O dia 6
de outubro de 2019 ficou marcado pelas eleições à Assembleia da República de
que resultou uma vitória, sem maioria absoluta, para o PS, por 36,65% dos votos
e com a eleição de 106 deputados (tinha 86), seguindo-se-lhe o PSD com
28,9% e 77 deputados (tinha 89). Falta apurar os resultados de 2 círculos
eleitorais: o da Europa e o de fora da Europa – que dão 4 deputados, que se
espera recaírem sobre candidatos do PSD e do PS, o que pode aumentar algo o número
de eleitos de um ou dos dois partidos referidos.
Isto não
constituiu surpresa, sobretudo depois que as sondagens se começaram a publicar
diariamente, tendo os dois partidos estado bastante próximos, ao invés do que se
avançava no tempo da pré-campanha.
Não
obstante, deve considerar-se interessante o facto de o PS ter vencido em 15 dos
20 círculos eleitorais do território nacional, tendo o PSD vencido nos outros
cinco (Bragança,
Vila Real, Viseu, Leiria e Madeira),
bem como o facto de o PS somar mais mandatos que todos os partidos colocados à
sua direita.
O BE
mantém o mesmo número de deputados, mas obteve 9,67% dos votos, que em 2015. A
CDU obteve apenas 6,46% dos votos, o que lhe valeu a redução do número de
mandatos de 17 para 12, tendo Heloísa Apolónia ficado pelo caminho. E o CDS
caiu drasticamente, pois obteve apenas 4,25% dos votos, ficando-se pelos 5
deputados (tinha 18).
CDS e
PSD coligados tinham 102; agora, o somatório dos dois é de 82. Os seus votos
deslocaram-se basicamente para os pequenos partidos mais à direita, podendo
alguns ter ido parar ao PS
Em
contraponto, o PAN, obtendo 3,28% dos votos, conseguiu eleger 4 deputados (tinha
apenas um). E, dos
pequenos partidos, conseguiram eleger 1 deputado cada um dos seguintes: Chega, com 1,30%; Iniciativa Liberal, com 1,29%; e Livre, com 1,09%.
Fora de
jogo ficaram: Aliança, com 0,77% (o
logro de Santana Lopes autoconfiante);
RIR, com 0,68%, de Tino de Rãs; PCTP/MRPP, com 0,68%; PNR, com 0,30%; MPT, com 0,23%; Nós Cidadãos,
com 0,22%; PURP, com 0,20%: JPP, com 0,20%; PDR, com 0,18% (nem Pedro Pardal Henriques,
recrutado à pressa da saga da greve dos motoristas de matérias perigosas, lhe
valeu); PTP, com 0,15%; e MAS, com 0,06%.
***
Na ordem
das justificações e apreciações, registam-se declarações curiosas.
Jerónimo
de Sousa disse que a perda de mandatos implica derrota, que estes resultados
mostram que os trabalhadores e o povo ficam mais desprotegidos, que o PS tem
tomado medidas contrárias aos interesses e direitos dos trabalhadores, que a
CDU continua firme nesta luta e que a cooperação que possa dar ao novo Governo
dependerá do posicionamento do PS. Parece esquecer que, além do desgaste
histórico por que passaram os partidos comunistas, se junta o facto de nem
todos os eleitores tradicionalmente afetos ao PCP e ao PEV terem gostado da
solução política que viabilizou a XIII Legislatura, com a participação do PCP.
Assunção
Cristas aceitou com lealdade democrática a derrota, desejou sucesso a António
Costa na governação, vai convocar um conselho nacional para a marcação dum
congresso e declarou não se recandidatar à liderança do seu partido. Com
efeito, o deslumbramento de ter ultrapassado do PSD nas eleições para as
autarquias no município da capital não lhe deu capital de relação para as
europeias nem para estas legislativas, sobretudo tendo em conta que manifestou
a ambição de vir a liderar a oposição, tendo sido demasiado dura e intempestiva
para com o Primeiro-Ministro nos debates parlamentares, chegando a fazer uma
política de casos e esquecendo a sua prestação como governante no tempo do
Governo de Passos e Portas. É certo que liderou um partido colado aos tempos da
troika e a uma coligação que teve dificuldade em aceitar a solução governativa
encontrada nos termos constitucionais. Mas trouxe à campanha eleitoral casos
como Tancos, que Rio explorou, e a acusação a Ferro Rodrigues de proteger mais
o PS que o Parlamento só por não ter satisfeito o seu pedido de enviar ao MP as
declarações de Azeredo Lopes em sede de CPI (comissão
parlamentar de inquérito).
Em todo
o caso, a líder do CDS foi lutadora persistente e anímica pelas causas de
partido e na linha do que pensava ser o melhor para o país, sendo de absoluta
clareza naquilo que defendia e propunha e não deixava morrer as questões
políticas.
Infelizmente,
o óbito de Freitas do Amaral toldou-lhe a campanha. Com efeito, por um lado,
ele fora o primeiro líder do partido que ajudara a fundar, mas, por outro,
demarcou-se dele até vir a integrar, na qualidade de independente, um governo
socialista, o primeiro de José Sócrates. E qualquer que fosse a atitude de
Cristas – e foi de homenagem – seria objeto de críticas e passível de
interpretações ambivalentes. Agora aguarda-se pela sucessão.
Obviamente,
os corifeus do PAN ficaram contentes. As suas causas, apesar de
fundamentalistas algumas, foram abraçadas por um crescente número de cidadãos,
o que lhes deu de presente quatro deputados, e até parece que a ciência as
avaliza, a julgar pela atitude da reitoria da universidade de Coimbra, que
determinou a abstinência de carne de vaca nas refeições das cantinas
universitárias. Até quando se manterá no terreno um partido de causas, longe da
perspetiva holística da governança?
A Iniciativa Liberal bem se orgulha de ter
elegido um deputado, considerando-a uma proeza para um partido que tem apenas
dois anos de existência. Pode agradecer à capacidade mobilizadora da mandatária
nacional Zita Seabra que aprendeu a militar quando andava na clandestinidade
como membro do PCP.
O Chega, com a autoridade política que lhe
advém de ter um deputado, mantém a sua linguagem e propósitos radicais de
acabar com as medidas de favor aos grupos minoritários, pondo a todos dentro da
lei e prevendo a esterilização química para pedófilos e a prisão preventiva
para alguns crimes graves. Só tem razão na situação demasiado complacente que
se empresta a determinados grupos. Mas a generalização e a linguagem são
detestáveis.
O Livre, que está no terreno há mais
tempo, viu eleger uma das suas candidatas como deputada, o que lhe deu o
sentimento de que vale a pena militar por ideais progressistas. Mas é de
questionar que mais-valia em concreto dará à governação.
Estes
três partidos constituem as tais pequenas pedras que equilibrarão as grandes
que estão no Parlamento, como dizia Tino de Rãs nos seus prospectos. As outras
pedras pequenas ficaram de fora, tendo de continuar a fazer o trabalho político
só na sociedade civil.
Rui Rio,
o líder tão contestado, como que renasceu das cinzas duma fracassada saga das
eleições europeias. Renovou, por escolha sua, as listas de candidatos, à
revelia dos barões do partido, fez promessas quase irrealistas, impôs contestáveis
compromissos aos seus candidatos, confiou em si mesmo, deixou que um dos seus
vice-presidentes prometesse reverter as principais medidas do executivo de
Costa e arrancou para a campanha com a perspetiva da obtenção de 20% dos votos
frente a um PS que se colocava no patamar dos 40% – situação que o tempo se
encarregou de desfazer aproximando os dois partidos.
Atribuiu
Rio a difícil prestação eleitoral do PSD às circunstâncias externas e às
internas do partido. Nas externas mencionou as medidas europeias de apoio à
economia e ao crescimento, mediante a redução drástica dos juros, a diminuição
do desemprego, de modo que o Governo pouco teve de fazer para mostrar que fez
alguma coisa, e a comparação que os eleitores puderam fazer com os difíceis
tempos da troika. Referiu as sondagens publicadas diariamente a dar a ideia de
que o PSD iria sofrer hecatombe eleitoral nunca vista e acusou explicitamente o
Expresso e a SIC, bem como uma série de comentadores políticos que mais pareciam
querer deitar abaixo o partido e o seu líder. Mas deu aos parabéns à RTP, que
acertou nas projeções feitas à boca das urnas. Ao nível interno do partido,
frisou as críticas de muitos à atual liderança, que mais pareciam triturar o
líder que disputar as eleições.
Esqueceu-se
de dizer que a sua postura também foi ambígua por vezes, ora encostando-se ao
executivo, ora demarcando-se de forma inadequada. E geriu mal a questão da
mobilização de assinaturas de deputados do PSD para requerimento ao TC para
fiscalização sucessiva da constitucionalidade do diploma que “nacionaliza” a
Casa do Douro. Teve a sorte de ninguém ter pegado nisso para a campanha.
Aliás,
Rui Rio, com o CDS, introduziu na campanha a questão de Tancos, o que foi visto
como um aproveitamento do lançamento, durante a campanha, da acusação aos 23
arguidos. E considere-se que foi pouco fixar-se apenas na hipótese de o ex-Ministro
da Defesa saber da encenação da recuperação do material furtado e o
Primeiro-Ministro não saber ou na hipótese de saberem os dois. Até deu azo a
que o secretário-geral do PS, repetindo que tinha esclarecido tudo à CPI e que
o MP nunca o questionou, pusesse em evidência a contradição de posições de Rio:
dantes, contra os julgamentos em praça pública; e, agora, a fazê-los. Aí
convenha-se que o BE foi mais assertivo, ao dizer que, a ser verdadeiro o teor
da acusação, os governantes mentiram ao Parlamento.
