sábado, 16 de janeiro de 2016

Do exercício para a descoberta e aprendizagem ao treino para ‘exame’

Se excetuarmos em parte a posição de Jorge Coelho, o programa Quadratura do Círculo na SIC Notícias, de 14 de janeiro pp, foi arrasador para as medidas do ME (Ministério da Educação) sobre o Modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens no Ensino Básico.
Salientarei do debate – entre Jorge Coelho, António Lobo Xavier e David Justino – alguns dos aspetos mais críticos como se discrimina a seguir.
Foi criticado o ME pelo facto de não ter ouvido os interessados, sobretudo o CNE (Conselho Nacional de Educação) e de ter cedido à pressão dos sindicatos de professores. Evidentemente que, segundo o que declara o ME na informação fornecida às escolas, foram ouvidos, entre outros:
“O Conselho de Escolas, o Presidente do Conselho Nacional de Educação, as Associações de Professores de Português e de Matemática, a Confederação Nacional das Associações de Pais, a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, professores de diferentes ciclos do Ensino Básico, psicólogos, diretores de escolas e agrupamentos de escolas e vários especialistas em ciências da educação, didática e avaliação e desenvolvimento curricular”. 

Pelos vistos, só terá sido ouvido o Presidente do CNE e não o CNE em si. Todavia, são do conhecimento público e do ME os textos do seminário realizado em Coimbra a 13 de março de 2015 compilados em livro sob o título Avaliação Externa das Escolas, publicado em dezembro pp, em que se afirma necessário “conter a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa, no âmbito do processo de avaliação externa das escolas desenvolvido pela IGEC”. E reconhece que, “para além da necessidade de valorizar outros resultados e outras competências não observáveis nas provas”, não se pode esquecer que os resultados da escola são expressão de muitos fatores, sendo que muitos deles não se espelham em provas finais.
Por outro lado, o mesmo CNE produziu a Recomendação n.º 2/2015, sobre Retenção Escolar nos Ensinos Básico e Secundário, aprovada a 23 de fevereiro de 2015 e publicada a 25 de março. Esse documento chega a conclusões genericamente consentâneas com as medidas governamentais anunciadas, embora não totalmente coincidentes.
Entretanto, o CNE aprovou em plenário um parecer proposto pelo Presidente sobre as deliberações parlamentares sobre a matéria, como é natural, não totalmente alinhadas com a iniciativa parlamentar. E, como o Governo ainda vai legislar sobre a temática em causa – para o que “neste momento, a ser produzidas as convenientes alterações legislativas necessárias à implementação deste modelo, designadamente o calendário das mesmas que será brevemente dado a conhecer às escolas” – é provável que venha a fazer a audição formal ao CNE. Se não o vier a fazer, ou basta que o próprio Presidente tenha dado conhecimento atempado da posição do Conselho – ele declarou na Quadratura do Círculo o ter feito – e, se o julgar conveniente, reúna o Conselho para que se pronuncie e publique o parecer concordante ou discordante.
O Presidente do CNE atribuiu-lhe, além de funções de consulta, as de concertação. Parece forçado já que o DL n.º 21/2015, de 3 de fevereiro (lei orgânica do CNE), no seu art.º 1.º estabelece:
É um órgão independente, com funções consultivas, que funciona junto do Ministério da Educação e Ciência (MEC) e goza de autonomia administrativa”.
Quanto à pressão sindical, não se podem confundir declarações de dirigentes sindicais proferidas a posteriori com formas de pressão prévias e/ou impertinentes que nem existiram. No máximo, constituíram mais uma voz acrescida às que testemunham o generalizado ambiente de contestação.
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Tanto o CNE como o Governo acusam os operadores do sistema educativo de privilégio dos resultados da avaliação externa dos alunos e de estreitamento curricular em torno das disciplinas de Português e Matemática. Porém, o CNE propõe a manutenção do status quo, apenas adicionando uma prova final no 9.º ano de literacia científica às já existentes, recordando que a prova final de Inglês já estava consignada por diploma legal. E o Governo, na lógica do entendimento da atual maioria política parlamentar, optou pela supressão das provas finais no final do 1.º ciclo e do 2.º, mantendo a realização de provas finais nas disciplinas de Português e Matemática, no regime em que decorrem desde 2005. Além disso, o ME, alegadamente no espírito da governação de António Guterres e seguindo a valorização da aferição por parte da equipa de Marçal Grilo, pretende instituir o regime de provas de aferição em anos não finais de ciclo (2.º ano, 5.º ano e 8.º ano). Para obviar ao estreitamento curricular, garante progressivamente a inclusão, nas provas de Português e de Matemática do 1.º ciclo, dados das outras disciplinas (este ano, Estudo do Meio e, nos anos subsequentes, também Expressões). Já no 2.º ciclo e no 3.º, determina, para este ano, duas provas de aferição, uma em Português e outra em Matemática, e, nos anos subsequentes, uma de Português ou de Matemática (alternadamente) e outra, em regime rotativo, das demais áreas curriculares. Em qualquer caso, os resultados serão devolvidos à escola e à família para efeitos da introdução de correção e melhoria na aquisição das aprendizagens.
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Muito se discutiu no programa acima mencionado. Foi dito que o peso dos “exames” é diminuto e a sua influência na conclusão dos ciclos é residual. No entanto, o peso social dos “exames” ganhou uma dimensão incontrolável com repercussões nos rankings com consequências na (des)valorização das escolas, na preponderância das poucas disciplinas de “exame” (a que se estava a acrescentar o Inglês no 9.º ano) e na lecionação em regime de treino para o figurino conhecido da prova final, mandando praticamente às malvas as outras componentes curriculares, muito embora estivesse determinado que o grau de satisfação das metas curriculares era marco de referência obrigatória e vinculativa na avaliação das aprendizagens em cada ano da escolaridade. Ademais, estava previsto o sistema de favorecimento ou de penalização das escolas (em carga horária adicional) conforme o menor ou o maior desvio entre as classificações na avaliação interna e na avaliação externa dos alunos.
Por outro lado, fizeram uma interpretação enviesada da necessidade de exercício para a descoberta e para a aquisição e consolidação das aprendizagens, bem como para a mestria – segundo os aforismos excercendo disces (aprenderás pelo exercício) e exerce et magíster eris (usa e serás mestre). Acharam que aquilo que se passa nas escolas é a normal lecionação segundo os programas e metas curriculares e, depois, três ou quatro meses de treino para as provas finais, como se o treino, o exercício e as mnemónicas de memorização fossem algum mal e não tivessem utilidade para a aprendizagem. David Justino o disse e os outros o seguiram. Porém, o que se passa é diferente. As escolas são incentivadas por motivos apontados acima a privilegiar não o treino a partir das aprendizagens adquiridas ou o exercício de busca, mas sobretudo o exercício em torno de testes formatados para o figurino das provas finais (como fazem as escolas de condução), subalternizando ou eclipsando o resto. E, se a escola pública o não faz porque não pode ou não quer, procuram-se escolas privadas que se prestem a este tipo de preparação para o fim do 3.º ciclo e, sobretudo, para o fim do ensino secundário e acesso ao ensino superior.
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Outro argumento espantoso é o de que é inédito o facto de políticos sem um pensamento conhecido sobre educação (esta é direta para Tiago Brandão Rodrigues) porem-se a tomar medidas desta grandeza. E eu pergunto-me sobre o pensamento de David Justino antes de assumir a pasta da educação no Governo de Durão Barroso ou sobre o que se sabia, nesta matéria antes de sobraçarem a dita pasta, de Maria de Lurdes Rodrigues, Maria do Carmo Félix Seabra, Augusto Santos Silva; Manuela Ferreira Leite, Couto dos Santos, Sottomayor Cardia, Victor Alves, José Emílio da Silva ou Rodrigues de Carvalho.  
E é caso para perguntar onde tinha Jorge Coelho a cabeça quando disse que David Justino tinha sido um bom ministro. Foi no seu exercício ministerial que ocorreu a maior confusão de sempre em termos da colocação de professores, resolvida pela sucessora Maria do Carmo Seabra – juntaram no mesmo concurso educadores de infância, professores do 1.º ciclo, do 2.º, do 3.º e do secundário, entregaram a tarefa a um a firma de informática que não tinha experiência no ramo e não entendia as indicações da equipa de procedimentos do ME. O resultado foi que o computador dava volta em 7 horas e os disparates vinham ao de cima. (Estou à vontade, até porque intervim com a minha opinião e até fui ouvido embora sem êxito). Depois, foi este ministro que detetou uma situação irregular de aproveitamento do mecanismo do ensino recorrente (sobretudo em escolas privadas) e uma bonificação de três pontos que beneficiou uma aluna provinda do estrangeiro (filha de ministro do Governo de Barroso),que deu azo à demissão de dois ministros e só foi corrigida em 2012 pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro (criticado por vir a meio do ano letivo).
