Neste
domingo depois da Epifania do Senhor, celebra-se o Batismo de Cristo no rio
Jordão ministrado por João Batista, o precursor do reino messiânico.
O
batismo que João pregava e ministrava era o batismo na água, o batismo de
arrependimento, mas o Batismo que há de ministrar Aquele que é mais forte que
João será no Espírito Santo (vd Mc 1,4.7-8) e no fogo (vd
Mt 3,11; Lc 3,16).
Quererá isto dizer que o Batismo que recebemos, o Batismo em Cristo será muito
diferente do ministrado por João?
Para
responder à questão, será conveniente a releitura das perícopas evangélicas que
relatam ou evocam o Batismo ministrado por João a Jesus, que é referido pelos
quatro evangelistas canónicos (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22;
Jo 1,29-34).
Mateus
evidencia a relutância do Batista em batizar Jesus, assumindo por si a
necessidade pessoal do batismo, quando Jesus não precisava daquele rito
penitencial. Mas Jesus insiste: “Deixa
por agora; convém que cumpramos assim toda a justiça”. Que justiça teria em
mente Jesus?
O
Batismo de Jesus no Jordão é uma das muitas teofanias (manifestações de Deus tangíveis aos sentidos humanos) presentes ao longo da História
da Salvação. Porém, esta teofania comporta uma epifania de Deus no seu Cristo (Ungido). Tanto assim é que os sinóticos
sublinham a abertura dos céus quando Jesus saía da água, depois de batizado, e
assinalam o elemento visual da pomba (forma corpórea do Espírito Santo) a pousar sobre Ele e o elemento
auditivo da voz de Deus Pai a proclamar: “Tu
és o meu Filho muito amado, em ti pus o mau enlevo!”. Além de epifania de
Jesus como Filho de Deus, o Batismo de Cristo é a teofania claramente
trinitária.
O Evangelho
de João acentua o dado visual que serviu de senha a João Batista (que viera batizar com água para que
Ele Se manifestasse),
que não O conhecia bem, mas dá testemunho desta epifania do Filho de Deus:
“Quem me enviou a batizar com água é
que me disse: ‘Aquele sobre quem vires descer o Espírito e poisar sobre Ele é o
que batiza com o Espírito Santo’. Pois
bem: eu vi e dou testemunho de que este é o Filho de Deus.” (Jo 1,33-34).
E é no
contexto do seu Batismo que João O apresenta como “o Cordeiro de Deus que tira
o pecado do mundo” (Jo 1,29.36).
***
Os
sinóticos assinalam que, a seguir ao Batismo, Jesus passa pelas graves solicitações
do tentador a que resiste com determinação e com a palavra da Escritura (Mt
4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13)
e inicia a sua vida pública (Mt 4,12-17; Mc 1,14-15; Lc 4,14-15).
Isto
quer dizer que o Batismo de Jesus no Jordão é a investidura trinitária de Jesus
como Messias (o Cristo)
que resiste ao mundo e o vence, pelo que merece ser adorado pelos anjos de
Deus, e é a porta para a sua vida pública. Jesus sai, sem a abandonar, a
simplicidade do presépio, e o escondimento de Nazaré e torna-se o homem de Deus
e o Deus do homem: prega às multidões, escolhe discípulos a quem ensina a
doutrina e a vida e a quem entrega a missão apostólica.
Mais:
o Batismo de Cristo é o sinal visível da inauguração da caminhada para o mistério
pascal. Veja-se que esta epifania de Jesus como Filho de Deus Pai tem uma
réplica significativa na transfiguração mencionada nos sinóticos (Mt
17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36).
Entre Moisés e Elias, sintetizando a Lei e a Profecia, Jesus ouve, na presença
de três qualificadas testemunhas, a teofania de Filho de Deus Pai: “Este é o meu
Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o”.
Esta teofania da transfiguração de Cristo num alto monte tem
uma implicação prática – é preciso escutá-lo em toda a linha.
Por outro lado, já tinha sido feito um primeiro anúncio da
Paixão, Morte e Ressurreição dos mortos – o que os discípulos não queriam ouvir
(vd Mt 16,22) e tinham dificuldade em perceber o que seria ressuscitar
dos mortos (Mc 9,10).
***
Depois destes considerandos, perceberemos melhor que o
Batismo de Cristo no Jordão não ultrapassa, em termos rituais, o do de João,
mas pelo que vem a seguir, em termos epifânicos, abrange-o e dá-lhe novo
significado para Cristo, como vimos, e para nós, como veremos a seguir.
