Tanto o Presidente da República como o líder do partido que venceu as
eleições legislativas anteciparam indevidamente as diligências a fazer em
virtude dos resultados eleitorais.
O Presidente, ainda os partidos que se desiludiram com as eleições
estavam em ressaca, apressou-se a ouvir os partidos com assento parlamentar e indigitou
António Costa como Primeiro-Ministro. E este apressou-se a contactar os
partidos da esquerda a ver se conseguia acordos de governação, depressa
concluiu não haver hipóteses de acordo escrito com todos e inviabilizou um acordo
escrito com o BE, perspetivando a negociação medida a medida e caso a caso. E depressa
enunciou o elenco ministerial e de secretários de Estado mais próximos do Chefe
do Governo. Por seu turno, Ferro Rodrigues convocou a conferência de líderes
parlamentares que
procedeu à definição de lugares dos grupos parlamentares e dos deputados no
hemiciclo. Tudo certinho e contavam com
a sessão de verificação de poderes e posse dos deputados no dia 22 e a do
Governo no dia 23.
Esqueceram-se, porém, de que deviam esperar pelos resultados da votação pelos
dos círculos eleitorais da emigração que elegeriam, como elegeram, 4 deputados:
2 são do PS e 2 são do PSD. Se tais resultados não iriam alterar a correlação
de forças, o formalismo democrático impunha que se esperasse por tais
resultados para se tornar oficial o produto eleitoral e os dados serem
publicados em Diário da República. E isso
significaria o respeito pelos votos dos emigrantes que não houve desta vez.
O dia 16 foi o da contagem dos votos da emigração. E os resultados foram
conhecidos no início do dia 17. Essa
contagem, feita no Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, mostra que no círculo
fora da Europa, além do socialdemocrata José Cesário, foi eleito o socialista
Augusto Santos Silva, que, tendo sido novamente escolhido por Costa para Ministro
dos Negócios Estrangeiros, será substituído por outro deputado do PS. Pelo
círculo da Europa, foram eleitos Paulo Pisco, do PS, e Carlos Alberto
Gonçalves, do PSD.
No
conjunto dos dois círculos, foi o PS que obteve mais votos (26,24%), seguido do PSD (23,42%), PAN (4,84%), Bloco de Esquerda (4,75%) e CDS (3,36%).
A abstenção ficou nos 89,21% nestes
círculos, já com os 27 consulados contabilizados. Votou um total de 158.252
emigrantes num universo de quase um milhão e meio de inscritos (1.466.754). O número de votantes foi 5
vezes superior (mais 129
mil) ao das últimas
eleições, mas, considerando que, depois do recenseamento automático, o número
de inscritos no estrangeiro subiu exponencialmente (eram cerca de 300 mil em 2015), a abstenção no estrangeiro acabou
por ser maior do que há 4 anos, quando 88,32% dos eleitores faltaram à votação.
Estranha é a
quantidade de votos nulos, 22,33%, ou seja, um em cada 5 votos foram
desperdiçados nestes círculos, uma subida expressiva face aos 10,83% das
eleições de 2015.
Os
resultados finais das eleições legislativas foram conhecidos 11 dias após a
data da votação em território nacional, com o apuramento dos votos dos
eleitores inscritos em 27 consulados no estrangeiro, e o PS venceu com 36,34%
dos votos e 108 deputados eleitos e
o PSD foi o segundo partido mais votado, com 27,76% dos votos e 79 deputados. Elegeram ainda deputados
para a Assembleia da República: o BE (9,52% e 19 deputados); a CDU (6,33% e 12 deputados); o CDS-PP (4,22% e 5 deputados); o PAN (3,32% e 4 deputados); o Chega (1,29% e 1 deputado); a Iniciativa
Liberal (1,29% e 1 deputado); e o Livre (1,09% e 1 deputado).
***
Entretanto, o Livre quer inquérito urgente à votação das eleições legislativas de 6 de outubro nos círculos da
Europa e Fora da Europa devido a “inúmeros erros e percalços” no método de
sufrágio por correspondência para identificar todas as falhas ocorridas, o
impacto delas e a definição de boas práticas para o futuro. E quer alterar lei a tempo
das presidenciais.
Os
dirigentes desta força política, que conseguiu pela primeira vez eleger uma
deputada, pretendem ainda que o voto não presencial seja alargado a todas as
eleições e não apenas em eleições legislativas. Em comunicado, que não especifica se
a investigação requerida deverá ser feito ao nível do Ministério da
Administração Interna ou ao nível Parlamento, pode ler-se:
“É urgente um inquérito ao desenrolar destas eleições
legislativas. Os inúmeros erros e
percalços nestas eleições exigem a abertura imediata de um inquérito que
identifique todas as falhas ocorridas, o impacto de cada uma delas e a
definição de boas práticas para o futuro.”.
O Livre
considera que os resultados eleitorais “não
espelham a vontade dos eleitores porque muitos votos nunca chegarão a ser
contabilizados devido à abstenção forçada e ao anulamento de votos não
intencionalmente nulos”.
