O
professor Marcelo foi eleito Presidente a 24 de janeiro por clara maioria
absoluta dos votos validamente expressos. Não vale a pena ficar a olhar para o
volume de abstenção verificado ou para os votos nulos e brancos (ambos
são, nestas eleições, considerados não validamente expressos).
O
povo escolheu de entre os dez candidatos aquele que melhor fez passar a sua
mensagem antes da campanha eleitoral e na própria campanha eleitoral.
É
certo que este período eleitoral teve o fim que mereceu. No entanto, houve
casos dignos de registo. Maria de Belém, com uma carreira política dentro do PS
e com o exercício ministerial em dois governos, ficou num desagradável 4.º
lugar, com pouco mais do que 4,2% dos votos (uma estrondosa
derrota), seguida
por Edgar Silva, que logrou alcançar quase 4% dos votos, logrando um 5.º lugar,
causando à CDU o pior resultado de sempre.
Marisa
Matias atingiu um simpático e histórico 3.º lugar, com uma votação que
ultrapassou os 10,1% dos votos, consolidando e prestigiando o eleitorado do
Bloco de Esquerda. E o candidato conhecido por Tino de Rans (Vitorino
Silva) ficou num
esperado 6.º lugar, com 3,28% dos votos, atirando para patamares inferiores
figuras como Paulo Morais e Henrique Neto.
O
candidato de uma certa esquerda, apoiado oficiosamente pela direção do PS, não
conseguiu galvanizar os eleitores com o anúncio do advento do “tempo novo”. O
apoio dos antigos presidentes não foi suficiente, revelando-se ambíguo o apoio
declarativo de Ramalho Eanes, que fez de Nóvoa um general político, mas que o
atrelou ao perfil de Cavaco Silva.
A
esquerda política fragmentou-se até à fragilização e o PS mais uma vez mostrou
que não sabe o que anda a fazer em eleições presidenciais. E os oponentes de
Marcelo (que este recusa ter tido como adversários) lá se resignaram a ter como
objetivo a provocação de uma segunda volta. Estava na cara que este objetivo
era a confissão implícita da derrota.
***
Marcelo
ganhou em todos os círculos eleitorais e em quase todos com maioria absoluta;
ganhou em quase todos os concelhos do país. Como se justifica tal resultado?
Candidatara-se
à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, perdendo para Jorge Sampaio, embora
tivesse permanecido como vereador; a sua liderança do PS não atingiu o período
de uma legislatura; e teve uma passagem pouco mais que fugaz pelo Governo como
Secretário de Estado e como Ministro – de Francisco Pinto Balsemão. No entanto,
foi deputado à Assembleia Constituinte e foi o primeiro presidente da Comissão Política
Distrital de Lisboa do PSD (1975-1977), partido a que aderiu após a
sua fundação, em maio de 1974. Ainda no âmbito autárquico, foi presidente da
Assembleia Municipal de Cascais (1979-1982) e da Assembleia Municipal de
Celorico de Basto (1997-2009).
Dispõe
de uma relevante carreira académica e de uma invejável notoriedade nos
periódicos Expresso e Semanário e, sobretudo, de um longo percurso
de décadas como comentador televisivo. É efetivamente um dos homens mais bem
preparados académica e politicamente e tem a obrigação de conhecer a fundo os
poderes presidenciais.
No
entanto, revela algumas ambiguidades. Para lá da natural contradição em que
incorrem aqueles que têm a oportunidade do uso da palavra com assiduidade,
mercê das circunstâncias e vicissitudes que emolduram as conjunturas, Marcelo
nem sempre fazia comentários imparciais e aprofundados; disse que não seria
líder do PSD nem que Cristo descesse à Terra e foi-o; e sempre disse que não
seria candidato a Presidente da República e reconheceu que Passos Coelho, ao
referir em Congresso que o partido não apoiaria um candidato catavento e de
ideias erráticas, se referia a si próprio, Marcelo. Por outro lado, também as
caraterísticas presidenciais que o Presidente Cavaco Silva antevia como
necessárias para o seu sucessor apontavam para uma exclusão do professor.
Todavia,
foi a seguir às declarações de Passos Coelho que o comentador político pareceu
inclinar-se para a hipótese de candidatura. E, quando esta se estava a desenhar
ao lado das hipotéticas de Santana Lopes e de Rui Rio, o professor mantinha o
múnus de comentador na TVI, que lhe facilitava ostensivamente o figurino do
comentário.
Por
outro lado, o professor Marcelo, alinhado com a perspetiva institucional dos
partidos do Governo de coligação e do PS, reservou o anúncio da sua candidatura
presidencial para depois das eleições legislativas. E fê-lo a 9 de outubro, a
partir de Celorico de Basto, terra da avó.
***
Desde
o início, se propôs a fazer uma campanha sóbria, que implicava a ausência de outdoors, bandeiras e outros materiais
de propaganda política, bem como comissões de honra e staffs de campanha e arrancou com um conjunto de três viaturas e
pouquíssimos acompanhantes.
