sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Adiamento da instalação da Assembleia da República e da posse do Governo


Tanto o Presidente da República como o líder do partido que venceu as eleições legislativas anteciparam indevidamente as diligências a fazer em virtude dos resultados eleitorais.
O Presidente, ainda os partidos que se desiludiram com as eleições estavam em ressaca, apressou-se a ouvir os partidos com assento parlamentar e indigitou António Costa como Primeiro-Ministro. E este apressou-se a contactar os partidos da esquerda a ver se conseguia acordos de governação, depressa concluiu não haver hipóteses de acordo escrito com todos e inviabilizou um acordo escrito com o BE, perspetivando a negociação medida a medida e caso a caso. E depressa enunciou o elenco ministerial e de secretários de Estado mais próximos do Chefe do Governo. Por seu turno, Ferro Rodrigues convocou a conferência de líderes parlamentares que procedeu à definição de lugares dos grupos parlamentares e dos deputados no hemiciclo. Tudo certinho e contavam com a sessão de verificação de poderes e posse dos deputados no dia 22 e a do Governo no dia 23.
Esqueceram-se, porém, de que deviam esperar pelos resultados da votação pelos dos círculos eleitorais da emigração que elegeriam, como elegeram, 4 deputados: 2 são do PS e 2 são do PSD. Se tais resultados não iriam alterar a correlação de forças, o formalismo democrático impunha que se esperasse por tais resultados para se tornar oficial o produto eleitoral e os dados serem publicados em Diário da República. E isso significaria o respeito pelos votos dos emigrantes que não houve desta vez.
O dia 16 foi o da contagem dos votos da emigração. E os resultados foram conhecidos no início do dia 17. Essa contagem, feita no Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, mostra que no círculo fora da Europa, além do socialdemocrata José Cesário, foi eleito o socialista Augusto Santos Silva, que, tendo sido novamente escolhido por Costa para Ministro dos Negócios Estrangeiros, será substituído por outro deputado do PS. Pelo círculo da Europa, foram eleitos Paulo Pisco, do PS, e Carlos Alberto Gonçalves, do PSD.
No conjunto dos dois círculos, foi o PS que obteve mais votos (26,24%), seguido do PSD (23,42%), PAN (4,84%), Bloco de Esquerda (4,75%) e CDS (3,36%).
A abstenção ficou nos 89,21% nestes círculos, já com os 27 consulados contabilizados. Votou um total de 158.252 emigrantes num universo de quase um milhão e meio de inscritos (1.466.754). O número de votantes foi 5 vezes superior (mais 129 mil) ao das últimas eleições, mas, considerando que, depois do recenseamento automático, o número de inscritos no estrangeiro subiu exponencialmente (eram cerca de 300 mil em 2015), a abstenção no estrangeiro acabou por ser maior do que há 4 anos, quando 88,32% dos eleitores faltaram à votação.
Estranha é a quantidade de votos nulos, 22,33%, ou seja, um em cada 5 votos foram desperdiçados nestes círculos, uma subida expressiva face aos 10,83% das eleições de 2015.
Os resultados finais das eleições legislativas foram conhecidos 11 dias após a data da votação em território nacional, com o apuramento dos votos dos eleitores inscritos em 27 consulados no estrangeiro, e o PS venceu com 36,34% dos votos e 108 deputados eleitos e o PSD foi o segundo partido mais votado, com 27,76% dos votos e 79 deputados. Elegeram ainda deputados para a Assembleia da República: o BE (9,52% e 19 deputados); a CDU (6,33% e 12 deputados); o CDS-PP (4,22% e 5 deputados); o PAN (3,32% e 4 deputados); o Chega (1,29% e 1 deputado); a Iniciativa Liberal (1,29% e 1 deputado); e o Livre (1,09% e 1 deputado).
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Entretanto, o Livre quer inquérito urgente à votação das eleições legislativas de 6 de outubro nos círculos da Europa e Fora da Europa devido a “inúmeros erros e percalços” no método de sufrágio por correspondência para identificar todas as falhas ocorridas, o impacto delas e a definição de boas práticas para o futuro. E quer alterar lei a tempo das presidenciais.
Os dirigentes desta força política, que conseguiu pela primeira vez eleger uma deputada, pretendem ainda que o voto não presencial seja alargado a todas as eleições e não apenas em eleições legislativas. Em comunicado, que não especifica se a investigação requerida deverá ser feito ao nível do Ministério da Administração Interna ou ao nível Parlamento, pode ler-se:
É urgente um inquérito ao desenrolar destas eleições legislativas. Os inúmeros erros e percalços nestas eleições exigem a abertura imediata de um inquérito que identifique todas as falhas ocorridas, o impacto de cada uma delas e a definição de boas práticas para o futuro..
O Livre considera que os resultados eleitorais “não espelham a vontade dos eleitores porque muitos votos nunca chegarão a ser contabilizados devido à abstenção forçada e ao anulamento de votos não intencionalmente nulos”.
