quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Na reta final do Sínodo Pan-amazónico… Um briefing, um esclarecimento, um livro, uma catequese



Na conferência de imprensa que decorreu no dia 23, na Sala de Imprensa da Santa Sé, esteve em destaque o tema da presença fundamental da mulher na Igreja, que tem sido debatido no Sínodo.
Paolo Ruffini, Prefeito do Dicastério para a Comunicação, falou do andamento da Assembleia sinodal e tomaram também a palavra Irmã Roselei Bertoldo, o Padre Zenildo Lima da Silva, Reitor do Seminário São José de Manaus e Vice-presidente da Organização dos Seminários e Institutos do Brasil, Dom Gilberto Alfredo Vizcarra Mori, Vigário apostólico de Jaén, no Peru, Dom Ricardo Ernesto Centellas Guzmán, Bispo de Potosí e Presidente da Conferência Episcopal da Bolívia, e o Cardeal Oswald Gracias, Arcebispo de Bombaim e Presidente da Conferência dos Bispos da Índia.
Nos dias 21 e 22, os círculos menores elaboraram as propostas; o relator geral e os secretários especiais inseriram-nas com a ajuda dos especialistas. E a Comissão de Redação revê o texto que será apresentado na Sala do Sínodo para as votações no próximo dia 26. É um texto que será depois confiado ao último discernimento do Papa, explicou o secretário da Comissão para a Informação, Padre Giacomo Costa. E Ruffini evidenciou o chamamento à sinodalidade e à ação do Espírito Santo, evocados pelo Papa na audiência geral que decorreu na manhã do mesmo dia.
Entre os relatores, quem primeiro tomou a palavra foi uma mulher, a Irmã Roselei Bertoldo, da Congregação das Irmãs do Coração Imaculado de Maria e da Rede “Um grito pela Vida”, uma vida, a sua vida, dedicada a erradicar o tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças, no Brasil. Apontou como um dos maiores problemas a servidão doméstica, quando as meninas são levadas embora da comunidade indígena para estudar fora e acabam por ser exploradas sexualmente e levadas a trabalhar em situação “de escravidão”.
A Irmã Roselei denunciou, com paixão e amor, que o corpo destas mulheres e meninas se torna uma mercadoria e frisou que isso é difícil de denunciar. Por isso, a Rede em que trabalha faz, em primeiro lugar, uma campanha para ajudar a reconhecer uma situação de abuso, para depois formar as pessoas colocando-as em condições de denunciar.
O Sínodo chama a atenção para esse drama e, segundo a religiosa, ressalta que o compromisso com a evangelização parte também da tutela da vida. E, em resposta a uma pergunta, a religiosa vincou a importância da participação das mulheres inclusive a nível de decisões.
A presença das mulheres na Igreja é maioria, mas nos âmbitos de decisão é minoria, quase invisível” – observou Dom Ricardo Ernesto Centellas Guzmán, que exortou a um maior envolvimento das mulheres nos processos de decisão na Igreja, partindo das paróquias. Em particular, contou a experiência de uma agente pastoral da sua diocese, que tem como mulher uma abordagem diferente em relação ao homem: pede sugestões, permitindo a participação.
Ora, Igreja sinodal significa não só “caminhar juntos”, mas também “decidir juntos”. E o Padre Zenildo Lima da Silva enfatizou que, se a autoridade de governo, na Igreja, é masculina, a atividade pastoral é preponderantemente feminina. E a sua intervenção incidiu sobre a formação dos presbíteros e a sua exortação foi a que se repense o processo partindo da sinodalidade, pois é preciso formar sacerdotes capazes de trabalhar na realidade da Amazónia e de dialogar com essas culturas. E evidenciou, no atinente à comunicação, a importância de se colocar num processo de escuta e diálogo.
O mundo andino, o Chade, a floresta do Peru são visitados por Dom Gilberto Alfredo Vizcarra Mori, jesuíta, que falou do desejo de se aproximar de outras culturas e da experiência de enriquecimento que daí resulta. Preparou-se para o Sínodo indo viver na selva peruana com as comunidades. Disse que estes povos se sentem parte do bioma e não donos da beleza da criação e exortou a readquirir o viver em harmonia com a natureza e aprendendo com eles.
