domingo, 17 de janeiro de 2016

O sinal do Messias nas Bodas de Caná

A leitura evangélica do II domingo do tempo comum do Ano C corresponde à perícopa do Evangelho de João (Jo 2,1-12) que relata o episódio ocorrido nas Bodas de Caná da Galileia em que, do ponto de vista joânico, Jesus “realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele” (v.11).
Se na ótica dos evangelhos sinóticos os milagres testificam sobretudo o poder e a bondade de Jesus, em João os milagres, que o evangelista designa por “sinais”, revelam a pessoa e a missão de Jesus como Messias. O milagre de Caná, como se pode ler acima, manifestou a sua glória e levou os discípulos a aderirem a Ele pela fé.
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O milagre surge num contexto de casamento e é realizado ao terceiro dia após o chamamento de Filipe e de Natanael (este confessara que o Mestre é o Filho de Deus e Rei de Israel, vd v.1,49) e dá-se para colmatar a casual falta de vinho, a instâncias da Mãe de Jesus. Tudo isto nos interpela no sentido de tentarmos perceber o significado profundo e múltiplo do sinal (σεμεϊον).
O facto de ocorrer ao 3.º dia pode reportar-nos por antecipação ao momento pascal da ressurreição; e, constituindo esta o cume do mistério pascal assumido na economia salvífica como a nova criação, este 3.º dia pode configurar uma alusão ao 7.º dia em que a comunidade divina (Deus Uno e Trino) festeja a obra da criação (vd Gn 2,2.3; vd Jo 1,1-11). Por outro lado, neste dia, inaugura-se o primeiro ciclo entre Caná e Caná (2,1 – 4,54), com a cura do funcionário real, o que levou à fé do pai e de todos os da sua casa. Neste ciclo, Jesus revela-Se a todos: aos discípulos (vv 1-11), ao povo (vv 13-23), a um mestre da Lei (3,1-21), aos samaritanos (4,1-42) e aos pagãos (4,43-54).
Depois, o casamento é rampa de lançamento para a vida numa comunidade específica – a família – e para o surgimento de nova vida. Por isso, se faz festa, festa de Deus e festa das pessoas humanas e o sinal desta festa e da vida em abundância que ela significa (Ele veio para que tenhamos a vida e a vida em abundância, vd Jo 10,10) é o vinho. E não se trata de um vinho comum, mas do vinho de melhor qualidade, que ao invés do que habitualmente se faz, Cristo faz servir no auge da festa. É o vinho do Reino de Deus, que o Cristo veio anunciar e trazer aos homens e para o qual os homens se encaminham; é o vinho da Eucaristia – que, pela Palavra de Cristo, se fará sangue de Cristo, derramado por todos para remissão dos pecados – Eucaristia de que deriva toda a vida cristã e para a qual toda a vida cristã converge. É a antecipação da Nova Aliança, aqui celebrada em bodas nupciais, mas firmada na última Ceia e no Calvário no sangue de Cristo; é a inauguração duma família, prenúncio daquela família que assentará na Palavra e no Sangue – palavra e sangue de Jesus – em que participarão todos os crentes, todos os redimidos, todos os que fazem o que Ele nos disser.
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Falando deste vinho, o melhor e em abundância, estamos a enaltecer a excelência dos bens messiânicos trazidos por Jesus, a par de outros sinais messiânicos, como a origem desconhecida de Jesus para os judeus (9,7-27); e o desconhecimento da proveniência daquele vinho (v. 9) – o chefe de mesa provou a água transformada em vinho, sem saber de onde era, se bem que o soubessem os serventes que tinham tirado a água. A alusão ao desconhecimento por parte do chefe e ao conhecimento da origem do vinho por parte dos serventes será uma alusão à nova família marcada pelo ineditismo de Deus de que faz parte Maria, simultaneamente filha de Deus Pai, mãe do Filho de Deus e dos seus discípulos e esposa do Espírito Santo, Senhor e Fonte de vida. Por outro lado, a abundância é espelhada nas seis talhas de pedra, que foram cheias de água (que Jesus transformou em vinho), de 2 a 3 medidas, cada uma (a medida equivalia a uns 40 litros), equivalendo aquela quantidade a cerca de 500 litros.
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É de ter em conta a intervenção da Mãe de Jesus: junto do Filho, intercede dizendo que não têm vinho (v.3), pouco se importando com a resposta de Jesus: Que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora (v.4). E continua confiante: junto dos serventes, recomenda discretamente Fazei o que Ele vos disser! (v.5). É o único momento em que João regista palavras de Maria, a mãe de Jesus, contrastando esta cena de solicitude mariana com o silêncio de aceitação de Jo 19,25-27 – junto da cruz, em que Ela nos é dada explicitamente como mãe.
Tem de considerar-se o poder de intercessão de Maria: o Filho fez-lhe a vontade e continuará a fazer-lha; os serventes daquele tempo também, aderindo à recomendação discreta de Maria, fizeram a vontade de Jesus. Resta saber se nós hoje continuamos a acreditar na intercessão materna de Maria e, atendendo à sua recomendação, fazemos a vontade de Cristo.
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Cristo alega não ter chegado ainda a sua hora. Que hora? A hora dos milagres, a hora da sua entrega final pela vida do mundo, a hora da sua glória/glorificação (vd 1,14; 4,21.23; 7,30; 12,23.27; 17,1)? Porém, a hora dos milagres, se ainda não tinha chegado, foi antecipada tendo em conta a necessidade, a intercessão materna e a oportunidade da revelação messiânica. Não é, pois, fora de sentido salvífico que a Igreja vê em Caná a terceira epifania do Senhor, subsequente à dos magos e à do Batismo de Jesus – celebradas ainda há pouco tempo.
