quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Reabriu, envolto em polémica, o complexo do Palácio de Cristal


Com capacidade para oito mil lugares, o recinto reabriu envolto em polémica, no passado dia 28 de outubro, sem a presença da atleta que dava o nome ao Pavilhão, sem os vereadores do PS, do PSD e da CDU, bem como do Presidente da República, embora deste não se saiba se a ausência sucedeu por discordância da designação ou por motivos de saúde, até porque se sujeitou hoje, dia 30, a um cateterismo e desobstrução das coronárias,
Em causa está a introdução da designação “Super Bock Arena” antes da designação anterior “Rosa Mota”. Esta designação “Super Bock Arena”, no centro do conflito entre a atleta e a Câmara Municipal do Porto a quem cabia autorizar ou não a alteração do nome do pavilhão, foi proposta em 2018, como suplemento. E, segundo a atleta, a nova designação resultou de uma decisão tomada à revelia do acordado com a Câmara Municipal do Porto.
O consórcio responsável pela reabilitação do pavilhão Rosa Mota no Porto assegurava em 2018 que não se tratava de uma alteração da designação formal, que se manteria Pavilhão Rosa Mota, mas apenas da “adoção suplementar do branding” prevista no caderno de encargos.
No anexo que suportava a proposta apresentada e aprovada com os votos contra do PS, PSD e CDU, na reunião do executivo de novembro de 2018, o consórcio Círculo de Cristal, que venceu o concurso público internacional, solicitava “autorização para acrescentar”, no uso corrente do Pavilhão Rosa Mota e durante a vigência do contrato, a marca comercial “Super Bock Arena” à designação, como previsto no respetivo caderno de encargos. E garantia:
Não se trata, por isso, de um pedido de alteração da toponímia ou designação formal do equipamento, que se manterá ‘Pavilhão Rosa Mota’, como é vontade da Câmara Municipal do Porto e do concessionário, mas apenas a adoção suplementar de branding, neste caso de uma empresa com fortes ligações à cidade e à região”.
Esta possibilidade de alteração da designação estava prevista no caderno de encargos e no contrato de reabilitação do equipamento, cabendo sempre ao município aprovação ou não do naming, como demonstra a proposta de autorização, onde o município refere que houve um primeiro pedido efetuado pelo concessionário, que o presidente Rui Moreira não aceitou.
No documento, sustenta-se que esta proposta “não altera a designação formal ou corrente do equipamento, traduzindo-se apenas na adoção suplementar de branding”, salvaguardando assim “a ligação de um dos mais importantes e emblemáticos equipamentos da cidade a uma das maiores atletas da história do desporto português, que nasceu e cresceu na cidade do Porto”.
Todavia, na reunião do executivo do dia 28, o Presidente da Câmara Municipal, o independente Rui Moreira, em resposta aos vereadores que defendiam que a autarquia devia exigir o cumprimento do que foi aprovado, disse que o “incómodo” existente com a nova denominação é com o logótipo, sublinhando que autarquia não tem meios, nem recursos para se opor. Também disse que a atleta manteve reuniões com a Super Bock, as quais a autarquia foi alheia, uma vez que o contrato que existe é com o concessionário. E sublinhou que a proposta do nome fazia parte do caderno de encargos, pelo que era legítimo ao concessionário propor a sua alteração, mas lembrou que a primeira designação proposta foi recusada porque fazia desaparecer o nome “Pavilhão Rosa Mota”.
Também o Bloco de Esquerda disse estar contra a alteração do nome do Pavilhão Rosa Mota, tendo desafiado a Câmara do Porto a promover uma discussão alargada para o regresso daquele equipamento à esfera pública e municipal. Assim, em comunicado, a Comissão Coordenadora Concelhia do Bloco de Esquerda – Porto diz querer “reverter de imediato esta apropriação indevida, impedindo a alteração do nome daquele que é e será, para o Porto, o Pavilhão Rosa Mota” ao mesmo tempo que pretende uma “discussão alargada na cidade que permita a renegociação do contrato e seu regresso à esfera pública e municipal”.
