segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A Educação no programa do XXII Governo Constitucional


É um dos parâmetros do que foi definido como o 3.º desafio do programa: Mais e melhores oportunidades para todos, sem discriminações – e a que se responde com 6 grandes objetivos: Apostar na escola pública como elemento de combate às desigualdades; Combater as desigualdades à entrada e à saída da escola; Investir no futuro coletivo, reforçando o investimento no ensino superior; Estimular a entrada e combater o abandono; Promover o acesso à formação e qualificação ao longo da vida; e Aprofundar o programa Qualifica como chave para a elevação de qualificações da população adulta. (vd Programa, pgs 141-146).   
***
Apostar na escola pública como elemento de combate às desigualdades
O direito a uma Educação que responda aos desígnios dos cidadãos e da sociedade é pilar fundamental do desenvolvimento e um aspeto fundacional da nossa democracia portuguesa. E, fomentando o exercício deste direito, promove-se o desenvolvimento dos indivíduos e alcança-se a sociedade justa e esclarecida. Para tanto, há que ter em conta a função social da escola pública, que só estará inteiramente cumprida quando a origem de cada um não for relevante para o sucesso ou insucesso escolar.
O Governo, satisfeito com as políticas públicas adotadas na Educação, com os resultados e com o reconhecimento internacional, mas sabendo que se trata dum desafio permanente e tarefa nunca acabada, propõe-se prosseguir sem deixar ninguém para trás, pelo que julga “necessária uma aposta segura na escola pública” enquanto “elemento transformador da vida do indivíduo e da sociedade” e “fator de superação dos constrangimentos do contexto de cada um”.
***
Combater as desigualdades à entrada e à saída da escola
Implica a consolidação do acesso à escolaridade universal desde os 3 anos de idade e o ensino obrigatório de 12 anos para que todos acedam a um sistema que responda às necessidades de cada um e se lhes garanta o desejável sucesso. Assim, o Governo:   
- Implementará um sistema de deteção precoce (ao longo da educação pré-escolar) de problemas da linguagem e da numeracia, com programa de estimulação da competência linguística;
- Reforçará a resposta do sistema público na rede da educação pré-escolar, nomeadamente através do desenvolvimento dum estudo global de rede para alargamento sistemático da rede pública;
- Produzirá orientações pedagógicas para a creche;
- Avaliará o modelo das AEC (atividades de enriquecimento curricular);
- Estimulará a fixação de equipas docentes estáveis nos TEIP (territórios educativos de intervenção prioritária);
- Desenvolverá projetos de autonomia reforçada para as escolas com piores resultados, que apostem na gestão curricular especializada, criando ofertas dedicadas às necessidades de públicos específicos (com reforço de línguas, investimento nas artes ou no desporto);
- Criará um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades;
- Promoverá programas de enriquecimento e diversificação curricular na escola pública, assentes na formação artística, na introdução de diferentes línguas estrangeiras e de elementos como o ensino da programação, com vista à concretização do princípio de educação a tempo inteiro, ao longo da escolaridade básica;
- Reforçará o PNPSE (Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar), sobretudo no ensino secundário, onde se encontra o principal foco de insucesso;
- Definirá uma estratégia integrada de ação sobre a aprendizagem da matemática, visto que se trata da disciplina com mais insucesso;
- Diversificará medidas que assegurem o cumprimento dos 12 anos de escolaridade obrigatória, garantindo o desenvolvimento pleno do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória;
- Dinamizará programas de combate ao abandono para alunos com deficiência, apostando na transição entre a escolaridade obrigatória e a vida ativa, pela implementação efetiva de PIT (Planos Individuais de Transição);
- Fomentará programas de mentorado entre alunos para estimular o relacionamento interpessoal e a cooperação entre pares no processo de aprendizagem;
- Melhorará a eficácia dos sistemas de aferição do sistema ensino/aprendizagem;
- Reforçará a orientação vocacional dos alunos;
- Implementará um programa de apoio a famílias vulneráveis, desenvolvendo redes permanentes de apoio à infância e juventude, de base local, que articulem e tornem eficaz a ação da escola, da família e dos serviços da segurança social no terreno;
- Reforçará as políticas de ação social escolar enquanto ferramentas fundamentais de combate às desigualdades e ao insucesso escolar;
- Reforçará os meios de desenvolvimento de programas (nacionais e internacionais) de intercâmbio, envolvendo alunos e professores.
***
Investir no futuro coletivo, reforçando o investimento no ensino superior
O caminho percorrido no ensino básico e secundário, nos últimos 4 anos, de consolidação da democratização do acesso à escola pública e sua frequência precisa de ser estendido ao ensino superior. Contrariando a ideia de parte da sociedade portuguesa de que o ensino superior é inacessível, é preciso, em nome das necessidades do país, implantar medidas políticas efetivas. Assim, o aumento do número de diplomados é desígnio fulcral no combate às desigualdades, que só pode ser bem-sucedido mediante o desenvolvimento de um país qualificado, preparado para responder aos desafios de um mundo mais complexo e em constante renovação.  
