Durante a
13.ª Congregação Geral foram apresentados, na Sala do Sínodo, os relatórios dos
Círculos Menores. Estavam presentes junto com o Papa 177 Padres Sinodais. As
contribuições, entregues à Secretaria-Geral, não constituem um documento
oficial, nem mesmo um texto de magistério, mas a síntese de uma discussão
franca e livre entre os participantes da assembleia.
O Sínodo é
um dom precioso do Espírito para a Amazónia e para toda a Igreja no aspeto
teológico pastoral e pela inevitável tarefa do cuidado da Casa Comum. É
um kairós (tempo de graça, ocasião propícia para a Igreja se
reconciliar com a Amazónia). Este é
ponto comum dos 12 relatórios dos círculos menores (4 em
português, 2 em italiano, 5 em espanhol, um em francês e em inglês).
Os textos
lidos publicamente exprimem a esperança de que se desenvolva um novo caminho
sinodal na Amazónia e que desta assembleia resulte fervorosa paixão missionária
de uma verdadeira Igreja em saída. O desejo é de que o “viver bem” amazónico se
encontre com a experiência das bem-aventuranças, pois, à luz da Palavra de
Deus, alcança a sua plena realização. As propostas concretas são muitas e
variadas e provêm de vários círculos que fazem questão de esclarecer:
“Este não é um Sínodo regional, mas universal, o que acontece na
Amazónia refere-se a todo o mundo”.
As propostas foram apresentadas sob
dimensões específicas: dimensão pastoral/missionária, social,
espiritual e ecológica. E, entre
outras questões, tratam a possibilidade
de ordenações de diaconisas e padres casados, os viri probati – homens
casados, de fé comprovada, que se podem tornar padres (algo muito
praticado no primeiro milénio,
mas que depois foi sendo deixado de lado). Outros dos temas abordados
foram:
1) Formação
dos leigos e dos missionários, o que pressupõe
a formação “inculturada” de leigos indígenas, para que ali a Igreja “deixe de
importar modelos” e assuma o seu próprio rosto;
2) Violência
contra os povos, pessoas e natureza,
que postula o combate ao narcotráfico, violência institucionalizada, feminicídio,
abuso e exploração sexual e o respeito plenos direitos dos povos originários –
encarando as “ameaças constantes
sobre os que defendem a verdade e a justiça sobre os direitos à terra”, dentro
daquilo que chamam de “realidade
de sangue”;
3) Culturas
amazónicas e evangelização, o que requer o diálogo
inter-religioso e ecuménico, o diálogo interinstitucional entre Igreja e Poder Público, a Ecologia Integral, a opção preferencial pelos pobres, a justa memória dos mártires amazónicos,
a criação de comunidades eclesiais de base e
uma pastoral urbana para acolhimento de imigrantes e refugiados;
4) Piedade
popular: prevê
o desenvolvimento de um rito
amazónico com património teológico, disciplinar e espiritual que expresse a universalidade e catolicidade
da Igreja na Amazónia;
5) Vida
Consagrada na Amazónia, ligada
à urgente necessidade de
ministérios ordenados, como uma oportunidade de a Igreja “se reconciliar
com a Amazónia, diante da dívida acumulada durante longos anos de colonização”;
6) Juventude
e Ministérios: na corresponsabilidade e
participação do povo e uma educação
inculturada com elementos dos povos, favorecendo o protagonismo da região pela criação de escolas e universidade
indígenas com linguística própria até para traduzir a Bíblia e o catecismo.
Por
fim, os relatórios pedem uma ampla
divulgação das conclusões do Sínodo:
“Fomentem a espiritualidade do encontro
entre todos os rostos da Amazónia. Divulguem
o que acontece na Amazónia, principalmente o que diz respeito ao que no projeto
destrói a biodiversidade. Anunciem os valores dos povos originários
que contribuem com a civilização do amor. Abram espaços para os
indígenas. Em tempos fakenews, dar
a conhecer ao mundo a verdade da Amazónia.”.