Quis anular a LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo) e substituí-la pela LBE (Lei de Bases da Educação), que o Parlamento aprovou, Sampaio vetou e Santana Lopes teve o bom senso de não levar a confirmação parlamentar. Além de configurar um retrocesso nos objetivos educacionais e na organização do sistema educativo, previa: o ensino infantil, o ensino básico de seis anos (4+2) e o ensino secundário também de seis anos (3 de tronco comum e 3 de diversificação). Porém, manteve toda a organização do ensino básico herdada de Oliveira Martins, Santos Silva e Júlio Pedrosa (ministros da Educação de Guterres) e fez uma alteração profunda na herdada organização do ensino secundário, incoerente com a sequência curricular vertical e com a LBE pretendida.
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O último argumento aduzido foi o da “reforma” da avaliação no ensino básico ter caído a meio do ano letivo. Parece-me que a opinião dos intervenientes no supramencionado debate coincide basicamente com a minha: suprimir, neste ano letivo, as provas finais e dispor de um ano para ouvir com tempo as estruturas interessadas e preparar a legislação adequada para vigorar a partir do próximo ano letivo. Porém, o Governo parece ter preferido a chicotada psicossocial e “corrigir” depressa os alegados males criados por Nuno Crato. E eu penso que houve uma certa precipitação, que não sei se o ME conseguirá colmatar. A ver vamos.
Todavia, os críticos não têm autoridade para falar em timings. Os Governos têm abusado da tomada de medidas depois de o ano letivo ter começado. Já citei o decreto-lei sobre o ensino recorrente de 22 de fevereiro de 2012. Mas há mais e só em termos de avaliação, nos últimos 10 anos (vários governos):
No ensino secundário:
- Portarias n.º 260/2006, de 14 de marco, e n.º 207/2008, de 25 de fevereiro, que alteram a Portaria n.º 550-A/2004, de 21 de maio, sobre o regime de organização, funcionamento e avaliação dos cursos tecnológicos de nível secundário, sobre os princípios e procedimentos a observar na avaliação, bem como os efeitos da mesma;
- Portaria n.º 91/2012, de 30 de Março, sobre avaliação no ensino recorrente secundário;
- Portaria nº 105/2012 de 17 de Abril, sobre avaliação no ensino secundário (cursos científico-humanísticos);
- Portaria n.º 74-A/2013, de 15 de fevereiro (alterada pela portaria n.º 59-C/2014, de 7 de março), sobre a organização, funcionamento, avaliação e certificação dos cursos profissionais ministrados em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, que ofereçam o nível secundário de educação, e em escolas profissionais;
- Portaria n.º 59-/2014, de 7 de março, para os cursos de Design de Comunicação, de Design de Produto, de Produção Artística e de Comunicação Audiovisual, na área dos Audiovisuais;
- Portaria n.º 59-B/2014, de 7 de março, para os cursos secundários artísticos especializados de Dança, de Música, de Canto e de Canto Gregoriano;
Despacho normativo n.º 1/2015, de 6 de janeiro, sobre os princípios e procedimentos a observar no regime de avaliação e certificação dos alunos dos cursos científico-tecnológicos de dupla certificação com planos próprios de nível secundário de educação.
No ensino básico (versado nesta “reforma”), diplomas que regulamentam a organização, avaliação e certificação das aprendizagens:
- Despacho normativo n.º 1/2005, de 5 de janeiro, e Despacho normativo n.º 50/2005, de 9 de novembro.
- O despacho normativo n.º 1/2005, de 5 de janeiro, foi alterado pelos despachos normativos n.os 18/2006, de 14 de março, 5/2007, de 10 de janeiro, 6/2010, de 19 de fevereiro, 9/2010, de 1 de abril, 29/2010, de 13 de dezembro (que permite excecionalmente a conclusão do 1.º ciclo e transição ao 2.º ciclo do ensino básico dos alunos com 8 anos de idade) e 14/2011, de 18 de novembro.
- Despacho normativo n.º 24-A/2012, de 6 de dezembro.
- E ainda: Despacho n.º 2351/2007, de 14 de fevereiro, a determinar que as provas de aferição, a realizar no final dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, deverão ser aplicadas anualmente ao universo dos alunos, nas escolas públicas e nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo; Portaria n.º 264/2010, de 10 de maio, sobre as normas de avaliação definidas pela Portaria n.º 691/2009, de 25 de Junho, para os alunos que concluam os cursos básicos do ensino artístico especializado nas áreas da música e da dança, a partir do ano letivo de 2009-2010; e Despacho n.º 2929-A/2014, de 20 de fevereiro, sobre as datas do teste de diagnóstico de inglês e regulamento para aplicação do referido teste.
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Como se pode ver, a respeito do conhecimento da parte de quem sobraça a pasta da educação, do desempenho deste cargo ministerial e dos timings selecionados (a amostra está muito longe, muito longe de ser completa), haveria muito sobre que discorrer e que contar.
2016.01.15 – Louro de Carvalho 

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