sábado, 26 de outubro de 2019

Aprovação do documento final do Sínodo para a Amazónia


Foi aprovado hoje, dia 26 de outubro, por maioria de dois terços, o documento final do Sínodo dos Bispos de 2019, na 16.ª Congregação Geral, que admite a ordenação sacerdotal de diáconos casados, com vista à celebração dominical da Eucaristia nas regiões mais remotas da Amazónia.
O ponto 111, aprovado com 41 votos contra (o número mais alto nos 120 pontos do documento) e 128 a favor, propõe a “ordenação sacerdotal de homens idóneos e reconhecidos pela comunidade”, com “família legitimamente constituída e estável”, que tenham diaconado permanente fecundo e recebam formação adequada para o presbiterado, de modo a poderem sustentar a vida da comunidade cristã pela pregação da Palavra e pela celebração dos Sacramentos nas ditas zonas.
O sacerdócio está reservado, na Igreja Latina (que abrange a maioria das comunidades católicas no mundo, como em Portugal), a homens não casados, mas alguns ritos, em comunhão com Roma, admitem a ordenação presbiteral de homens casados. A este respeito, alguns pronunciaram-se em favor duma abordagem universal do tema, pois há “um direito da comunidade à celebração, que deriva da essência da Eucaristia e do seu lugar na economia da salvação”. Assim, embora os participantes falem do celibato como um “dom” na Igreja Católica, sublinham que se trata de uma opção da “disciplina” da Igreja latina, que é diferente no contexto da “pluralidade dos ritos e disciplinas existentes”.
Por outro lado, o Sínodo manifesta preocupação com a formação dos futuros sacerdotes e quer que seja dada mais atenção à realidade da Amazónia, à história dos seus povos e da missionação católica na região, além das preocupações ecológicas e culturais.
Ademais, o documento apela à criação de estruturas “sinodais” nas regiões da Amazónia, propondo um “fundo amazónico” para sustento da evangelização, a criação de universidades próprias e um “organismo episcopal que promova a sinodalidade entre as Igrejas da região”. E ainda aponta a criação dum rito amazónico, recordando que a Igreja Católica tem 23 ritos diferentes, procurando “inculturar os conteúdos da fé e da sua celebração”.
Na Igreja Católica existem os ritos latinos (tendo por base o rito romano e admitindo as variantes dos ritos ambrosiano, hispânico e outros, como o bracarense) e ritos orientais (especialmente o bizantino). Ora, o proposto “rito amazónico” deve manifestar o património litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual” dos povos da região, no contexto de uma “descentralização e colegialidade que pode manifestar a catolicidade da Igreja”.
O documento final, publicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, acompanhado pelo resultado da votação, e entregue ao Papa, alerta para a destruição “dramática” da floresta e a exploração levada a cabo por interesses económicos que ameaçam a região e refere:
Isto implica o desaparecimento do território e dos seus habitantes, especialmente os povos indígenas. A selva amazónica é um ‘coração biológico’ para uma terra cada vez mais ameaçada, que se encontra numa corrida desenfreada para a morte.”.
Os participantes – bispos, missionários, indígenas e peritos convidados pelo Vaticano – falam num “bioma ameaçado de desaparecimento”, facto que teria “consequências tremendas” para todo o planeta, e propõem uma “ecologia integral”, em diálogo com os saberes dos povos indígenas, que defenda “os mais pobres e desfavorecidos da terra”.
Uma introdução, cinco capítulos e uma breve conclusão constituem este documento divulgado na noite deste dia 26 de outubro, por desejo do Papa. Entre os seus temas, contam-se: a missão, a inculturação, a ecologia integral, a defesa dos povos indígenas, o rito amazónico, o papel das mulheres e os novos ministérios, sobretudo nas áreas de difícil acesso à Eucaristia, a definição do “pecado ecológico”, definido como uma “ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente”. Sobre este último tema, aponta o documento, remetendo para o Catecismo da Igreja Católica (nn 340-344):  
É um pecado contra as futuras gerações e manifesta-se em atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente, transgressões contra os princípios de interdependência e rutura das redes de solidariedade entre as criaturas”.
***
Em consonância com este documento e o desejo explicitado pelos Padres Sinodais, Francisco acaba de anunciar a intenção de reabrir a comissão que debateu a possibilidade de ordenação diaconal de mulheres. Falando no final dos trabalhos, disse o Pontífice, perante os bispos, missionários, religiosos e representantes de indígenas que participaram na assembleia sinodal:
Assumo o pedido de voltar a chamar a comissão ou talvez abri-la com novos membros, para estudar como existia, na Igreja primitiva, o diaconado feminino”.
Após a votação do documento, que aconteceu na tarde de hoje, o Papa disse que o Sínodo pediu “criatividade” para que seja possível encontrar “novos ministérios” para as comunidades católicas e indicou a vontade de trabalhar com a Congregação para a Doutrina da Fé, para “ver até onde se pode chegar”. Por outro lado, valorizado que foi o papel das lideranças femininas na “transmissão da fé e na preservação da cultura”, o Pontífice pediu que “não se fique apenas na parte funcional” e observou:
O papel da mulher da Igreja vai muito mais além da funcionalidade e é nisso que temos de continuar a trabalhar”.