Os responsáveis do partido aduzem que o facto de, logo a seguir aos resultados dos votos em território nacional, se terem feito as análises de resultados, as reuniões com o Presidente da República, as reuniões entre partidos, a distribuição de lugares no Parlamento e apresentação da composição do Governo, sem serem conhecidos ainda os resultados dos círculos da emigração, “fomenta, junto dos portugueses no estrangeiro, o sentimento de que o seu voto não é relevante – agravado pela desproporção entre número de eleitores e número de deputados” (1.442.000 portugueses no estrangeiro elegem apenas 4 deputados).
Para este partido, “a votação por correspondência nestas eleições legislativas afirmou-se, uma vez mais, como um método insuficiente e que não se adequa ao século em que vivemos”, pois “a imensidão de variáveis de que depende o seu funcionamento e que as entidades competentes não conseguem regular ou assegurar inviabilizam o voto postal como uma séria opção para o exercício da democracia”. E o partido da papoila sustenta:
A opção pelo voto eletrónico não presencial para os portugueses recenseados no estrangeiro deverá ser equacionada, pois permite a eliminação de um conjunto de barreiras e de intermediários (como os serviços postais dos vários países de todo o mundo), possibilita a contabilização automática dos resultados para serem divulgados em simultâneo com os votos em território nacional e permite ainda resolver a injustiça atual dos eleitores recenseados no estrangeiro não puderem votar em mobilidade”.  
Também o movimento “Também somos portugueses” e o Comité Cívico Português do Reino Unido exigem inquérito à forma como decorreram as eleições legislativas, criticando a anulação dos votos dos emigrantes, por não terem sido considerados os votos em que faltava a cópia do cartão do cidadão.
Nestas eleições legislativas, as regras para o voto por correspondência mudaram e os eleitores receberam apenas três documentos: o boletim de voto, o envelope verde e carta explicativa do procedimento que serviria, ela própria, de envelope. Para isso, o eleitor teria de colocar o documento de identificação e o envelope verde com o boletim sobre a carta, dobrá-la em três e colar as margens. Ora, dantes, cada eleitor português com residência no estrangeiro que optasse pelo voto por via postal recebia em casa um envelope com: boletim de voto, envelope verde (dentro do qual teria de colocar apenas o boletim), o envelope branco (no qual caberia o envelope verde com o boletim, e a cópia do documento de identificação) e carta com as instruções. Ora, não se altera procedimento junto de universo cuja situação está fora de controlo, a não ser depois de boa propaganda e testadas as alterações.
Como explicou a CNE (Comissão Nacional de Eleições), muitos acabaram por introduzir a cópia do documento de identificação no envelope verde, juntamente com o boletim de voto, e colocaram no exterior os dados do destinatário.
Até vieram papéis que nada tinham a ver com o ato eleitoral. Desta forma, o voto foi anulado.
E muitos foram impedidos de votar em Barcelona, Seul e São Tomé por falta de boletins.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar de o Governo não ter responsabilidade direta no que se passou, confessou em Paris que há “muitas coisas ainda a aperfeiçoar” no voto por correspondência dos cerca de 1,4 milhões de votantes portugueses que residem no estrangeiro. Com efeito, quem não votou por correspondência, mas votou no estrangeiro, também teve dificuldades. Em várias embaixadas e consulados houve queixas  por “não haver [boletins de] votos suficientes”, como explicou fonte da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. A situação foi depois resolvida com eleitores a deslocarem-se novamente aos consulados.
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São tomadas de posição política que poderiam não passar disso, mas o PSD pediu ao Tribunal Constitucional (TC), através da CNE, a revisão dos votos dos círculos de emigrantes. E a CNE enviou de imediato para aquele Tribunal o recurso. Assim, a publicação dos resultados está suspensa e a tomada de posse do governo já não será no dia 23, como queria Marcelo.
Efetivamente o PSD entregou uma reclamação ao TC a pedir a revisão dos resultados dos círculos eleitorais dos emigrantes, como avançou o Público, tendo o Tribunal de responder a esta reclamação às 12 horas do próximo dia 21.
Com este recurso, a expectativa do Presidente da República em dar posse ao novo Governo nesse dia 23, ao meio-dia, fica gorada. A Presidência da República disse que “a tomada de posse só pode ter lugar depois da reunião da Assembleia da República”. Ora, com a publicação dos resultados suspensa, a sessão não pode ser feita. Com efeito, a primeira reunião da Assembleia da República, com a nova configuração resultante das eleições, só pode ocorrer depois da publicação dos resultados eleitorais em Diário da República, que está agora pendente da decisão do TC sobre o recurso do PSD.
Para hoje, dia 18, estava agendada uma reunião da conferência de líderes no Parlamento para marcar a primeira reunião, mas foi cancelada. Só depois da instalação do Parlamento poderá o Governo tomar posse. Porém, há a expectativa na Presidência da República de que o novo Governo seja formalmente nomeado e tome posse até ao fim de outubro.
