A licenciada
em economia e professora catedrática convidada do ISEG Manuela Silva, que foi Secretária
de Estado para o Planeamento no I Governo constitucional, pioneira no estudo da
desigualdade e pobreza, morreu no passado dia 7 de outubro, ao 87 anos de
idade, como divulgou, no dia 8, o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).
O Presidente
da República, como se lê em nota publicada na página da internet da Presidência
da República, lamentou a sua morte nos termos seguintes:
“No contexto do saber nas áreas do desenvolvimento e económico e social,
a sua morte constitui uma perda de grande relevância para o nosso país”.
Com uma vida
dedicada a causas de grande relevância económica e social, nas quais se incluem
a justiça social, a luta contra a pobreza e a defesa dos Direitos Humanos,
desempenhou vários cargos de relevância como sejam o de Presidente da Comissão
Nacional Justiça e Paz, da Igreja Católica em Portugal, fundadora da Fundação
Betânia, Diretora do Gabinete de Estudos Sociais do Ministério da Saúde e
Secretária de Estado para o Planeamento, no I Governo Constitucional (1976-77) – recorda a Presidência da República.
O Palácio de
Belém lembra que, em paralelo, foi “investigadora
e professora em várias instituições do ensino superior, com referência para o
Instituto Superior de Economia e Gestão, lecionou nas áreas do planeamento,
política económica, política social e economia portuguesa, onde se evidenciou
em trabalhos de elevado reconhecimento nacional e grande relevância no processo
de desenvolvimento económico e social de Portugal”.
Também Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da
República, lamentou a morte de uma “mulher
de causas” cuja morte “constitui uma perda
para Portugal”. Disse o socialista à agência Lusa que a economista de grande mérito e académica por excelência
se destacou “no combate às desigualdades, tendo sido, até ao seu
desaparecimento, uma das vozes mais importantes na temática da pobreza, em cuja
erradicação se empenhou particularmente”.
O presidente da Assembleia da República acrescentou:
“Em todas as organizações por que passou,
bateu-se sempre por mais e maior justiça, pela paz. Em todas defendeu que não
existe desenvolvimento sem combate à pobreza e às desigualdades.”.
Em
comunicado a Comissão Nacional
Justiça e Paz (CNJP) refere que recebeu “com
pesar a notícia do fim da vida terrena de Manuela Silva, que foi sua presidente”. E escreve:
“Ficará para sempre em nós marcado o seu testemunho de dedicação
constante e incansável às causas da Justiça e da Paz, inspirada no Evangelho e
da doutrina social da Igreja. Essa dedicação abarcou os âmbitos académico,
social, político e eclesial. Sempre teve uma atenção especial à causa do
combate à pobreza como violação dos direitos humanos.”.
O velório
decorreu ao final da tarde do dia 8, na Igreja da Ressurreição, em Cascais,
tendo o funeral tido lugar hoje, dia 9 de outubro, às 14 horas.
Agraciada
com a Grã-Cruz do Infante Dom Henrique em 2000 pelo então Presidente da
República Jorge Sampaio, Manuela Silva desempenhou vários cargos na
Administração Pública ao longo da sua vida, tendo sido Secretária de Estado
para o Planeamento no I Governo constitucional e integrando diferentes grupos
de peritos no âmbito da União Europeia, Conselho da Europa e OIT (Organização
Internacional do Trabalho).
Em 2013
recebeu o Doutoramento ‘honoris causa’
pela Universidade Técnica de Lisboa.
O ISEG
presta-lhe homenagem, reconhecendo, publicamente, a sua especial distinção como
sua estudante, professora catedrática convidada, presidente do Conselho
Pedagógico, diretora da Revista de Estudos de Economia, membro-fundador do
CISEP (Centro de Investigação Sobre Economia Portuguesa) e Doutora
Honoris Causa pela então Universidade Técnica de Lisboa.
Como se
referiu, na sua intervenção cívica, presidiu à Comissão Nacional Justiça e Paz,
com a qual sempre colaborou, destacando-se o trabalho pioneiro desenvolvido no
estudo da pobreza e das desigualdades em Portugal, mas também foi presidente do
Movimento Internacional dos Intelectuais Católicos, fundadora e presidente
vitalícia da Fundação Betânia e coordenou o Grupo Economia e Sociedade (GES).
Como
pioneira no estudo do desenvolvimento comunitário em Portugal e no estudo da
desigualdade e da pobreza, a ela se deve a coordenação dos primeiros estudos
científicos sobre a pobreza realizados em Portugal nos anos 80. Ao longo da sua
carreira publicou diversos livros e estudos sobre a economia e a sociedade em
Portugal, nos quais revelou sempre uma profunda preocupação com os problemas do
desenvolvimento, com as desigualdades, a injustiça social e as diversas formas
de pobreza e de exclusão social. E publicou vários livros de espiritualidade,
como, por exemplo “Utopia Cristã
e Aventura Humana” e “Pelos Caminhos
da Fé”, ambos da Multinova (2008); e “Ouvi do Vento”,
da Pedra Angular (2010).