E, na verdade, o número 103 do documento sublinha que “as múltiplas consultas realizadas no espaço amazónico” destacam o “papel fundamental das mulheres religiosas e leigas na Igreja da Amazónia”, com os seus múltiplos serviços. Mais se pode ler que “num grande número destas consultas, solicitou-se o diaconado permanente para a mulher”.
Ademais, apela-se à formação de mulheres em estudos teológicos e uma maior presença em papéis de liderança, dentro e fora da Igreja. Mais explicitamente é referido:
Nos novos contextos de evangelização e pastoral na Amazónia, onde a maioria das comunidades católicas são lideradas por mulheres, pedimos que seja criado o ministério instituído da ‘mulher dirigente da comunidade’ e reconhecer isto, dentro do serviço das exigências da mutação da evangelização e da atenção às comunidades”.
Os participantes pedem a oportunidade de partilhar “experiências e reflexões” com a Comissão de Estudo sobre o Diaconado das Mulheres.
A comissão para o estudo do diaconado feminino foi inconclusiva. A esse respeito, o Papa referira, em declarações aos jornalistas no voo de regresso desde a Macedónia do Norte:
Não há certeza de que a sua (das mulheres) fosse uma ordenação com a mesma forma e com o mesmo propósito que a ordenação masculina. Alguns dizem: há dúvidas. Vamos continuar a estudar. Mas até agora não se avança.”.
Segundo o Papa, não existem dúvidas de que havia diaconisas no começo do Cristianismo, mas a questão está em determinar se “era uma ordenação sacramental ou não”. Os estudos mostram que estas primeiras diaconisas assistiam na liturgia batismal de mulheres, que era por imersão, e eram chamadas para casos de disputa matrimonial para avaliar eventuais maus-tratos, uma situação limitada a uma área geográfica, especialmente a Síria.
Também há de considerar-se que a função diaconal masculina era diferente no princípio: o serviço das mesas, para os apóstolos poderem aplicar-se à oração e ao serviço da Palavra.
Recorde-se que o Concílio Vaticano II (1962-1965) restaurou o diaconado permanente, a que podem aceder homens casados (depois de terem completado 35 anos de idade), o que não acontece com o sacerdócio. O diaconado exercido por candidatos ao sacerdócio só é concedido a homens não casados (Prefiro a expressão não casados porque inclui os viúvos).
De origem grega, o termo ‘diácono’ pode traduzir-se por servidor e corresponde a alguém especialmente destinado na Igreja Católica às atividades caritativas, a anunciar a Palavra e a exercer funções litúrgicas, como assistir o Bispo e o Presbítero nas missas, administrar o Batismo, presidir ao matrimónio e às exéquias, entre outras funções.
Além do já referido, o discurso papal, depois da aprovação do documento apresentado ontem à 15.ª Congregação Sinodal, denunciou as violações aos direitos dos povos da região e visou as “injustiças, destruição, exploração de pessoas, a todos os níveis, e destruição da identidade cultural” que marcam a vida das comunidades indígenas.
Numa intervenção improvisada, em espanhol, perante todos os que participaram nas três semanas de trabalhos, o Pontífice prometeu uma exortação pós-sinodal até ao fim do ano, para deixar a sua própria palavra sobre a experiência que viveu. “Tudo depende do tempo que tenha para pensar”, gracejou, provocando um aplauso dos presentes.
Francisco disse que este Sínodo especial, iniciado a 6 de outubro, abordou quatro dimensões fundamentais, a começar pela inculturação e da valorização das culturas, “que está dentro da Tradição da Igreja”. A segunda foi a dimensão ecológica, em que se “joga o futuro” e que denuncia a “exploração selvagem” dos recursos naturais, como acontece na Amazónia. E, depois de falar da terceira – a dimensão social, com alertas para o “tráfico de pessoas”, declarou que a quarta dimensão, “a principal”, é a pastoral, mais ligada à ação das comunidades católicas na transmissão da fé. E apontou:
Urge o anúncio do Evangelho, mas que seja entendido, assimilado, compreendido por essas culturas”.
Francisco começou por agradecer a quantos “deram este testemunho de trabalho, de escuta, de busca”, procurando colocar em prática o “espírito sinodal”. “Estamos a entender o que significa discernir, escutar, incorporar a rica tradição da Igreja nos momentos conjunturais”, precisou.
O discurso deixou reparos a quem pensa que “a Tradição é um museu de coisas velhas” e indicou a necessidade de colocar a Igreja Católica a avançar “neste caminho da sinodalidade”.
Entre os temas debatidos, segundo Papa, está a necessidade de reformar a formação sacerdotal nalguns países de promover a “redistribuição do clero”. “Sejamos corajosos para fazer esta reforma”, exortou.
