sábado, 2 de janeiro de 2016

Sobre o testamento de um político não político…

Na abertura de 2016, o Presidente da República dirigiu ao país a sua mensagem de ano novo. Dado que se trata da sua última intervenção de ano novo e, provavelmente, do seu último discurso formal endereçado aos portugueses, exceto a alocução que é usual fazer no termo do período de reflexão eleitoral (se é que a deseja fazer), creio que esta mensagem pode ser encarada como o seu testamento político, embora Sua Excelência se tenha algumas vezes afirmado como um não político se tenha demarcado dos outros políticos, que são tendenciosos, inábeis, desconhecedores dos problemas do país e eivados de ideologias.
Ainda há pouco tempo dizia que, ao falarmos do sistema financeiro, devíamos escolher e ponderar muito bem as palavras a utilizar e declarava para memória futura que hoje não é viável a governação à luz da ideologia, mas do pragmatismo, como se as ideologias fossem más em si ou todas más ou se o pragmatismo não fosse ditado por uma ideologia.
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Mas o que eu chamo testamento de Cavaco não se confina ao discurso de 1 de janeiro de 2016. Já em 9 de março de 2015 (desde 2007 os roteiros têm sido publicados neste dia em que se assinala o aniversário da sua tomada de posse como chefe de Estado), o Presidente traçava, no prefácio dos Roteiros IX, o perfil do seu sucessor. Isto, sem falar das suas oportunas (mas não legítimas) sugestões de revisão constitucional.
Do seu ponto de vista, o sucessor deve ter experiência em política externa e capacidade para analisar os assuntos relevantes para o país, sublinhando a necessidade de coordenação e concertação com o Governo, porque “a voz de Portugal” deve ser a mesma. A este respeito, refere:Assistiu-se, neste início do século XXI, a um reforço do papel do Presidente no domínio da política externa de tal forma que esta é hoje uma das suas principais funções”.
Com base em excertos do livro Os Poderes do Presidente da República, especialmente em matéria de defesa e política externa, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, publicado em 1991, Cavaco dedicou o prefácio do Roteiros IX à diplomacia presidencial, sublinhando:
“Nos tempos que correm, os interesses de Portugal no plano externo só podem ser eficazmente defendidos por um Presidente da República que tenha alguma experiência no domínio da política externa e uma formação, capacidade e disponibilidade para analisar e acompanhar os dossiês relevantes para o país”.
Para o reforço do papel do Presidente no domínio da política externa, Cavaco invoca vários fatores, como “a globalização dos mercados e a intensificação da diplomacia económica”, bem como o facto de a crise haver tornado “mais óbvia a importância estratégica do investimento privado e das exportações para o crescimento da economia portuguesa e o combate ao desemprego, obrigando a que se estendesse a presença de Portugal a outros países”. No entanto, adverte que a diplomacia económica “é apenas uma das múltiplas vertentes da política externa que o Presidente da República promove – com a crise da dívida soberana da Zona Euro, o aprofundamento da União Económica e Monetária e o programa de ajustamento a serem igualmente razões de reforço da ação presidencial no plano externo”.
Além disso, recordou que, “face à situação de emergência económica e financeira a que Portugal tinha chegado, houve que mobilizar toda a nossa capacidade diplomática, incluindo a ação do Presidente da República, para explicar, junto das mais variadas geografias, instituições internacionais e líderes políticos, a execução do programa de assistência financeira, em ordem a suscitar a confiança dos nossos parceiros e investidores, ganhar credibilidade no plano externo e conseguir apoios para as posições portuguesas”. Ademais, acrescentou que “o aumento da importância das Forças Armadas como instrumento da política externa, nomeadamente através da participação em missões no exterior, é outra das razões do crescimento do papel do Presidente da República no domínio da política externa.
Porém, julga tornar-se imperativa “a coordenação e concertação” do Presidente com o Governo de modo a ficar assegurada “a sintonia de posições entre os dois órgãos de soberania na defesa dos interesses nacionais”.
Depois, na era da globalização – em que as relações pessoais entre os líderes políticos, “embora importantes, deixaram de ser por si só suficientes” – por um lado, o Presidente tem de se capacitar no domínio “em toda a sua complexidade” das “relações bilaterais com os países com que interage”; por outro, deve conhecer os “aspetos essenciais da situação dos países com que Portugal mantém relações privilegiadas”, ser capaz de “abordar as grandes questões de política internacional da atualidade” e “estar informado sobre o posicionamento dos seus interlocutores”.
Resta saber se lhe compete definir um perfil de Presidente ou se a sua intervenção foi positiva.
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Quanto à comunicação de um de janeiro pp, agradece-se a forma muito calorosa e a esperança no futuro com que desejou a todos os Portugueses um Bom Ano de 2016, um Feliz Ano Novo.
É de frisar a esperança que se sobrepõe ao tempo de incerteza de que é portador o novo ano.
Saúda-se “o futuro sem saber o que este nos trará a nós, às nossas famílias, ao nosso País” e o “sentimento de esperança” com que “encaramos sempre o Ano Novo”, “desejando que ele seja melhor e mais próspero, quer no plano pessoal e familiar, quer no plano profissional”.
Da calcorreada que fez pelo “país inteiro” ao longo de “dez anos”, e do contacto com as comunidades da Diáspora, percebe-se bem que esses portugueses são “o nosso grande motivo de esperança num tempo de incerteza”. Porém, duvida-se da eficácia da iniciativa dos Roteiros. É certo que teve o privilégio de conhecer Portugal de perto, mantendo o diálogo de proximidade com o País real, com os seus problemas e dificuldades, mas também com os seus anseios e as suas realizações.
E que é feito do conhecimento que teve do pais na vintena de anos (1985-1995) em que foi Primeiro-Ministro? Aí teve oportunidade de o conhecer e tomar decisões. E como foram elas?
Diz-nos que, logo em maio de 2006, lançou um roteiro “dedicado à inclusão social”, salientando que “mais do que os aspetos dramáticos que alimentam o pessimismo e o desânimo”, procurara “valorizar os bons exemplos, enaltecer o trabalho admirável de pessoas e de instituições que promovem o combate à exclusão social, à violência doméstica, ao desemprego e à pobreza, à discriminação das pessoas com deficiência”.
Mas é de perguntar que mais-valia trouxe a sua atividade a estas causas?
Confessa que desenvolveu “iniciativas nos mais variados domínios de atividade”, como a Ciência, a Juventude, o Património Histórico-Cultural, as Comunidades Locais Inovadoras, a Economia Dinâmica, as Florestas, a Pesca”; que conheceu de perto “os portugueses que hoje estão a construir Portugal”. É justo que tenha expressado o seu “mais profundo agradecimento”. Porém, ter-se-á esquecido de que fora no seu consulado que a agricultura, as pescas, as indústrias, as empresas, a marinha se depauperaram em nome da transformação do país num território de serviços em consonância com o “dictat” europeu, ficando nós a perder em tudo.
Aprecia-se “este imenso Portugal que se afirma no presente e se projeta no futuro de uma forma extraordinária” constituído por jovens cientistas e investigadores de excelência, empreendedores económicos, sociais e culturais, dirigentes associativos, instituições de solidariedade e voluntários, artistas e criativos talentosos”.
E que nos diz da recente emigração em barda e do emagrecimento do apoio público à ciência?
Aceita-se que a “sociedade civil demonstrou, em tempos muito difíceis, a sua vitalidade, o seu dinamismo, a sua ambição de viver num país melhor e mais justo” e que há em todos os portugueses (“empresários, gestores e trabalhadores, jovens agricultores, autarcas e professores”) “um traço de união, um denominador comum”: todos, sem exceção, “são testemunho de um profundo amor a Portugal”. Saúda-se, pois, o augúrio de que “é com essa ambição patriótica que iremos construir em conjunto um país melhor e mais solidário, com mais justiça social”.
Venha daí esse país!
Os portugueses que fazem Portugal “nem sempre são conhecidos nem valorizados como merecem; não exigem o impossível nem pedem muito ao seu País”; pedem apenas “que o Estado crie condições para que possam desenvolver o seu trabalho e que os poderes públicos não estabeleçam entraves à sua atividade, desde a criação de emprego e riqueza até à defesa do património e do ambiente, passando pela inovação social e tecnológica”. Este (diz Cavaco) “é o Portugal do presente, que encontramos bem vivo de norte a sul, no litoral e no interior, nas regiões insulares, nas comunidades da Diáspora” – “que muitos agentes políticos desconhecem, que a comunicação social tantas vezes ignora”.
Era dispensável este distanciamento dos outros políticos, como se este político fosse modelar!
Também gostamos do Portugal que “tem por adquiridos os princípios da liberdade e da democracia” e dos portugueses “que estão a fazer Portugal querem viver numa terra de paz, de solidariedade e de progresso”. Mas o Presidente limita-se a reconhecer a fundamentalidade do combate às “desigualdades” e às “situações de pobreza e exclusão social”, “que afetam ainda um grande número de cidadãos: os idosos mais carenciados, os desempregados ou empregados precários, os jovens qualificados que não encontram no seu país o reconhecimento” merecido.
Depois, aprecia-se a lembrança da emigração portuguesa na História e a integração de retornados há 40 anos – para enunciar o dever que temos de acolhimento aos refugiados atuais. Já será de duvidosa legitimidade de impor como condição de integração todos os nossos princípios, a não ser os fundamentais da democracia e liberdade, da tolerância e a dignidade da pessoa humana.
Entendo que “temos de renovar o contrato de confiança entre todos os Portugueses”, o que configura “a maior razão para acreditarmos num futuro melhor para nós e para os nossos filhos”. Mas não aceito que tenhamos “o dever de defender” acriticamente “o modelo político, económico e social que, ao longo de décadas, nos trouxe paz, desenvolvimento e justiça”.
Que justiça, que desenvolvimento, que paz? A da sobrecarga da classe média para ver o dinheiro sumir-se em BPN, BPP, BES, BANIF, Montepio… PPP, swaps ou a da impunidade dos grandes criminosos e do castigo severo do pequeno transgressor?

2016.01.02 – Louro de Carvalho

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