No dia 11 de
outubro de 1966 (já lá vão 53 anos),
celebrou-se na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, no Santuário de Fátima, a sagração
(designava-se
assim a ordenação episcopal) de Dom
Américo Henriques, que Paulo VI nomeara por Bispo titular de Tisíli e Bispo auxiliar
de Lamego a 5 de julho daquele ano e que, a 17 de abril de 1967, veio a nomear Bispo
Coadjutor de Lamego, com direito a sucessão. Não fiz parte do grupo de Lamego
que foi a Fátima, mas ouvi o relato que um dos contemplados com a viagem nos
fez das cerimónias e de algumas impressões que padres da diocese de Leiria-Fátima
terão comunicado sobre o novel prelado, sintetizadas na frase metafórica: Levais para Lamego o nosso melhor vinho.
O dia 11 de
outubro não foi escolhido por acaso. Era o dia da festa da Maternidade de
Maria, que foi estabelecida por Pio XI em 1931, por ocasião do 15.º centenário
do Concílio de Éfeso em que o dogma da maternidade foi proclamado. Com efeito, Maria
é Mãe de Jesus, porque Lhe deu o corpo e o sangue. O Filho de Deus, porque incarnou
verdadeiramente d’Ela, é seu Filho. A este respeito, escrevia São Pio X na Encíclica
Ad diem illium, de 2 de fevereiro de
1904:
“Exortando-nos a
venerar assim a Mãe do Salvador, a Santa Igreja quer despertar em nós sentimentos
de amor filial para com Aquela que Se tornou, na vida da graça, nossa
verdadeira Mãe por nos ter dado o Autor da vida. Todos nós, que vivemos unidos
com Jesus Cristo e fazemos parte do seu corpo místico, saímos do seio de Maria
como corpo unido com a cabeça. É Mãe de todos nós, Mãe espiritual, mas
verdadeiramente Mãe dos membros de Cristo.”.
Com a reforma litúrgica na sequência do Concílio Vaticano II
e com a subsequente reforma do calendário litúrgico, a festa passou para o dia
1 de janeiro, termo da Oitava do Natal, sob a designação de Solenidade de Santa
Maria Mãe de Deus, na abertura do ano civil.
***
Dom Américo
Henriques, filho de Luís Henriques e de Ana de Jesus, nasceu a 6 outubro de 1923 em Alburitel, à época da
freguesia de Seiça, concelho da Vila Nova de Ourém, da diocese de Leiria-Fátima.
Fez os seus
estudos no seminário da sua diocese. Foi enviado para Roma em 1946, onde se
licenciou em Teologia e Sagrada Escritura, na Universidade
Gregoriana e no Pontifício Instituto Bíblico, respetivamente. Foi ordenado sacerdote em Roma, em 19 de julho de 1947.
Regressou a Portugal e logo exerceu vários cargos: professor, vice-reitor e reitor
do seminário de Leiria.
Feito sucessivamente
Bispo Auxiliar e bispo Coadjutor de Lamego, como se disse, passou a Bispo
residencial em 2 de fevereiro de 1971, por motivo de resignação de Dom João da
Silva Campos Neves. E, a 19 de fevereiro do ano seguinte, foi transferido para
a diocese de Nova Lisboa (agora arquidiocese de Huambo), vacante há quase dois anos, por morte do seu primeiro
Bispo, Dom Daniel Junqueira. Estava esta diocese angolana a cargo do Padre
Delfim da Silva Pedro, administrador apostólico, que passou, após a nomeação de
Dom Américo, a governador da diocese até à posse e entrada solene do prelado.
O Padre
Agostinho Ekongo, na rubrica “A
Arquidiocese do Huambo desde as suas origens”, dá-nos informação detalhada sobre
o exercício episcopal de Dom Américo Henriques, que tomava posse da diocese dois
anos depois da morte de Dom Daniel Junqueira. Chegou ao Aeroporto de Nova
Lisboa às 7,45 horas do dia 29 de junho de 1972, provindo de Luanda. Aguardavam-no
centenas de pessoas de todas as classes sociais, muitos sacerdotes e muitas
religiosas, bem como as autoridades civis do então Distrito do Huambo, as
autoridades militares, judiciárias e académicas e os Bispos de Carmona (Uige), Dom Francisco da Mata Mourisca, de Benguela, Dom Armando Amaral dos Santos, e de Silva
Porto (Kuito-Bié), Dom Manuel Antonio Pires.
À saída do
avião, depois de ter ajoelhado em terra, em breve oração, Dom Américo Henriques
que era acompanhado desde Luanda por Dom Eduardo André Muaca, em representação
do Arcebispo de Luanda, Dom Manuel Nunes Gabriel, foi cordialmente saudado pelo
Governador do distrito do Huambo, o Dr. Mário Pereira de Matos, pelo Presidente
da Câmara Municipal de Nova Lisboa, Jaime Silva, pelo Comandante da Zona
Centro, pelo Comandante Distrital da Polícia de segurança Pública e outras
individualidades de relevo. Ainda na pista do Aeroporto, o novo Bispo diocesano
saudou todos os habitantes da diocese de Nova Lisboa, através dos microfones da
Rádio Clube de Nova Lisboa.
Recebidos os
cumprimentos dos sacerdotes, das religiosas e das muitas pessoas que enchiam as
salas e as varandas da aerogare, o Bispo dirigiu-se em cortejo automóvel para a
Casa Episcopal e com ele os outros Bispos e as autoridades, bem como todos que
o aguardavam.
Às 9,30
horas, realizou-se a sessão solene de boas vindas, no salão nobre do Paço do
Concelho de Nova Lisboa, com a presença das individualidades mencionadas acima.
Tomou a palavra o Presidente da Câmara, em nome da cidade, a que se seguiu o
Governador em nome do Distrito e, por fim, Dom Américo Henriques.
Foi servido
o almoço de confraternização no Seminário Maior de Cristo Rei de Nova Lisboa,
com a presença dos bispos já referidos, das superioras das restritas ao
Bispado, as representantes das várias Congregações Religiosas a trabalhar na diocese,
masculinas e femininas e dos alunos do Seminário Maior.
O Padre Dr.
José Adílio Barbosa de Macedo, reitor do Seminário Maior de Cristo Rei, usou da
palavra para exprimir a alegria de toda a diocese pela presença do seu Pastor,
há tanto tempo esperado. E o Bispo falou da sua disponibilidade ao serviço da diocese
e disse que contava com a colaboração e amizade dos sacerdotes, sem dúvida, a
parte mais querida para um bispo.
Às 18,30
horas, na Sé Catedral, iniciou-se a celebração da Missa que marcou a tomada de
posse do prelado com a presença dos bispos, sacerdotes, religiosos e
religiosas, autoridades civis, militares e policiais e considerável presença e
participação de leigos e de diversos responsáveis de grupos apostólicos.
Presente na solene celebração eucarística para transmitir em direto esteve a
Rádio Clube de Nova Lisboa, bem como os órgãos de imprensa “O Planalto” e “A Província de Angola”, que fizeram a cobertura de todo
acontecimento.
Depois da
Missa, seguiu-se o jantar de confraternização no Palácio do Governo oferecido
pelo Governador, com a presença dos Bispos, Presidente da Câmara, Comandante da
zona Militar, Representante da Universidade, Juiz da Primeira Vara, Padre
Delfim da Silva Pedro, que exercera o múnus de Administrador Apostólico e, depois,
o de governador do Bispado e o secretário de Dom Américo Henriques, o Padre
Adelino Rodrigues Ferreira.
No dia 19 de
julho de 1972, o pelado celebrou os 25 anos do seu sacerdócio, tendo presidido
na Sé Catedral à concelebração de cerca de 80 sacerdotes e ordenado um diácono
e um presbítero. Participaram muitas religiosas, leigos e autoridades,
destacando-se o Governador do distrito. À homilia, o Bispo agradeceu a presença
amiga de todos, evocou os 25 anos do seu sacerdócio e, dirigindo-se aos
ordenados, convidou-vos a seguir o exemplo de Cristo, que veio não para ser
servido, mas para servir, que fez e ensinou, que encaminha o rebanho marchando
à frente. Depois, lembrou aos sacerdotes que se tornaram ministros de Deus,
servos da Igreja e homens dos homens e pediu aos cristãos que orassem
constantemente a fim de que o Espírito de Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote, se
comunicasse a todo o Presbitério, de modo que os sacerdotes se assemelhassem efetivamente
no ser e no múnus a Cristo Sacerdote eterno.
No ano seguinte,
a 6 de outubro, Dom Américo celebrou os seus 50 anos de vida, em que deu graças
a Deus pela vida, pela fé e pelo sacerdócio.
Segundo o Padre
Ekongo, o período de serviço deste prelado foi breve, mas cheio de vitalidade.
À luz do Concílio Ecuménico Vaticano II, procurou reorganizar a vida
missionária e pastoral da diocese. Assim, no dia 3 de setembro de 1973, lançou
as bases do Secretariado Diocesano de
Construções, instalando um gabinete próprio na casa Episcopal cuja competência
se espelhava na elaboração de projeto e plantas e na orientação de construção
de igrejas e outras obras diocesanas. E, para dirigir este secretariado, chamou
o Padre Boaventura Domingos.
Por decreto
episcopal de 7 de outubro de 1973, criou a Missão
Feminina da Calomanda, que foi confiada ao Instituto das Cooperadoras da
Família. Ainda dentro das suas competências, Dom Américo, a 16 de novembro de
1973, publicou dois decretos a criar o Secretariado
Diocesano do Ensino Religioso Médio e o Secretariado
Diocesano do Ensino Primário nas Missões. O primeiro foi confiado ao Padre
José Adílio Barbosa de Macedo e o segundo ao Padre Jacinto Gole. Ao longo do
seu episcopado dois sacerdotes do clero diocesano foram nomeados e depois
sagrados Bispos: Dom Zacarias Kamwenho, a 23 de novembro de 1974; e Dom
Francisco Viti, a 28 de setembro de 1975. Com a sagração episcopal de Dom
Zacarias, então vigário geral, nomeou vigário geral o Padre Eugénio Salessu, do
clero diocesano.
Soprando os
ventos da independência, pairava em Angola um clima de incerteza e turbulência,
pelo que muitos missionários deixaram Angola. Para o Bispo diocesano, chegou
também o momento de tomar uma decisão. E, a 30 de setembro de 1975, comunicou a
sua decisão de sair da diocese, decisão já aceite pelo Delegado Apostólico. Na sequência,
reuniu o conselho dos consultores para constituir o grupo do governo da diocese.
Assim, criou um Conselho de Governo constituído pelos Padres Eugénio Salesu (mais tarde
Bispo de Malange), vigário
geral e presidente do grupo, Pedro Luís António, Camilo Cangumbe, Tomás
Pilartes da Silva, Celestio Wilala e Bernardo Bongo, este último dos
missionários do Espírito Santo.
Dom Américo deixou
a diocese a 7 de outubro de 1975, num avião da Cruz Vermelha. Neste mesmo avião
viajaram as últimas Irmãs do Instituto de Auxiliadoras de Família que durante
três anos prestaram relevante trabalho na Casa Episcopal e fundaram a Missão
Católica feminina da Calomanda. São ignoradas as causas da renúncia, mas é
natural que temesse pela segurança pessoal e não quisesse obstar à nomeação dum
bispo autóctone. A verdade é que Dom Américo tomou a decisão e, naquele ano,
regressou a Leiria-Fátima, onde viveu o resto da sua vida sem mais ter assumido
uma diocese, mas só passou a Bispo emérito a 13 de abril de 1976.
Faleceu com
82 anos, no dia 14 de agosto de 2006, na Casa do Clero, em Fátima. O funeral
realizou-se dois dias depois, na Catedral de Leiria, seguindo o corpo para a
sua terra natal. As exéquias fúnebres realizaram-se
no dia 16, na Sé de Leiria, sob a presidência de Dom Serafim de Sousa Ferreira
e Silva, Bispo emérito de Leiria-Fátima.
O Padre José Luís Ferreira, pároco da freguesia de onde o
Bispo emérito do Huambo era natural, dizia que “é com um sentimento de admiração e serenidade que o povo de Alburitel
vai recordar Dom Américo Henriques”. O Bispo “era uma pessoa que se mantinha próxima”, que “mantinha a sua
residência junto à igreja paroquial” e que “todas as semanas regressava a
Alburitel”, revelando até ao fim um afeto muito próximo com as pessoas da terra,
fruto do qual é a doação da sua residência à paróquia e de um contributo para
ajudar a erguer um monumento mariano. E referia o sacerdote: “Vou recordar o Bispo corajoso e fiel que foi”.
***
Regressado de
Nova Lisboa (Huambo) a Leiria, foi professor de Sagrada
Escritura no Instituto Superior de Estudos Teológicos, em Coimbra, e no
Seminário Diocesano de Leiria, onde passou a residir em ambiente de
recolhimento. Versado em hebraico, grego e latim, bem como em várias outras
línguas, foi um dos maiores especialistas em estudos bíblicos do seu tempo,
tendo colaborado na tradução de várias edições da Bíblia para português. A vida
espiritual intensa, a atitude contemplativa perante a natureza e a extrema
simpatia e humanidade com que se relacionava com todos foram suas caraterísticas
marcantes.
Os estudos bíblicos constituíram um interesse permanente na
sua vida e ministério sacerdotal e episcopal. Colaborou na versão da Bíblia em
português, designadamente com a tradução e notas do Cântico dos Cânticos, da Carta
de Tiago, da Carta de Judas e do Apocalipse, para Bíblia Sagrada, da MEL Editores (maio
de 2013), edição a partir da Bíblia
Ilustrada da Editorial Universus (direção do cónego José Galamba de Oliveira, de 1959 a 1970) e com a com a
tradução do 1.º Livro das Crónicas e do
Evangelho de Marcos, para a mais recente
edição da Bíblia Sagrada editada pela
Difusora Bíblica (1998 e 2018).
***
Em
Lamego, só foi Bispo residencial durante um ano, embora tenha sido Bispo Auxiliar
e Coadjutor durante quase 5 anos. Portanto, a sua obra não se evidenciou. Não obstante,
revelou-se um Bispo próximo, de trato afável, aberto a novas experiências e muito
exigente.
Recordo que,
numa das primeiras visitas ao Seminário Maior, nos motivou para a aquisição da
Bíblia, dizendo que não se compreendia um seminarista que não tivesse a Bíblia
completa. Autorizou a ida de seminaristas dos últimos anos à experiência de
trabalho no estrangeiro, designadamente na Alemanha e na França. Valorizava a
reunião com o clero diocesano na sede da diocese e nas zonas pastorais. Estabeleceu,
com a colaboração do então cónego António José Rafael (depois,
Bispo de Bragança e Miranda),
que em cada arciprestado houvesse um sacerdote encarregado do desenvolvimento
da pastoral da evangelização, outro para a liturgia e outro para a atividade sócio-caritativa.
Dedicou-se
com afinco às visitas pastorais. Acompanhei-o às visitas pastorais de Mezio,
São Joaninho e Pendilhe, como o acompanhei no encerramento duma atividade de
catequese familiar em Pendilhe, bem como na inauguração do Centro paroquial de Pendilhe
por ocasião das bodas de prata do pároco de então, o cónego Clara Ângelo.
Procedeu ao lançamento da 1.ª pedra da nova igreja de Alvite, iniciou obras de
melhoria no Seminário de Resende e benzeu e inaugurou a igreja remodelada do
Seminário de Lamego, por ordem do antecessor.
Interessou-se
pelas celebrações e participação dos fiéis na Sé Catedral, onde servi como
turiferário. Urgiu a implantação de altar versus
populum nas igrejas e tentou, sem êxito eliminar altares laterais, considerados
em excesso em muitas delas, o que trouxe problemas a alguns párocos. Tomou a
seu cargo a conferição da prima-tonsura e as ordens menores e maiores. Bastantes
sacerdotes receberam ordens das suas mãos. Os primeiros sacerdotes foram (15-8-1967): Augusto Souto, Fernando Artur Mergulhão,
João Crisóstomo e Sabino Pinto de Almeida.
Sem agradar
a todos, foi um bispo dedicado de muitos em Lamego guardam boa memória.
2019.10.11- Louro
de Carvalho
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