terça-feira, 8 de outubro de 2019

Noite eleitoral sem grandes surpresas, mas com algumas


O dia 6 de outubro de 2019 ficou marcado pelas eleições à Assembleia da República de que resultou uma vitória, sem maioria absoluta, para o PS, por 36,65% dos votos e com a eleição de 106 deputados (tinha 86), seguindo-se-lhe o PSD com 28,9% e 77 deputados (tinha 89). Falta apurar os resultados de 2 círculos eleitorais: o da Europa e o de fora da Europa – que dão 4 deputados, que se espera recaírem sobre candidatos do PSD e do PS, o que pode aumentar algo o número de eleitos de um ou dos dois partidos referidos.
Isto não constituiu surpresa, sobretudo depois que as sondagens se começaram a publicar diariamente, tendo os dois partidos estado bastante próximos, ao invés do que se avançava no tempo da pré-campanha.
Não obstante, deve considerar-se interessante o facto de o PS ter vencido em 15 dos 20 círculos eleitorais do território nacional, tendo o PSD vencido nos outros cinco (Bragança, Vila Real, Viseu, Leiria e Madeira), bem como o facto de o PS somar mais mandatos que todos os partidos colocados à sua direita.
O BE mantém o mesmo número de deputados, mas obteve 9,67% dos votos, que em 2015. A CDU obteve apenas 6,46% dos votos, o que lhe valeu a redução do número de mandatos de 17 para 12, tendo Heloísa Apolónia ficado pelo caminho. E o CDS caiu drasticamente, pois obteve apenas 4,25% dos votos, ficando-se pelos 5 deputados (tinha 18).
CDS e PSD coligados tinham 102; agora, o somatório dos dois é de 82. Os seus votos deslocaram-se basicamente para os pequenos partidos mais à direita, podendo alguns ter ido parar ao PS
Em contraponto, o PAN, obtendo 3,28% dos votos, conseguiu eleger 4 deputados (tinha apenas um). E, dos pequenos partidos, conseguiram eleger 1 deputado cada um dos seguintes: Chega, com 1,30%; Iniciativa Liberal, com 1,29%; e Livre, com 1,09%.
Fora de jogo ficaram: Aliança, com 0,77% (o logro de Santana Lopes autoconfiante); RIR, com 0,68%, de Tino de Rãs; PCTP/MRPP, com 0,68%; PNR, com 0,30%; MPT, com 0,23%; Nós Cidadãos, com 0,22%; PURP, com 0,20%: JPP, com 0,20%; PDR, com 0,18% (nem Pedro Pardal Henriques, recrutado à pressa da saga da greve dos motoristas de matérias perigosas, lhe valeu); PTP, com 0,15%; e MAS, com 0,06%.
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Na ordem das justificações e apreciações, registam-se declarações curiosas.
Jerónimo de Sousa disse que a perda de mandatos implica derrota, que estes resultados mostram que os trabalhadores e o povo ficam mais desprotegidos, que o PS tem tomado medidas contrárias aos interesses e direitos dos trabalhadores, que a CDU continua firme nesta luta e que a cooperação que possa dar ao novo Governo dependerá do posicionamento do PS. Parece esquecer que, além do desgaste histórico por que passaram os partidos comunistas, se junta o facto de nem todos os eleitores tradicionalmente afetos ao PCP e ao PEV terem gostado da solução política que viabilizou a XIII Legislatura, com a participação do PCP.
Assunção Cristas aceitou com lealdade democrática a derrota, desejou sucesso a António Costa na governação, vai convocar um conselho nacional para a marcação dum congresso e declarou não se recandidatar à liderança do seu partido. Com efeito, o deslumbramento de ter ultrapassado do PSD nas eleições para as autarquias no município da capital não lhe deu capital de relação para as europeias nem para estas legislativas, sobretudo tendo em conta que manifestou a ambição de vir a liderar a oposição, tendo sido demasiado dura e intempestiva para com o Primeiro-Ministro nos debates parlamentares, chegando a fazer uma política de casos e esquecendo a sua prestação como governante no tempo do Governo de Passos e Portas. É certo que liderou um partido colado aos tempos da troika e a uma coligação que teve dificuldade em aceitar a solução governativa encontrada nos termos constitucionais. Mas trouxe à campanha eleitoral casos como Tancos, que Rio explorou, e a acusação a Ferro Rodrigues de proteger mais o PS que o Parlamento só por não ter satisfeito o seu pedido de enviar ao MP as declarações de Azeredo Lopes em sede de CPI (comissão parlamentar de inquérito).
Em todo o caso, a líder do CDS foi lutadora persistente e anímica pelas causas de partido e na linha do que pensava ser o melhor para o país, sendo de absoluta clareza naquilo que defendia e propunha e não deixava morrer as questões políticas.
Infelizmente, o óbito de Freitas do Amaral toldou-lhe a campanha. Com efeito, por um lado, ele fora o primeiro líder do partido que ajudara a fundar, mas, por outro, demarcou-se dele até vir a integrar, na qualidade de independente, um governo socialista, o primeiro de José Sócrates. E qualquer que fosse a atitude de Cristas – e foi de homenagem – seria objeto de críticas e passível de interpretações ambivalentes. Agora aguarda-se pela sucessão.
Obviamente, os corifeus do PAN ficaram contentes. As suas causas, apesar de fundamentalistas algumas, foram abraçadas por um crescente número de cidadãos, o que lhes deu de presente quatro deputados, e até parece que a ciência as avaliza, a julgar pela atitude da reitoria da universidade de Coimbra, que determinou a abstinência de carne de vaca nas refeições das cantinas universitárias. Até quando se manterá no terreno um partido de causas, longe da perspetiva holística da governança?
A Iniciativa Liberal bem se orgulha de ter elegido um deputado, considerando-a uma proeza para um partido que tem apenas dois anos de existência. Pode agradecer à capacidade mobilizadora da mandatária nacional Zita Seabra que aprendeu a militar quando andava na clandestinidade como membro do PCP.
O Chega, com a autoridade política que lhe advém de ter um deputado, mantém a sua linguagem e propósitos radicais de acabar com as medidas de favor aos grupos minoritários, pondo a todos dentro da lei e prevendo a esterilização química para pedófilos e a prisão preventiva para alguns crimes graves. Só tem razão na situação demasiado complacente que se empresta a determinados grupos. Mas a generalização e a linguagem são detestáveis.
O Livre, que está no terreno há mais tempo, viu eleger uma das suas candidatas como deputada, o que lhe deu o sentimento de que vale a pena militar por ideais progressistas. Mas é de questionar que mais-valia em concreto dará à governação.
Estes três partidos constituem as tais pequenas pedras que equilibrarão as grandes que estão no Parlamento, como dizia Tino de Rãs nos seus prospectos. As outras pedras pequenas ficaram de fora, tendo de continuar a fazer o trabalho político só na sociedade civil.
Rui Rio, o líder tão contestado, como que renasceu das cinzas duma fracassada saga das eleições europeias. Renovou, por escolha sua, as listas de candidatos, à revelia dos barões do partido, fez promessas quase irrealistas, impôs contestáveis compromissos aos seus candidatos, confiou em si mesmo, deixou que um dos seus vice-presidentes prometesse reverter as principais medidas do executivo de Costa e arrancou para a campanha com a perspetiva da obtenção de 20% dos votos frente a um PS que se colocava no patamar dos 40% – situação que o tempo se encarregou de desfazer aproximando os dois partidos.
Atribuiu Rio a difícil prestação eleitoral do PSD às circunstâncias externas e às internas do partido. Nas externas mencionou as medidas europeias de apoio à economia e ao crescimento, mediante a redução drástica dos juros, a diminuição do desemprego, de modo que o Governo pouco teve de fazer para mostrar que fez alguma coisa, e a comparação que os eleitores puderam fazer com os difíceis tempos da troika. Referiu as sondagens publicadas diariamente a dar a ideia de que o PSD iria sofrer hecatombe eleitoral nunca vista e acusou explicitamente o Expresso e a SIC, bem como uma série de comentadores políticos que mais pareciam querer deitar abaixo o partido e o seu líder. Mas deu aos parabéns à RTP, que acertou nas projeções feitas à boca das urnas. Ao nível interno do partido, frisou as críticas de muitos à atual liderança, que mais pareciam triturar o líder que disputar as eleições.
Esqueceu-se de dizer que a sua postura também foi ambígua por vezes, ora encostando-se ao executivo, ora demarcando-se de forma inadequada. E geriu mal a questão da mobilização de assinaturas de deputados do PSD para requerimento ao TC para fiscalização sucessiva da constitucionalidade do diploma que “nacionaliza” a Casa do Douro. Teve a sorte de ninguém ter pegado nisso para a campanha.
Aliás, Rui Rio, com o CDS, introduziu na campanha a questão de Tancos, o que foi visto como um aproveitamento do lançamento, durante a campanha, da acusação aos 23 arguidos. E considere-se que foi pouco fixar-se apenas na hipótese de o ex-Ministro da Defesa saber da encenação da recuperação do material furtado e o Primeiro-Ministro não saber ou na hipótese de saberem os dois. Até deu azo a que o secretário-geral do PS, repetindo que tinha esclarecido tudo à CPI e que o MP nunca o questionou, pusesse em evidência a contradição de posições de Rio: dantes, contra os julgamentos em praça pública; e, agora, a fazê-los. Aí convenha-se que o BE foi mais assertivo, ao dizer que, a ser verdadeiro o teor da acusação, os governantes mentiram ao Parlamento.
