segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Marcelo Rebelo de Sousa é o novo Presidente

O professor Marcelo foi eleito Presidente a 24 de janeiro por clara maioria absoluta dos votos validamente expressos. Não vale a pena ficar a olhar para o volume de abstenção verificado ou para os votos nulos e brancos (ambos são, nestas eleições, considerados não validamente expressos).
O povo escolheu de entre os dez candidatos aquele que melhor fez passar a sua mensagem antes da campanha eleitoral e na própria campanha eleitoral.
É certo que este período eleitoral teve o fim que mereceu. No entanto, houve casos dignos de registo. Maria de Belém, com uma carreira política dentro do PS e com o exercício ministerial em dois governos, ficou num desagradável 4.º lugar, com pouco mais do que 4,2% dos votos (uma estrondosa derrota), seguida por Edgar Silva, que logrou alcançar quase 4% dos votos, logrando um 5.º lugar, causando à CDU o pior resultado de sempre.
Marisa Matias atingiu um simpático e histórico 3.º lugar, com uma votação que ultrapassou os 10,1% dos votos, consolidando e prestigiando o eleitorado do Bloco de Esquerda. E o candidato conhecido por Tino de Rans (Vitorino Silva) ficou num esperado 6.º lugar, com 3,28% dos votos, atirando para patamares inferiores figuras como Paulo Morais e Henrique Neto.
O candidato de uma certa esquerda, apoiado oficiosamente pela direção do PS, não conseguiu galvanizar os eleitores com o anúncio do advento do “tempo novo”. O apoio dos antigos presidentes não foi suficiente, revelando-se ambíguo o apoio declarativo de Ramalho Eanes, que fez de Nóvoa um general político, mas que o atrelou ao perfil de Cavaco Silva.
A esquerda política fragmentou-se até à fragilização e o PS mais uma vez mostrou que não sabe o que anda a fazer em eleições presidenciais. E os oponentes de Marcelo (que este recusa ter tido como adversários) lá se resignaram a ter como objetivo a provocação de uma segunda volta. Estava na cara que este objetivo era a confissão implícita da derrota.
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Marcelo ganhou em todos os círculos eleitorais e em quase todos com maioria absoluta; ganhou em quase todos os concelhos do país. Como se justifica tal resultado?
Candidatara-se à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, perdendo para Jorge Sampaio, embora tivesse permanecido como vereador; a sua liderança do PS não atingiu o período de uma legislatura; e teve uma passagem pouco mais que fugaz pelo Governo como Secretário de Estado e como Ministro – de Francisco Pinto Balsemão. No entanto, foi deputado à Assembleia Constituinte e foi o primeiro presidente da Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD (1975-1977), partido a que aderiu após a sua fundação, em maio de 1974. Ainda no âmbito autárquico, foi presidente da Assembleia Municipal de Cascais (1979-1982) e da Assembleia Municipal de Celorico de Basto (1997-2009).
Dispõe de uma relevante carreira académica e de uma invejável notoriedade nos periódicos Expresso e Semanário e, sobretudo, de um longo percurso de décadas como comentador televisivo. É efetivamente um dos homens mais bem preparados académica e politicamente e tem a obrigação de conhecer a fundo os poderes presidenciais.
No entanto, revela algumas ambiguidades. Para lá da natural contradição em que incorrem aqueles que têm a oportunidade do uso da palavra com assiduidade, mercê das circunstâncias e vicissitudes que emolduram as conjunturas, Marcelo nem sempre fazia comentários imparciais e aprofundados; disse que não seria líder do PSD nem que Cristo descesse à Terra e foi-o; e sempre disse que não seria candidato a Presidente da República e reconheceu que Passos Coelho, ao referir em Congresso que o partido não apoiaria um candidato catavento e de ideias erráticas, se referia a si próprio, Marcelo. Por outro lado, também as caraterísticas presidenciais que o Presidente Cavaco Silva antevia como necessárias para o seu sucessor apontavam para uma exclusão do professor.
Todavia, foi a seguir às declarações de Passos Coelho que o comentador político pareceu inclinar-se para a hipótese de candidatura. E, quando esta se estava a desenhar ao lado das hipotéticas de Santana Lopes e de Rui Rio, o professor mantinha o múnus de comentador na TVI, que lhe facilitava ostensivamente o figurino do comentário.
Por outro lado, o professor Marcelo, alinhado com a perspetiva institucional dos partidos do Governo de coligação e do PS, reservou o anúncio da sua candidatura presidencial para depois das eleições legislativas. E fê-lo a 9 de outubro, a partir de Celorico de Basto, terra da avó.
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Desde o início, se propôs a fazer uma campanha sóbria, que implicava a ausência de outdoors, bandeiras e outros materiais de propaganda política, bem como comissões de honra e staffs de campanha e arrancou com um conjunto de três viaturas e pouquíssimos acompanhantes.