E os documentos
ainda deixam um recado direto ao
Santo Padre, em “portunhol”:
“Querido Papa Francisco, os Rios da
Amazónia transbordam, “tienen sus desbordes” e levam vida à floresta e aos
povos da floresta. Rezamos para
que este Sínodo, este Rio Sinodal transborde, “tenga sus desbordes” em novos
caminhos para a evangelização e por uma ecologia integral. Que o Espírito nos guie, nos ajude, nos dê
coragem, parresia e paz. Muito
obrigado[s].”.
Propostas
por círculo
Para o
círculo italiano A (relator
Padre Darío Bossi e moderador Dom Flavio Giovenale), é possível ordenar homens casados
na Amazónia devendo a discussão universal do tema ficar para um evento
eclesial futuro.
O círculo
italiano B (relator Dom
Filippo Santoro e moderador Cardeal Luis Ladaria Ferrer, prefeito da Congregação
para a Doutrina da Fé)
propõe a criação de um “Rito amazónico”
que permita “desenvolver sob o aspeto espiritual, teológico, litúrgico e
disciplinar a riqueza única da Igreja Católica na Amazónia”. Abre-se
discretamente à ordenação homens casados e de diaconisas, embora não o
mencione diretamente.
O círculo
português A (relator Dom
Neri J. Tondello e moderador Dom Jesús Cizaurre Berdonces) propõe abertamente o sacerdócio de
homens casados e a ordenação de diaconisas, precisando:
“Além
dos ministérios do leitor, acólito, diácono permanente, ministério da palavra,
ministério do Batismo, entre outros, pedimos ao Santo Padre que admita
para a região Pan-amazónica homens no ministério presbiteral e mulheres no
diaconado, de preferência indígenas, respeitados (as) e reconhecidos (as) por
sua comunidade, que já possuem uma família estável e estabelecida, a fim de
garantir os sacramentos que acompanham e sustentam a vida cristã
da comunidade”.
O círculo
português B (relator Dom
Evaristo P. Spengler e moderador Dom Pedro Brito Guimarães) também propõe abertamente a
ordenação de homens casados e diaconisas. E indicou:
“A
ordenação dos viri probati foi
considerada como necessária para Pan-Amazónia. Os homens casados candidatos à
ordenação, após um diaconado frutífero, devem responder aos seguintes
critérios, entre outros: vida de oração e amor à Palavra de Deus e à Igreja,
vida eucarística que se reflete em uma vida de doação e serviço, vivência comunitária,
espírito missionário. (…) Na implementação da ordenação dos viri probati, apresentamos dois caminhos
para a região Pan-amazónica: 1) Delegar a implementação deste ministério às
conferências episcopais presentes na Pan-Amazónia. 2) Confiar aos bispos a
realização dessa experiência.”.
E apresentou
a seguinte justificação:
“Dada
a presença decisiva das mulheres na história da salvação, como Maria na missão
da Igreja, das santas, doutoras e conselheiras dos Papas, dado que a presença
das mulheres é decisiva na vida e na missão da Igreja na Amazónia e que o
Concílio Vaticano II restaurou o diaconado permanente para os homens – porque é
bom e útil para a Igreja –, julgamos que o mesmo argumento é válido para criar
o diaconado para as mulheres na Igreja na Amazónia”.
O círculo
português C (relator Dom
Vilson Basso e moderador Dom José B. da Silva) também solicita a ordenação de homens casados,
precisando:
“Na
dimensão pastoral missionária, destacamos a necessidade de conversão pessoal e
pastoral, de recuperar a centralidade da Palavra e da Eucaristia, de
aprofundar no tema da ministerialidade e as várias possibilidades em relação ao
diaconado, viri probati, mulheres,
sacerdotes casados, do protagonismo dos leigos, destacando as mulheres”.
O círculo
português D (relator Dom
Wilmar Santin e moderador Dom Alberto Taveira Correa) reafirma o valor do celibato e
considera que o tema dos viri probati
e diaconisas deve ser aprofundado:
“Reafirmamos
o valor do celibato e a necessidade de um maior compromisso na pastoral
vocacional. Consideramos essencial a valorização dos ministérios existentes e
as instituições de novos ministérios conforme as necessidades. (…) A escuta
realizada previamente no Sínodo expressou o desejo de conferir a ordenação
presbiteral aos viri probati, assim
como o ministério do diaconado para as mulheres. Esses dois pontos pedem um
posterior amadurecimento e aprofundamento.”.
O círculo
espanhol A (relator Dom
José Luis Azuaje Ayala e moderador o Arcebispo Primaz do México, Cardeal Carlos
Aguiar Retes) não se
pronuncia sobre os viri probati ou
diaconisas, mas vinca:
“É
necessário que na Igreja Sinodal a mulher assuma responsabilidades pastorais e
de direção, deve haver um reconhecimento da mulher na Igreja através da
ministerialidade; portanto, propõe-se a realização de um Sínodo dedicado à
identidade e serviço da mulher na Igreja, onde as mulheres tenham voz e voto”.
Por sua vez,
o círculo espanhol B (relator
Dom Francisco J. Múnera Correa e moderador Dom Edmundo Valenzuela) exprimiu o seu apoio à ordenação
dos viri probati, declarando:
“A
proposta visa pedir ao Santo Padre a possibilidade de conferir o presbiterado a
homens casados para a Amazónia, de forma excecional, em circunstâncias
específicas e para alguns povos determinados, estabelecendo claramente as
razões que o justificam. Não se trataria, de nenhuma forma, de presbíteros de
2.ª categoria. É preciso levar em consideração que são muitas as vozes que
insistem para que este tema seja decidido para a Amazónia na atual Assembleia
Sinodal. Outras vozes, pelo contrário, pensam que deveria ser estudado e
definido em uma Assembleia Sinodal específica.”.
E, sobre a
possibilidade do diaconado para as mulheres na Igreja, indicou:
“Acolhendo
e em sintonia com várias opiniões expressas na Sala Sinodal, este círculo
incentiva um estudo mais aprofundado sobre esse assunto, olhando mais para as
possibilidades futuras do que para a história passada”.
O círculo
espanhol C (relator o
Padre Roberto Jaramillo e moderador Dom Jonny E. Reyes Sequera) também falou a favor da ordenação
de viri probati e de diaconisas,
referindo:
“Dada
a tradição da Igreja, é possível reconhecer o acesso das mulheres aos
ministérios instituídos do leitorado e do acolitado, assim como ao diaconado
permanente. (…) Verificamos também que muitas das comunidades eclesiais do
território Amazónico têm enormes dificuldades de acesso à Eucaristia. No entanto,
o Espírito Santo continua agindo nessas comunidades e distribuindo dons e
carismas, de tal maneira que também haja homens casados de boa reputação,
responsáveis, exemplo de virtudes cidadãs e bons líderes comunitários, que
sentem a chamada para servir o povo de Deus como instrumentos da santificação
do povo de Deus. Será importante discernir, por meio de consultas com o povo de
Deus e do discernimento do ordinário do lugar, a conveniência de essas pessoas
se prepararem adequadamente e serem posteriormente escolhidas para o serviço
presbiteral.”.
O círculo
espanhol D (relator Padre
Alfredo Ferro Medina e moderador Dom Omar de Jesús Mejía Giraldo) manifestou-se a favor da ordenação
dos viri probati, assinalando:
“E,
nesse sentido, afirmando que o celibato é um dom para a Igreja, solicita-se que
das comunidades se promova a ordenação presbiteral de pessoas virtuosas,
apresentadas por suas próprias comunidades e respeitadas pela mesma”.
E o círculo
espanhol E (relator Dom
José J. Travieso Martín e moderador o Cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga) não propõe a ordenação de homens
casados e manifesta-se contra a ordenação de diaconisas, mas é a favor de
alguma alternativa ministerial para as mulheres.
***
Uma Igreja viva
e missionária ao lado dos pobres e contra toda a forma de violência
É imperativo
a Igreja escutar o grito dos povos e da terra, estar ao lado dos pobres e
afirmar “chega de violência”. Na Amazónia a violência assume várias faces:
violência em cárceres lotados, abuso e exploração sexual; violação dos direitos
das populações indígenas; assassinato de defensores dos territórios; tráfico de
droga e narco-business; extermínio da
população jovem; tráfico de seres humanos, feminicídios e cultura machista; genocídio,
biopirataria, etnocídio – males a combater porque matam a cultura e o espírito.