Diga-se
em abono da verdade que essa frugalidade eleitoral, por um lado, correspondia a
uma não necessidade de publicitação do homem e do seu pensamento, por mais que
suficientemente conhecido; por outro lado, ele multiplicara os contactos e deslocações
por todo o país ainda no tempo em que se apresentava com regularidade no palco
do comentador político. Diga-se também que esta campanha – do tu cá tu lá, das compras, do jogo e do
copo, das sandes, do mete fogaça e tira fogaça ou das palmadas nas costas e das
conversas com miúdos sobre o futuro e a presidência – chegou a raiar o burlesco
e o ridículo. No entanto, o professor ia resistindo a tudo, incluindo as
acusações da não prestação do serviço militar e das nada simpáticas tomadas de
posição em tempos idos, em detrimento da melhor democracia e progresso. E designou
uma jovem como sua mandatária.
A
sua campanha foi acusada de vazia de conteúdo político, pelo menos até ao
debate com o considerado seu principal opositor, Sampaio da Nóvoa, também
professor na Universidade de Lisboa, seu antigo reitor e hoje seu reitor
honorário. Mas também as demais, com exceção das candidaturas de Marisa e de
Edgar (alinhadas
com o conteúdo ideológico e pragmático dos partidos de que são originários) foram paupérrimas em conteúdo
político. Porém, a candidatura marcelista, se era pobre a nível declarativo (com
exceção da estabilidade e cooperação com o Governo de Costa, o favorecimento ao
orçamento e a não ameaça com o apito de árbitro ou a promessa de não dissolver
o Parlamento para satisfazer o partido de que era originário), foi riquíssima em tática e
simbologia. A sua maior entrevista televisiva foi concedida a partir da
Faculdade de Direito; o propósito da candidatura foi justificado pela dívida
que o candidato tinha para com o país; o lançamento da candidatura foi a partir
de Celorico e não dum grande centro, o que mereceu reparo do desistente Rui Rio;
a apresentação solitária, incluindo espaços mais conotados com a esquerda, e a
rejeição da visibilidade de figuras gradas dos partidos da antiga coligação
governativa – tudo se revelou em função da desvinculação da sua área partidária
(que
não da sua rejeição),
até com motivações minudentes, como a da necessidade de os líderes terem de
figurar no apoio à campanha eleitoral das autárquicas intercalares de São João da
Madeira, e com o pisca-pisca à esquerda, o que alguns dizem de marcação ao
centro. De resto, não escorraçou os dirigentes partidários quando eles
apareceram nem menosprezou a máquina partidária que o PSD montou praticamente
em todos os concelhos.
Nem
percebo como alguns falam em legitimidade popular reforçada pelo facto de a
candidatura marcelista ter assumido uma postura inteiramente pessoal. Primeiro,
essa é uma ficção, pois o CDS aconselhou explicitamente o voto em Marcelo; e o
PSD não podia fazer melhor do que fez, depois das declarações do líder no Congresso,
a que se aludiu acima. Além disso, qual foi o presidente que não afiançou a índole
inteiramente pessoal da sua candidatura? Posicionaram-se, pelo menos declaravam-no,
independentemente dos apoios, partidários ou não, que viessem a seguir. Depois,
quando um partido se escuda no caráter pessoal de uma candidatura para se
recusar a dar apoio oficial a um candidato, está a desresponsabilizar-se do empenho
na causa pública da eleição presidencial e a revelar a incapacidade de gerir as
divisões internas.
A
noite eleitoral teve um ingrediente inédito: a par das declarações das
candidaturas figuraram declarações de líderes partidários nas respetivas sedes
de candidatura. Catarina Martins fê-lo tarde, mas ainda foi a tempo.
Costa
foi o último a falar e fê-lo depois de Marcelo, a partir da residência oficial
do Primeiro-Ministro e de forma institucional. Garantiu a lealdade
institucional e a cooperação do Governo. Não pareceu oportuno o regozijo por não
ter havido em Portugal a vitória de uma candidatura populista e antissistema. A
de Marcelo não o foi em certa medida? Referia-se a Maria de Belém, a Sampaio da
Nóvoa…? A candidatura do popular Tino de Rans não teve uma relativa
visibilidade? E candidatura de Paulo de Morais era antissistema?
***
Marcelo
ganhou e tomará posse a 9 de março. E fez o discurso de vitória. Mexeu seriamente
em questões essenciais, com que se comprometeu, além do cumprimento da Constituição
stricto sensu: unidade do Estado, solidariedade
entre os órgãos do poder, coesão territorial e coesão social e crescimento económico.
Faltou, a meu ver, uma referência explícita à relação de Portugal com a Europa
e o Euro, à política externa em geral e às forças armadas. Escusava de ter dito
que era preciso refazer Portugal e de recuperar a expressão presidencial como
supremo magistrado da nação, pelo que ela pode conter de conotação um tanto ambígua.
Vai
cumprir? Esperamos que sim. Todavia, terá de articular o seu estilo pessoal com
a gravitas que o cargo presidencial
postula e a auctoritas inerente ao exercício
das altas funções a que é chamado. Ou seja, tem estancar a natural tendência para
falar de tudo e de todos, tem de prestigiar o “poder da palavra” e evitar usar
a “palavra do poder”.
Tem
de saber empurrar o elefante do sistema não pelo empurrão ineficaz, mas fazendo-lhe
as convenientes cocegas na barriga, para que ele se projete para a frente com
segurança e sem esmagar.
2015.01.25 –
Louro de Carvalho
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