Foi em torno
destes três verbos que o Papa desenvolveu a sua homilia da Missa de
canonização, a 13 de outubro, na Basílica de São Pedro, do Cardeal John Henry Newman, das religiosas Giuseppina Vannini, Maria Teresa Chiramel Mankidiyan, Dulce Lopes Pontes, e
da leiga Margarida Bays.
Partindo do episódio dos 10
leprosos de que fala o texto do Evangelho de Lucas (Lc 17,11-19) assumido para o 28.º domingo do Tempo Comum no Ano C, Francisco
salientou que a palavra do Senhor ao leproso que, tal como os outros, indo de
caminho mostrar-se aos sacerdotes, se sentiu curado da lepra e deu meia volta
para vir agradecer, “A tua fé te salvou” “é o ponto de chegada” do
Evangelho que mostra o caminho da fé. Com efeito, por um lado, o caminho
da fé espelha-se no percurso que Jesus fez com os discípulos para Jerusalém,
onde ia ser sujeito à Paixão em que o Pai o glorificaria e Se glorificaria
n’Ele, sendo a ressurreição dos mortos o certificado da glorificação de Cristo.
Um caminho para o qual Jesus convida quem o quiser seguir e que implica
renúncia e andar sem olhar para trás. Por outro lado, este percurso de fé
mostra-nos três momentos significativos vincados pelos leprosos, sendo que
apenas um – e estrangeiro – executou o 3.º momento: invocar, caminhar e agradecer.
Naqueles
tempos, os leprosos sofriam a doença que os afligia (ainda hoje
presente e a exigir combate) e sofriam
o estigma da exclusão social em razão do perigo de contágio, pelo que deviam
estar isolados do resto do mundo e gritar a quem pressentissem aproximar-se: Impuro, impuro! Também à passagem de
Jesus, aqueles 10 leprosos gritaram, não o pregão estabelecido na Lei, mas o da
confiança. Vão ter com Jesus, mas mantêm-se à distância e invocam-No. Vencem as
exclusões ditadas pelos homens e invocam o Filho de Deus, que não exclui. Não
se contentaram com o que ouviram dizer que Jesus fez a outrem; acreditavam que
Jesus os podia curar. Isto faz dizer ao Santo Padre que “a salvação não é beber um copo de água para estar em forma, mas é ir à
fonte, que é Jesus”. Na verdade, “só
Ele livra do mal e cura o coração; só o encontro com Ele é que salva, torna
plena e bela a vida”. Os leprosos foram à fonte.
Ora, nós não
podemos dizer que isso não nos diz respeito, pois todos nós necessitamos de
cura, Precisamos da cura sobre a pouca confiança em nós mesmos, na vida, no
futuro; sobre os medos que nos paralisam; sobre os vícios que nos escravizam;
sobre a nossa autossuficiência, eu nos isola dos demais; sobre os fechamentos,
dependências e apegos ao jogo, ao dinheiro, à televisão, ao telemóvel, às
opiniões alheias. O Senhor liberta e cura o coração, se O invocarmos.
Ora, invocar remete para a oração que nos leva a chamar a Deus pelo seu nome, o
que é sinal de confidência, de que o Senhor gosta e que faz crescer a fé. Com a
invocação confiante da fé, levando a Jesus o que somos, sem esconder as nossas
misérias, sabemos que Deus salva. Isto é rezar, é mostrar fé. A fé salva e a
oração, que “é a porta da fé”, é “o remédio do coração”.
Depois, é preciso
atentar no facto de os leprosos terem sido curados, não quando estavam diante
de Jesus, mas enquanto caminhavam às ordens de Jesus para se mostrarem aos
sacerdotes, como diz o Evangelho: “Enquanto
iam a caminho, ficaram purificados” (17,14). Foram curados enquanto caminhavam para Jerusalém palmilhando uma estrada
a subir. Também nós somos purificados no caminho da vida, um caminho
frequentemente a subir, porque leva para o alto. A fé requer um caminho, uma
saída e só acontece o milagre, diz o Papa, “se sairmos das nossas cómodas
certezas, se deixarmos os nossos portos serenos, os nossos ninhos confortáveis”.