Diga-se em abono da verdade que essa frugalidade eleitoral, por um lado, correspondia a uma não necessidade de publicitação do homem e do seu pensamento, por mais que suficientemente conhecido; por outro lado, ele multiplicara os contactos e deslocações por todo o país ainda no tempo em que se apresentava com regularidade no palco do comentador político. Diga-se também que esta campanha – do tu cá tu lá, das compras, do jogo e do copo, das sandes, do mete fogaça e tira fogaça ou das palmadas nas costas e das conversas com miúdos sobre o futuro e a presidência – chegou a raiar o burlesco e o ridículo. No entanto, o professor ia resistindo a tudo, incluindo as acusações da não prestação do serviço militar e das nada simpáticas tomadas de posição em tempos idos, em detrimento da melhor democracia e progresso. E designou uma jovem como sua mandatária.
A sua campanha foi acusada de vazia de conteúdo político, pelo menos até ao debate com o considerado seu principal opositor, Sampaio da Nóvoa, também professor na Universidade de Lisboa, seu antigo reitor e hoje seu reitor honorário. Mas também as demais, com exceção das candidaturas de Marisa e de Edgar (alinhadas com o conteúdo ideológico e pragmático dos partidos de que são originários) foram paupérrimas em conteúdo político. Porém, a candidatura marcelista, se era pobre a nível declarativo (com exceção da estabilidade e cooperação com o Governo de Costa, o favorecimento ao orçamento e a não ameaça com o apito de árbitro ou a promessa de não dissolver o Parlamento para satisfazer o partido de que era originário), foi riquíssima em tática e simbologia. A sua maior entrevista televisiva foi concedida a partir da Faculdade de Direito; o propósito da candidatura foi justificado pela dívida que o candidato tinha para com o país; o lançamento da candidatura foi a partir de Celorico e não dum grande centro, o que mereceu reparo do desistente Rui Rio; a apresentação solitária, incluindo espaços mais conotados com a esquerda, e a rejeição da visibilidade de figuras gradas dos partidos da antiga coligação governativa – tudo se revelou em função da desvinculação da sua área partidária (que não da sua rejeição), até com motivações minudentes, como a da necessidade de os líderes terem de figurar no apoio à campanha eleitoral das autárquicas intercalares de São João da Madeira, e com o pisca-pisca à esquerda, o que alguns dizem de marcação ao centro. De resto, não escorraçou os dirigentes partidários quando eles apareceram nem menosprezou a máquina partidária que o PSD montou praticamente em todos os concelhos.
Nem percebo como alguns falam em legitimidade popular reforçada pelo facto de a candidatura marcelista ter assumido uma postura inteiramente pessoal. Primeiro, essa é uma ficção, pois o CDS aconselhou explicitamente o voto em Marcelo; e o PSD não podia fazer melhor do que fez, depois das declarações do líder no Congresso, a que se aludiu acima. Além disso, qual foi o presidente que não afiançou a índole inteiramente pessoal da sua candidatura? Posicionaram-se, pelo menos declaravam-no, independentemente dos apoios, partidários ou não, que viessem a seguir. Depois, quando um partido se escuda no caráter pessoal de uma candidatura para se recusar a dar apoio oficial a um candidato, está a desresponsabilizar-se do empenho na causa pública da eleição presidencial e a revelar a incapacidade de gerir as divisões internas.
A noite eleitoral teve um ingrediente inédito: a par das declarações das candidaturas figuraram declarações de líderes partidários nas respetivas sedes de candidatura. Catarina Martins fê-lo tarde, mas ainda foi a tempo.
Costa foi o último a falar e fê-lo depois de Marcelo, a partir da residência oficial do Primeiro-Ministro e de forma institucional. Garantiu a lealdade institucional e a cooperação do Governo. Não pareceu oportuno o regozijo por não ter havido em Portugal a vitória de uma candidatura populista e antissistema. A de Marcelo não o foi em certa medida? Referia-se a Maria de Belém, a Sampaio da Nóvoa…? A candidatura do popular Tino de Rans não teve uma relativa visibilidade? E candidatura de Paulo de Morais era antissistema?
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Marcelo ganhou e tomará posse a 9 de março. E fez o discurso de vitória. Mexeu seriamente em questões essenciais, com que se comprometeu, além do cumprimento da Constituição stricto sensu: unidade do Estado, solidariedade entre os órgãos do poder, coesão territorial e coesão social e crescimento económico. Faltou, a meu ver, uma referência explícita à relação de Portugal com a Europa e o Euro, à política externa em geral e às forças armadas. Escusava de ter dito que era preciso refazer Portugal e de recuperar a expressão presidencial como supremo magistrado da nação, pelo que ela pode conter de conotação um tanto ambígua.
Vai cumprir? Esperamos que sim. Todavia, terá de articular o seu estilo pessoal com a gravitas que o cargo presidencial postula e a auctoritas inerente ao exercício das altas funções a que é chamado. Ou seja, tem estancar a natural tendência para falar de tudo e de todos, tem de prestigiar o “poder da palavra” e evitar usar a “palavra do poder”.
Tem de saber empurrar o elefante do sistema não pelo empurrão ineficaz, mas fazendo-lhe as convenientes cocegas na barriga, para que ele se projete para a frente com segurança e sem esmagar.

2015.01.25 – Louro de Carvalho

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