que
ocorreu a maior confusão de sempre em termos da colocação de professores,
resolvida pela sucessora Maria do Carmo Seabra – juntaram no mesmo concurso
educadores de infância, professores do 1.º ciclo, do 2.º, do 3.º e do
secundário, entregaram a tarefa a um a firma de informática que não tinha
experiência no ramo e não entendia as indicações da equipa de procedimentos do
ME. O resultado foi que o computador dava volta em 7 horas e os disparates
vinham ao de cima. (Estou à vontade, até porque intervim com
a minha opinião e até fui ouvido embora sem êxito). Depois, foi este ministro que detetou uma
situação irregular de aproveitamento do mecanismo do ensino recorrente (sobretudo
em escolas privadas)
e uma bonificação de três pontos que beneficiou uma aluna provinda do
estrangeiro (filha de ministro do Governo de Barroso),que deu azo à demissão de dois
ministros e só foi corrigida em 2012 pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de
Fevereiro (criticado por vir a meio do ano letivo).
Quis
anular a LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo) e substituí-la pela LBE (Lei
de Bases da Educação),
que o Parlamento aprovou, Sampaio vetou e Santana Lopes teve o bom senso de não
levar a confirmação parlamentar. Além de configurar um retrocesso nos objetivos
educacionais e na organização do sistema educativo, previa: o ensino infantil,
o ensino básico de seis anos (4+2) e o ensino secundário também de seis anos (3
de tronco comum e 3 de diversificação).
Porém, manteve toda a organização do ensino básico herdada de Oliveira Martins,
Santos Silva e Júlio Pedrosa (ministros da Educação de Guterres) e fez uma alteração profunda na
herdada organização do ensino secundário, incoerente com a sequência curricular
vertical e com a LBE pretendida.
***
O
último argumento aduzido foi o da “reforma” da avaliação no ensino básico ter
caído a meio do ano letivo. Parece-me que a opinião dos intervenientes no
supramencionado debate coincide basicamente com a minha: suprimir, neste ano
letivo, as provas finais e dispor de um ano para ouvir com tempo as estruturas
interessadas e preparar a legislação adequada para vigorar a partir do próximo
ano letivo. Porém, o Governo parece ter preferido a chicotada psicossocial e
“corrigir” depressa os alegados males criados por Nuno Crato. E eu penso que
houve uma certa precipitação, que não sei se o ME conseguirá colmatar. A ver
vamos.
Todavia,
os críticos não têm autoridade para falar em timings. Os Governos têm abusado da tomada de medidas depois de o
ano letivo ter começado. Já citei o decreto-lei sobre o ensino recorrente de 22
de fevereiro de 2012. Mas há mais e só em termos de avaliação, nos últimos 10
anos (vários
governos):
No
ensino secundário:
- Portarias n.º 260/2006, de 14 de
marco, e n.º 207/2008, de 25 de fevereiro, que
alteram a Portaria n.º 550-A/2004, de 21 de maio, sobre o regime de organização, funcionamento e avaliação
dos cursos tecnológicos de nível secundário, sobre os princípios e procedimentos a observar na avaliação,
bem como os efeitos da mesma;
-
Portaria n.º 91/2012, de 30 de Março, sobre avaliação no ensino recorrente secundário;
-
Portaria nº 105/2012 de 17 de Abril, sobre avaliação no ensino secundário (cursos
científico-humanísticos);
- Portaria n.º 74-A/2013,
de 15 de fevereiro (alterada pela portaria n.º 59-C/2014, de 7 de março), sobre a organização,
funcionamento, avaliação e certificação dos cursos profissionais ministrados em
estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, que ofereçam o
nível secundário de educação, e em escolas profissionais;
- Portaria n.º 59-/2014, de 7 de
março, para os cursos de Design de Comunicação, de Design de Produto, de Produção
Artística e de Comunicação Audiovisual, na área dos Audiovisuais;
- Portaria n.º 59-B/2014, de 7 de
março, para os cursos secundários artísticos especializados de Dança, de
Música, de Canto e de Canto Gregoriano;
Despacho
normativo n.º 1/2015, de 6 de janeiro, sobre os princípios e procedimentos a
observar no regime de avaliação e certificação dos alunos dos cursos científico-tecnológicos
de dupla certificação com planos próprios de nível secundário de educação.
No
ensino básico (versado
nesta “reforma”),
diplomas que regulamentam a organização, avaliação e certificação das
aprendizagens:
-
Despacho normativo n.º 1/2005, de 5 de janeiro, e Despacho
normativo n.º 50/2005, de 9 de novembro.
- O despacho normativo n.º
1/2005, de 5 de janeiro, foi alterado pelos despachos normativos n.os
18/2006, de 14 de março, 5/2007, de 10 de janeiro, 6/2010, de 19 de fevereiro,
9/2010, de 1 de abril, 29/2010, de 13 de dezembro (que
permite excecionalmente a conclusão do 1.º ciclo e transição ao 2.º ciclo do
ensino básico dos alunos com 8 anos de idade) e 14/2011, de 18 de novembro.
- Despacho normativo n.º 24-A/2012,
de 6 de dezembro.
- E ainda: Despacho
n.º 2351/2007, de 14 de fevereiro, a determinar que as provas de aferição, a realizar no final
dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, deverão ser aplicadas anualmente ao
universo dos alunos, nas escolas públicas e nos estabelecimentos de ensino
particular e cooperativo; Portaria
n.º 264/2010, de 10 de maio, sobre as normas de avaliação
definidas pela Portaria n.º 691/2009, de 25 de Junho, para os alunos que
concluam os cursos básicos do ensino artístico especializado nas áreas da
música e da dança, a partir do ano letivo de 2009-2010; e Despacho n.º 2929-A/2014, de 20
de fevereiro, sobre as datas do teste de diagnóstico de inglês e regulamento para aplicação do
referido teste.
***
Como se pode ver, a respeito do
conhecimento da parte de quem sobraça a pasta da educação, do desempenho deste
cargo ministerial e dos timings selecionados
(a amostra está muito longe, muito longe de ser completa), haveria muito sobre que discorrer e que
contar.
2016.01.15 – Louro de Carvalho
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