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Devemos ainda considerar o tratamento dado por Jesus à mãe – o vocativo “mulher” (em grego: γύναι). O paralelo com o mesmo vocativo em Jo 19,26 faz pensar na alusão a Maria como nova Eva, a mãe de todos os discípulos, de todos os viventes (vd Gn 3,20) junto a Cristo novo Adão. Não parece que Jesus tenha mostrado desinteresse, mas apelo para a autoridade do Pai no atinente à sua hora (vd 4,34; 5,19.30.36; 12,27).
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Também hoje, dia 17, o Papa Francisco comentou este passo do Evangelho da janela do seu escritório no Palácio Apostólico do Vaticano antes da recitação do Angelus com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.
Salientou o facto de “o prodigioso evento” ter ocorrido “em Caná, um vilarejo da Galileia, durante uma festa de casamento em que participaram Maria e Jesus, com seus primeiros discípulos”. Para Jesus não é relevante a projeção do local, mas o que lá se passa e a mensagem que pretende legar.
E sublinhou duas coisas: as circunstâncias em que decorreu o milagre; e os seus efeitos. A Mãe fez notar ao Filho a falta do vinho, que Jesus, “apesar de ter dito que sua hora não havia chegado”, colmatou atendendo o pedido intercessor da Mãe e dando “aos cônjuges o melhor vinho de toda a festa”. Por outro lado, o evangelista destaca que este fora o “início dos sinais realizados por Jesus”, que “manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele”.
Depois, assumiu os milagres como “sinais extraordinários que acompanham a pregação da Boa Nova, a fim de despertar ou reforçar a fé em Jesus”. E, quanto ao milagre de Caná, referiu a evidência de “um ato de benevolência por parte de Jesus para com os recém-casados” e “um sinal da bênção de Deus sobre o matrimónio”. Daqui inferiu que “o amor entre o homem e a mulher é uma boa maneira de viver o Evangelho”, de “percorrer com alegria no caminho da santidade”.
Porém, estendeu a finalidade do milagre a “toda pessoa humana”, que “é chamada a encontrar o Senhor de sua vida”. A fé cristã, aqui professada pelos discípulos, “é um dom que recebemos no Batismo e que nos permite encontrar Deus”. É uma fé que “passa por momentos de alegria e de tristeza, de luz e de escuridão, como em toda experiência autêntica do amor”.
Mas Francisco tira uma conclusão curiosa a partir das palavras de Jesus aos serventes: “Enchei as vasilhas de água” e “Tirai agora e levai ao chefe de mesa” (vd 2,7-9). Efetivamente fizeram tudo o que Ele disse: encheram-nas até cima e levaram-nas ao chefe de mesa. No entanto, a narração das bodas de Caná – disse Francisco – “convida-nos a redescobrir que Jesus não se nos apresenta a nós como um juiz pronto a condenar as nossas culpas, nem como um comandante que nos obriga a seguir cegamente suas ordens”. Manifesta-se, antes, como o “Salvador da humanidade, como nosso irmão mais velho, filho do Pai, como aquele que responde às expectativas e promessas de alegria que habitam no coração de cada um de nós”.
Depois de nos lançar umas pertinentes interrogações de meditação – Realmente conheço o Senhor assim? Sinto-o próximo de mim e da minha vida? Respondo-lhe à altura daquele amor esponsal que Ele, todos os dias, manifesta a mim e a todos os seres humanos? – recordou a dimensão pessoal e comunitária da caminhada da fé:
“Trata-se de perceber que Jesus nos busca e nos convida a dar-lhe espaço no fundo do nosso coração. E neste caminho de fé com Ele, não estamos sozinhos: recebemos o dom do Sangue de Cristo.”
Em seguida, alertou para o simbolismo das “grandes ânforas de pedra cheias de água” cheias até cima (Jesus não é de meias medidas: enche-nos completamente) que prontamente “Jesus transforma em vinho” (v. 7), sem alardes de espetáculo:
“São um sinal da passagem da antiga para a nova aliança: em vez da água utilizada para o ritual de purificação, recebemos o Sangue de Jesus, derramado sacramentalmente na Eucaristia e de maneira cruenta na Paixão e na Cruz. Os Sacramentos que emanam do Mistério pascal infundem em nós a força sobrenatural e permitem-nos experimentar a infinita misericórdia de Deus”.
Finalmente, apresentou “a Virgem Maria, modelo de meditação das palavras e das obras do Senhor”, a discreta, mas eficaz intercessora – para que “nos ajude a redescobrir com fé a beleza e a riqueza da Eucaristia e dos outros Sacramentos, que tornam presente o amor fiel de Deus por nós”. E garantiu que, assim, podemos “enamorar-nos sempre mais e mais do Senhor Jesus, nosso Esposo, e encontrá-Lo com as lâmpadas acesas da nossa fé alegre, tornando-nos suas testemunhas no mundo”.
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E quem assim perora, tem autoridade moral e doutrinal para recomendar a todos, nomeadamente a migrantes e refugiados: “Não deixeis que vos roubem a esperança e a alegria de viver”.
É a força robusta da fé alimentada pela Palavra, pelos sacramentos (Batismo, Eucaristia e matrimónio), nutrindo-se da relação amorosa com Deus e com os irmãos!

2016.01.17 – Louro de Carvalho

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