***
Estimular a entrada e combater o abandono
A redução do abandono no ensino superior e o combate às condições que o motivam devem ser coletivamente assumidos como um grande desígnio nacional. Assim, o Governo:
- Aumentará os apoios sociais aos estudantes, em especial no âmbito das bolsas, das residências e do programa Erasmus;
- Incentivará o acesso ao ensino superior dos estudantes do ensino secundário profissional;
- Aumentará o investimento do ensino superior nos adultos, diversificando e adequando ofertas;
- Criará um número de vagas de mestrado acessíveis por mérito a preços controlados, a fim de promover uma Universidade ao alcance de todos;
- Garantirá o acesso automático às bolsas de ação social do ensino superior quando o aluno tenha beneficiado de bolsa de ação social no ensino secundário, sem aguardar pelo processamento administrativo por parte da respetiva instituição de ensino superior;
- Lançará, todos os anos, novas fases do plano de intervenção para a requalificação e a construção de residências de estudantes, para reforçar o alojamento disponível para estudantes do ensino superior, a custos acessíveis, em 12.000 camas até ao final da legislatura, atingindo um total de 27.000 camas;
- Fomentará a qualificação de profissionais a 4 níveis: o Licenciados em áreas de menor empregabilidade, ativos ou inativos, com cursos curtos (1 ano) seguidos de estágios profissionais; o Não licenciados no ativo, pela colaboração intensa entre empresas, associações empresariais e instituições de ensino superior; o Mestrados profissionalizantes; o Cursos curtos, não conducentes a grau (equivalentes, nas áreas tecnológicas, aos MBA Executivos).
- Lançará o programa de combate ao insucesso e ao abandono, assente na figura do tutor e do mentor;
- Promoverá a entrada e frequência de trabalhadores estudantes, com especial incidência nos horários pós-laborais, promovendo o regresso às universidades e aos politécnicos;
- Estimulará a diversificação do acesso ao ensino superior, considerando os diferentes perfis dos candidatos, e aprofundando em particular, no quadro de autonomia das instituições, o acesso dos estudantes oriundos de trajetórias profissionais de nível secundário, de ofertas profissionais de pós-secundário, incluindo os cursos TESP (técnicos superiores profissionais) e os CET (cursos de especialização tecnológica), e de adultos, para a reforçar a equidade e a justiça social no acesso e a aposta na recuperação de gerações em que as oportunidades de acesso eram menores;
- Premiará as instituições de ensino superior que promovam a diversidade;
- Incentivará o alargamento do número de vagas em horário pós-laboral nas universidades e politécnicos, diferenciando positivamente as instituições do ensino superior que apostem nesta estratégia;
- Promoverá, em articulação com as instituições do ensino superior, o aumento de alunos com deficiência, pela melhoria das respetivas condições de acolhimento e o devido apetrechamento físico e tecnológico, designadamente através da criação de estruturas de apoio a estes estudantes;
- Promoverá a expansão do ensino superior público, democratizando-lhe o acesso tanto no plano da oferta de vagas como no da partilha de custos entre as famílias e o Estado.
Promover o acesso à formação e qualificação ao longo da vida
Reforçar a rede e o trabalho em parceria em torno do desígnio da qualificação das pessoas e, em particular, das que não completaram a escolaridade mínima de hoje (o 12.º ano) é o meio mais poderoso para elevar a base de qualificações da população adulta e combater as desigualdades de qualificações, democratizando o acesso à aprendizagem ao longo da vida.
***
Aprofundar o programa Qualifica para a elevação de qualificações da população adulta
É decisivo o alargamento do acesso à formação para que a aprendizagem ao longo da vida seja realidade transversal. E este programa assumiu-se, nos últimos anos, como o regresso da aposta na qualificação de adultos: promove o investimento na aproximação das pessoas à qualificação e é um instrumento de promoção do reconhecimento de competências e aprendizagens e da adequação dos percursos formativos aos perfis e necessidades individuais. Por isso, o Governo:
- Garantirá um período sabático aos adultos que se queiram requalificar, criando um programa de licenças para formação que facilite períodos de elevação de qualificações e de requalificação ao longo da vida, em articulação com a possibilidade de substituição dos trabalhadores em formação;
- Lançará o Plano Nacional de Literacia de Adultos, com base no diagnóstico realizado com especialistas, organizações públicas e a sociedade civil, com o apoio da Comissão Europeia, no sentido de promover a alfabetização, a inclusão social e a qualificação;
- Lançará, no quadro do Qualifica, um programa nacional de incentivo às pessoas com percursos incompletos para os concluírem, utilizando diferentes vias, e verem concluída a sua formação;
- Alargará os pontos de contacto da rede de centros Qualifica com o público, na lógica de parcerias e na criação de balcões Qualifica em todos os concelhos, para reforço do acesso ao programa e diferenciação positiva dos territórios de baixa densidade;
- Apostará na criação e desenvolvimento de redes locais do Qualifica, reforçando a coordenação e concertação local entre municípios, empresas, agentes locais, Centros Qualifica e diferentes tipos de respostas, para aumentar a eficácia do programa;
- Aprofundará o Qualifica na Administração Pública, para assegurar o pleno envolvimento do Estado, enquanto empregador, no esforço de qualificação dos portugueses;
- Desenvolverá programas setoriais de aprofundamento do Qualifica, por exemplo no setor social ou junto dos empresários, focado em competências chave para estes públicos;
- Aprofundará as respostas de reconhecimento e validação de competências no Qualifica;
- Tornará a inscrição no Qualifica a regra da entrada no sistema de formação profissional e critério de valorização transversal nas práticas formativas, de modo a melhorar a monitorização integrada dos impactos da formação profissional e reforçar o papel dos centros e do programa no acompanhamento de adultos encaminhados para ofertas.
