domingo, 3 de janeiro de 2016

Na Solenidade da Epifania do Senhor de 2016

Nos países em que o dia 6 de janeiro não é dia santo de guarda (por não ser feriado), celebra-se a Solenidade da Epifania do Senhor no domingo que ocorre entre os dias 2 e 8 de janeiro.
O presidente da celebração eucarística em que hoje participei relevou o significado e o alcance da Epifania, passando telegraficamente em revista as duas primeiras leituras da Liturgia da Palavra (Is 60,1-6; e Ef 3,2-3a.5-6) e fixando a atenção no relato do Evangelho de Mateus (Mt 2,1-12).
Com efeito, a profecia de Isaías, no aludido passo, convida a cidade de Jerusalém a levantar-se e a resplandecer porque o Senhor a inundou com a plenitude da sua luz. Pelo nascimento do Salvador, os povos sentir-se-ão atraídos a esta cidade luminosa e virão todos com os seus presentes – ouro e incenso – a proclamar as glórias do Senhor. Por outro lado, os filhos de Jerusalém que andavam dispersos virão a reunir-se em torno da cidade mãe. E, no dizer do salmista (Sl 72/71,8.11-14), o Senhor:  
“Dominará de um ao outro mar, do grande rio até aos confins da terra; todos os reis se prostrarão diante dele e todas as nações o servirão; Ele socorrerá o pobre que o invoca e o indigente que não tem quem o ajude; terá compaixão do humilde e do pobre e salvará a vida dos oprimidos; e há de livrá-los da opressão e da violência, porque o seu sangue é precioso a seus olhos”.
Porém, o universalismo de Isaías manifesta-se um pouco limitado. É de notar que, enquanto a cidade de Jerusalém resplandece de luz, “a noite cobre a terra e a escuridão os povos” (Is 60,2).
Foi com a vinda de Cristo que se manifestou a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens (Tt 2,11).
E este é o significado da “epifania” (do grego ’Επιφάνεια): aparição, manifestação. A epifania do Senhor consiste na manifestação ou revelação de Cristo aos que não eram israelitas, ou seja a todos os povos. São Paulo, na aludida passagem da epístola aos Efésios, explica a epifania do Senhor:
“Ouvistes falar da graça de Deus que me foi dada a vosso favor, para realizar o seu plano: por revelação me foi dado conhecer o mistério, que não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, em gerações passadas, como agora foi revelado aos seus santos Apóstolos e Profetas, no Espírito: os gentios recebem a mesma herança, como membros do mesmo Corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho”.
Realiza-se o desígnio plasmado no Salmo 98/97,3b: “Todos os confins da terra presenciaram a Salvação do nosso Deus” – explicitado na 1.ª epístola a Timóteo (1Tm 2,3-4), “Deus, nosso Salvador quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”.
***
Como referi, o sacerdote acima referenciado fixou a sua atenção no Evangelho de Mateus, que tem uma intenção, não tanto histórica, mas catequética. Assim, o evangelista afirma que Jesus nasceu em Belém, porque é verdadeiro homem e descendente de David. Era conhecida a sua estrela no Oriente, a de Rei dos judeus, pois era e viria a ser uma figura marcante na História. Merece a adoração de gente de povos longínquos, como merece a adoração e os presentes de gente de perto e simples como os pastores ou como a glória a Deus cantada pelos anjos (vd Lc 2,6-19). Herodes ficou perturbado com a notícia do seu nascimento, pensando que Ele lhe faria concorrência e lhe apagaria a glória terrena.
Mateus diz tudo isto, menos preocupado com o rigor da factualidade histórica do que interessado na intenção catequética.
Antes de mais, é de ter em conta que” escrevendo entre judeus e para judeus, o autor humano do primeiro Evangelho quer mostrar como na pessoa e na obra de Jesus se cumprem e aperfeiçoam as Escrituras, que prefiguravam profeticamente da vinda do Messias. A partir do exemplo do Senhor, o primeiro Evangelho reflete a práxis eclesial de desvendar explicar o mistério messiânico recorrendo aos textos da Escritura e de os interpretar à luz de Cristo, com Ele próprio fez com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Esta marcante característica contribui para a compreensão do significado do cumprimento da Lei e dos Profetas: Ele realiza as Escrituras, não só cumprindo o que elas anunciam, mas aperfeiçoando o que elas significam (Mt 5,17-20). Assim, neste Evangelho, os textos da velha Escritura confirmam a fidelidade aos desígnios divinos e apresentam a novidade da Aliança em Cristo, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1,29).
Desde o século II, este Evangelho foi considerado o “Evangelho da Igreja”, em virtude das tradições a ele atinentes e da riqueza e ordenamento do seu conteúdo, que o tornavam privilegiado na catequese e na liturgia. O Reino proclamado como juízo iminente é, antes de mais, a presença misteriosa de salvação já atuante no mundo. Na sua condição de peregrina, a Igreja é “o verdadeiro Israel” onde os discípulos são chamados à conversão e à missão, lugar de dialética ética e penitente e também de realidade sacramental e presença de salvação. Ao não identificar a Igreja com o Reino dos Céus, Mateus continua a recordar-lhe o verdadeiro rosto: instituição necessária e comunidade provisória na senda do Reino de Deus.
Segundo Mateus, em Jesus de Nazaré cumprem-se as profecias; Ele é o Salvador esperado, o Emanuel, o Deus connosco (Mt 1,23) até à consumação dos séculos (Mt 28,20); é o Messias, no qual converge o passado, o presente e o futuro e que, inaugurando o Reino de Deus, investe a comunidade dos discípulos a Igreja do seu poder salvífico.
***
Por outro lado, estabelece-se a diferença entre a postura dos magos e a de Herodes. Herodes ficou perturbado ao ouvir falar do recém-nascido e a sua curiosidade tinha uma intenção que veio a ser conhecida como maléfica, mas hipocritamente manteve-se imóvel, pois os outros é que lhe deviam fornecer informação; os magos, por sua vez, caminharam, seguiram a estrela.
Porém, quando pretenderam informação à maneira humana, os magos deixaram de a ver. Mas, quando a tornaram a ver, ficaram com imensa alegria e ela guiou-os até ao sítio onde Jesus estava. E o que viram? “Viram o menino com Maria, sua mãe”. E que fizeram? “Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”. E depois? “Depois, avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho”.
O mencionado sacerdote ensinou que a epifania de Cristo sucedeu naquele tempo, mas, se nos cingirmos àquele tempo, estes nossos tempos permanecem na escuridão e a constituir pasto da iniquidade com a diversidade e a virulência das suas manifestações. Cabe a cada um dos cristãos como aprendentes e apóstolos e à Igreja como comunidade epifânica e missionária concretizar a epifania do Senhor hoje, aqui e a partir daqui. Para tanto, é preciso centrarmo-nos não tanto na estrela (Cristo é que é a verdadeira estrela e a luz), mas sobretudo no presépio como Lucas o descreve (vd Lc 2,6-19). Devemos aprender, não outros caminhos feitos pela inveja humana, mas o caminho do presépio – o caminho da simplicidade e da serenidade – e adorar, oferecendo não tanto presentes materiais, mas a mente, a palavra e o coração. Não podemos ficar instalados no nosso fixismo e comodismo, mas marchar ao encontro do Senhor.
E quem vê o menino tem de fazer como os magos, voltar por outro caminho, livrando o menino da sanha herodiana, mas o caminho da mudança de vida pelo afeto à conversão e à missão. É que, se os magos vieram do Oriente, os discípulos têm de ir por todo mundo e fazer discípulos “de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt 28,19-20). É a palavra de ordem para a Epifania do Senhor em todo o mundo – epifania que entronca na epifania dos magos acima evocada e desenvolvida, na epifania do Batismo de Cristo – “rasgaram-se os céus, e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre Ele; e uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu enlevo (Mt 3,16-17) e a epifania de Caná.
Esta refere que Ele, em Caná da Galileia, realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele. Foi a transformação da água em vinho, por intercessão da Mãe que Lhe segredou, Não têm vinho, e disse aos serventes, Fazei o que Ele mandar (vd Jo 2,1-12).
E pronto: é preciso fazer o que Ele manda!

2016.01.03 – Louro de Carvalho 

Sem comentários:

Enviar um comentário