Também foi pouco profícua a questão a apresentação do seu Centeno para contracenar com Ministro das Finanças. Haveria outra forma de desmontar a narrativa das contas certas que António Costa trouxe à campanha.  
Por fim, não assimilou a chegada, embora tardia, dos críticos ao trabalho eleitoral, alegando que vieram para que, vendo os resultados desastrosos do partido, pudessem dizer: nós estivemos lá, o líder é que geriu mal. Fará vingar na governação as suas reformas estruturais?
E António Costa veio para a campanha com a narrativa das contas certas – redução da dívida e do défice –, recuperação do rendimento, crescimento do emprego, aumento do consumo, incremento do turismo. Depois, questionado pela razão de o crescimento de Portugal ser inferior ao de países como a Espanha, justificou-se com o facto de termos uma dívida externa superior, que não nos facilita o crescimento, embora estejamos acima da média da UE, o que lhe deu jeito sobrevalorizar.
Teve azar com os facto de a acusação de Tancos ter caído em plena campanha eleitoral, lidando mal com o lado político do caso, remetendo-o pura e simplesmente para a justiça. Ora sabe-se que, embora corra pela justiça, a questão também é política e merece um tratamento político, a que se furtou.
Nisso, Cristas tinha razão. E Costa tinha tanta forma de responder com proficiência.
Teve menos impacto político o difícil caso que envolveu o ex-Secretário da Proteção Civil. Aconteceu antes da campanha, o governante demitiu-se e ainda não foi acusado. O Ministro assumiu as respetivas competências.
Já o caso dos incêndios veio na reta final com uma acusação de rua por parte dum cidadão conotado com o CDS, com a mentirosa acusação de que o Primeiro-Ministro estivera de férias durante os incêndios de Pedrógão. E Costa ia perdendo a cabeça em agressividade contra o cidadão, valendo o estado-maior da sua campanha. Aliás, já quando retorquiu a Rio pela forma como apreciou o alegado comportamento de Costa e do ex-Ministro da Defesa no caso de Tancos, a sua resposta foi demasiado nervosa e sem necessidade. Tudo isto fez dizer a Rio na noite das eleições que o PSD não perdeu a serenidade. 
Não correu bem o facto de Centeno ter identificado um buraco nas contas do cenário macroeconómico do PSD e recusar-se a debater o caso com o porta-voz partidário para a área de economia e finanças, alegando que só debatia com candidatos a deputado. Porquê este formalismo? Deixou pairar a ideia de que receava o debate!
Irá com esta vitória Costa dar vida europeia à nossa ferrovia, ao novo aeroporto, à concretização dos itens da Lei de Bases da Saúde, à reforma da administração pública, à reforma da Justiça, à verdadeira centralização, à reforma do sistema político? Ou termos a mera evolução na continuidade, que pode esvaziar-se? Tirará proveito do alargamento do leque de forças políticas no Parlamento, que reforçam a centralidade política da Assembleia da Republica?           
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Cresceu o número de eleitores e cresceu a abstenção. É caso para os cidadãos se autocriticarem pelo desamor à participação nos atos democracia, bem como os partidos políticos e os formadores de opinião se questionarem sobre o porquê da abstenção. Porém, a Comissão Nacional de Eleições dificultou a votação ao impor um aumento significativo do volume de eleitores nalgumas mesas de voto. Já há muitos anos que não me via em fila tão grande para votar e com cidadãos em situação normal de saúde, o que sucedeu com outras pessoas. Por outro lado, foram impedidos de votar cidadãos porque já estava o seu voto descarregado nos cadernos. Como? Aconteceu isto? É pouco, mas “muitos poucos” ajudam a justificar fenómenos grandes!
De resto, nem a vitória do PS foi retumbante, embora some mais deputados que todos os partidos à sua direita, nem a derrota do PSD foi tão estrondosa como se esperava ou como os críticos do líder insistem em dizer.
Que Rio pondere se deve ou se quer ficar, acreditando nas suas capacidade e sabendo que tem de enfrentar permanentemente quem não acredita nele
Quanto a António Costa, o ganhador, que alie a sua capacidade negocial à paciência que lhe falta por vezes e que seja mais ousado, embora menos teimoso, nas medidas que propõe e nas que lhe cabe tomar. Tem o BE disponível para acordo quanto à continuidade da solução política praticada na XIII Legislatura. Mas será salutar que negoceie com todos os partidos, nomeadamente com aqueles com quem tem maiores afinidades – em nome da prudência e da eficácia – e que respeite sempre os compromisso resultantes da negociação.  
2019.19.07 – Louro de Carvalho

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