É clara a condenação da violação extrativista e do desmatamento, bem como do abuso
dos mais frágeis e do abuso da natureza. E, entre as emergências evidenciadas,
foi dado muito espaço ao tema da crise climática. São os nativos quem paga o
maior preço. Pagam com as suas vidas, porque não são apoiados nem protegidos
nos seus territórios. Assim, vários círculos solicitaram a instituição de um Observatório
Internacional dos Direitos Humanos, na certeza de que a defesa dos
povos e da natureza é prerrogativa da ação pastoral e eclesial. Além disso,
sugerem que as paróquias criem espaços seguros para as crianças, adolescentes e
pessoas vulneráveis. Reiteram o direito à vida de todos desde a conceção até à
morte natural.
A Igreja,
segundo um dos relatórios, tem a tarefa de acompanhar a obra dos defensores dos
direitos humanos muitas vezes criminalizados pelos poderes públicos. Porém, não
pode agir como uma ONG. Este risco, acompanhado com o de se apresentar de forma
exclusivamente ritualista, provoca muitas vezes o abandono de muitos fiéis que
buscam respostas à sua sede de espiritualidade nas seitas religiosas ou noutras
confissões. Portanto, os círculos pedem que se dê maior energia ao diálogo
ecuménico e inter-religioso com a proposta de dois centros de confronto,
um na Amazónia e outro em Roma, entre os teólogos do RELEP (Rede de
estudos pentecostais latino-americanos) e os
teólogos católicos.
Invocando um
ministério de presença, que rejeite o clericalismo, encoraja-se um maior
protagonismo dos leigos. De quase todos os círculos chega o pedido de
aprofundar o significado de “Igreja
ministerial”, uma Igreja onde possa coexistir corresponsabilidade e compromisso
dos leigos. Um círculo pede um modo equilibrado de ministérios a homens
e mulheres, mas afastando o risco de clericalizar os leigos. E, em geral propõe-se
uma cuidadosa reflexão sobre os ministérios do leitorado e do acolitado também
a mulheres, religiosas ou leigas.
O tema da mulher
está presente em vários relatórios com o pedido de reconhecer, em papéis de
maior responsabilidade e liderança, o valor da presença feminina no serviço
específico à Igreja na Amazónia. Pede-se a garantia do respeito dos
direitos das mulheres e a superação de todos os estereótipos. Vários círculos pediram
atenção à questão do diaconado para as mulheres na perspetiva do Vaticano II,
considerando que muitas das suas funções já são desempenhadas pelas mulheres na
região. E foi sugerido dedicar ao tema um aprofundamento noutra assembleia dos
bispos, na qual talvez se possa reconhecer às mulheres o direito ao voto.
Foi sugerido
um sínodo Universal específico sobre o tema dos viri probati. Sobre
esta temática as perspetivas diversificam-se entre os grupos. Ao evidenciar-se que
o valor do celibato, dom a ser oferecido às comunidades indígenas, não está em
discussão, um círculo alerta para o risco de este valor ser enfraquecido ou de
a introdução dos viri probati vir a desestimular o impulso
missionário da Igreja Universal ao serviço das comunidades mais distantes. A
maior parte dos relatórios, almejando uma Igreja “de presença” mais do que “de
visita”, exprime-se a favor da conferição do presbiterado a homens casados,
de boa reputação, preferencialmente indígenas escolhidos pelas comunidades de
proveniência, mas em condições específicas. Especifica que estes não podem ser
considerados de 2.ª ou 3.ª categoria, mas verdadeiras vocações sacerdotais. Não
deve esquecer-se o drama de muitas populações da Amazónia que recebem os
sacramentos só uma ou duas vezes por ano e pede-se às comunidades locais que
reforcem a consciência de que não só a Eucaristia, mas também a Palavra
representa um alimento espiritual para os fiéis.
Considerando
a dimensão do território pan-amazónico e a escassez de ministros foi cogitada a
criação dum fundo regional para a sustentabilidade da evangelização. Além disso,
um dos círculos exprime “perplexidade” em relação à “falta de reflexão sobre as causas que levaram à proposta de superar de
algum modo o celibato sacerdotal como foi expresso pelo Concílio Vaticano II e
pelo magistério sucessivo”. Também se espera uma formação permanente para o
ministério com o objetivo de configurar o sacerdote a Cristo e se exorta o
envio à Amazónia de missionários que exercem o ministério sacerdotal no norte
do mundo. Ante da crise vocacional, os círculos relevam a diminuição substancial
da presença de religiosos na Amazónia e esperam a renovação da vida religiosa
que seja promovida com novo fervor, sob impulso da CLAR (Confederação
latino-americana dos religiosos), de modo
especial no atinente à vida contemplativa. E foi focalizada a formação dos
leigos, que seja integral - e não só doutrinal, mas também querigmática - fundada
na doutrina social da Igreja e que leve à experiência e ao encontro com o
Ressuscitado. Propõe-se o fortalecimento da formação dos sacerdotes, que não
deve ser só académica, mas também realizada nos territórios amazónicos com
experiências concretas de Igreja em saída, ao lado dos que sofrem nos cárceres ou
nos hospitais. Foi pedida a constituição de seminários indígenas onde se possa estudar
e aprofundar a teologia local.
Os círculos pedem
a consolidação duma teologia e duma pastoral de rosto indígena, pois diálogo
intercultural e inculturação não são entendidos como opostos. A tarefa
da Igreja não é decidir pelo povo amazónico ou assumir uma posição de
conquista, mas acompanhar, caminhar junto numa perspetiva sinodal de diálogo e
escuta. A este respeito, foi proposta a introdução de um “Rito amazónico” que ajude
a desenvolver, sob o aspeto espiritual, teológico, litúrgico e disciplinar, a
riqueza singular da Igreja católica na região. Um dos relatórios explica:
“Devem ser valorizados os símbolos e gestos das culturas locais na
liturgia da Igreja na Amazónia, conservando a unidade substancial do rito
romano, visto que a Igreja não quer impor uma uniformidade rígida no que não
afeta a fé”.
Foi instada
a promoção do conhecimento da Bíblia, favorecendo a tradução nas línguas
locais. Nessa ótica, foi proposta a criação do Conselho Eclesial da Igreja Pan-amazónica, estrutura eclesiástica
ligada ao CELAM, REPAM e Conferências Episcopais dos países amazónicos. E um
dos relatórios discorre:
“A cosmovisão amazónica tem muito para ensinar ao mundo Ocidental
dominado pela tecnologia, muitas vezes a serviço da ‘idolatria do dinheiro’. Os
povos amazónicos consideram o seu território sagrado. Portanto, deve ser
incentivada uma reflexão sobre o valor espiritual do bioma, da biodiversidade e
do direito à terra. Por outro lado, o anúncio do Evangelho e a originalidade da
vitória de Cristo sobre a morte, respeitando a cultura dos povos, devem ser
considerados um elemento essencial para abraçar e entender a cosmovisão amazónica.”.
O
missionário é chamado a despojar-se da mentalidade colonialista, superar os
preconceitos étnicos e respeitar os costumes, ritos e crenças. Por isso, devem
ser apreciadas, acompanhadas e promovidas as manifestações com que os povos
expressam a fé. Foi sugerida a criação de um Observatório Sócio-pastoral Pan-amazónico em coordenação com o
CELAM, as comissões de Justiça e Paz das dioceses, a CLAR e a REPAM. Devem ser
reconhecidas luzes e sombras na história da Igreja na Amazónia. Deve-se
distinguir entre Igreja “indigenista”,
que considera os indígenas destinatários passivos da pastoral, e Igreja “indígena”, que os vê como protagonistas
da própria experiência de fé, segundo o princípio “Salvar a Amazónia com a Amazónia”. Neste sentido, é importante
valorizar o exemplo brilhante de muitos missionários e mártires que deram a
vida na Amazónia por amor ao Evangelho. E um dos círculos propôs a incentivação
dos processos de beatificação dos mártires da Amazónia.
Nos textos
lidos na sala sinodal não faltaram os povos isolados voluntariamente e foi
pedido que sejam acompanhados pelo trabalho de equipas missionárias
itinerantes. Foi dado espaço ao tema da migração, sobretudo juvenil. Hoje,
80% da população da Amazónia encontra-se nas cidades – fenómeno de
consequências negativas como a perda da identidade cultural, a marginalização
social, a desintegração ou instabilidade familiar. É cada vez mais urgente a evangelização dos centros urbanos e a adequação
da pastoral às circunstâncias sem esquecer favelas, periferias e realidades
rurais. É urgente a renovação da pastoral juvenil. No âmbito pedagógico,
pede-se à Igreja a promoção da educação intercultural bilingue e o incentivo
uma aliança de redes de universidades especializadas na ciência da Amazónia e
na instrução superior intercultural para as populações indígenas.
A dimensão ecológica
é central nos relatórios dos círculos, que reiteram que a Criação é obra-prima
de Deus, que toda a Criação está interligada. Pede-se que não se esqueça que
“uma conversão
ecológica verdadeira começa na família e passa por uma conversão
pessoal, de encontro com Jesus”. A partir daí, importa abordar questões
práticas como as temperaturas elevadas ou combate às emissões de
CO2 (dióxido de
carbono). Incentiva-se o estilo de vida
sóbrio e a proteção de bens preciosos incomparáveis, como a água – direito
humano fundamental – que, privatizada ou contaminada, pode prejudicar a vida de
comunidades inteiras. Deve ser relevado o valor das plantas medicinais e o
desenvolvimento de projetos sustentáveis, através de cursos que levem ao
conhecimento de segredos e da sacralidade da natureza e propõe-se o
desenvolvimento de projetos de reflorestação nas escolas de formação em
técnicas agrícolas.
Nessa ótica,
insere-se a proposta de inserir o tema da ecologia integral nas diretrizes das
Conferências Episcopais e incluir na Teologia Moral o respeito pela Casa Comum e os pecados
ecológicos, bem como rever os manuais e rituais do Sacramento da
Penitência. A humanidade está, de facto, a caminhar em direção ao
reconhecimento da natureza como sujeito de direito. É de considerar obsoleta “a
visão antropocêntrica utilitarista”, pois “o homem não pode mais submeter os
recursos naturais a uma exploração ilimitada que coloca em perigo a
humanidade”. É necessário contemplar o imenso conjunto de formas de vida no
planeta em relação umas com as outras, promovendo um modelo de economia solidária
e instituindo um ministério para o cuidado da Casa comum, como proposto por um
dos círculos.
Por fim,
alguns relatórios deram espaço ao tema dos meios de comunicação. E referiram
que as redes católicas de comunicação devem ser incentivadas a colocar a
Amazónia no centro da sua atenção com o escopo de difundir boas notícias,
denunciar todas as agressões contra a terra-mãe e anunciar a verdade. Foi
proposto o uso das redes sociais na Web
Rádio, na Web TV e na comunicação
rádio para difundir as conclusões do Sínodo. Deseja-se que o “rio” do Sínodo,
com a força do “rio amazónico”, transborde dos muitos dons e sugestões
oferecidos nas reflexões dos padres sinodais, na Sala do Sínodo, e que dessa
experiência de caminhar juntos possam jorrar novos caminhos para a
evangelização e a ecologia integral.
***
Concluindo
Do
exposto, é de relevar, como essencial no Sínodo, o escopo da Evangelização da
Amazónia de olhos e ouvidos quer nos textos bíblicos quer na realidade
amazónica, de modo que a Igreja ali viva, aja e se expanda de forma incarnada e
inculturalizada. Este escopo poderá muito bem ser secundado pelo proposto “Rito
Amazónico” assumido de forma holística e sustentando em sólida
formulação teológico-pastoral. Esta postura impõe que se abra decididamente o
caminho para a ordenação presbiteral dos preditos viri pobati (o que a teologia não impede, impediu-o
a tradição eclesiástica pela via da omissão confundindo sacerdócio e celibato) e a conferição do diaconado
também a mulheres religiosas e leigas, mesmo que o debate da aplicação destas
prerrogativas amazónicas a toda a restante malha da Igreja Latina fique para
ulterior evento eclesial. Mas a Amazónia, dada a sua especificidade, não pode esperar
mais. Chegou o tempo da ousadia!
2019.10.21 –
Louro de Carvalho
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