E o Sumo Pontífice recordou que também o Profeta a Naaman, general sírio que
pedia a cura da sua lepra, indica a tarefa de caminhar até ao rio Jordão para
se banhar sete vezes. Naaman, que esperava o espetáculo da cura milagrosa pelas
rezas e toques do homem de Deus, fica desapontado, pois tinha na sua terra rios
melhores que o Jordão. E foi um servo que o aconselhou a fazer aquela coisa tão
simples que o Profeta lhe recomendara. E ficou curado, o que leva o Sumo
Pontífice a dizer:
“A fé aumenta com o dom e cresce com o risco. A fé atua, quando
avançamos equipados com a confiança em Deus. A fé abre caminho através de
passos humildes e concretos, como humildes e concretos foram o caminho dos leprosos
e o banho de Naaman no rio Jordão (cf 2 Re 5, 14-17). O mesmo se passa connosco: avançamos na fé
com o amor humilde e concreto, com a paciência diária, invocando Jesus e
prosseguindo para diante.”.
Em contexto
sinodal, Francisco sublinha o facto de os leprosos ficarem curados quando se
moviam juntos. O Evangelho refere, no plural, que “iam a caminho” e “ficaram purificados”, pelo que se deduz que “a fé é também caminhar juntos, jamais sozinhos”. E o Papa Bergoglio
anota que, uma vez curados, nove continuam pela sua estrada e apenas um
regressa para agradecer. E Jesus desabafa a sua mágoa perguntando pelos outros nove. Esqueceram que é tarefa dos
homens agradecer. E isto faz-se de forma eminente na Eucaristia, que
nos leva a “ocuparmo-nos de quem deixou de caminhar, de quem se extraviou”,
pois “somos guardiões dos irmãos distantes, todos nós”, somos intercessores por
eles, somos responsáveis por eles, isto é, chamados a responder por eles, a
tê-los a peito”.
Agradecer é a última etapa do percurso. E só àquele que
agradece é que Jesus diz: “A tua fé te salvou”. E é de notar que “não se encontra apenas curado; também está
salvo”. Isto quer dizer que “o ponto
de chegada não é a saúde, não é o estar bem, mas o encontro com Jesus”.
Quando o homem encontra Jesus, brota dele espontaneamente o “obrigado”, porque descobre
o mais importante da vida: “não o receber
uma graça nem o resolver um problema, mas abraçar o Senhor da vida”. E o
Papa desenvolve:
“É encantador ver como aquele homem curado, que era um samaritano,
manifesta a alegria com todo o seu ser: louva a Deus em voz alta, prostra-se,
agradece (cf 17,15-16). O ponto culminante do caminho de fé é viver dando
graças. Podemos perguntar-nos: Nós, que temos fé, vivemos os dias como um peso
a suportar ou como um louvor a oferecer? Ficamos centrados em nós mesmos à
espera de pedir a próxima graça, ou encontramos a nossa alegria em dar graças?”.
Depois,
enuncia os efeitos do agradecimento a Deus:
“Quando agradecemos, o Pai deixa-Se
comover e derrama sobre nós o Espírito Santo. Agradecer não é questão de
cortesia, de etiqueta, mas questão de fé. Um coração que agradece, permanece
jovem. Dizer ‘obrigado, Senhor’, ao acordar, durante o dia, antes de deitar, é
antídoto do envelhecimento do coração, porque o coração envelhece e se habitua
mal.”.
***
Do episódio
dos leprosos, o Pontífice passa ao episódio da canonização, a que procedeu, dos
cinco beatos. Também eles invocaram o Senhor, para se purificarem das tentações
de autossuficiência, dos medos paralisantes, dos vícios que os espreitavam. E
nós agora invocamo-los como intercessores. Também eles caminharam na fé em
conjunto com os irmãos e irmãs. E nós agora queremos associá-los à nossa
caminhada conjunta assumindo-os como luzeiros da doutrina, da fé, da Eucaristia,
da caridade e da misericórdia. Também eles souberam agradecer os benefícios de
que Deus os cumulou, os dons que o Senhor lhes dispensou para benefício da
Igreja e da humanidade. E o Papa sintetiza em breves palavras as suas vidas:
“Três deles são freiras e mostram-nos que a vida religiosa é um caminho
de amor nas periferias existenciais do mundo. Ao passo que Santa Margarida Bays
era uma costureira e revela-nos quão poderosa é a oração simples, a suportação
com paciência, a doação silenciosa: através destas coisas, o Senhor fez reviver
nela, na sua humildade, o esplendor da Páscoa. Da santidade do dia a dia, fala
o Santo Cardeal Newman quando diz: ‘O cristão possui uma paz profunda,
silenciosa, oculta, que o mundo não vê. (...) O cristão é alegre, calmo, bom,
amável, educado, simples, modesto; não tem pretensões, (...) o seu
comportamento está tão longe da ostentação e do requinte que facilmente se
pode, à primeira vista, tomá-lo por uma pessoa comum’ (Parochial and Plain
Sermons, V, 5).”.