O nosso batismo é de arrependimento e penitência: o adulto
que não se arrependa dos males praticados não se disponibiliza para a
consonância com o Cordeiro de Deus que tira pecado do mundo.
O nosso Batismo, que não tem de ser no Jordão nem em qualquer
outro rio (nem necessariamente por modo de
imersão – pode bem ser por infusão e até por aspersão) herda de João
o rito da água. Mas a água simboliza o Espírito Santo (vd Jo 7,37-39):
“Jesus, de pé, bradou: ‘Se alguém tem
sede, venha a mim; e quem crê em mim sacie a sua sede! Como diz a Escritura, hão de correr do
seu coração rios de água viva’. Ora Ele disse isto, referindo-se ao Espírito
que iam receber os que nele acreditassem; com efeito, ainda não tinham o
Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado.”.
E, quanto ao fogo do Espírito Santo, segundo o Livro dos Atos
dos Apóstolos, o mesmo Espírito Santo desceu sobre a Mãe de Jesus e os
apóstolos sob a forma de línguas de fogo:
“Viram então aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se
iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se
exprimissem.” (At 2,3-4).
E, após o discurso de Pedro, a multidão perguntava: “Que havemos de fazer, irmãos”? E Pedro
respondia: “Convertei-vos e peça cada um
o Batismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados;
recebereis, então, o dom do Espírito Santo”.
Como podemos ver, o Batismo perdoa os pecados. E, com o dom
do Espírito Santo, resistiremos às seduções do mundo e revestido da força do
Alto atravessamos a porta da pertença à comunidade que dá publicamente
testemunho do Cristo morto, sepultado e ressuscitado (em quem ficamos intimamente incorporados com filhos no Filho) com palavras e
obras, na linha do empenhamento pessoal e comunitário, na onda da solidariedade
mergulhada na caridade de Cristo, que Se fez irmão nosso.
Depois, também o nosso Batismo em Cristo é a teofania
trinitária para cada um de nós ante a comunidade reunida ou representada –
somos marcados pelo sinal da cruz, ungidos com o óleo da alegria e batizados em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em nome em prol de quem professamos
a fé.
***
Por isso, o Batismo de
Cristo é altamente significativo para nós e nos interpela. Mostra-nos que é
Deus quem toma a iniciativa de nos escolher, chamar, vir ao nosso encontro e
nos conduzir. Basta que nos deixemos guiar por Ele. Por outro lado, Ele não faz
aceção de pessoas, segundo as palavras de Pedro:
“Reconheço, na verdade, que Deus não faz aceção de pessoas, mas que, em qualquer povo, quem o teme
e põe em prática a justiça, lhe é agradável” (At 10, 34-35).
A
este respeito, o Papa Francisco, por ocasião do Angelus, na Praça de São Pedro, comentando a liturgia da festa do
Batismo do Senhor, refere que, no Batismo cristão, o artífice principal é o
Espírito Santo: “É Ele que destrói o pecado original” (e
eventualmente os pecados pessoais praticados pelos adultos antes do batismo): “restituindo ao batizado a
beleza da graça divina”, liberta “do domínio das trevas ou do pecado e
transfere para o reino da luz”, do amor, da verdade e da paz.
Por
isso, Francisco apela a que pensemos na dignidade a que nos eleva o Batismo e
no amor que o Pai nos consagrou em nos fazer seus filhos. E adverte para o
facto de esta realidade de filhos comportar a responsabilidade de seguir Jesus,
o Servo obediente, e reproduzir em nós as suas caraterísticas de “mansidão,
humildade e ternura” – contra a onda de “intolerância, soberba e dureza” – o
que se nos torna possível com a ajuda do Espírito Santo.
Depois,
o Espírito Santo, recebido a primeira vez no dia do Batismo, “abre-nos o
coração à Verdade, a toda a Verdade” e ao empenhamento alegre na caridade e na
solidariedade “para com os nossos irmãos”. Dá-nos a “ternura do perdão divino”
e inunda-nos com “a força invisível da misericórdia do Pai”.
Sugere
o Papa que, na festa do Batismo de Jesus, pensemos no dia do nosso Batismo, que
não deveríamos esquecer. Festejá-lo “significa reafirmar a nossa adesão a
Jesus”, com “o empenho de vivermos como cristãos, membros da Igreja e de uma
humanidade nova, em que todos são irmãos”.
Finalmente,
pede “à Virgem Maria, a primeira discípula de seu Filho, que nos ajude a viver com
alegria e fervor apostólico o nosso Batismo, acolhendo em cada dia o dom do Espírito
Santo, que nos faz filhos de Deus”.
2016.01.10 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário