Foi aprovado hoje, dia 26 de outubro, por maioria de dois
terços, o documento final do Sínodo dos Bispos de 2019, na
16.ª Congregação Geral, que admite a ordenação sacerdotal de diáconos casados, com vista à celebração
dominical da Eucaristia nas regiões mais remotas da Amazónia.
O ponto
111, aprovado com 41 votos contra (o número mais alto nos 120 pontos do documento) e 128 a favor, propõe a “ordenação
sacerdotal de homens idóneos e reconhecidos pela comunidade”, com “família
legitimamente constituída e estável”, que tenham diaconado permanente fecundo e
recebam formação adequada para o presbiterado, de modo a poderem sustentar a
vida da comunidade cristã pela pregação da Palavra e pela celebração dos
Sacramentos nas ditas zonas.
O sacerdócio está reservado, na Igreja Latina (que abrange a maioria das comunidades
católicas no mundo, como em Portugal), a homens não casados, mas alguns ritos, em comunhão com
Roma, admitem a ordenação presbiteral de homens casados. A este respeito, alguns pronunciaram-se em favor duma abordagem
universal do tema, pois há “um
direito da comunidade à celebração, que deriva da essência da Eucaristia e do seu
lugar na economia da salvação”. Assim, embora os participantes falem do
celibato como um “dom” na Igreja Católica, sublinham que se trata de uma opção
da “disciplina” da Igreja latina, que é diferente no contexto da “pluralidade
dos ritos e disciplinas existentes”.
Por outro lado, o Sínodo manifesta preocupação com a formação
dos futuros sacerdotes e quer que seja dada mais atenção à realidade da
Amazónia, à história dos seus povos e da missionação católica na região, além
das preocupações ecológicas e culturais.
Ademais,
o documento apela à criação de estruturas “sinodais” nas regiões da Amazónia,
propondo um “fundo amazónico” para sustento da evangelização, a criação de
universidades próprias e um “organismo episcopal que promova a sinodalidade
entre as Igrejas da região”. E ainda aponta a criação dum rito amazónico,
recordando que a Igreja Católica tem 23 ritos diferentes, procurando
“inculturar os conteúdos da fé e da sua celebração”.
Na Igreja Católica existem os ritos latinos (tendo por base o rito romano e
admitindo as variantes dos ritos ambrosiano, hispânico e outros, como o
bracarense) e ritos
orientais (especialmente
o bizantino). Ora, o
proposto “rito amazónico” deve manifestar o património litúrgico, teológico,
disciplinar e espiritual” dos povos da região, no contexto de uma
“descentralização e colegialidade que pode manifestar a catolicidade da
Igreja”.
O documento final, publicado pela Sala de Imprensa da
Santa Sé, acompanhado pelo resultado da votação, e entregue ao Papa, alerta
para a destruição “dramática” da floresta e a exploração levada a cabo por
interesses económicos que ameaçam a região e refere:
“Isto implica o desaparecimento do território
e dos seus habitantes, especialmente os povos indígenas. A selva amazónica é um
‘coração biológico’ para uma terra cada vez mais ameaçada, que se encontra numa
corrida desenfreada para a morte.”.
Os participantes – bispos, missionários, indígenas e
peritos convidados pelo Vaticano – falam num “bioma ameaçado de
desaparecimento”, facto que teria “consequências tremendas” para todo o
planeta, e propõem uma “ecologia integral”, em diálogo com os saberes dos povos
indígenas, que defenda “os mais pobres e desfavorecidos da terra”.
Uma
introdução, cinco capítulos e uma breve conclusão constituem este documento divulgado
na noite deste dia 26 de outubro, por desejo do Papa. Entre os seus temas, contam-se:
a missão, a inculturação, a ecologia integral, a defesa dos povos indígenas, o
rito amazónico, o papel das mulheres e os novos ministérios, sobretudo nas
áreas de difícil acesso à Eucaristia, a definição do “pecado ecológico”,
definido como uma “ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade
e o ambiente”. Sobre este último tema, aponta o documento, remetendo para o
Catecismo da Igreja Católica (nn 340-344):
“É um pecado contra as futuras gerações e
manifesta-se em atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do
ambiente, transgressões contra os princípios de interdependência e rutura das
redes de solidariedade entre as criaturas”.