Lembrando ter estado “contra a entrega do Palácio de Cristal a entidades privadas pela mão de Rui Rio, em 2009, a par do movimento que na altura se gerou no Porto” e que em 2014 “denunciaram na Assembleia Municipal o modelo de reabilitação deste equipamento municipal essencial à cidade, votando contra a proposta de entrega a privados apresentada por Rui Moreira”, o BE aponta para as contas do município para justificar a sua posição.
Na proposta, o município afirmava que o modelo encontrado para a reabilitação do Pavilhão Rosa Mota “é favorável ao interesse público”, representando, além do mais, uma vantagem financeira para a Câmara que “receberá – além de direitos na utilização do equipamento – um valor de quatro milhões de euros [por ano] ao longo de 20 anos”.
Porém, na proposta não consta o valor pelo qual o concessionário cedeu a exploração do naming ao Grupo Super Bock e sobre o qual a autarquia não recebe qualquer percentagem. O Grupo Super Bock também não o esclareceu. E o arquiteto José Carlos Loureiro, autor do projeto do edifício inaugurado em 1952 e então chamado “Pavilhão dos Desportos”, escusou-se a comentar a polémica, por considerar que “não houve qualquer tipo de consideração” pela sua pessoa, enquanto autor.
Entretanto, a nova designação do Pavilhão foi já adotada pela aplicação de navegação ‘Google Maps’, onde surge com a designação de “Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota”.
Não foi por acaso ou inocentemente que, a 8 de outubro, o Presidente da República afirmava, num intervalo na audição dos partidos, para inaugurar o programa desportistas no Palácio de Belém: “a Rosa Mota é mais importante do que todos os governos ou presidentes de Portugal”.
A não comparência da atleta e dos vereadores do PS, PSD e CDU na cerimónia de inauguração tem a ver com o facto de não se conformarem com a “menorização” do nome da campeã olímpica no frontispício.
Não obstante, o Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, na cerimónia passou praticamente ao lado da polémica, enfatizando que antes de haver um Porto conhecido pelo desporto e pela cultura, “já o era devido ao Vinho do Porto”.
Embora se admita que a Câmara Municipal não tem força para impor o alegado cumprimento do acordado – habitualmente quem paga manda – e considerando que é melhor a recuperação do Pavilhão com a designação atual do que mantê-lo com a designação anterior, mas totalmente degradado e quase inutilizável, é de vincar que a cidade do Porto está umbilicalmente ligada ao vinho (como está ligada às tripas), mas não tem de estar totalmente aos pés do vinho. No caso vertente, o imóvel está ligado ao desporto, tanto assim que a designação inicial era “Pavilhão dos Desportos”. E a designação de “Pavilhão Rosa Mota” resulta da prestação olímpica e de outras da atleta portuense, não valendo também perguntar – como alguns fazem – o que ela fez ou não pela cidade, pois, sem cair no exagero de Marcelo Rebelo de Sousa, há que dizer que a atleta honra o nome de Portugal e da cidade do Porto naquilo que ela melhor sabe fazer e que ajuda a projetar o país para o mundo da fama. Terra que não saiba reconhecer os seus ilustres – coevos ou antepassados – tem um futuro duvidoso.
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A propósito da polémica em volta da atleta Rosa Mota, que ficou indignada, por conta de o seu nome ficar associado ao do patrocinador das obras do pavilhão (a Super Bock), Rui Moreira, escreveu na manhã do dia 29, na sua página pessoal do Facebook, que “o tempo, nestas coisas, é o melhor conselheiro”. Num texto em que o autarca se congratula com o facto de o pavilhão Rosa Mota já estar “de novo ao serviço de uma cidade que não tinha um espaço multiusos”, Rui Moreira reitera que, “ao contrário do que foi escrito e dito, a toponímia não mudou” e frisou:
Respeitámos o nome da minha amiga Rosa Mota e ainda fizemos algo que – desde que em 1991 aceitou batizar o então ‘Pavilhão dos Desportos’ – nunca tinha acontecido. O seu nome passou a estar agora inscrito na fachada e pela primeira vez.”.
E, quanto ao mau estar de Rosa Mota – por ter o seu nome associado a uma bebida alcoólica – Rui Moreira foi perentório:
Não tenham problemas com ‘bebidas alcoólicas’. Quando o Porto era uma cidade quase desconhecida, foi o Vinho do Porto que a promoveu.”.
O autarca, no Facebook, repetiu a ideia divulgada no esclarecimento no dia 28:
Não acredito que o nome da atleta fosse mais respeitado com um pavilhão em ruína, sem uso e sem o seu nome lá escrito, do que agora que empresas portuguesas e do Porto nele decidiram investir muitos milhões e modernizar.”.
E concluiu:
Mas o tempo, nestas coisas, é o melhor conselheiro”.
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Por seu turno, Rosa Mota prepara-se para maratona em defesa do nome do “seu” pavilhão. Sem grandes comentários à polémica por causa do novo nome daquele que é conhecido por pavilhão Rosa Mota, o ex-treinador e companheiro da atleta diz estar a preparar-se para “uma batalha que vai durar durante vários anos” pela defesa do nome do “Pavilhão Rosa Mota”, que foi inaugurado sob a designação de “Super Bock Arena – Rosa Mota”, uma designação que fora acordada como suplementar.
O desabafo que faço é que estou a preparar-me para uma batalha que vai durar vários anos”, afirmou em declarações à Lusa, José Pedroso, que se escusou a tecer qualquer outra declaração.
Em carta dirigida à Câmara Municipal do Porto, conhecida no dia 28, Rosa Mota diz sentir-se enganada aduzindo que o seu nome foi subalternizado para destacar uma marca de bebidas alcoólicas. Com efeito, nessa carta, a campeã olímpica contou que, em 2018, foi chamada à Câmara para se reunir com Rui Moreira e que no encontro o edil garantiu ser o seu nome intocável. “Sabendo do meu constrangimento em que o meu nome esteja ligado a uma bebida alcoólica e até da legalidade discutível desta situação”, Rui Moreira terá respondido: “Mas se a Rosa pudesse aceitar a bebida alcoólica a cidade beneficiaria muito”. Em reunião posterior com a vereadora Catarina Araújo, Rosa Mota concordou “com a designação Pavilhão Rosa Mota/Super Bock Arena, rejeitando a proposta Super Bock Arena/Pavilhão Rosa Mota”. E esclareceu ainda: “Foi em função do primeiro logótipo que dei a minha anuência à proposta que a senhora vereadora levou à reunião camarária de 27 de novembro”.
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Do meu ponto de vista, Rui Moreira não tem razão em enfatizar, no caso do Pavilhão, a ligação da Cidade ao vinho para justificar tudo, pois também há a ligação ao desporto e é válido também para o Porto o aforismo “mens sana e corpore sano”. E não tem razão em dizer que não houve mudança toponímica, porque ela existe e é inegável. Não se trata aqui da propriedade comutativa da adição ou da multiplicação segundo a qual a ordem das parcelas ou dos fatores, respetivamente, é arbitrária para o resultado. Porém, tem razão ao afirmar que, agora o nome da atleta consta da fachada e do logótipo, o que antes não acontecia, e que é melhor o Pavilhão estar recuperado e utilizável do que manter-se com a designação, mas degradado. É pena que o concessionário e o grupo interessado não tenham mantido a designação como fora acordado. Havia tanta forma de fazer marketing e promoção em torno do “Pavilhão Rosa Mota” e dos seus eventos e atividades…
Por outro lado, pergunto-me: Valerá a pena a atleta bater-se por uma insignificância destas? Será isso que a fará feliz e não a consciência de que fez carreira esforçada e brilhante com o nome de Portugal e com merecido reconhecimento e aplauso? E a Câmara e os locatários não deveriam respeitar as decisões históricas ou o dinheiro pode impor os seus caprichos?
2019.10.30 – Louro de Carvalho

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