terça-feira, 8 de outubro de 2019

Até Cavaco Silva sugere a substituição da liderança do PSD


Rui Rio diz esperar por movimentações de António Costa, vendo o que ele propõe aos partidos em termos de governação, mas os opositores do líder do PSD esperam pelo que Rio queira fazer e parece que com muito pouca paciência  
No discurso da noite eleitoral, Rio furtou-se a responder aos jornalistas sobre uma possível investida de críticos internos agora que o partido obteve um dos piores resultados de sempre em eleições legislativas. E nem 12 horas tinham passado quando os jornais, rádios e televisões publicavam as primeiras notícias com críticas vindas diretamente do interior do partido.
Miguel Relvas foi dos primeiros a falar. Em declarações à TSF, considerando que o partido deve ir para diretas rapidamente, afirmou:
Tem de se resolver com celeridade este processo. Que se marquem novas eleições. Se Rui Rio achar que deve ir a votos, que vá e que explique que expectativa e que alternativa quer construir para daqui a 4 anos, que não foi capaz de construir nestas eleições. Precisamos de uma lufada de ar fresco, de novos protagonistas, de novas políticas e de reconstruir o espaço político.”.
A ideia foi repetida diversas, quer por autarcas, quer por dirigentes e ex-dirigentes do partido. O presidente da distrital do PSD de Setúbal, Bruno Vitorino, crítico da atual direção, pediu uma “clarificação interna”. E, antes de pedir que o partido entre numa fase de clarificação de estratégia, disse:
Infelizmente o resultado não foi uma grande surpresa. O PSD teve um resultado que não é honroso e tive uma certa vergonha de ouvir o presidente do meu partido fazer um discurso de uma quase vitória.”.
O dirigente socialdemocrata deixa um repto ao líder:
Rui Rio devia ter coragem de avançar. Sou crítico desta estratégia, mas se toda a gente que o rodeia acha que é a estratégia correta, o presidente do meu partido deve avançar”.
E Vitorino considera que, se Rio não o fizer, “será por cobardia política”.
Outro crítico que se evidenciou foi o presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques, que apoiou Santana Lopes na corrida interna em janeiro de 2017 e que tem sido um crítico do caminho seguido. Considerando que os resultados das eleições têm de ter consequências, frisou que “o PSD tem de retirar daqui as suas ilações” e que não viu o partido a tirá-las. Na sua ótica, o “partido teria tudo a ganhar se houvesse clarificação interna: todos os que acham que têm ideias novas devem vir a jogo”. Apontou responsabilidades diretas a Rio e criticou o seu discurso na noite eleitoral, dizendo:
Não faz sentido empurrar responsabilidades para todos e mais alguns. Não fez um mea culpa. A mensagem não passou. Estas eleições provaram que era possível ganhar a António Costa se o caminho fosse o correto. Agora, é importante olhar para o futuro.”.
Até disse que “não houve líder do PSD com resultado abaixo de 30% nas legislativas que não tivesse colocado o seu lugar à disposição”. Mas está enganado, porquanto em 1975, nas eleições para a Constituinte, obteve 26,39% e, nas legislativas de 1976, obteve 24,35% e o líder continuou de pedra e cal. Também nas legislativas de 1983, obteve 27, 24% e Mota Pinto foi vice-Primeiro-Ministro. E, em 1985, o partido ganhou as eleições com 29,87% e Cavaco Silva foi o Primeiro-Ministro. Ganhou, mas teve menos de 30% e governou de Credo na boca.
Já Ângelo Correia, reconhecendo que o resultado obtido pelo PSD permite que Rio se mantenha de pé, entende que, para isso, o líder não deve perder tempo em assumir que quer continuar no cargo. E adiantou:
Deve dizer esta semana, e rapidamente, que é o líder e quer continuar a sê-lo. Não é na próxima semana, tem de ser já nesta. E tem de concorrer já em janeiro. Se o fizer, terá o meu voto.”.