Dela diz
a CNJP:
“Dotada de uma extraordinária capacidade de
iniciativa, dinamismo e organização de trabalho em equipa, Manuela Silva nunca
esmoreceu na dedicação a essas causas, nem com o avançar da idade, nem com a
doença que a veio a vitimar. É disso exemplo a criação recente da rede ‘Cuidar da Casa Comum – a Igreja ao serviço
da Ecologia Integral’, rede a que a CNJP também se associou juntamente com
muitas outras organizações. Foi ela a sua alma inspiradora, lançando uma
semente de uma planta que há de crescer e dar frutos. Fê-lo na última fase da
sua vida terrena, como se não quisesse desperdiçar nenhum momento dessa vida, nem
mesmo os últimos, para se dedicar à missão a que se sentia chamada.”.
Segundo o presidente da CNJP, Comissão Nacional Justiça e Paz, Manuela
Silva “não quis desperdiçar nenhum
momento da sua vida, nem mesmo os últimos, ao serviço da missão a que se sentia
chamada por Deus”. E Pedro
Vaz Patto diz que ela sobressai como uma figura “dotada de uma extraordinária
capacidade de iniciativa, trabalho e organização”, que conseguia levar “sempre
os outros a trabalhar com ela”.
É recordada como uma economista ao serviço das pessoas. É a economista católica que defendia que a pobreza é uma violação de
direitos humanos. A agência Ecclesia,
recorda-a como “uma mulher de causas”, com um “dinamismo único” e um percurso
“inspirado no Evangelho e na doutrina social da Igreja”.
Percurso académico e militância religiosa cruzaram-se
ao longa da sua vida, com a economista a centrar a sua investigação nas áreas
da pobreza, das desigualdades e da distribuição de rendimentos, defendendo
políticas económicas dirigidas em primeiro lugar ao bem-estar social.
Durante a troika, foi voz ativa contra o programa de
estabilidade, colocou-se ao lado dos que consideravam que nem toda a dívida
pública era legítima e demarcou-se das vozes que dentro da Igreja saíram
em defesa do Governo.
Numa entrevista ao Negócios
durante a fase de assistência financeira, lamentava que “na nossa
sociedade, certas camadas sociais tenham crivos muito apertados para julgar os
mais pobres e deixem passar as grandes funcionalidades no topo da escala
social”.
Na agência Ecclesia, o padre José Manuel Pereira de
Almeida, que acompanhou Manuela Silva na CNJP, recorda-a como uma mulher “com
um dinamismo único, que liderava todos os projetos com grande determinação. Uma
mulher de causas, que criou a Fundação Betânia sonhando com uma Igreja mais
fiel ao Evangelho”. E Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG, refere:
“O legado da intervenção de Manuela Silva,
como economista, como professora Universitária e como católica profundamente marcada
pela doutrina social da Igreja, marcou profundamente o ISEG, os seus alunos e
os colegas com quem trabalhou. A sua visão de uma economia ao serviço das
pessoas, a necessidade de um desenvolvimento socioeconómico sustentado e
inclusivo permanece como um dos pilares da missão do ISEG e, em particular, do
ensino aqui ministrado.”.
***
Entre as obras por ela publicadas, que refletem muitas das suas
preocupações, estão Dizer Deus – Os textos da fé na
leitura das mulheres, Teologia e Género –
Perspectivas, ruídos, novas construções, Ouvi do Vento (já referido), No Jardim do Peixe e Resiliência Criatividade Beleza.
Em outubro de 1999, faz agora 20 anos, dizia, numa entrevista ao Público: “Acredito ou quero acreditar que a Igreja do futuro terá um jeito mais
feminino e menos petrino do que o que conhecemos”. E, citando um verso de
Sophia – “Dançam de alegria porque o mundo
encontrado é muito mais belo do que o imaginado” – dizia
que essa era uma visão da esperança: “Eu
gostaria de ter sempre esse olhar esperançoso sobre a realidade, qualquer que
ela seja. É um modo de olhar que permite ver, no meio de ruínas, as flores que
nelas desabrocham.”.
No seu último “Escrito do mês”,
na página da Fundação Betânia, que criou e à qual presidia, dizia:
“A ecologia de que fala a [encíclica do
Papa Francisco] Laudato Si’ é,
assim, simultaneamente, uma ecologia ambiental mas também económica, cultural,
política, bem como uma referência para a ecologia na vida no quotidiano”.
