terça-feira, 15 de outubro de 2019

Nobel da Economia de 2019 premeia o combate à pobreza


Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer são os três economistas vencedores do prémio do Banco da Suécia em Ciências Económicas de 2019, o chamado Prémio Nobel da Economia de 2019, pelo trabalho na utilização de técnicas experimentais no combate à pobreza. Os três economistas trabalham em universidades americanas. Duflo e Banerjee, além de casados e com vários trabalhos em conjunto, são ambos do MIT (Massachussets Institute of Technology). Michael Kremer é da universidade de Harvard. Duflo (de 46 anos) é francesa, a segunda mulher a receber o Nobel da Economia (depois de Elinor Ostrom em 2008) e o laureado mais novo de sempre. Banerjee é de origem indiana e Kremer é americano.
Os três economistas usaram técnicas experimentais para melhorar a eficácia do combate à pobreza, com estudos e aplicações em países como a África do Sul, o Quénia, a Índia e a Indonésia. A nota da Real Academia Sueca refere que, “nos últimos 20 anos, esta abordagem mudou completamente a investigação na área conhecida como economia do desenvolvimento” e está a dar “resultados concretos” e a ajudar “aliviar os problemas de pobreza a nível global” – situação que ainda atinge cerca de 700 milhões de pessoas. Os ora laureados trouxeram para o combate à pobreza técnicas de economia experimental que não tinham sido utilizadas. Abordaram os problemas concretos (como a dificuldade de acesso a financiamento, a educação, os sistemas de saúde ou a produtividade agrícola) a partir de questões específicas a que responderam com experiências no terreno – método que permitiu respostas e resultados úteis para o desenho de políticas para o desenvolvimento.
Assim, nos anos 90, Kremer e outros economistas estudaram o sistema de educação em zonas rurais do Quénia. Juntaram um grupo de escolas necessitadas de apoio em várias áreas e dividiram-nas aleatoriamente em grupos, que receberam recursos em quantidade e qualidade distinta. E a conclusão foi que os recursos adicionais não tiveram qualquer impacto positivo nos resultados, pelo que o problema principal é o facto de o sistema de ensino não estar adaptado às necessidades dos alunos. Por seu turno, Duflo e Banerjee, com bastante investigação na área de educação em escolas indianas, usaram, por exemplo, as técnicas experimentais para avaliar os programas de vacinação através de unidades móveis. E a predita nota refere que “as taxas de vacinação triplicaram nas aldeias aleatoriamente selecionadas para ter acesso às clínicas [móveis], de 6% para 18%”. E a taxa de vacinação cresceu para 39% quando, além de acesso às unidades móveis, as famílias receberam como incentivo adicional um saco de lentilhas.
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Sandra Maximiano, doutorada em Economia, Professora do ISEG, professora assistente na Universidade de Purdue, no Indiana (EUA) e colunista do Expresso, escreve que a atribuição do Prémio Nobel da Economia em 2019 mostra a importância do uso da metodologia experimental na economia do desenvolvimento, relembra que a ciência económica está ao serviço das pessoas e que o combate à pobreza mundial é uma prioridade e que os três laureados têm contribuído em muito para combater a pobreza mundial através da aplicação de métodos experimentais.
Esther Duflo, professora no MIT, já tinha ganho a John Bates Clark Medal em 2010, um prémio que é considerado o Nobel da Economia para jovens académicos, sendo atribuído a pessoas abaixo dos 40 anos. Agora, a academia sueca reconheceu o valor do seu trabalho e atribui-lhe, em conjunto com o marido, também professor no MIT, e com Kremer, professor da Universidade de Harvard, o mais prestigioso dos prémios. Como refere, o trio foi galardoado em virtude do uso das experiências de campo que, nestes 20 anos, revolucionaram a economia do desenvolvimento. Mais especificamente, os laureados mostraram que o combate à pobreza pode ser mais eficaz se se analisarem questões específicas e precisas, como:
Qual o impacto das clínicas móveis nas taxas de vacinação? Qual o impacto do microcrédito no bem-estar económico e social dos seus recipientes? Qual o impacto de incentivos à poupança para as classes de baixo e médio rendimento? Qual o impacto de subsídios à educação nas taxas de retenção escolar feminina e na gravidez na adolescência?”.
Questões deste género foram analisadas pelos premiados através de experiências de campo conduzidas em países asiáticos, africanos e sul-americanos, em cooperação com organizações governamentais e não governamentais que visam implementar programas antipobreza.
Como nas experiências em medicina, cria-se um grupo de controlo que não recebe o tratamento e um ou mais grupos de análise que recebem a intervenção. Em geral, a seleção dos participantes é aleatória, garantindo que tanto o grupo de controlo como os grupos de teste são em tudo semelhantes, só que este recebe a intervenção e o outro não. Assim, é possível obter uma relação de causa-efeito.