Apesar de reconhecer que o resultado não é bom, afirma que foi melhor do que chegou a temer-se – “em relação às expectativas subiu muito”, disse – e que isso é suficiente para que não haja uma demissão do líder ou uma antecipação das eleições internas.
Certo é que Rio deve manter-se atento aos próximos passos de Costa para decidir que posição assumirá. Pelo seu discurso na noite de domingo não é possível antever qual o passo que prefere dar no curto prazo. E, enquanto espera por Costa, os protocandidatos esperam por Rio. Um passo em falso pode ser visto como precipitação e todas as jogadas merecem ponderação.
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Entretanto, ficou a saber-se que Luís Montenegro, antigo líder do grupo parlamentar do PSD vai reunir, no próximo sábado, centenas de apoiantes num jantar em Espinho.
O presidente da câmara de Vila Nova de Famalicão considerou que Rui Rio teve uma “derrota estrondosa” e que devia ter sido “humilde” na aceitação dos resultados, apontando Montenegro como o futuro líder do partido. Em declarações à Lusa, Paulo Cunha, o mais votado autarca do PSD em exercício, mostrou-se “surpreendido” com a reação do líder dizendo que Rio o que fez foi “encontrar bodes expiatórios” dentro e fora do partido para os resultados “muito maus” que os sociais-democratas tiveram nas urnas.
Verificando que Rio “está fragilizado” e que devia “habituar-se à democracia”, tendo perdido “demasiada energia” com as críticas internas aos seus “sucessivos insucessos”, observou:
De facto e à semelhança do que já fez nas europeias, onde endossou a Paulo Rangel uma culpa maior na responsabilidade pela derrota, ontem a única coisa que [Rui Rio] fez foi encontrar dentro e fora do partido bodes expiatórios para a derrota”.
Clamando que a reação de Rio aos resultados do partido foi surpreendente, vincou:
A reação do presidente do partido surpreendeu-me, estava à espera de um presidente do partido humilde, que interpretasse o resultado como uma derrota e que a assumisse como sua, como sendo o principal responsável”.
Paulo Cunha entende que os resultados do PSD foram “muito maus” porque o “no PSD não se perde por muito ou por pouco, ou se perde, ou se ganha”.
Quanto ao futuro, apontou um possível líder para os sociais-democratas, lembrando:
No congresso em fevereiro de 2018, houve um militante que se notou ao afirmar aquilo que pretenderia fazer num futuro próximo quando a circunstância se proporcionasse e que não pediria autorização, que foi o Dr. Luís Montenegro. (…) Acho que ele tem toda a legitimidade para se candidatar à presidência do PSD e, ao longo de todo este percurso, tem dado sinais claros de que está concentrado na construção de condições para que o PSD volte a ser protagonista em Portugal.”.
Sobre se Rui Rio se deve recandidatar à liderança do PSD, Paulo Cunha afirmou:
Ele é um homem livre e tem todo o direito de se recandidatar, mas tem que ver que está fragilizado depois destas duas derrotas e da avaliação que faz das mesmas. (…) Não tem condições para voltar a liderar o partido.”.
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Também Pedro Duarte, antigo líder da JSD disse que não é candidato à presidência do PSD e que Montenegro tem condições para congregar apoios para um novo projeto político no partido. Em declarações aos jornalistas à margem de um pequeno-almoço organizado pela Câmara de Comércio Americana em Portugal, em Lisboa, o fundador do movimento cívico Manifesto X defendeu que o partido deve manifestar “apreço pelo empenho” do atual líder, de quem não pediu a demissão, mas considerou que o PSD precisa de “novos protagonistas”. E afirmou:
Estou e estarei empenhado em ajudar o meu país por via de uma grande renovação dentro do PSD e estou disponível para apoiar e poder participar nesse processo de mudança, mas isso não passa por qualquer ambição ou projeto pessoal da minha parte. Neste cenário, não coloco a hipótese de me candidatar à liderança do PSD.”.
Questionado se apoiará uma provável candidatura do antigo líder parlamentar, o antigo Secretário de Estado da Juventude considerou a questão ainda prematura, mas acabou por manifestar a sua posição, declarando:
É importante que se diga que era bom que se gerasse dentro do PSD um consenso suficiente em torno de uma equipa e de um líder que pudesse ter essas condições e hoje parece-me absolutamente inequívoco que Luís Montenegro, tendo essa vontade, tem condições para congregar esse novo projeto político dentro do PSD”.
Em junho, Montenegro esteve na apresentação da plataforma cívica Manifesto X, fundada por Pedro Duarte – que no verão do ano passado admitira uma candidatura à liderança do PSD, que agora afastou. E Pedro Duarte, questionado sobre os resultados do PSD nestas eleições, em que obteve 27,9% dos votos, considerou que o problema do partido “não é apenas desta eleição” e defendeu que, mais do que fazer “uma caça às bruxas ou apontar responsabilidades”, os sociais-democratas deverão “olhar para o futuro”.
Ainda assim, o antigo líder da Juventude Social Democrata considerou que “olhar para o futuro implica construir um novo projeto político que seja mais próximo das pessoas, de falar dos novos temas, o que implica novas ideias e novos protagonistas”. Porém, ao contrário do que exigem alguns, escusou-se a dizer se a direção do partido deve acelerar o calendário interno (se tal não for feito, as diretas deverão realizar-se em janeiro e o congresso em fevereiro do próximo ano). E vincou:
Acho que devemos respeitar a decisão e os ‘timings’ do presidente do PSD (…). O Dr. Rui Rio, mesmo que não continue como presidente, é uma figura que tem um papel a desempenhar na vida política portuguesa e pode ser um auxílio muito grande para a vida do partido e do país.”.
Interpelado se o PSD pode ajudar na estabilidade política na próxima legislatura, considerou que o PS “tem todas as condições de encontrar apoios para governar” e recordou situações em que os sociais-democratas viabilizaram governações socialistas e seus orçamentos. E disse:
Num caso acabámos num pântano e com uma entrada na moeda única para a qual não nos preparámos adequadamente e no outro acabámos com a pré-bancarrota com o engenheiro Sócrates”.
Sustentando que o PSD deve ter “um enorme sentido de responsabilidade e olhar para o interesse do país sempre em primeiro lugar”, o antigo governante considerou que, por vezes, tal “não passa por dar cheques em branco a governações socialistas”.
Por seu turno, na segunda-feira à noite, em entrevista à SIC-Notícias, o antigo assessor político do ex-líder Passos Coelho, Miguel Morgado, apenas se comprometeu a apresentar uma moção de estratégia global ao Congresso, dizendo que irá “ponderar” se avançará para uma candidatura à liderança. O fundador do movimento cívico 5.7 considerou que o essencial é fazer do resultado de domingo – que qualificou de “desastroso” – “uma oportunidade” para o PSD reencontrar a sua vocação de “grande partido nacional”.
Em silêncio, mantêm-se, por enquanto, outros dois potenciais candidatos à liderança: o antigo ‘vice’ de Passos Coelho, Jorge Moreira da Silva, que esta semana se encontra em Paris ao serviço da OCDE, mas que promete pronunciar-se sobre a situação do partido “oportunamente”, bem como o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, Miguel Pinto Luz.
E Luís Montenegro deverá quebrar o silêncio, que mantém desde as europeias de maio, ainda esta semana, precisamente no dia 9, mas sem ter sido revelado em que moldes o fará.
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Estranho foi o aparecimento de Cavaco Silva a pronunciar-se sobre os resultados das eleições legislativas para o PSD e a insinuar um nome para a liderança. É certo que o Professor foi líder do partido, presidiu a três governos, dois de maioria absoluta do partido, mas um (o primeiro) foi o mais minoritário dos governos constitucionais. Foi Primeiro-Ministro durante 10 anos e protagonizou o famoso tabu estando muitos meses sem dizer se se recandidataria a líder do partido e a Primeiro-Ministro. Esperou 10 anos e exerceu o cargo de Presidente da República durante 10 anos, no que foi sucedido por Marcelo Rebelo de Sousa. Compreendo que se tenha manifestado “triste” com o resultado do PSD e que defenda a urgência de mobilizar os militantes que se afastaram ou foram afastados. Já não me parece curial que tenha avançado com um nome para a liderança e, em concreto, o nome da ex-ministra Maria Luís Albuquerque.
Cavaco é um senador do partido e um senador da República. Não lhe fica bem imiscuir-se na gestão do partido. Não lhe é legítimo usar da sua posição para pôr ou tirar o tapete a alguém.
Numa declaração escrita, após questionado pela Lusa sobre os resultados das eleições, frisou:
Como socialdemocrata com fortes ligações à história do PSD, o resultado obtido pelo partido não pode deixar de me entristecer”.
Para o ex-chefe de Estado, “a tarefa mais importante e urgente que o PSD tem agora à sua frente é a de reconstruir a unidade do partido e de mobilizar os seus militantes” e trazer “ao debate das ideias e ao esclarecimento e combate político os militantes que, por razões que agora não interessa discutir, se afastaram ou foram afastados”. E apontou:
Como é o caso de Maria Luís Albuquerque, uma das mulheres com maior capacidade de intervenção, que conheci durante o meu tempo de Presidente, e muitos outros”.
O antigo líder do PSD nunca se pronunciou sobre os processos de sucessão no partido. Agora parece estar a tirar o tapete a Rio, de quem foi apoiante há dois anos. É uma declaração incómoda para o atual líder, porque muitos dos seus apoiantes ainda são da ala cavaquista.
Disse o ex-Chefe de Estado:
A história do PSD mostra que a pluralidade de opiniões, no quadro dos valores básicos da socialdemocracia moderna – liberdade, democracia, dignidade da pessoa humana, solidariedade e justiça social, igualdade de oportunidades e livre iniciativa – é uma força estimulante e enriquecedora do partido”.
E considerou necessário “fazer do PSD um partido verdadeiramente nacional, atento aos anseios das populações” para “exercer a nobre tarefa de oposição firme ao governo que vier a ser formado”. E adiantou:
É fundamental que o partido fundado por Sá Carneiro se afirme pelo papel reformista que sempre o distinguiu e que tão importante é para que Portugal se aproxime do nível de desenvolvimento médio da União Europeia”.
Ainda sobre os resultados do PSD – 27,9% e 77 deputados – Cavaco considerou que o número de deputados eleitos “ficou muito aquém daquele que as vicissitudes que o país conheceu durante os quatro anos do governo da ‘geringonça’ justificavam para o maior partido da oposição”. Isto, disse, “apesar da dinâmica revelada durante a campanha eleitoral e da indiscutível qualidade do programa económico proposto aos portugueses” pelo PSD.
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O PSD teve, em eleições legislativas (e para a Constituinte) resultados piores que agora com Rio: em 1975, obteve 26,39%; em 1976, obteve 24,35%; e, em 1983, obteve 27,24%. E agora obteve menor percentagem de votos que em 2005, mas elegeu 77 deputados (em 2005 elegeu 75 deputados). Ainda falta apurar resultados em dois círculos eleitorais, de que resultarão 4 mandatos que podem calhar ao PSD.
Assim, no quadro da de democracia interna, é lícito aos militantes do PSD quererem nova liderança, mas não têm o direito de trucidar o líder e penalizá-lo pelos resultados numa panóplia tão ampla de opções. E substituir Rio por Maria Luís Albuquerque seria pior a emenda que o soneto, pela sua ligação direta ao tempo da troika como Secretária de Estado do Tesouro e como Ministra do Estado e das Finanças. De modo semelhante se deve apreciar Montenegro enquanto líder do grupo parlamentar nesse tempo, sancionando toda a política governativa de restrições.
Certamente que não faltam militantes com outros perfis de líder.  
2019.10.08 – Louro de Carvalho

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