***
Também merecerá atenção a reorganização do território eclesial amazónico, com ideias como a criação de “semiconferências episcopais” para várias zonas e, no Vaticano, a abertura de uma “secção amazónica” no Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Os participantes pediram ao Papa que o percurso dos membros do corpo diplomático da Santa Sé inclua “um ano” ao serviço de uma diocese em território de missão
Em relação ao Rito Amazónico proposto, Francisco disse que irá solicitar à Congregação para o Culto Divino que faça “as propostas necessárias”, recordando as 23 igrejas com rito próprio, no mundo católico. E sustentou:
“Não é preciso ter medo das organizações que custodiam uma vida especial”.
O Papa agradeceu o trabalho dos média e desejou que estes pudessem ter acompanhado a votação, antes de deixar um pedido aos jornalistas:
 Parem, sobretudo, nos diagnósticos, que é a parte pesada, onde o Sínodo se expressou melhor”.
A este respeito, Francisco alertou para o que chamou de “cristãos de elite” ou “grupos seletivos” que se fixam em “pontos intraeclesiásticos” e procuram vencedores ou derrotados, nas votações.
Ganhamos todos com o diagnóstico que fizemos”, observou.
***
Os participantes defendem a criação de “ministérios especiais” nas comunidades católicos para a defesa da “casa comum” e a promoção da ecologia integral, visando “o cuidado do território e da água”. Alertam outrossim para as consequências do “extrativismo predatório” e pede solidariedade internacional com a Amazónia, falando mesmo numa “dívida” de países desenvolvidos, que deveria ser paga através de um fundo de apoio às comunidades da região.
A Amazónia é hoje uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os atentados contra a natureza têm consequências contra a vida dos povos” – consideram.
O documento final do Sínodo propõe um “novo paradigma de desenvolvimento sustentável”, que seja inclusivo, combinando “conhecimentos científicos e tradicionais”. E ali pode ler-se:
O futuro da Amazónia está nas mãos de todos nós, mas depende principalmente de abandonarmos imediatamente o modelo atual que destrói a floresta”.
Os participantes pedem uma menor dependência de combustíveis fósseis e do uso de plásticos, mudando também hábitos alimentares, como o excesso de consumo de carne ou peixe.
O Sínodo dos Bispos é definível, em termos gerais, como assembleia consultiva de representantes dos episcopados católicos, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa de ajudar o Papa no governo da Igreja. Esta assembleia especial foi anunciada pelo Papa a 15 de outubro de 2017, para refletir sobre o tema ‘Amazónia: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral’. E os Padres Sinodais fazem a seguinte declaração:  
Denunciamos a violação dos direitos humanos e a destruição extrativista. Assumimos e apoiamos as campanhas de desinvestimento em empresas extrativistas, ligadas aos danos socioecológicos na Amazónia, a começar pelas próprias instituições eclesiais e também em aliança com outras Igrejas. Apelamos a uma transição energética radical e à busca de alternativas.”.
***
Porém, a atitude que o Sínodo exige é a conversão, conversão que tem diferentes significados: integral, pastoral, cultural, ecológica e sinodal. O texto é o resultado do “intercâmbio aberto, livre e respeitoso” desempenhado   durante as três semanas de trabalhos do Sínodo, para relatar os desafios e o potencial da Amazónia, o “coração biológico” do mundo, espalhado por 9 países e habitado por mais de 33 milhões pessoas, incluindo cerca de 2,5 milhões de indígenas. Porém, esta região, a segunda área mais vulnerável do mundo devido às mudanças climáticas provocadas pelo homem, está numa corrida frenética rumo à morte, o que exige urgentemente nova direção que permita que seja salva, sob pena de impacto catastrófico em todo o planeta.
***
Por fim, segue-se, em modo esquemático, a recolha dos conteúdos do documento, ou seja,os cinco capítulos, cada um com seu tema e subtemas:
Cap. I – Conversão integral: “As dores da Amazónia: o grito da terra e o grito dos pobres”; “O sacrifício dos missionários mártires”.
Cap. II – Conversão Pastoral: “Diálogo ecuménico e inter-religioso; “Urgência de uma pastoral indígena e de um ministério juvenil”; “Pastoral urbana e as famílias”.
Cap. III – Conversão Cultural: Defender a terra é defender a vida; “Teologia indígena e piedade popular”; “Criar uma Rede de Comunicação Eclesial Pan-amazónica”.
Cap. IV – Conversão Ecológica: “Ecologia integral, único caminho possível”; “Defesa dos direitos humanos, uma necessidade de fé”; “Igreja aliada das comunidades amazónicas”; “Defesa da vida”; “Pecado ecológico e direito à água potável”.     
Cap. V – Novos caminhos de conversão sinodal: “Sinodalidade, ministerialidade, papel ativo dos leigos e vida consagrada”;A hora da mulher”;Diaconado permanente”; “Formação dos sacerdotes”; Participação na Eucaristia e ordenações sacerdotais”; Organismo eclesial regional pós-sinodal e Universidade Amazónica”; “Rito amazónico”.         
***
Falta passar à prática as propostas sinodais para termos uma Igreja de rosto local e a pulsar consciente e morosamente com a Igreja de Roma.
2019.10.25 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário