quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Olga Tokarczuk e Peter Handke ganham prémio Nobel de Literatura


Não se trata de dividir o prémio por duas pessoas, mas sucede que Olga Tokarczuk é galardoada com o prémio de 2018 e Peter Handke é galardoado com o prémio de 2019.
O prémio para cada um dos laureados é de 9 milhões de coroas suecas (830 mil euros).
Os dois laureados foram escolhidos a partir de uma shortlist de 8 finalistas, que foi apresentada à Academia Sueca e aprovada, revelou Anders Olsson, presidente do Comité do Nobel.
Foram escolhidos, este ano, dois escritores porque a Academia Sueca decidiu entregar o prémio de 2018 juntamente com o deste ano. A atribuição em 2018 fora cancelada após o dramaturgo Jean-Claude Arnault, marido de integrante do comité, ter sido acusado de abuso sexual.

Assim, a escritora polaca Olga Tokarczuk, de 57 anos, e o escritor austríaco Peter Handke, de 76, são os vencedores dos prémios Nobel de Literatura de 2018 e de 2019, respetivamente, como revelou a Academia Sueca a 9 de outubro.  
Segundo a academia, Olga Tokarczuk, também conhecida por ser politicamente comprometida à esquerda, foi escolhida por ter “uma imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida”. Premiada, best-seller em seu país e traduzida para mais de 25 idiomas, ela é romancista, ensaísta, poeta e roteirista.
Antes do conhecimento da atribuição do prémio, a expectativa era que ao menos uma mulher levasse o Nobel de Literatura. A escritora polaca estava entre os nomes cotados, junto com a chinesa Can Xue, a russa Lyudmila Ulitskaya e a americana Joyce Carol Oates.
Já o romancista e ensaísta Peter Handke, coautor do roteiro do premiado filme “Asas do desejo” (1987, com Win Wenders), foi escolhido, como justificou a Academia, graças a “um trabalho influente que, com engenhosidade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana”. Conhecido pelo estilo experimental, causou controvérsia porque, à época dos conflitos na antiga Jugoslávia, apoiou abertamente a Sérvia e, depois, discursou no velório do ex-presidente jugoslavo, Slobodan Milošević, acusado de genocídio e crimes de guerra.
Olga Tokarczuk confessou ter ficado surpreendida. E, questionada sobre a importância de o Nobel da Literatura ter sido atribuído a uma autora da Europa central e sobre a diferença entre autores da Europa Ocidental e escritores da Europa central, respondeu:
Isto daria para uma discussão muito longa, mas acho que temos neste momento um problema democrático na Europa central. Estamos a tentar encontrar uma forma própria de lidarmos com esses problemas e penso que um prémio literário como este vai dar-nos otimismo para acreditarmos que temos algo para dizer ao mundo, que ainda estamos ativos, que temos capacidade de nos expressarmos e que temos algo de profundo para contar ao mundo. É muito, muito especial para mim e sinto-me muito orgulhosa”.
E o escritor austríaco também reagiu à distinção. Aos jornalistas que o esperavam à porta da sua residência, em Chaville (Paris), afirmou-se “espantado”, face a “todas as discussões”. Não especificou que “discussões” foram essas, mas referir-se-ia à reputação polémica do seu posicionamento político, depois de ter sido acusado de conivência com o regime genocida de Slobodan Milošević por ter ido ao seu funeral e por ter falado durante a cerimónia.
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Olga Tokarczuk nasceu em 1962, em Sulechów, na Polónia, e hoje vive em Breslau, também na Polónia. Formada em psicologia na Universidade de Varsóvia, estudou os trabalhos do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961) e chegou a trabalhar como psicoterapeuta durante algum tempo. Antes de escrever prosa, publicou uma coletânea de poemas. A sua estreia na ficção foi em 1993, com “Podróz ludzi Księgi” (A jornada do povo do livro”, em tradução livre).
Segundo o Nobel, a verdadeira inovação de Olga veio com seu terceiro romance, “Prawiek i inne czasy” (Primitivo e outros tempos), de 1996, “um excelente exemplo de nova literatura polonesa após 1989”, na avaliação do comité do prémio.
Porém, até agora, a obra-prima de Tokarczuk é o impressionante romance histórico “Księgi Jakubowe” (Escrituras de Jacó), de 2014, em que mostrou, segundo o comité, “a capacidade suprema do romance de representar um caso quase além da compreensão humana”.
No livro, Olga conta a história de Jacob Frank, figura histórica altamente controversa do século XVIII e líder de um misterioso grupo herético judeu que se converteu, em diferentes épocas, ao Islão e ao Catolicismo. Aplaudido pelos críticos, o livro provocou violentas reações em grupos de direita na Polónia, tendo a escritora chegado a receber ameaças de morte.
Em 2018, a escritora foi finalista do National Book Award 2018 e ganhou o Man Booker International do Reino Unido pelo romance “Flights”, que reúne uma série de histórias, como um conto do século XVII sobre o anatomista holandês Philip Verheyen, que dissecou e desenhou detalhes da sua perna amputada, e uma história do século XIX sobre o coração do finado Chopin, que viajou oculto de Paris a Varsóvia. O grande tema do romance é o corpo em movimento, não apenas através do espaço mas também do tempo, e repete a grande interrogação desde há séculos: de onde vimos?, para onde vamos?, neste caso, para onde regressamos? A receção ao livro foi muito boa e a revista The New Yorker caraterizou-o como dono de uma visão “perspicaz que transforma o mundo, assim como o seu livro altera as formas convencionais de escrita”. Os seus livros são best-sellers na Polónia e foram traduzidos para mais de 25 idiomas, incluindo catalão e chinês.
Politicamente comprometida à esquerda, ecologista e vegetariana, Olga costuma criticar a política do atual governo nacionalista conservador, do partido Lei e Justiça (PiS).
Peter Handke nasceu em 1942, na vila de Griffen, na região de Kärnten, no sul da Áustria, no mesmo local que a mãe, que pertencia à minoria eslovena do lugar. Hoje ele vive em Chaville, um subúrbio de Paris. É conhecido como um dos poucos intelectuais ocidentais pró-sérvios.
O seu romance de estreia, “Die Hornissen”, (As vespas”, em tradução livre), foi publicado em 1966. Esta obra e a peça “Ofendendo o público”, de 1969, são citadas como responsáveis por deixar a marca do escritor no cenário literário. Os trabalhos são reconhecidos pelas experimentações radicais. A este respeito, disse o comité do Nobel:
Mais de cinquenta anos depois do lançamento de seu primeiro livro, tendo produzido um grande número de obras em diferentes géneros, o laureado de 2019, Peter Handke, estabeleceu-se como um dos escritores mais influentes da Europa após a Segunda Guerra Mundial”.
Em 2006, Handke causou controvérsia ao discursar no velório do ex-presidente jugoslavo, acusado de genocídio e crimes de guerra. Considerado o mentor da Guerra do Kosovo (província com maioria albanesa que queria separar-se da Jugoslávia), assim como de outras guerras nos Balcãs nos anos 1990, Milosevic morreu na prisão aos 64 anos.
Handke já vinha defendendo publicamente os sérvios. Em 1996, publicou um polémico ensaio chamado “Justiça à Sérvia”, que via os sérvios como “as vítimas reais da guerra civil”.
Após o anúncio do Nobel, líderes políticos e personalidades da Bósnia, Kosovo e Albânia criticaram esta decisão da Academia. “Jamais pensei que ficaria com vontade de vomitar por causa do prémio Nobel”, reagiu o Primeiro-Ministro albanês, Edi Rama, no Twitter.
Ao invés, Alexander van der Bellen, presidente austríaco, elogiou a escolha, exclamando:
Que dia! Um dia de sucesso – pelo menos para a literatura austríaca, para a literatura de forma geral. Com Peter Handke, o Nobel ganhou um autor cuja voz calma e assustadora projeta, há décadas, lugares e pessoas que não poderiam ser mais fascinantes.”.
Os dois novos Nobel da Literatura são dois autores conhecidos dos leitores portugueses.
Olga Tokarczuk tem o seu Viagens traduzido em Portugal e, por coincidência, foi lançado,no passado dia 14, o seu mais recente livro no nosso país, intitulado Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos.
Peter Handke foi um autor muito lido em Portugal e a sua corte de leitores exigiu a publicação da maior parte da sua obra e o seu livro A Angústia do Guarda-Redes antes do Penalty tornou-se até numa expressão popular e amplamente repetida. O seu mais recente livro publicado no nosso país foi Os Belos Dias de Aranjuez Um Diálogo de Verão, em 2014. Trata-se do seu regresso à escrita teatral, colocando um casal num diálogo comovente e cúmplice sobre o amor, com uma troca de recordações íntimas. A peça foi representada uma única vez nesse mesmo ano, com a presença do autor aquando da 8.ª edição do Lisbon & Estoril Film Festival, com encenação de Tiago Guedes e os atores Isabel Abreu e João Pedro Vaz.
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Desde 1901, foram 116 laureados em 112 atribuições do prémio. Isto porque em quatro delas, dois nomes foram anunciados como vencedores no mesmo ano. Até hoje, ninguém foi premiado mais de uma vez no Nobel. Rudyard Kipling foi o mais jovem vencedor do prémio. Em 1907, quando foi nomeado, tinha 41 anos de idade. Já a mais velha foi Doris Lessing, que estava com 88 anos quando foi premiada em 2007.
Até agora, o Prémio Nobel de Literatura havia sido concedido a apenas 14 mulheres entre uma centena de homens desde a sua criação em 1901. Com o nome de Olga Tokarczuk, o número sobe para 15, conforme a listagem: 1909 – Selma Lagerlöf; 1926 – Grazia Deledda; 1928 – Sigrid Undset; 1938 – Pearl Buck; 1945 – Gabriela Mistral; 1966 – Nelly Sachs; 1991 – Nadine Gordimer; 1993 – Toni Morrison; 1996 – Wislawa Szymborska; 2004 – Elfriede Jelinek; 2007 – Doris Lessing; 2009 – Herta Müller; 2013 – Alice Munro; 2015 – Svetlana Alexievich; e 2018 – Olga Tokarczuk.
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O prémio Nobel de literatura de 2018 foi cancelado após acusações contra o marido de uma das integrantes da Academia Sueca, o dramaturgo Jean-Claude Arnault, que foi acusado de cometer abusos sexuais numa instituição cultural que recebia dinheiro da academia e de vazar o nome de vários ganhadores do prestigiado prémio. Negou ter cometido esses crimes, mas foi condenado por estupro no ano passado.
Em meio às denúncias, vários membros do comité que escolhe o Prémio Nobel de Literatura renunciaram, o que obrigou a organização a cancelar a edição de 2018.
Depois do escândalo, foram impostas nomeações externas pela Fundação Nobel, que financia o prémio. Segundo a France Press, o comité – composto normalmente por 5 membros que recomendam um laureado ao resto da academia – decidiu incluir em 2019 e 2020 “cinco especialistas externos”, especialmente críticos, editores e autores de entre 27 e 73 anos. Agora, uma lista de candidatos é escolhida pelos membros do comité de seleção. Os nomes são mantidos em segredo, e os finalistas são selecionados. Para que o vencedor seja escolhido, precisa obter mais da metade dos votos do comité.
O novo secretário permanente, Mats Malm, dias antes do anúncio dos premiados, declarou:
As mudanças foram muito frutíferas e temos esperança para o futuro”.
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A polémica em torno do Nobel a Peter Handke não dá sinais de amainar. Vários escritores vêm questionando a escolha da Academia Sueca e corre já uma petição para que seja revogada a atribuição do prémio ao autor austríaco.
Assim, o romancista bósnio-alemão Saša Stanišić, que recebeu o prestigiado prémio literário Deutsches Buchpreis pelo seu romance “Herkunft (Origem), usou o discurso de agradecimento para juntar a sua voz ao coro dos contestatários e disse que “Handke estragou o meu próprio prémio”. E acusa a “realidade” que Handke reivindica de ser “composta apenas por mentiras”. Descrevendo o seu romance agora premiado como representativo de “uma literatura que não é cínica, nem falsa, e que não toma os seus leitores por estúpidos, vendendo-lhes uma poética recoberta pela mentira”, o autor aduz que Handke “pretende não saber a verdade para servir uma falsidade, inventando contra os factos, mas apresentando a invenção como se fora um facto”.
No seu romance de estreia (2006), publicado pela Quetzal em 2009 e cujo título é “Como o Soldado Conserta o Gramofone, Stanišić aborda os massacres de civis e as violações perpetradas por milícias sérvias na sua cidade natal – de que ele próprio foi vítima.
A escolha da Academia Sueca já motivou o lançamento de uma petição no site change.org a exigir que seja revogada a atribuição ao escritor austríaco do Nobel da Literatura de 2019. Assinada até ao momento por cerca de 33 mil subscritores, a petição acusa Handke de ser “um apologista” de Milošević, a quem o texto se refere como “o carniceiro dos Balcãs”, e “responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas inocentes e pela violação de dezenas de milhares de mulheres e homens”.
Hari Kunzru, ficcionista e jornalista anglo-indiano, descreve Handke como “um excelente escritor, que combina uma grande perceção com uma chocante cegueira éticaE acrescenta:
Mais do que nunca, precisamos de intelectuais que promovam uma defesa robusta dos direitos humanos contra a indiferença e o cinismo dos nossos líderes políticos, e Handke não é essa pessoa”.
Já Salman Rushdie limitou-se a precisar que mantém o que escreveu em 1999, quando elegeu Handke como um bom candidato a “imbecil do ano”.
Particularmente emotiva foi a reação da autora eslovena Miha Mazzini, que sustentou:
Alguns artistas vendem a sua alma humana por ideologias, como Hamsun e o nazismo (…), alguns por ódio (…), alguns por dinheiro e poder (…), mas aquele que mais me ofendeu foi Handke com a sua ingenuidade perante o regime de Milošević”.
E acrescentou que sentiu essa “naiveté” do escritor como um insulto pessoal:
Nunca esquecerei esse inverno quando a Jugoslávia estava a cair aos pedaços e não havia nada nas prateleiras das lojas. Éramos uma família jovem, a minha filha era bebé e estava muito frio: gastava o dia inteiro na bicha para o óleo para aquecimento e à noite, quase gelada, lia o ensaio de Handke sobre a Jugoslávia, onde ele dizia como me invejava.”.
Handke não nega os crimes ocorridos, mas diz que procurou inteirar-se do sucedido sem se deixar influenciar pelo que considera ser uma conspiração política e mediática para atribuir aos sérvios toda a responsabilidade pelos horrores da guerra civil.
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À partida, a crítica literária devia incidir sobre o mérito da obra, independentemente do posicionamento político do autor. Ninguém, em Portugal, retira os louros a Fernando Pessoa, Júlio Dantas, Aquilino Ribeiro, Teixeira de Pascoais, Miguel Torga, Augusto Abelaira, Urbano Tavares Rodrigues, Natália Correia, Sophia, Alves Redol, Vergílio Ferreira ou José Saramago, posicionados de maneira diferente. Porém, pede-se à literatura de projeção internacional uma mensagem humanista em que os valores universais sejam sustentados. E direitos humanos, postura ética, diálogo, ecologia, sã convivência, liberdade e paz são valores universais.
2019.10.16 – Louro de Carvalho

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