Com as experiências de campo tem-se aprendido muito, sobretudo no atinente ao que funciona e não funciona no combate à pobreza. Basta conseguir uma metodologia que leve a respostas concretas. E a metodologia experimental permite-o. Por exemplo, Esther perguntou numa TED-talk como imunizar crianças, combater a malária e aumentar a taxa de escolaridade infantil em países subdesenvolvidos; e as respostas foram: desparasitação, mosquiteiros e lentilhas.
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Hugo Tavares da Silva faz um pouco de história do Nobel da Economia, com foco na atribuição às duas mulheres e ao trio ora laureado, recolhendo testemunhos de Sandra Maximiano.
Elinor Ostrom nasceu em Los Angeles, nos EUA, 6 anos antes do começo da II Guerra Mundial. A vida guiou-a pelos caminhos da curiosidade, descoberta e investigação. Em 2009, aos 76 anos, foi a primeira mulher distinguida com o Nobel da Economia, entregue desde 1969, pelo trabalho desenvolvido na área de investigação e análise da governação económica. Dez anos depois, outra mulher recebe o galardão (juntamente com Michael Kremer e Abhijit Banerjee), ignorando a ideia de ‘prémio carreira’: Esther Duflo, natural de Paris, já ganhara a Clark Medal e transformou-se agora na pessoa mais jovem a receber o Nobel da Economia.
Sandra Maximiano, já referida, entende que hoje “não se pode dizer tanto que existe alguma discriminação do comité”, mas que há “um pouco mais de paridade no comité e nas próprias nomeações tem havido a tentativa de se ser mais paritário”. E explica:
Na verdade, nos anos 60, havia uma grande preponderância masculina e acabava por ser um círculo vicioso, ficando entre pares. Mas o problema tem mais a ver com o sistema académico norte-americano, pois é daí que surge a maior parte dos Nobel, onde há uma investigação de ponta nas ciências económicas e sociais. Porém, entre os “full professors” (equivalente em Portugal a professores catedráticos), há apenas 14% de mulheres em economia e ciências económicas, pelo que não podemos esperar à partida que haja uma igualdade no sentido de prémios Nobel. E porquê?
Há o ‘tenure clock’: as mulheres enfrentam sempre relógios, nomeadamente o biológico. Mas também têm, como os homens, este ‘tenure clock’ no sistema académico. Isto é, quando se acaba um doutoramento e faz post-doctoral (pós-docs) e são contratados como professores assistentes (o equivalente em Portugal a professor auxiliar no início da carreira), nos EUA não existe a posição permanente. Não é como em Portugal, em que se passam uns anos à experiência e não é relativamente difícil ficar numa posição permanente. Em Portugal pode ficar-se como auxiliar a vida toda, pois, se não houver concursos, as pessoas não sobem na carreira. Nos Estados Unidos isso não acontece. Há um certo número de anos, 6 anos, em que tem de se produzir muito para depois se ter uma avaliação para se subir – e sobe-se como professor associado. Ora, é muito mais difícil as mulheres conseguirem produzir durante este período, porque também se coloca a questão da maternidade. Em geral, sobrepõem-se o relógio biológico e o ‘tenure clock’ aos 30 e muitos anos enquanto se está como professor auxiliar e torna-se muito difícil.
E o sistema de incentivos também é discriminatório: apoia a família em geral, mas discrimina-a no sistema académico. Assim, se um professor assistente tiver um filho ou estiver para o ter, seja homem ou mulher, é-lhe concedido um ano a mais nesse ‘tenure clock’ (se tiver 2 filhos são concedidos 2 anos). Ora, o homem não fica grávido. Não fica em casa. E este é um tempo muito precioso, porque é um tempo de investigação numa altura em que se tem de produzir mesmo muito. Se tiver filhos, o homem continua a produzir; a mulher tem de retirar aquele tempo para licença. Isto discrimina a subida na carreira das mulheres. Por isso, menos mulheres conseguem posições de professora associada em universidades de topo. E é daí que saem os Nobel.
Além disso, uma análise de papers aceites em conferências revela uma discriminação logo aí. Entre todos os papers submetidos e aceites, nota-se uma certa discriminação a papers de mulheres. Ora, ir a conferências apresentar o trabalho é das coisas mais importantes na carreira académica porque se ganha credibilidade entre pares e aí se pode ser nomeado para um prémio. É mais difícil as mulheres chegarem lá. Não é, pois, a culpa do comité, mas do sistema.
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Entretanto, há um indicador de revisão do Nobel, a Clark Medal, um prémio atribuído a jovens economistas até aos 40 anos. Cerca de 40% das pessoas que ganharam o Nobel ganharam antes a Clark Medal. Normalmente ganha-se a Clark Medal aos 30 e tal anos; e, depois, pode ganhar-se o Nobel aos 60 e muitos. O caso de Duflo é extraordinário, não só pelo facto de ser mulher, mas por ser a pessoa mais nova a quem atribuíram o Nobel. O Nobel pretende premiar uma carreira inteira. Tanto assim é que James Heckman, da Universidade de Chicago, ao ganhar o Nobel há aos 60 anos ficou, ao mesmo tempo, contente e indignado. E dizia: “Isto significa que estão à espera que eu não produza mais? Que a minha carreira acabou?”.