Os
responsáveis do partido aduzem que o facto de, logo a seguir aos resultados dos
votos em território nacional, se terem feito as análises de resultados, as reuniões
com o Presidente da República, as reuniões entre partidos, a distribuição de
lugares no Parlamento e apresentação da composição do Governo, sem serem
conhecidos ainda os resultados dos círculos da emigração, “fomenta, junto dos
portugueses no estrangeiro, o sentimento de que o seu voto não é relevante –
agravado pela desproporção entre número de eleitores e número de deputados” (1.442.000
portugueses no estrangeiro elegem apenas 4 deputados).
Para este
partido, “a votação por correspondência
nestas eleições legislativas afirmou-se, uma vez mais, como um método
insuficiente e que não se adequa ao século em que vivemos”, pois “a imensidão de variáveis de que depende o
seu funcionamento e que as entidades competentes não conseguem regular ou
assegurar inviabilizam o voto postal como uma séria opção para o exercício da
democracia”. E o partido da papoila sustenta:
“A opção pelo voto eletrónico não presencial para os portugueses
recenseados no estrangeiro deverá ser equacionada, pois permite a eliminação de
um conjunto de barreiras e de intermediários (como os serviços postais dos
vários países de todo o mundo), possibilita a contabilização automática dos
resultados para serem divulgados em simultâneo com os votos em território
nacional e permite ainda resolver a injustiça atual dos eleitores recenseados
no estrangeiro não puderem votar em mobilidade”.
Também o
movimento “Também somos portugueses”
e o Comité Cívico Português do Reino
Unido exigem inquérito à forma como decorreram as eleições legislativas,
criticando a anulação dos votos dos emigrantes, por não terem sido considerados
os votos em que faltava a cópia do cartão do cidadão.
Nestas eleições
legislativas, as regras para o voto por correspondência mudaram e os eleitores
receberam apenas três documentos: o boletim de voto, o envelope verde e carta
explicativa do procedimento que serviria, ela própria, de envelope. Para isso,
o eleitor teria de colocar o documento de identificação e o envelope verde com
o boletim sobre a carta, dobrá-la em três e colar as margens. Ora, dantes, cada
eleitor português com residência no estrangeiro que optasse pelo voto por via
postal recebia em casa um envelope com: boletim de voto, envelope verde (dentro do
qual teria de colocar apenas o boletim), o
envelope branco (no qual caberia o envelope verde com o boletim, e a
cópia do documento de identificação) e carta
com as instruções. Ora, não se altera procedimento junto de universo cuja
situação está fora de controlo, a não ser depois de boa propaganda e testadas
as alterações.
Como
explicou a CNE (Comissão Nacional de Eleições), muitos acabaram por introduzir a cópia do documento
de identificação no envelope verde, juntamente com o boletim de voto, e
colocaram no exterior os dados do destinatário.
Até vieram papéis
que nada tinham a ver com o ato eleitoral. Desta forma, o voto foi anulado.
E muitos
foram impedidos de votar em Barcelona, Seul e São Tomé por falta de boletins.
O Ministro
dos Negócios Estrangeiros, apesar de o Governo não ter responsabilidade direta
no que se passou, confessou em Paris que há “muitas coisas ainda a aperfeiçoar”
no voto por correspondência dos cerca de 1,4 milhões de votantes portugueses
que residem no estrangeiro. Com efeito, quem não votou por correspondência, mas
votou no estrangeiro, também teve dificuldades. Em várias embaixadas e
consulados houve queixas por “não haver [boletins de] votos suficientes”,
como explicou fonte da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. A
situação foi depois resolvida com eleitores a deslocarem-se novamente aos
consulados.
***
São tomadas
de posição política que poderiam não passar disso, mas o PSD pediu ao Tribunal
Constitucional (TC), através da
CNE, a revisão dos votos dos círculos de emigrantes. E a CNE enviou de imediato
para aquele Tribunal o recurso. Assim, a publicação dos resultados está suspensa
e a tomada de posse do governo já não será no dia 23, como queria Marcelo.
Efetivamente
o PSD entregou uma reclamação ao TC a pedir a revisão dos resultados dos
círculos eleitorais dos emigrantes, como avançou o Público, tendo o Tribunal de responder a esta reclamação às 12
horas do próximo dia 21.
Com este
recurso, a expectativa do Presidente da República em dar posse ao novo Governo
nesse dia 23, ao meio-dia, fica gorada. A Presidência da República disse que “a
tomada de posse só pode ter lugar depois da reunião da Assembleia da
República”. Ora, com a publicação dos resultados suspensa, a sessão não pode
ser feita. Com efeito, a primeira
reunião da Assembleia da República, com a nova configuração resultante das
eleições, só pode ocorrer depois da publicação dos resultados eleitorais em Diário da República, que está
agora pendente da decisão do TC sobre o recurso do PSD.
Para hoje,
dia 18, estava agendada uma reunião da conferência de líderes no Parlamento
para marcar a primeira reunião, mas foi cancelada. Só depois da instalação do
Parlamento poderá o Governo tomar posse. Porém, há a expectativa na Presidência
da República de que o novo Governo seja formalmente nomeado e tome posse até ao
fim de outubro.
José
Silvano, secretário-geral do PSD, disse à
Lusa que o recurso foi entregue ontem, dia 17, e que a impugnação “em nada
altera os deputados eleitos e os resultados, pois só se prende com a forma como
os votos nulos – cerca de 35 mil – foram contabilizados”. E explica:
“São os votos que não trazem a identificação do cidadão que foram
classificados como nulos. Entendemos que o princípio constitucional deve ser o
mesmo dos votos em território nacional. O cidadão que se apresente numa
assembleia de voto sem o cartão de cidadão não vota. Portanto, deve ser
considerado abstencionista. Queremos que o TC diga se é abstenção ou voto nulo.”.
O putativo ganho
do partido recorrente cifra-se em mais 24 centésimos percentuais – uma unha
negra –, ficando o PSD com 28% dos votos validamente expressos. Contudo, sabe-se que a entidade judicial já começou
a notificar os mandatários das várias candidaturas. Na reclamação, o PSD diz que
os votos nulos devem ser contabilizados como abstenção.
A lei
eleitoral para a Assembleia da República prevê que, após receber um recurso no
âmbito do contencioso eleitoral, o presidente do TC “manda notificar imediatamente os mandatários das listas concorrentes no
círculo em causa para que estes, os candidatos e os partidos políticos
respondam, querendo, no prazo de vinte e quatro horas”.
Depois, “nas
48 horas subsequentes”, o plenário do TC decide definitivamente do recurso,
comunicando imediatamente a decisão à CNE. E esta suspendeu o envio dos
resultados eleitorais para publicação em Diário
da República.
Ao todo,
segundo os resultados desta quinta-feira, houve cerca de 22,33% de votos nulos
nestes círculos eleitorais que escolhem os 4 deputados para a Assembleia da
República. Dos 158.252 boletins de votos, 35.331 foram considerados
nulos. O PSD diz que os votos não
foram validados devidamente: houve envelopes que não foram acompanhados com o
documento de identificação obrigatório. Por causa disso, algumas mesas considerar
nulos estes votos.
A fazer-se a
alteração pedida pelo PSD, a distribuição dos 4 deputados eleitos não vai ser
alterada, mas as percentagens finais de voto mudam. O recurso ao TC é possível
durante as 24 horas após a afixação do edital com os resultados dos votos dos
emigrantes, prazo que foi cumprido. A decisão do TC tem de ser tomada até
ao meio-dia do dia 21.
O presidente
da Assembleia da República, como foi dito, tinha agendado para hoje, dia 18,
uma reunião preparatória da posse da Assembleia da República, inicialmente
apontada para o dia 22, mas decidiu adiar o encontro da Conferência de Líderes.
E anunciou hoje que convocará a conferência de líderes para marcação da
primeira reunião plenária da legislatura logo que esteja resolvido o recurso do
PSD e concluído o apuramento geral dos resultados eleitorais.
Esta posição
de Ferro Rodrigues consta de nota à comunicação social após ter sido desmarcada
a conferência de líderes parlamentares, que estava prevista para as 15 horas de
hoje, dia 18, na sequência do recurso interposto pelo PSD no dia 17. Diz o
presidente do Parlamento:
“Sendo conhecida a admissão do recurso do apuramento geral dos Círculos
Eleitorais da Europa e de Fora da Europa apresentado junto do Tribunal
Constitucional, os dados oficiais – relação dos deputados eleitos e Mapa
Oficial da Eleição da Assembleia da República realizada em 6 de outubro de 2019
– não estarão disponíveis, nem publicados em Diário da República, em data que
permita que a primeira sessão plenária da XIV Legislatura venha a ter lugar na
próxima terça-feira, 22 de outubro, conforme previsto”.
Perante este
impedimento, Ferro Rodrigues adianta que, logo que fique concluído o apuramento
geral e o mesmo recebido na Assembleia da República, “convocará uma reunião da
conferência de líderes destinada unicamente à marcação da primeira sessão
plenária, a posse das deputadas e dos deputados à XIV Legislatura”.
***
Mandava a
prudência que Presidente da República, Costa e Ferro Rodrigues não precipitassem
os acontecimentos e que aguardassem respeitosamente todos os resultados. E mandava
o bom senso que o PSD, se nada se altera com o recurso junto do TC, se
contentasse com a contagem. É mesquinho lutar por mais 24 centésimos
percentuais. Duvido que incumba ao TC decidir se esses votos anulados devem ser
considerados nulos ou abstenção. A falta do CC (cartão de cidadão) por si não impede a votação no território nacional (há outros meios
de identificação). E o voto
por correspondência é autenticado via postal com endereço e remetente. Devia ter
sido validado.
É oportuna e
útil a exigência de inquérito às deficiências e erros do processo para apurar responsabilidades
e melhorar o sistema. E criticável ser o Estado exigir contra a lei cópia do CC
(bastaria a
indicação do n.º e da data de validade). Mas “casa de ferreiro espeto de salgueiro”!...
2019.10.18 – Louro de Carvalho
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