Nos países em
que o dia 6 de janeiro não é dia santo de guarda (por não ser feriado), celebra-se a Solenidade da
Epifania do Senhor no domingo que ocorre entre os dias 2 e 8 de janeiro.
O presidente da
celebração eucarística em que hoje participei relevou o significado e o alcance
da Epifania, passando telegraficamente em revista as duas primeiras leituras da
Liturgia da Palavra (Is
60,1-6; e Ef 3,2-3a.5-6)
e fixando a atenção no relato do Evangelho de Mateus (Mt 2,1-12).
Com efeito, a
profecia de Isaías, no aludido passo, convida a cidade de Jerusalém a
levantar-se e a resplandecer porque o Senhor a inundou com a plenitude da sua
luz. Pelo nascimento do Salvador, os povos sentir-se-ão atraídos a esta cidade
luminosa e virão todos com os seus presentes – ouro e incenso – a proclamar as glórias
do Senhor. Por outro lado, os filhos de Jerusalém que andavam dispersos virão a
reunir-se em torno da cidade mãe. E, no dizer do salmista (Sl 72/71,8.11-14), o Senhor:
“Dominará de um ao outro mar, do grande
rio até aos confins da terra; todos os reis se prostrarão diante dele e todas
as nações o servirão; Ele socorrerá o pobre que o invoca e o indigente que não
tem quem o ajude; terá compaixão do humilde e do pobre e salvará a vida dos
oprimidos; e há de livrá-los da opressão e da violência, porque o seu sangue é
precioso a seus olhos”.
Porém, o
universalismo de Isaías manifesta-se um pouco limitado. É de notar que, enquanto
a cidade de Jerusalém resplandece de luz, “a noite cobre a terra e a escuridão os
povos” (Is 60,2).
Foi com a
vinda de Cristo que se manifestou a graça de Deus, fonte de salvação para todos
os homens (Tt 2,11).
E este é o significado
da “epifania” (do grego ’Επιφάνεια): aparição, manifestação. A epifania do Senhor consiste na manifestação ou revelação de
Cristo aos que não eram israelitas, ou seja a todos os povos. São Paulo, na aludida
passagem da epístola aos Efésios, explica a epifania do Senhor:
“Ouvistes falar da graça
de Deus que me foi dada a vosso favor, para realizar o seu plano: por revelação
me foi dado conhecer o mistério, que não foi dado a conhecer aos filhos dos
homens, em gerações passadas, como agora foi revelado aos seus santos Apóstolos
e Profetas, no Espírito: os
gentios recebem a mesma herança, como membros do mesmo Corpo e participantes da
mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho”.
Realiza-se o desígnio plasmado no Salmo 98/97,3b: “Todos os confins da terra presenciaram a Salvação do nosso Deus” – explicitado na 1.ª epístola a Timóteo (1Tm 2,3-4), “Deus, nosso Salvador quer que todos os
homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”.
***
Como referi,
o sacerdote acima referenciado fixou a sua atenção no Evangelho de Mateus, que
tem uma intenção, não tanto histórica, mas catequética. Assim, o evangelista afirma
que Jesus nasceu em Belém, porque é verdadeiro homem e descendente de David. Era
conhecida a sua estrela no Oriente, a de Rei dos judeus, pois era e viria a ser
uma figura marcante na História. Merece a adoração de gente de povos longínquos,
como merece a adoração e os presentes de gente de perto e simples como os pastores
ou como a glória a Deus cantada pelos anjos (vd Lc 2,6-19). Herodes ficou perturbado com a notícia do seu nascimento,
pensando que Ele lhe faria concorrência e lhe apagaria a glória terrena.
Mateus diz
tudo isto, menos preocupado com o rigor da factualidade histórica do que
interessado na intenção catequética.
Antes de mais,
é de ter em conta que” escrevendo entre judeus e para judeus, o autor humano do
primeiro Evangelho quer mostrar como na pessoa e na obra de Jesus se cumprem e
aperfeiçoam as Escrituras, que prefiguravam profeticamente da vinda do Messias.
A partir do exemplo do Senhor, o primeiro Evangelho reflete a práxis eclesial
de desvendar explicar o mistério messiânico recorrendo aos textos da Escritura
e de os interpretar à luz de Cristo, com Ele próprio fez com os discípulos de
Emaús (Lc 24,13-35). Esta marcante característica contribui
para a compreensão do significado do cumprimento da Lei e dos Profetas: Ele
realiza as Escrituras, não só cumprindo o que elas anunciam, mas aperfeiçoando
o que elas significam (Mt
5,17-20). Assim, neste
Evangelho, os textos da velha Escritura confirmam a fidelidade aos desígnios
divinos e apresentam a novidade da Aliança em Cristo, o cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo (Jo
1,29).
Desde o
século II, este Evangelho foi considerado o “Evangelho da Igreja”, em virtude das tradições a ele atinentes e da
riqueza e ordenamento do seu conteúdo, que o tornavam privilegiado na catequese
e na liturgia. O Reino proclamado como juízo iminente é, antes de mais, a presença
misteriosa de salvação já atuante no mundo. Na sua condição de peregrina, a
Igreja é “o verdadeiro Israel” onde os discípulos são chamados à conversão e à
missão, lugar de dialética ética e penitente e também de realidade sacramental
e presença de salvação. Ao não identificar a Igreja com o Reino dos Céus, Mateus
continua a recordar-lhe o verdadeiro rosto: instituição necessária e comunidade
provisória na senda do Reino de Deus.
Segundo Mateus,
em Jesus de Nazaré cumprem-se as profecias; Ele é o Salvador esperado, o
Emanuel, o Deus connosco (Mt
1,23) até à consumação
dos séculos (Mt 28,20); é o Messias, no qual converge o
passado, o presente e o futuro e que, inaugurando o Reino de Deus, investe a
comunidade dos discípulos a Igreja do seu poder salvífico.
***
Por outro lado,
estabelece-se a diferença entre a postura dos magos e a de Herodes. Herodes ficou
perturbado ao ouvir falar do recém-nascido e a sua curiosidade tinha uma
intenção que veio a ser conhecida como maléfica, mas hipocritamente manteve-se
imóvel, pois os outros é que lhe deviam fornecer informação; os magos, por sua
vez, caminharam, seguiram a estrela.
Porém, quando
pretenderam informação à maneira humana, os magos deixaram de a ver. Mas, quando
a tornaram a ver, ficaram com imensa alegria e ela guiou-os até ao sítio onde Jesus
estava. E o que viram? “Viram o menino com Maria, sua mãe”. E que fizeram? “Prostrando-se,
adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e
mirra”. E depois? “Depois, avisados em sonhos para não voltarem junto de
Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho”.
O mencionado
sacerdote ensinou que a epifania de Cristo sucedeu naquele tempo, mas, se nos cingirmos
àquele tempo, estes nossos tempos permanecem na escuridão e a constituir pasto
da iniquidade com a diversidade e a virulência das suas manifestações. Cabe a
cada um dos cristãos como aprendentes e apóstolos e à Igreja como comunidade epifânica
e missionária concretizar a epifania do Senhor hoje, aqui e a partir daqui. Para
tanto, é preciso centrarmo-nos não tanto na estrela (Cristo é que é a verdadeira estrela e a luz), mas sobretudo no presépio como Lucas
o descreve (vd Lc 2,6-19). Devemos aprender, não outros caminhos
feitos pela inveja humana, mas o caminho do presépio – o caminho da
simplicidade e da serenidade – e adorar, oferecendo não tanto presentes
materiais, mas a mente, a palavra e o coração. Não podemos ficar instalados no nosso fixismo e comodismo,
mas marchar ao encontro do Senhor.
E quem vê o
menino tem de fazer como os magos, voltar por outro caminho, livrando o menino
da sanha herodiana, mas o caminho da mudança de vida pelo afeto à conversão e à
missão. É que, se os magos vieram do Oriente, os discípulos têm de ir por todo
mundo e fazer discípulos “de todos os povos, batizando-os
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os
a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt 28,19-20). É a palavra de ordem
para a Epifania do Senhor em todo o mundo – epifania que entronca na epifania dos
magos acima evocada e desenvolvida, na epifania do Batismo de Cristo – “rasgaram-se os céus, e viu o Espírito de Deus descer como
uma pomba e vir sobre Ele; e uma voz vinda do Céu dizia: «Este
é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu enlevo” (Mt 3,16-17) e a epifania de Caná.
Esta refere que Ele, em Caná da Galileia,
realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos, com o qual manifestou a sua
glória, e os discípulos creram nele. Foi
a transformação da água em vinho, por intercessão da Mãe que Lhe segredou, Não têm vinho, e disse aos serventes, Fazei o que Ele mandar (vd Jo 2,1-12).
E pronto: é preciso fazer
o que Ele manda!
2016.01.03 – Louro de Carvalho
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