Antigamente escolhiam pessoas bastante mais velhas e os nomeados são-no sempre com alguma idade, pois não se pode nomear post mortem. Quando existe algum economista que tenha produzido mesmo muito e dado contributo muito grande que esteja numa idade muito avançada, é fácil de prever que, mais ano menos ano, irá vencer. Neste sentido, foi surpresa atribuir o Nobel a pessoas tão novas. Quer-se agora dizer que não se trata só de premiar a carreira, mas de incentivar. E Esther Duflo disse que espera que isto vá incentivar outras pessoas, sobretudo mulheres, na carreira académica, porque é possível puxar mais mulheres para carreiras académicas de topo.  
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Esther Duflo sempre trabalhou com Michael Kremer e com Abhijit Banerjee, com quem é casada e que chegou a ser mentor dela. São os diretores do laboratório chamado ‘Poverty Lab’, no MIT, um laboratório que “organiza, desenha e conduz experiências de campo em países subdesenvolvidos. E o combate à pobreza é um desafio global, sobretudo no 3.º mundo, e é baseado em estudos experimentais, porque a abordagem passa muito por atacar os pequenos problemas. Não se trata só de perceber os níveis de pobreza ou os grupos que são mais ou menos afetados e depois lançar políticas públicas um bocadinho ad hoc. A questão é que este tipo de investigação pretende combater precisamente isso: o lançamento de políticas públicas sem grande fundamento. É preciso testá-las antes de as implementar.
Podem testar-se em 3 ou 4 instâncias e extrapolar-se para toda a população. Isto revolucionou a economia de desenvolvimento. São experiências organizadas por investigadores mas a maioria delas (daí o nome “experiências sociais”) são-no em cooperação com organizações governamentais e não governamentais. Às vezes, as organizações criam um programa, mas fazem-no um pouco ad hoc. Quando isso acontece, muitos dos investigadores entram em contacto com as organizações propondo, antes disso, fazerem uma experiência controlada, onde determinados grupos recebem os incentivos a par dum grupo de controlo que não os recebe – o que permitirá aquilatar do progresso, desempenho ou efeito dessa intervenção.
Mas não é só a metodologia experimental que está em causa. A academia quis dar, não só pela metodologia, mas sobretudo por ser aplicada a uma área em concreto, que é importante e prioritária. Temos tido prémios para teorias económicas ou algumas ferramentas e até para algo de metodologia. Mas, desta vez, o prémio em concreto tem muito a ver com a aplicabilidade, o pôr em prática, testar e construir uma base de dados.
Se pensarmos bem, muita análise económica tem sido feita com base em inquéritos, como cá com o INE, com relatórios do Banco de Portugal, os Census, que têm dados que respondem a várias questões; e, através da análise desses questionários, desses instrumentos, aplicando várias teorias económicas, podem analisar-se determinados problemas e dar-se resposta a alguns deles. A questão aqui é: usar o método experimental para criar uma base de dados com questões que não existem, com determinadas coisas que, se não fosse deste modo, não se saberia. “É testar antes de aplicar políticas públicas ad hoc”.
Este Nobel é na área da economia do desenvolvimento em países subdesenvolvidos (sobretudo em África, países asiáticos e América Latina): Kremer, ultimamente, na América Latina, a Esther Duflo e o marido na Ásia e África. Foi isso que o Nobel quis premiar, a aplicação destes métodos nestas questões relacionadas com pobreza. Muitas destas ideias surgem, algumas, dos investigadores, mas, na economia do desenvolvimento, vale a cooperação com as organizações governamentais e não governamentais. A questão pode surgir de dois lados: do investigador ou duma organização. Mas, depois toda a experiência é conduzida pelo meio académico, por ser mais controlada. Lendo os papers de artigos destes autores, vemos que Duflo é econometrista – tem uma grande formação em econometria – de uma análise estatística bastante avançada. Muitos dos papers têm não só experiência, mas também a análise estrutural, porque as experiências são feitas em pequena escala e depois é preciso aplicar determinados métodos econométricos que permitem extrapolar os resultados para escala mais alargada. Não ficam na experiência. O comité falou muito na questão experimental e na aplicação do método no combate à pobreza. Mas há esta particularidade: como econometristas, os laureados fazem modelos sobre os resultados que permitem extrapolar. Daí darem mais confiança ao resultado que se obtém.
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É importante que os economistas, em vez de porem a economia como instrumento de alarme social e ao serviço dos poderes políticos, financeiros e económicos, a ponham ao serviço do bem-estar, passando pelo combate eficaz à pobreza, um pouco como fazia a recém-falecida economista portuguesa Manuela Silva. Se calhar, as faculdades de economia devem repensar-se.
2019.10.15 – Louro de Carvalho

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