Aproxima-se
a data das eleições presidenciais portuguesas, que estão marcadas para o dia 24
de janeiro e para o dia 21 de fevereiro em uma eventual segunda, caso nenhum
dos candidatos obtenha mais que 50% dos votos validamente expressos nas urnas (não
se contando como válidos os votos nulos e, no caso das eleições presidenciais,
também os votos em branco).
A essa eventual segunda corrida apenas concorrerão os dois candidatos mais
votados.
Um
dos temores que preocupa os observadores é o fenómeno da abstenção verificado
em muitos momentos de pronúncia eleitoral e que se prevê marcante do próximo
ato eleitoral. Aduzem-se, a acrescer a outros motivos, a proliferação de
candidatos (são dez aqueles que, se vingasse o estilo romano, se
apresentariam vestidos de branco – do adjetivo latino candidus, a significar “branco”) e a desvalorização da função presidencial mercê do
exercício decenal do Presidente da República ainda em funções.
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O
âmbito desta reflexão cinge-se, como é óbvio, ao campo político, pondo de parte
outras aceções do vocábulo, mas que, a seguir, se especificam.
Abstenção
(em
latim, abstentio, onis) provém etimologicamente o verbo
abstinere (que
significa: ter distância, manter-se afastado, conter, conter-se, abster-se,
estar atento). Este
verbo, por sua vez, deriva o verbo tenere
(que
significa: ter, segurar, durar, persistir, manter-se numa posição, manter-se
numa direção, singrar para; possuir, ocupar, ter na mão, ser senhor de, obter,
adquirir, ganhar, cativar, encantar; manter imóvel, parar, manter, reter,
conter, suspender, estancar, fazer parar; ter na mente, lembrar-se, conservar
na mente; compreender, saber, perceber; conservar, guardar, manter, observar;
afirmar, sustentar; obrigar).
Antepõe-se-lhe o prefixo abs (a, antes de consoante;
ab, antes de vogal; abs, antes da consoante t),
a sugerir a ideia de afastamento, ausência, falta ou privação. Da mesma família
lexical são os nomes “abstinência” (no latim, abstinentia, ae) e continência (no
latim, continentia, ae) e o verbo conter (no
latim, continere, de cum + tenere), usado neste contexto na forma
reflexa.
Assim,
“abster” significará privar de, desviar, conservar a distância; “abster-se”
significará privar-se de, conter-se, ser moderado, ser sóbrio, reprimir-se, não
intervir, não tomar parte numa votação, deliberação, etc.; “abstinência” significará
qualidade de abstinente, dieta, jejum (em contexto
eclesiástico, a privação de alimentos à base de carne em determinados dias ou
privação equivalente);
“abstinente” será o que se abstém, que é sóbrio ou moderado; “abstenção”
significará o ato ou o efeito de abster-se, a privação, a isenção;
“abstencionista” é o que segue ou pratica o abstencionismo; “abstencionismo” é
o sistema que preconiza a prática de se abster no voto. E “continência”
significa moderação, castidade, abstenção sexual (fala-se
de continência periódica como um dos métodos ditos naturais de planeamento familiar), capacidade, saudação militar.
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Em
política falamos de abstenção como ato de se negar ou de se eximir a fazer
opções políticas, quer se trate de política formal, quer de política
empresarial, social, administrativa ou associativa. Concretiza-se em não ir
votar, em caso de ato eleitoral de escrutínio secreto, ou em não manifestar
voto contra ou voto a favor, numa votação à vista numa reunião após a discussão
da respetiva matéria.
Abster-se
do processo político configura uma forma de participação passiva ou não
participação. A abstenção eleitoral é uma postura preconizada por anarquistas,
praticada supinamente por desinteressados, indiferentes ou desiludidos e
condenada por alguns democratas.
Para
todos os efeitos, a abstenção não deveria ser encarada como ilegítima. O mais
das vezes ela significa a recusa de participação e configura uma atitude de
irresponsabilidade ou uma espécie de cegueira social. Todavia, muitas vezes, é
assumida como forma de protesto e como tomada de posição política.
Em
Portugal, ela está prevista como como uma forma legítima, embora não desejável,
de tomada de posição. É mesmo permitida à boca das urnas para um ou mais órgãos.
É a abstenção parcial ou total. Basta que o candidato o declara à mesa e não
ofereça para entra na urna um ou mais boletins de voto conforme o órgão ou órgãos
a escrutínio de que pretenda abster-se.
Há
casos em que a abstenção é imposta por lei, designadamente quando, num órgão
colegial de natureza executiva, há o impedimento por via da relação de
parentesco de primeiro ou de segundo grau (por consanguinidade ou
por afinidade). Ela
será uma atitude óbvia em relação a uma apreciação de ato anterior deliberado
em sessão em que o participante não esteve presente ou quando a situação se
revele melindrosa para o participante. Há casos em que é possível ou mesmo
obrigatório apresentar escusa, mas essa também é uma forma larvada de
abstenção.
Ora,
num Estado de direito democrático e social nunca deveria ser proibida a abstenção,
como nunca deveria ser proibido o voto. A abstenção deve ser combatida pelo
esclarecimento, pela credibilização da ação política, mas aceite sempre que o
superior interesse da pessoa ou do Estado seja servido melhor por esta forma.
Por outro lado, o voto deve ser estimulado como dever cívico-político a cumprir
e como direito cívico-político a exercer. Mas as formas de estímulo ao voto têm
de ser o esclarecimento e a credibilização da política e dos projetos das
diversas forças partidárias e dos cidadãos ou grupos de cidadãos que se
candidatam a cargos públicos e não a as medidas de punição ou de censura.
Por
outro lado, o fenómeno da abstenção, mesmo que fosse residual, mas sobretudo
quando é generalizado ou alastrante, deve ser analisado de forma a apurar as
causas e tentar removê-las e promover a inclusão social e a participação
política das populações.
E
a campanha pelo voto cabe a todas as instituições e agentes de formação: os
diversos escalões da governança; os agentes associativos; os formadores da
opinião pública; as Igrejas, escolas e clubes; e, sobretudo, os partidos
políticos. Diga-se que os partidos, além de lhes caber o esclarecimento dos
seus projetos de governança e o apelo ao voto em função dos seus próprios projetos,
têm a obrigação de apelar ao cumprimento do dever de votar e ao exercício do
direito de voto (direito e dever simultâneos).
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Em democracia existem duas formas de abstenção:
a não presencial e a presencial.
A abstenção não presencial resulta da não
comparência à assembleia eleitoral, seja ela de que tipo for (para Presidente da República, Parlamento nacional, Parlamento Europeu, órgãos
do poder local, corpos gerentes de empresa ou equivalente, corpos sociais de
associação ou agremiação, referendo, etc.). E é esta a que merece estudo, análise e combate político.
A abstenção presencial consiste em
utilizar o instrumento de votação para expressar a atitude abstencionista. Por exemplo,
após a discussão de uma determinada matéria, o participante declara não votar a
favor nem contra, ficando registada em ata a sua postura como de abstenção.
Também configura a figura de abstenção presencial
a declarada à boca das urnas na assembleia de voto.
Há ainda outras modalidades abstencionistas
que, não sendo formalmente consideradas abstenção, a significam. É o caso do
voto em branco, que marca uma tomada de posição e que, nos diversos tipos de
eleição, é considerado validamente expresso, com exceção das eleições para o
cargo de Presidente da República, que é considerado como não validamente expresso.
O voto nulo não é considerado
validamente expresso, porque é de leitura difícil. Pode resultar de um pensamento
deliberado (por exemplo, se aparece cruz a frente de todas as candidaturas), pode levantar dúvidas sobre a escolha
de candidatura ou pode significar distração, inépcia, gozo, etc. Por exemplo,
que dizer de um boletim em que se tenha escrito: eu voto no partido x?
E há a forma de abstenção a um tempo
presencial e a um tempo não presencial. Se o membro de um órgão colegial está
presente na discussão no todo ou em parte, mas abandona a sessão no momento da votação
– deliberada ou casualmente – o facto fica registado não como abstenção mas
como não participação na votação, bem como o motivo se ele tiver sido
comunicado.
A abstenção, nas suas diversas aceções,
pode resultar de uma ou várias razões: desigualdade colossal na exposição de
partidos ou de candidaturas grupais ou de candidaturas unipessoais nos órgãos de
comunicação social; proliferação desmedida de candidaturas para o mesmo órgão; limitações
político-sociais surgidas no sistema de partido único (caso dos regimes totalitários) e nos sistemas bipartidaristas; falta de esclarecimento eleitoral (mais concretamente: informação sobre programas, regras eleitorais, seleção
do dia da votação e legislação inerente); desmobilização do eleitorado pela divulgação de sondagens em
tempo de campanha, as quais dão ênfase reforçado na necessidade de voto útil nos
“grandes partidos” (normalmente constatada em sistemas tendencialmente
bipartidaristas); desencanto pelo sistema de votação vigente e/ou modelo de democracia;
barreiras sociais de acesso ao voto (inexistência de novas
tecnologias de votação: internet e telefone, incapacidade de arcar no custo da
deslocação por incapacidade física na mobilidade ao local de voto); desinteresse generalizado pela política
ou pelo comportamento da classe política; falhas de ordem técnica nos
instrumentos de votação; erro na contagem de eleitores nos cadernos eleitorais
(os chamados “eleitores fantasma”), por via do não abatimento atempado de falecidos, emigrados e/ou
deslocados da área de residência; não identificação com nenhum programa dos
partidos, com os projetos das candidaturas ou com as pessoas; forma de protesto
contra alguma lei ou algumas leis que originam descontentamento populacional, evidenciação
de alguma carência populacional tida como vital ou falta de cumprimento de promessa
relevante para com uma determinada comunidade – que, em muitos casos, originam
o boicote eleitoral.
***
Isto não se resolve com o lamento ou com a
obrigatoriedade de voto. E como encaram o fenómeno da abstenção estes 10 candidatos
presidenciais? Que esplendor se espelha no debate e que garantias se esperam
para a probidade do exercício do cargo?
2016.01.11 – Louro de Carvalho
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