Esta afirmação sintetiza a visão de Manuela Silva, aquela que confessava
que “gostaria de ter sempre” um olhar
esperançoso sobre a realidade”.
Economista de formação e profissão, foi a primeira, com Alfredo Bruto da
Costa, a dinamizar estudos sobre a realidade da pobreza em Portugal. A
propósito repetia amiúde que o fenómeno da exclusão social é evitável e
insustentável e que isso só pode resolver-se mediante a transformação radical
na forma de organizar os recursos e de os partilhar, ou com conceitos como “uma
nova concepção do trabalho, da empresa, de repartição dos recursos, de
responsabilização dos agentes económicos, do controlo dos mercados
financeiros”, como dizia numa entrevista ao Público.
A coerência era uma virtude que buscava em permanência. E, neste sentido
pretendia “ampliar as perguntas e ser coerente com as respostas”.
Apesar – ou por causa – da economia, nunca deixou de dar atenção a outras
áreas como a espiritualidade cristã, a formação, a educação, o empenhamento nas
questões da justiça e da paz ou o desenvolvimento, e também sobre o
desenvolvimento comunitário, repartição do rendimento e retorno de emigrantes.
Nos últimos anos, a par da luta contra a doença, e na sequência da publicação
da Laudato Si’, tinha dinamizado a rede Cuidar da
Casa Comum, composta por pessoas, instituições e grupos atentos à emergência
climática e que se propõe sensibilizar as igrejas cristãs e a sociedade para a
urgência da conversão ecológica. Para ela, este empenhamento sintetizava muito
do seu pensamento, uma vez que os problemas ambientais são reflexo da má distribuição
da riqueza, da sobre-exploração de recursos, dos investimentos que continuam a
destruir o planeta e o futuro das gerações mais jovens e, ao mesmo tempo,
criam franjas enormes de pobres.
***
Nascida a 26 de Junho de 1932, em Cascais, Manuela Silva licenciou-se em
economia e foi professora catedrática convidada no ISEG (da então
Universidade Técnica de Lisboa, hoje integrada na Unidade de Lisboa), entre 1970 e 1991. Na mesma escola receberia, em
Julho de 2013, o doutoramento honoris causa. E foi
investigadora honorária no Instituto de Ciências Sociais.
Como se disse, foi Secretária de Estado para o Planeamento no I Governo
Constitucional (1976-77) após a
implantação da democracia, em 1974, trabalhou em vários grupos de trabalho no
âmbito da Comissão Europeia e do Conselho da Europa e presidiu à assembleia
geral do CESIS (Centro de Estudos para a Intervenção Social). Foi membro do Graal, movimento internacional de
mulheres católicas, na década de sessenta, e presidente do Movimento
Internacional dos Intelectuais Católicos/Pax Romana (1983-87), da Juventude Universitária Católica Feminina (1954-1957) e da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Igreja
Católica (2006-08). E criou,
em 1990, a Fundação Betânia, que
se propõe, entre outras coisas, “suscitar a procura de novos alicerces
culturais e espirituais” ou “criar espaços de beleza, de silêncio, de
interioridade e de comunhão, que incentivem o encontro mais fundo de cada
pessoa consigo própria, com os outros, com natureza e com o Absoluto”.
***
Como nota pessoal, recordo que participei num seminário, em janeiro de
1987, para reitores de santuários e organizadores de peregrinações, em Fátima,
iniciativa do Secretariado Nacional do Episcopado, então dirigido por Monsenhor
Arnaldo Pinto Cardoso.
Foram convidados especiais a Dra. Manuela Silva e o Dr. Alberto Ramalheira
(este foi
Secretário de Estado dos I e II governos constitucionais), que foram uma mais-valia para a reflexão dos
participantes. Apreciei o facto de me falarem bem do clero de Lamego, com
destaque para Monsenhor Ilídio Fernandes, pela obra social e espiritual que
desenvolveu na diocese.
Evoco a
conferência provocatória de Manuela Silva
sobre os santuários como lugares de acumulação de capital. Foi uma intervenção
muito assertiva, mas muito bem fundamentada e que levou o Reitor do Santuário
de Fátima, então Monsenhor Luciano Paulo Guerra, a expor e a explicar o modo
como funcionava o Santuário de Fátima e as formas como eram captadas as
receitas e como se fazia a sua gestão de modo a honrar os compromissos, fazer
obra e satisfazer as obrigações de solidariedade, pelo lado da justiça e da
caridade.
Por
outro lado, sempre estiveram presentes nas intervenções de outros e nos
trabalhos de grupo como os demais participantes.
Registo
esta boa impressão que estes participantes e oradores me deixaram, enquanto
rogo a Deus que premeie na eternidade a lutadora insigne contra a pobreza que
nestes dias a sociedade e a Igreja têm em mente.
2019.10.09 –
Louro de Carvalho
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