José Silvano, secretário-geral do PSD, disse à Lusa que o recurso foi entregue ontem, dia 17, e que a impugnação “em nada altera os deputados eleitos e os resultados, pois só se prende com a forma como os votos nulos – cerca de 35 mil – foram contabilizados”. E explica:
São os votos que não trazem a identificação do cidadão que foram classificados como nulos. Entendemos que o princípio constitucional deve ser o mesmo dos votos em território nacional. O cidadão que se apresente numa assembleia de voto sem o cartão de cidadão não vota. Portanto, deve ser considerado abstencionista. Queremos que o TC diga se é abstenção ou voto nulo.”.
O putativo ganho do partido recorrente cifra-se em mais 24 centésimos percentuais – uma unha negra –, ficando o PSD com 28% dos votos validamente expressos.  Contudo, sabe-se que a entidade judicial já começou a notificar os mandatários das várias candidaturas. Na reclamação, o PSD diz que os votos nulos devem ser contabilizados como abstenção.
A lei eleitoral para a Assembleia da República prevê que, após receber um recurso no âmbito do contencioso eleitoral, o presidente do TC “manda notificar imediatamente os mandatários das listas concorrentes no círculo em causa para que estes, os candidatos e os partidos políticos respondam, querendo, no prazo de vinte e quatro horas”.
Depois, “nas 48 horas subsequentes”, o plenário do TC decide definitivamente do recurso, comunicando imediatamente a decisão à CNE. E esta suspendeu o envio dos resultados eleitorais para publicação em Diário da República.
Ao todo, segundo os resultados desta quinta-feira, houve cerca de 22,33% de votos nulos nestes círculos eleitorais que escolhem os 4 deputados para a Assembleia da República. Dos 158.252 boletins de votos, 35.331 foram considerados nulos. O PSD diz que os votos não foram validados devidamente: houve envelopes que não foram acompanhados com o documento de identificação obrigatório. Por causa disso, algumas mesas considerar nulos estes votos.
A fazer-se a alteração pedida pelo PSD, a distribuição dos 4 deputados eleitos não vai ser alterada, mas as percentagens finais de voto mudam. O recurso ao TC é possível durante as 24 horas após a afixação do edital com os resultados dos votos dos emigrantes, prazo que foi cumprido. A decisão do TC tem de ser tomada até ao meio-dia do dia 21.
O presidente da Assembleia da República, como foi dito, tinha agendado para hoje, dia 18, uma reunião preparatória da posse da Assembleia da República, inicialmente apontada para o dia 22, mas decidiu adiar o encontro da Conferência de Líderes. E anunciou hoje que convocará a conferência de líderes para marcação da primeira reunião plenária da legislatura logo que esteja resolvido o recurso do PSD e concluído o apuramento geral dos resultados eleitorais.
Esta posição de Ferro Rodrigues consta de nota à comunicação social após ter sido desmarcada a conferência de líderes parlamentares, que estava prevista para as 15 horas de hoje, dia 18, na sequência do recurso interposto pelo PSD no dia 17. Diz o presidente do Parlamento:
Sendo conhecida a admissão do recurso do apuramento geral dos Círculos Eleitorais da Europa e de Fora da Europa apresentado junto do Tribunal Constitucional, os dados oficiais – relação dos deputados eleitos e Mapa Oficial da Eleição da Assembleia da República realizada em 6 de outubro de 2019 – não estarão disponíveis, nem publicados em Diário da República, em data que permita que a primeira sessão plenária da XIV Legislatura venha a ter lugar na próxima terça-feira, 22 de outubro, conforme previsto”.
Perante este impedimento, Ferro Rodrigues adianta que, logo que fique concluído o apuramento geral e o mesmo recebido na Assembleia da República, “convocará uma reunião da conferência de líderes destinada unicamente à marcação da primeira sessão plenária, a posse das deputadas e dos deputados à XIV Legislatura”.
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Mandava a prudência que Presidente da República, Costa e Ferro Rodrigues não precipitassem os acontecimentos e que aguardassem respeitosamente todos os resultados. E mandava o bom senso que o PSD, se nada se altera com o recurso junto do TC, se contentasse com a contagem. É mesquinho lutar por mais 24 centésimos percentuais. Duvido que incumba ao TC decidir se esses votos anulados devem ser considerados nulos ou abstenção. A falta do CC (cartão de cidadão) por si não impede a votação no território nacional (há outros meios de identificação). E o voto por correspondência é autenticado via postal com endereço e remetente. Devia ter sido validado.
É oportuna e útil a exigência de inquérito às deficiências e erros do processo para apurar responsabilidades e melhorar o sistema. E criticável ser o Estado exigir contra a lei cópia do CC (bastaria a indicação do n.º e da data de validade). Mas “casa de ferreiro espeto de salgueiro”!...
2019.10.18 – Louro de Carvalho

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