E terminou
exortando e rezando:
“Peçamos para ser, assim, ‘luzes gentis’ no meio das trevas do mundo.
Jesus, ‘ficai connosco e começaremos a brilhar como brilhais Vós, a brilhar de
tal modo que sejamos uma luz para os outros’ (Meditations on Christian
Doctrine, VII, 3). Amen.”
***
O Vatican
News em português realça, de entre os cinco beatos canonizados, a Irmã
Dulce Pontes, a primeira santa brasileira, a devotada aos pobres. Assim,
enfatiza:
“Irmã Dulce é santa. A celebração litúrgica com o rito da canonização
reuniu cerca de 50 mil pessoas na Praça São Pedro. Com o “Anjo bom da Bahia”,
foram canonizados também João Henrique Newman, Josefina Vannini, Maria Teresa
Chiramel Mankidiyan, e Margarida Bays.”.
Depois,
relata em três pontos:
“A cerimónia teve início com o rito da canonização: o prefeito da
Congregação para as Causas dos Santos, Cardeal Angelo Becciu, acompanhado dos
postuladores, foi junto do Santo Padre e pediu que se procedesse à canonização
dos beatos.
“O Cardeal apresentou brevemente a biografia de cada um deles, que foram
então declarados santos. Seguiu-se a ladainha dos santos e o Pontífice leu a
fórmula de canonização.
“O prefeito da Congregação, sempre acompanhado dos postuladores, agradeceu
ao Santo Padre e o coro entoou o canto do Glória.”.
E refere
que, “na homilia, o Papa Francisco comentou o Evangelho deste 28.º Domingo do
Tempo Comum, que narra a cura de 10 leprosos”, como já foi desenvolvido, em
torno dos verbos invocar, caminhar e agradecer.
***
Antes de
concluir a celebração eucarística da canonização, o Santo Padre rezou com
os fiéis a oração mariana do Angelus
e fez dois apelos: ao Médio Oriente e ao Equador.
Formulou uma
saudação e um agradecimento a todos, nomeadamente aos cardeais, bispos, sacerdotes,
monjas, religiosos e religiosas de todo o mundo, em especial aos que pertencem
às famílias espirituais dos novos Santos, e aos fiéis leigos ali reunidos.
Saudou as delegações
oficiais de vários países e, em particular o Presidente da República Italiana e
o Príncipe de Gales, pois, com o seu testemunho evangélico, estes Santos
fomentaram o crescimento espiritual e social nas respetivas nações. E dirigiu
uma saudação especial aos delegados da Comunhão anglicana, com profunda
gratidão pela sua presença.
Saudou todos os
peregrinos, bem como todos os que seguiram aquela Missa através da rádio e da televisão.
E dirigiu uma saudação especial aos fiéis da Polónia que celebravam o Dia do
Papa: agradeceu as suas orações e o seu constante afeto.
Os seus pensamentos
dirigiram-se uma vez mais para o Médio Oriente, em particular, para a amada e
martirizada Síria, de donde voltam a chegar notícias dramáticas sobre o destino
das populações do nordeste do país, obrigadas a abandonar os seus lugares por
causa das ações militares: entre estas populações há também muitas famílias
cristãs. E renovou o seu apelo a todos os atores envolvidos e à comunidade
internacional no sentido de se comprometerem com sinceridade honestidade e transparência
no caminho do diálogo para buscar
soluções eficazes.
Referiu que,
juntamente com todos os membros do Sínodo dos Bispos para a Região
Pan-Amazónica, especialmente os equatorianos, seguia com preocupação o que tem
vindo a suceder no Equador nas últimas semanas. Encomendou o país à oração comum
e à intercessão dos novos Santos, unindo-se à dor pelos mortos, feridos e
desaparecidos. Animou-o a buscar a paz social, com especial atenção às populações
mais vulneráveis, aos pobres e aos direitos humanos.
E, por fim,
exortou a que todos se dirigissem à Virgem Maria, modelo de perfeição
evangélica, para que nos ajude a seguir o exemplo dos novos Santos, que são
nossos intercessores e luzeiros nesta nossa caminhada de fé, de oração, de
testemunho evangélico e de caridade na justiça.
2019.10.14 – Louro de Carvalho
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