Também
foi pouco profícua a questão a apresentação do seu Centeno para contracenar com
Ministro das Finanças. Haveria outra forma de desmontar a narrativa das contas
certas que António Costa trouxe à campanha.
Por fim,
não assimilou a chegada, embora tardia, dos críticos ao trabalho eleitoral,
alegando que vieram para que, vendo os resultados desastrosos do partido,
pudessem dizer: nós estivemos lá, o líder é que geriu mal. Fará vingar na
governação as suas reformas estruturais?
E António
Costa veio para a campanha com a narrativa das contas certas – redução da
dívida e do défice –, recuperação do rendimento, crescimento do emprego,
aumento do consumo, incremento do turismo. Depois, questionado pela razão de o
crescimento de Portugal ser inferior ao de países como a Espanha, justificou-se
com o facto de termos uma dívida externa superior, que não nos facilita o
crescimento, embora estejamos acima da média da UE, o que lhe deu jeito
sobrevalorizar.
Teve
azar com os facto de a acusação de Tancos ter caído em plena campanha
eleitoral, lidando mal com o lado político do caso, remetendo-o pura e
simplesmente para a justiça. Ora sabe-se que, embora corra pela justiça, a
questão também é política e merece um tratamento político, a que se furtou.
Nisso,
Cristas tinha razão. E Costa tinha tanta forma de responder com proficiência.
Teve
menos impacto político o difícil caso que envolveu o ex-Secretário da Proteção
Civil. Aconteceu antes da campanha, o governante demitiu-se e ainda não foi
acusado. O Ministro assumiu as respetivas competências.
Já o
caso dos incêndios veio na reta final com uma acusação de rua por parte dum
cidadão conotado com o CDS, com a mentirosa acusação de que o Primeiro-Ministro
estivera de férias durante os incêndios de Pedrógão. E Costa ia perdendo a
cabeça em agressividade contra o cidadão, valendo o estado-maior da sua
campanha. Aliás, já quando retorquiu a Rio pela forma como apreciou o alegado
comportamento de Costa e do ex-Ministro da Defesa no caso de Tancos, a sua resposta
foi demasiado nervosa e sem necessidade. Tudo isto fez dizer a Rio na noite das
eleições que o PSD não perdeu a serenidade.
Não
correu bem o facto de Centeno ter identificado um buraco nas contas do cenário
macroeconómico do PSD e recusar-se a debater o caso com o porta-voz partidário
para a área de economia e finanças, alegando que só debatia com candidatos a
deputado. Porquê este formalismo? Deixou pairar a ideia de que receava o
debate!
Irá com
esta vitória Costa dar vida europeia à nossa ferrovia, ao novo aeroporto, à
concretização dos itens da Lei de Bases da Saúde, à reforma da administração
pública, à reforma da Justiça, à verdadeira centralização, à reforma do sistema
político? Ou termos a mera evolução na continuidade, que pode esvaziar-se? Tirará
proveito do alargamento do leque de forças políticas no Parlamento, que
reforçam a centralidade política da Assembleia da Republica?
***
Cresceu
o número de eleitores e cresceu a abstenção. É caso para os cidadãos se
autocriticarem pelo desamor à participação nos atos democracia, bem como os
partidos políticos e os formadores de opinião se questionarem sobre o porquê da
abstenção. Porém, a Comissão Nacional de Eleições dificultou a votação ao impor
um aumento significativo do volume de eleitores nalgumas mesas de voto. Já há
muitos anos que não me via em fila tão grande para votar e com cidadãos em
situação normal de saúde, o que sucedeu com outras pessoas. Por outro lado,
foram impedidos de votar cidadãos porque já estava o seu voto descarregado nos
cadernos. Como? Aconteceu isto? É pouco, mas “muitos poucos” ajudam a
justificar fenómenos grandes!
De
resto, nem a vitória do PS foi retumbante, embora some mais deputados que todos
os partidos à sua direita, nem a derrota do PSD foi tão estrondosa como se
esperava ou como os críticos do líder insistem em dizer.
Que Rio
pondere se deve ou se quer ficar, acreditando nas suas capacidade e sabendo que
tem de enfrentar permanentemente quem não acredita nele
Quanto a
António Costa, o ganhador, que alie a sua capacidade negocial à paciência que
lhe falta por vezes e que seja mais ousado, embora menos teimoso, nas medidas
que propõe e nas que lhe cabe tomar. Tem o BE disponível para acordo quanto à
continuidade da solução política praticada na XIII Legislatura. Mas será
salutar que negoceie com todos os partidos, nomeadamente com aqueles com quem
tem maiores afinidades – em nome da prudência e da eficácia – e que respeite
sempre os compromisso resultantes da negociação.
2019.19.07 –
Louro de Carvalho
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