***
O Programa está pejado de boas intenções. O Governo promete fazer muitas coisas, mas parece esquecer-se de que tem de criar condições para que as medidas anunciadas sejam exequíveis. Por um lado, a escola pública está asfixiada com o cansaço dos professores em resultado da burocracia pesada, dos arroubos do psicologismo e do pedagogismo, da falta de democracia, das imposições ministeriais e diretoriais, da falta de pessoal não docente, da indisciplina e demais comportamentos desviantes; subalterniza-se o conhecimento (as diversas modalidades do saber) aos pretensos interesses dos alunos (alguns desprovidos de quaisquer interesses), ao peso dos pais e encarregados de educação, aos interesses instalados que apostam no “rankeamento” de resultados; o ensino funciona em torno dos testes e dos exames/provas finais; há escolas públicas que sabem usar os mecanismos de escolha de alunos e de negação de vaga (Se o ensino é obrigatório, o aluno tem de obter vaga em escola pública ou equivalente na área da sua residência – dê por onde der!); as escolas privadas que não tenham os encargos do Estado podem obviamente selecionar os alunos e dispensá-los quando eles se lhes tornam incómodos; e, em geral, as escolas,ou por via da pressão das famílias ou para efeitos de acesso ao ensino superior, inflacionam as classificações internas, tal como os altos responsáveis por exames e provas finais mandam a aceitar como válidas respostas que não lembrariam ao careca.
Por outro lado, o contexto socioeconómico não favorece um sucesso escolar e educativo de excelência: aposta-se no consumismo nem sempre segundo as boas orientações; disseminam-se as agressões verbais e físicas; reivindicam-se em excesso direitos e menosprezam-se deveres; entra-se facilmente em ondas de hipercriticismo (bem diferente do espírito crítico); a escola reflete a pobreza do ambiente social; a cultura não é um bem a apreciar; a boa política não influencia a escola e a escola limita-se a cumprir os programas quando pode, mas não ensina as pessoas a pensar, talvez porque elas não o querem, e é permeável a fundamentalismos (alimentar, de género).
Parece que o Governo quer restabelecer pelo “Qualifica” os CNO e os RVCC de má memória: as pessoas viam muitas das suas histórias de vida equiparadas a conhecimento académico, terminavam o ensino secundário sem uma classificação final e até poderiam ingressar no ensino superior só com base na média do exame na(s) disciplina(s) de ingresso, ultrapassando os jovens estudantes do ensino secundário e os adultos com 23 anos de idade ou mais que se sujeitaram a exame especial. Parece insistir-se num PNPSE, que induziu um enorme volume de trabalho dos docentes, sob controlo apertado do ME e sem que o sucesso real tenha acontecido, a não ser pela maceração de resultados para a estatística. E, se a flexibilidade curricular mantém o rumo atual, a tentação será a escola cingir-se às aprendizagens essenciais e a concretização do perfil do aluno e os projetos locais e de acordo com as necessidades e apetências dos alunos ficam para as calendas gregas. Temos a palhaçada dumas disciplinas novas (Oficina de turma, Oficina de Expressões). De resto, o programa do Governo não diz nada sobre currículo escolar e programas.
Além disso, em torno da Educação enquanto parâmetro do 3.º desafio, há que tratar das políticas de rendimentos e erradicação da pobreza, de proteção dos consumidores e de coesão territorial. Só que a prioridade do Governo são as contas certas para a convergência, pelo que, através das políticas de cativação de verbas, o dinheiro que era necessário para a execução eficaz dos programas enunciados na era da Educação sofre os efeitos da provocada seca do úbere orçamental. E não haverá dinheiro para formação de docentes, para deslocações, para equipamentos, etc. (mas a banca pode estar descansada: se precisar, haverá dinheiro). E o Governo, que diz apostar na boa governação, interroga-se por que motivo há tantos docentes de baixa e porque muitos não são substituídos? Um professor contratado para uma dúzia de horas letivas não ganha para a deslocação para o trabalho ou para renda de casa nem dum quarto. Ora, mais do que o programa em educação, era precisa ação e é preciso ouvir os docentes.
2019.10.28 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário