É a grande
asserção que o Papa Francisco proferiu quase no final da homilia da Missa a que
presidiu na Basílica de São Pedro, hoje, dia 20 de outubro, Dia Mundial das Missões, no contexto do Mês Missionário Extraordinário.
A celebração
caraterizada pela comunhão dos povos na Basílica de São Pedro foi especialmente
animada pela genuína participação do coro e orquestra “Palmarito e Urubichà”, da Bolívia.
A emoldurar teologicamente
o mandato da Igreja em saída, plasmado no enunciado que tem o imperativo do verbo
“ir”
à cabeça – “Ide e ensinai todas as nações”
–, o Santo Padre quis tomar, da Liturgia da Palavra desta Missa pela Evangelização dos Povos (Is 2,1-5; 2Tm 2,1-8; Mt 29,19a-20b), três classes gramaticais de
palavras: o nome “monte”, o verbo “subir” e o pronome quantificador “todos”.
Fê-lo para encorajar o testemunho de milhares de missionários no mundo e
convocar-nos a todos para a missão.
Do monte fala
Isaías quando profetiza que todas as nações acorrerão ao monte do Templo do Senhor,
que se erguerá sobre no cimo das montanhas e se elevará no alto das colinas. E
o monte surge no Evangelho após a Ressurreição na Galileia dos gentios,
habitada por muitas populações diferentes. E disse o Pontífice que “o monte parece ser o lugar onde Deus gosta
de marcar encontro com toda a humanidade” e connosco em concreto. É o caso
do Sinai, onde Deus comunica os mandamentos como suporte da Aliança; do
Carmelo, onde Elias desafiou os sacerdotes de Baal e fez descer fogo do céu contra
soldados inimigos a soldo do rei Acaz ou onde a mulher sunamita
que perdera o filho foi encontrar-se com o profeta Eliseu; do lugar onde Jesus proclamou as Bem-aventuranças; do
Tabor, onde Se transfigurou; do Gólgota, onde deu a vida; do monte das
Oliveiras onde rezou antes de padecer; e do monte onde abençoou os discípulos,
lhes deu o mandato missionário e se despediu para subir ao Céu.
No dizer de
Francisco, o monte diz-nos que “somos chamados a aproximar-nos de Deus e dos
outros”, no silêncio e na oração,
afastando-nos das “maledicências e boatos poluentes”. Ali, os irmãos, “vistos
do monte, aparecem-nos noutra perspetiva, a de Deus que chama todos os povos”,
ou seja, vistos de cima, “aparecem-nos no
seu todo e descobre-se que a harmonia da beleza só é dada pelo conjunto”. E
orador pontifício prosseguiu:
“O
monte lembra-nos que os irmãos e as irmãs não devem ser selecionados, mas
abraçados com o olhar e sobretudo com a vida. O monte liga Deus e os irmãos num
único abraço, o da oração. (…) A missão começa no monte: lá se descobre aquilo
que conta.”.
A luz deste
ensinamento, o Papa Francisco quer que se interrogue cada um de nós “no coração
deste mês missionário”:
“Para
mim, o que é que conta na vida? Quais são as altitudes para onde tendo?”.
Depois, anota
que à palavra “monte” vem associado o verbo “subir”. Com efeito, Isaías exorta: “Vinde, subamos à
montanha do Senhor” (2,3). Na verdade, nós “nascemos para
chegar às alturas encontrando Deus e os irmãos”. Para tanto, é preciso subir,
deixando uma vida horizontal, lutando contra a força de gravidade do egoísmo,
realizando um êxodo do próprio ‘eu’ – o que “requer esforço, mas é a única maneira para ver tudo melhor”, pois o único modo possível para abarcar monte é
seguir a vereda sempre em subida.
Ora, para
subir, é preciso alijar o que não serve – porque não subimos carregados de
coisas – e há na nossa vida tantas coisas que são ninharias e empecilho para a
caminhada e, sobretudo, para a subida. E Bergoglio extrapola daqui o segredo da
missão:
“Para
partir é preciso deixar, para anunciar é preciso renunciar.
O anúncio credível é feito, não de bonitas palavras, mas de vida boa: uma vida
de serviço, que sabe renunciar a tantas coisas materiais que empequenecem o
coração, tornam as pessoas indiferentes e as fecham em si mesmas; uma vida que
se separa das inutilidades que atafulham o coração e encontra tempo para Deus e
para os outros.”.
Em
consonância, sugere a autointerrogação:
“Como
procede a minha subida? Sei renunciar às bagagens pesadas e inúteis do
mundanismo para subir ao monte do Senhor? Faço a minha estrada subindo à minha
custa ou trepando sobre os outros?”.
E passa ao
pronome “todos”, a terceira palavra
selecionada, que em Dia Mundial das
Missões ressoa como a mais forte e que prevalece nas Leituras assumidas para
a liturgia desta efeméride: “todas as nações”, diz Isaías (2,2); “todos os povos”, repetimos no Salmo 98 (2b); Deus “quer que todos os homens sejam
salvos”, escreve Paulo (1Tm 2,4); “ide,
fazei discípulos de todos os povos”, pede Jesus (Mt 28,19). E comenta o Bispo de Roma:
“O
Senhor obstina-Se a repetir este ‘todos’. Sabe que somos teimosos a
repetir ‘meu’ e ‘nosso’: as minhas coisas, a nossa nação, a nossa comunidade...
e Ele não Se cansa de repetir ‘todos’. Todos, porque ninguém está excluído do
seu coração, da sua salvação; todos, para que o nosso coração ultrapasse as
alfândegas humanas, os particularismos baseados nos egoísmos que não agradam a
Deus. Todos, porque cada qual é um tesouro precioso e o sentido da vida é dar
aos outros este tesouro. Eis a missão: subir ao monte para rezar por todos,
e descer do monte para se doar a todos.”.
Subir implica
vir a descer e tornar a subir. Neste sentido, Francisco diz-nos que “o cristão
está sempre em movimento, em saída”, o mandato evangélico é “ide”. E ir
implica não esperar retorno nem compensação, como implica ir “ao encontro de todos, e não apenas dos
seus, do seu grupinho”. “O cristão vai ter com os outros” –
afirma o Pastor Supremo, que explicita:
“A
testemunha de Jesus nunca se sente em crédito do reconhecimento de outros, mas
em dívida de amor com quem não conhece o Senhor. A testemunha de Jesus vai ao
encontro. Jesus diz também a ti: ‘Vai; não percas a ocasião de testemunhar!’.
Irmão, irmã, o Senhor espera de ti o testemunho que ninguém pode dar em tua
vez. ‘Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer
dizer ao mundo com a tua vida (...), e assim a tua preciosa missão não
fracassará’ (Gaudete et exsultate,
24).”.
Por outro
lado, para ir ao encontro de todos, segundo as instruções do Senhor, uma só e
muito simples e necessária: fazer discípulos, mas “discípulos d’Ele,
não nossos”. Por isso, a homilia papal vinca:
“A
Igreja só anuncia bem, se viver como discípula. E o discípulo segue dia a dia o
Mestre e partilha com os outros a alegria do discipulado. Não conquistando,
obrigando, fazendo prosélitos, mas testemunhando, colocando-se ao
mesmo nível – discípulo com os discípulos –, oferecendo amorosamente o
amor que recebemos.”.
É preciso
mostrar, antes de mais e acima de tudo, que “Deus ama a todos e não se cansa jamais de ninguém”. E este
testemunho diz respeito a todos e cada um de nós, pois “cada um de nós tem,
melhor, é uma missão nesta terra” (Evangelii gaudium, 273). E o Papa concluiu encorajando a cada um dos cristãos
– bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, leigos e leigas:
“Estamos
aqui para testemunhar, abençoar, consolar, erguer, transmitir a beleza de
Jesus. Coragem! Ele espera muito de ti! O Senhor prova uma espécie de ânsia por
aqueles que ainda não sabem que são filhos amados pelo Pai, irmãos pelos quais
deu a vida e o Espírito Santo. Queres acalmar a ânsia de Jesus? Vai com amor ao
encontro de todos, porque a tua vida é uma missão preciosa: não é um peso a
suportar, mas um dom a oferecer. Coragem! Sem medo, vamos ao encontro de todos!”.
De facto, a não
é um peso a suportar, mas um dom a oferecer.
***
Concluída a celebração
da Santa Missa, às 12 horas, o Santo Padre dirigiu-se à janela do seu gabinete
no Palácio Apostólico para recitar o Angelus
com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.
Nesta altura,
a sua alocução sobre o Dia Mundial das
Missões partiu dos textos da Liturgia da Palavra deste 29.º domingo do
Tempo Comum no Ano C e não dos da Missa celebrada na Basílica. Assim, referiu
que a 2.ª Leitura (2Tm
3,14 – 4,2) nos propõe a
exortação de Paulo ao seu fiel colaborador Timóteo:
“Proclama
a Palavra, insiste a propósito e fora de propósito, argumenta, ameaça e exorta
com toda a magnanimidade e doutrina”.
Vincando que
este Dia Mundial das Missões é
ocasião propícia para cada batizado tomar mais viva consciência da necessidade
de cooperar na proclamação da Palavra, no anúncio do Reino de Deus com um
renovado empenho, evocou a centenária Carta Apostólica Maximum illud, do Papa Bento XV, que deu novo impulso à responsabilidade
missionária de toda a Igreja. Nela, o 258.º Papa da Igreja Católica “advertiu para a necessidade de requalificar
evangelicamente a missão no mundo de modo que fosse purificada de qualquer
incrustação colonial e livre dos condicionamentos das políticas expansionistas
das nações europeias”.
Tal
advertência tem hoje, segundo Francisco, plena atualidade e “estimula a superar
a tentação de todo o fechamento autorreferencial e toda a forma de pessimismo
pastoral, para nos abrir à jubilosa novidade do Evangelho”.
Disse o Santo
Padre que, num tempo de globalização – que devia ser solidária e respeitadora
da particularidade dos povos, mas que, ao invés, quer impor a homogeneização e
sofre dos velhos conflitos de poder que alimentam guerras e fragilizam o planeta
– os crentes são chamados a levar doravante, com novo vigor, a boa notícia de
que “em Jesus a misericórdia vence o pecado, a esperança vence o medo, a
fraternidade vence a hostilidade”, pois “Cristo é a nossa paz e n’Ele é
superada toda a divisão, só Ele é a salvação de todo o homem e de todo o povo”.
Mas o
Pontífice não se esqueceu de alertar para o suporte da vida cristã e,
consequentemente, a condição indispensável de toda a missão: a oração, que implica, no dizer do Padre
José Gregório Valente, missionário passionista, a escuta de Deus, a escuta dos
homens, a escuta do coração. E Francisco, ancorado na 1.ª Leitura (Ex 17, 8-13) e no Evangelho (Lc 18,1-8) propõe “uma oração fervorosa e
incessante”, segundo o ensinamento de Jesus na parábola “sobre a necessidades
rezar sempre, sem desfalecimento. E sustenta:
“A
oração é o primeiro sustentáculo do
povo de Deus para os missionários, rica de afeto e de gratidão para a sua difícil
tarefa de anunciar e dar a luz e a graça do Evangelho àqueles e àquelas ainda
não o receberam. É ainda
uma bela ocasião para nos interrogarmos: ‘Eu rezo pelos missionários? Rezo
pelos que vão a longes terras para levar a Palavra de Deus com o seu
testemunho?”.
Por fim,
rogou a Maria, Mãe de todos os povos, que acompanhe e proteja sempre os missionários
do Evangelho.
***
Após o Angelus, evocou a beatificação do mártir Alfredo Cremonesi, sacerdote missionário do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, morto na
Birmânia, em 1953. Foi um infatigável apóstolo de paz e zelosa testemunha do Evangelho, até ao
derramamento de sangue. Que o seu exemplo nos torne agentes de fraternidade e missionários
corajosos em todos os ambientes e a sua intercessão sustente quantos se
afadigam hoje a semear o Evangelho no mundo.
Saudou os
peregrinos provenientes da Itália e de vários outros países. E mencionou, em
particular: a comunidade peruana de Roma, congregada em torno da imagem do Senhor dos Milagres; as Irmãs Enfermeiras
da Addolorata (Nossa Senhora
das Dores), que celebraram
o seu Capítulo Geral; os que participam na marcha “Restiamo umani” (continuemos a ser humanos), tendo percorrido, nos últimos meses, cidades e territórios da Itália a
promover um confronto construtivo sobre inclusão e acolhimento; e os jovens da
Ação Católica italiana, por ocasião dos 50 anos da ACR. A estes pediu que sejam
protagonistas alegres e generosos na evangelização, sobretudo entre os seus
coetâneos e garantiu que a Igreja confia neles e nelas.
2019.10.20 – Louro de Carvalho
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