Uma grande experiência de aprendizagem. Com estas palavras, o Cardeal Oswald Gracias, sintetizou a sua vivência sinodal. Além da grande violência contra a natureza, o purpurado confessou-se impressionado com as injustiças contra os indígenas da Amazónia, expulsos de suas casas, e comparou esta situação à das castas na Índia e das tribos expulsas de suas terras, embora “em nosso caso”, explicou, seja “menos sistemático”. Mas o que mais o impressionou foi “a paixão” com que os bispos amazónicos procuram ajudar aqueles povos: “O mundo tem muito a aprender” com os bispos da América do Sul – afirmou. No respeitante às mulheres, observou que o Direito canónico e a própria teologia permitem fazer mais pelas mulheres na Igreja e, no concernente à inculturação, evidenciou a importância de métodos de formação inculturados nos seminários. Por fim, deteve-se sobre a questão da sinodalidade, destacando a importância de “caminhar todos juntos”.
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Habitualmente, nos Sínodos, os responsáveis ​​pela redação do documento final são os membros da Comissão de Redação, que recolhe as contribuições dos círculos menores. Porém, neste Sínodo não é bem assim. O Cardeal Christoph Schönborn, Arcebispo de Viena (Áustria), eleito diretamente pelo Papa para membro da Comissão de Redação do documento final do Sínodo, esclareceu, na conferência de imprensa do dia 21, que este grupo não está encarregado de redigir o texto, mas, sim, o Relator Geral, o Cardeal brasileiro Claudio Hummes e a sua equipa. E o papel da Comissão de Redação é aprovar imediatamente o trabalho que fazem os relatores.
E o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Mateo Bruni, explicou o procedimento da redação:
O relator e os secretários especiais preparam o rascunho do documento baseados nos relatórios dos ‘círculos menores’ e nas contribuições dos participantes durante as congregações gerais. Ao fazer isso, são assistidos pelos chamados ‘especialistas’, incluídos na lista de participantes do Sínodo, que foi enviada nos dias anteriores ao seu início.”.
Em 15 de outubro, o Santo Padre nomeou como membros da comissão para a elaboração do documento final do Sínodo: o Cardeal Schönborn; Dom Edmundo Valenzuela, Arcebispo de Assunção (Paraguai); Dom Marcelo Sánchez Sorondo, Chanceler da Pontifícia Academia de Ciências e Ciências Sociais; e o Padre Rossano Sala (Itália). Estes quatro membros juntaram-se aos nomeados em 7 de outubro: Dom Mario Antônio da Silva, Bispo de Roraima (Brasil); Dom Héctor Miguel Cabrejos Vidarte, Arcebispo de Trujillo e Presidente da Conferência Episcopal Peruana; Dom Nelson Jair Cardona Ramírez, Bispo de San José del Guaviare (Colômbia); e Dom Sergio Alfredo Gualberti Calandrina, Arcebispo de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia).
Dado que a REPAM participou de maneira decisiva na redação do controverso documento de trabalho e é presidida pelo Cardeal Hummes, pareceria que esta seria a “equipa” do purpurado brasileiro a que se referiu o Arcebispo de Viena. Porém, Mauricio López Oropeza, secretário executivo da REPAM, esclareceu que “os únicos que estão neste trabalho (para redigir o documento final) são os membros dessa comissão”, pelo que a equipa é a dos secretários especiais, dos comissários eleitos, dos comissários definidos pelo Papa e dos peritos-especialistas”.
A REPAM recebeu inúmeras críticas pela realização de eventos polémicos em torno ao Sínodo da Amazónia, que foram percebidos como atos de pressão. Entre esses, conta-se a cerimónia de 4 de outubro nos Jardins do Vaticano com o Papa, os “momentos da espiritualidade amazónica” na igreja de Santa Maria em Traspontina e a “Via-Sacra Amazónica” de 19 de outubro.
Em concomitância com os últimos dias do Sínodo e 4 anos após a encíclica Laudato si’, foi publicado um livro que reúne textos e discursos de Francisco sobre o meio ambiente, além de um escrito inédito, com o objetivo de explicar a visão cristã da ecologia.
O livro, que foi lançado hoje, dia 24, tem por título “Nostra Madre Terra. Una lettura cristiana della sfida dell’ambiente” e é prefaciado pelo Patriarca Ecuménico Bartolomeu I. O Patriarca recorda as etapas da colaboração com o Santo Padre, principalmente nas mensagens por ocasião do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, instituído em 2015, que une a Igreja Católica e a Ortodoxa na comum “preocupação pelo futuro da criação”.
No primeiro capítulo, “Visão íntegra”, há textos, principalmente trechos da Laudato si’, que mostram a necessidade de proteger a Casa Comum através da união de “toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral”, premissa desenvolvida no capítulo “De um desafio atual a uma oportunidade global” por meio da análise de alguns trechos da encíclica papal sobre a crise ambiental, onde poluição, aquecimento global, mudanças climáticas, perda de biodiversidades são o efeito de exploração incontrolada destinada a crescer rapidamente se não forem tomadas medidas imediatas para uma mudança de direção. Observa o Papa que é necessária a conversão ambiental, possível através da promoção duma verdadeira educação ecológica que crie, principalmente nos jovens, uma conscientização e, portanto, uma consciência renovada. E o escrito inédito que conclui o livro oferece-nos uma visão mais ampla dum tema que não é simples preocupação para a salvaguarda do meio ambiente: apesar de compartilhar muitos aspetos, não é comparável a uma visão leiga da ecologia. Na verdade, desenvolve a teologia da ecologia em discurso profundamente espiritual. Assim escreve o Papa:
A criação é fruto do amor de Deus. O amor de Deus para com cada uma das suas criaturas e principalmente pelo homem ao qual deu o dom da criação, lugar em que ‘somos convidados a descobrir uma presença. Mas isso significa que é a capacidade de comunhão do homem a condicionar o estado da criação (…) Portanto, é o destino do homem que determina o destino do universo’.”.
Nestes termos, “a conexão entre homem e criação vive no amor e se este se acaba corrompe-se e não reconhece o dom que lhe foi dado”. Por conseguinte, “a exploração dos recursos feita de modo irresponsável para tomar posse de riquezas e poder, concentrados nas mãos de poucos, cria um desequilíbrio destinado a destruir o mundo e o próprio homem”.
Adverte o Pontífice que não é suficiente uma revolução tecnológica e compromisso individual. A tomada de consciência passa principalmente por um “autêntico espírito de comunhão”. Deve-se recomeçar do perdão: pedir perdão aos pobres, aos excluídos, antes de tudo, para poder pedir perdão também “à terra, ao mar, à ar, aos animais…”. Para o Santo Padre pedir perdão significa rever o próprio modo de ser e de pensar, significa renovar-se profundamente. E o perdão só é possível no Espírito Santo. É uma graça a ser implorada com humildade ao Senhor. O perdão é tornarmo-nos ativos, empreender um caminho juntos, nunca na solidão.
Temos que pôr Deus no centro de tudo para que o homem ganhe aí todo o peso que merece.
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Também a catequese papal na audiência geral do dia 23 tem de ser lida em modo sinodal e missionário. Com efeito, o Santo Padre aos milhares de peregrinos e fiéis, provenientes de diversas partes do mundo, disse da natureza da Igreja: ou é “em saída” ou não é Igreja; “não é uma fortaleza, mas uma tenda capaz de ampliar seu espaço para dar acesso a todos”.
O Papa refletiu sobre os “Atos dos Apóstolos, partindo da passagem onde se lê: “Deus abriu a porta da fé aos pagãos”. E falou da missão de Paulo e Barnabé e do Concílio de Jerusalém.
Paulo, após o encontro transformador com Jesus, foi acolhido pela Igreja de Jerusalém, graças à mediação de Barnabé, e começou a proclamar a Boa Nova de Cristo. No entanto, como disse Francisco, devido à hostilidade de alguns, foi obrigado a transferir-se para Tarso, sua cidade natal, seguido por Barnabé, que também foi envolvido na pregação da Palavra de Deus.
Lucas diz que a pregação de Paulo começou depois duma forte perseguição, que não acometeu a evangelização, ao invés, foi boa oportunidade para ampliar o campo onde lançar a boa semente da Palavra. Eis o longo itinerário da Palavra de Deus, que deve ser anunciada por todos os cantos da terra.
Paulo e Barnabé chegaram, antes, à Antioquia da Síria, onde ficaram um ano inteiro a ensinar e ajudar a comunidade a criar raízes. Assim, Antioquia foi o centro da propulsão missionária, graças à pregação dos dois evangelizadores, que tocou o coração dos fiéis. Foi ali que os adeptos de Cristo foram chamados, pela primeira vez, de “cristãos”.
Depois de Antioquia, Paulo e Barnabé, foram “enviados pelo Espírito” a outros lugares a anunciar a mensagem de Cristo atraindo muitas pessoas para a fé cristã.
Esta foi a primeira etapa missionária de Paulo, que passou da pregação do Evangelho nas Sinagogas da diáspora ao anúncio em ambientes pagãos populares. Ao retornarem a Antioquia, Paulo e Barnabé contaram aos seus irmãos “como Deus abriu aos pagãos a porta da fé, cumprindo a “obra” para a qual o Espírito Santo os havia enviado. E o Papa explicou:
Do Livro dos Atos, emerge a natureza da Igreja, que não é uma fortaleza, mas uma tenda capaz de ampliar seu espaço para dar acesso a todos. A Igreja deve ser ‘em saída’ senão não é uma Igreja; é uma Igreja de ‘portas abertas’, chamada a ser sempre a Casa aberta do Pai. Assim, se alguém quiser seguir a ação do Espírito e buscar a presença de Deus, não encontrará o obstáculo de uma porta fechada.”.
Porém, como disse Francisco, começaram então os problemas: a novidade de abrir as portas aos pagãos e judeus desencadeou grande controvérsia. Alguns judeus pensavam que a circuncisão era necessária para a salvação e, consequentemente, para o Batismo. Para resolver a questão, Paulo e Barnabé pedem o parecer do conselho dos Apóstolos e anciãos de Jerusalém, que foi considerado o primeiro Concílio da história da Igreja: o Concílio de Jerusalém ou Assembleia de Jerusalém, sobre o qual Francisco disse:
Foi abordada uma questão teológica, espiritual e disciplinar muito delicada: a relação entre a fé em Cristo e a observância da Lei de Moisés. Durante a assembleia  foram decisivos os discursos de Pedro e Tiago, ‘pilares’ da Igreja mãe. Ambos convidavam a não impor a circuncisão aos pagãos, mas apenas a pedir para rejeitar a idolatria em todas as suas expressões.”.
Essa decisão, ratificada com uma Carta apostólica, foi enviada a Antioquia.
Depois, o Papa falou do significado da assembleia de Jerusalém em nossos dias:
A Assembleia de Jerusalém nos oferece uma luz importante sobre o modo de enfrentar as divergências e buscar a verdade na caridade. Recorda-nos que o método eclesial de resolver os conflitos se baseia no diálogo feito de escuta atenciosa e paciente e no discernimento à luz do Espírito. De fato, é o Espírito que nos ajuda a superar os fechamentos e as tensões e age nos corações para que, na verdade e no bem, chegue à unidade. Este texto nos ajuda a entender o significado de Sínodo, iluminados pelo Espírito Santo.”.
Sínodo não é conferência nem parlamento, mas algo bem diferente: implica escuta do Espírito.
No fim, o Papa saudou os vários grupos de fiéis ali presentes. E disse aos de língua portuguesa:
Que a vossa peregrinação a Roma vos ajude a estar preparados para fazer parte da Igreja em saída mediante o testemunho alegre do Evangelho e do amor de Deus por todos os seus filhos. A Virgem Santa vos guie e proteja!”.
A sinodalidade eclesial postula e fortalece o estar em saída, o caminhar.
2019.10.24 – Louro de Carvalho

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