***
Em consonância
com este documento e o desejo explicitado pelos Padres Sinodais, Francisco acaba
de anunciar a intenção de reabrir a comissão que debateu a possibilidade de
ordenação diaconal de mulheres. Falando no final dos trabalhos, disse o Pontífice,
perante os bispos, missionários, religiosos e representantes de indígenas que
participaram na assembleia sinodal:
“Assumo o pedido de voltar a chamar a
comissão ou talvez abri-la com novos membros, para estudar como existia, na
Igreja primitiva, o diaconado feminino”.
Após a
votação do documento, que aconteceu na tarde de hoje, o Papa disse que o Sínodo
pediu “criatividade” para que seja possível encontrar “novos ministérios” para
as comunidades católicas e indicou a vontade de trabalhar com a Congregação
para a Doutrina da Fé, para “ver até onde se pode chegar”. Por outro lado, valorizado
que foi o papel das lideranças femininas na “transmissão da fé e na preservação
da cultura”, o Pontífice pediu que “não se fique apenas na parte funcional” e
observou:
“O papel da mulher da Igreja vai muito mais
além da funcionalidade e é nisso que temos de continuar a trabalhar”.
E, na
verdade, o número 103 do documento sublinha que “as múltiplas consultas
realizadas no espaço amazónico” destacam o “papel fundamental das mulheres
religiosas e leigas na Igreja da Amazónia”, com os seus múltiplos serviços. Mais
se pode ler que “num grande número destas consultas, solicitou-se o diaconado
permanente para a mulher”.
Ademais, apela-se à formação de mulheres em estudos teológicos
e uma maior presença em papéis de liderança, dentro e fora da Igreja. Mais explicitamente
é referido:
“Nos novos
contextos de evangelização e pastoral na Amazónia, onde a maioria das
comunidades católicas são lideradas por mulheres, pedimos que seja criado o
ministério instituído da ‘mulher dirigente da comunidade’ e reconhecer isto,
dentro do serviço das exigências da mutação da evangelização e da atenção às
comunidades”.
Os
participantes pedem a oportunidade de partilhar “experiências e reflexões” com
a Comissão de Estudo sobre o Diaconado das Mulheres.
A comissão
para o estudo do diaconado feminino foi inconclusiva. A esse respeito, o Papa
referira, em declarações aos jornalistas no voo de regresso desde a Macedónia
do Norte:
“Não
há certeza de que a sua (das mulheres) fosse uma ordenação com a mesma forma e
com o mesmo propósito que a ordenação masculina. Alguns dizem: há dúvidas.
Vamos continuar a estudar. Mas até agora não se avança.”.
Segundo o
Papa, não existem dúvidas de que havia diaconisas no começo do Cristianismo,
mas a questão está em determinar se “era uma ordenação sacramental ou não”. Os
estudos mostram que estas primeiras diaconisas assistiam na liturgia batismal
de mulheres, que era por imersão, e eram chamadas para casos de disputa
matrimonial para avaliar eventuais maus-tratos, uma situação limitada a uma
área geográfica, especialmente a Síria.
Também há de considerar-se que a função diaconal masculina
era diferente no princípio: o serviço das mesas, para os apóstolos poderem
aplicar-se à oração e ao serviço da Palavra.
Recorde-se que o Concílio Vaticano II (1962-1965) restaurou o diaconado permanente, a
que podem aceder homens casados (depois de terem completado 35 anos de idade), o que não acontece com o
sacerdócio. O diaconado exercido por candidatos ao sacerdócio só é concedido a
homens não casados (Prefiro
a expressão não casados porque inclui os viúvos).
De origem grega, o termo ‘diácono’ pode traduzir-se por
servidor e corresponde a alguém especialmente destinado na Igreja Católica às
atividades caritativas, a anunciar a Palavra e a exercer funções litúrgicas,
como assistir o Bispo e o Presbítero nas missas, administrar o Batismo,
presidir ao matrimónio e às exéquias, entre outras funções.
Além do
já referido, o discurso papal, depois da aprovação do documento apresentado
ontem à 15.ª Congregação Sinodal, denunciou as
violações aos direitos dos povos da região e visou as “injustiças, destruição,
exploração de pessoas, a todos os níveis, e destruição da identidade cultural”
que marcam a vida das comunidades indígenas.
Numa intervenção improvisada, em espanhol, perante
todos os que participaram nas três semanas de trabalhos, o Pontífice prometeu uma exortação pós-sinodal até ao fim do ano,
para deixar a sua própria palavra sobre a experiência que viveu. “Tudo depende do tempo que tenha para pensar”,
gracejou, provocando um aplauso dos presentes.
Francisco disse que este Sínodo especial, iniciado a 6
de outubro, abordou quatro dimensões fundamentais, a começar pela inculturação
e da valorização das culturas, “que está dentro da Tradição da Igreja”. A
segunda foi a dimensão ecológica, em que se “joga o futuro” e que denuncia a
“exploração selvagem” dos recursos naturais, como acontece na Amazónia. E, depois
de falar da terceira – a dimensão social, com alertas para o “tráfico de
pessoas”, declarou que a quarta dimensão, “a principal”, é a pastoral, mais
ligada à ação das comunidades católicas na transmissão da fé. E apontou:
“Urge o anúncio do Evangelho, mas que seja
entendido, assimilado, compreendido por essas culturas”.
Francisco começou por agradecer a quantos “deram este
testemunho de trabalho, de escuta, de busca”, procurando colocar em prática o
“espírito sinodal”. “Estamos a entender o
que significa discernir, escutar, incorporar a rica tradição da Igreja nos
momentos conjunturais”, precisou.
O discurso deixou reparos a quem pensa que “a Tradição
é um museu de coisas velhas” e indicou a necessidade de colocar a Igreja
Católica a avançar “neste caminho da sinodalidade”.
Entre os temas debatidos, segundo Papa, está a
necessidade de reformar a formação sacerdotal nalguns países de promover a
“redistribuição do clero”. “Sejamos
corajosos para fazer esta reforma”, exortou.
***
Também merecerá atenção a reorganização do território
eclesial amazónico, com ideias como a criação de “semiconferências episcopais”
para várias zonas e, no Vaticano, a abertura de uma “secção amazónica” no
Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Os participantes pediram ao Papa que o percurso dos
membros do corpo diplomático da Santa Sé inclua “um ano” ao serviço de uma
diocese em território de missão
Em relação ao Rito Amazónico proposto, Francisco disse
que irá solicitar à Congregação para o Culto Divino que faça “as propostas
necessárias”, recordando as 23 igrejas com rito próprio, no mundo católico. E sustentou:
“Não é preciso ter medo das
organizações que custodiam uma vida especial”.
O Papa agradeceu o trabalho dos média e desejou que
estes pudessem ter acompanhado a votação, antes de deixar um pedido aos
jornalistas:
“Parem,
sobretudo, nos diagnósticos, que é a parte pesada, onde o Sínodo se expressou
melhor”.
A este respeito, Francisco alertou para o que chamou
de “cristãos de elite” ou “grupos seletivos” que se fixam em “pontos
intraeclesiásticos” e procuram vencedores ou derrotados, nas votações.
“Ganhamos todos
com o diagnóstico que fizemos”, observou.
***
Os participantes defendem a criação de “ministérios
especiais” nas comunidades católicos para a defesa da “casa comum” e a promoção
da ecologia integral, visando “o cuidado do território e da água”. Alertam outrossim
para as consequências do “extrativismo predatório” e pede solidariedade
internacional com a Amazónia, falando mesmo numa “dívida” de países
desenvolvidos, que deveria ser paga através de um fundo de apoio às comunidades
da região.
“A Amazónia é hoje uma
beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os atentados contra a
natureza têm consequências contra a vida dos povos” – consideram.
O documento final do Sínodo propõe um “novo paradigma
de desenvolvimento sustentável”, que seja inclusivo, combinando “conhecimentos
científicos e tradicionais”. E ali pode ler-se:
“O futuro da Amazónia está nas mãos de todos
nós, mas depende principalmente de abandonarmos imediatamente o modelo atual
que destrói a floresta”.
Os participantes pedem uma menor dependência de
combustíveis fósseis e do uso de plásticos, mudando também hábitos alimentares,
como o excesso de consumo de carne ou peixe.
O Sínodo dos Bispos é definível, em termos gerais,
como assembleia consultiva de representantes dos episcopados católicos, a que
se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa de ajudar o Papa no governo
da Igreja. Esta assembleia especial foi anunciada pelo Papa a 15 de outubro de
2017, para refletir sobre o tema ‘Amazónia:
Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral’. E os Padres Sinodais
fazem a seguinte declaração:
“Denunciamos a violação dos
direitos humanos e a destruição extrativista. Assumimos e apoiamos as campanhas
de desinvestimento em empresas extrativistas, ligadas aos danos socioecológicos
na Amazónia, a começar pelas próprias instituições eclesiais e também em
aliança com outras Igrejas. Apelamos a uma transição energética radical e à
busca de alternativas.”.
***
Porém, a
atitude que o Sínodo exige é a conversão, conversão que tem diferentes
significados: integral, pastoral, cultural, ecológica e sinodal. O texto é o
resultado do “intercâmbio aberto, livre e respeitoso” desempenhado
durante as três semanas de trabalhos do Sínodo, para relatar os
desafios e o potencial da Amazónia, o “coração biológico” do mundo, espalhado
por 9 países e habitado por mais de 33 milhões pessoas, incluindo cerca de 2,5 milhões
de indígenas. Porém, esta região, a segunda área mais vulnerável do mundo devido
às mudanças climáticas provocadas pelo homem, está numa corrida frenética rumo
à morte, o que exige urgentemente nova direção que permita que seja salva, sob
pena de impacto catastrófico em todo o planeta.
***
Por fim,
segue-se, em modo esquemático, a recolha dos conteúdos do documento, ou seja,os
cinco capítulos, cada um com seu tema e subtemas:
Cap. I – Conversão integral: “As dores da Amazónia: o grito da terra e o
grito dos pobres”; “O sacrifício dos missionários mártires”.
Cap. II – Conversão Pastoral: “Diálogo ecuménico e inter-religioso”; “Urgência de uma pastoral
indígena e de um ministério juvenil”; “Pastoral urbana e as famílias”.
Cap. III – Conversão Cultural: “Defender a terra é defender a vida”;
“Teologia
indígena e piedade popular”; “Criar uma Rede de Comunicação Eclesial Pan-amazónica”.
Cap. IV – Conversão Ecológica: “Ecologia
integral, único caminho possível”; “Defesa
dos direitos humanos, uma necessidade de fé”; “Igreja aliada das comunidades
amazónicas”; “Defesa da vida”; “Pecado ecológico e direito à água potável”.
Cap. V – Novos caminhos de conversão sinodal: “Sinodalidade, ministerialidade,
papel ativo dos leigos e vida consagrada”; “A hora da mulher”;
“Diaconado
permanente”; “Formação dos sacerdotes”; “Participação na Eucaristia e
ordenações sacerdotais”; “Organismo
eclesial regional pós-sinodal e Universidade Amazónica”; “Rito
amazónico”.
***
Falta passar
à prática as propostas sinodais para termos uma Igreja de rosto local e a pulsar
consciente e morosamente com a Igreja de Roma.
2019.10.25 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário