Depois da
missa de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazónica, o Papa
recitou o Angelus com os fiéis e
peregrinos apinhados na Praça de São Pedro e confidenciou-lhes, na alocução que
antecedeu a oração mariana, que os participantes na assembleia sinodal sentiram
“a beleza de
caminharem juntos para servir”. E vincou que, tendo vindo da Amazónia “o grito
dos pobres, junto ao grito da terra”, não podemos fazer de conta que não o
ouvimos.
Com efeito, a Liturgia
da palavra da Missa celebrada na Basílica de São Pedro de conclusão da
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos, no 30.º domingo do Tempo Comum do Ano
C, recorda-nos, com a 1.ª Leitura (Sir 35,12-14.16-18), o ponto de partida desta caminhada sinodal: a
oração do pobre que “atravessa as nuvens”, pois ‘Deus escuta a oração do
oprimido’. O grito dos pobres, com o grito da terra, veio da Amazónia – disse o
Pontífice – e com esse grito amazónico vieram as vozes de tantos outros dentro
e fora da Assembleia sinodal, pastores, jovens e cientistas que “nos impelem a
não permanecer indiferentes”. Na verdade a frase “Depois é tarde demais”, que
ouvimos muitas vezes, não pode permanecer um “slogan”.
Sobre o que
foi o Sínodo, disse o Santo Padre:
“Foi, como diz a palavra, um caminhar juntos, revigorados pela coragem e
pelo consolo que vem do Senhor. Caminhamos, olhando-nos nos olhos e
ouvindo-nos, com sinceridade, sem esconder as dificuldades, experimentando a
beleza de caminhar unidos, para servir.”.
E Francisco
sublinhou que Paulo nos incentiva a isso. Com efeito, como se pode ver pela 2.ª
Leitura (2Tm
4,6-8.16-18), num
momento dramático para ele (pois sabe que está para ser oferecido em sacrifício,
ou seja, justiçado, e que chegou o momento de deixar esta vida), escreve:
“O Senhor esteve a meu lado e deu-me forças. Ele fez com que o Evangelho
fosse anunciado por mim integralmente e ouvido por todas as nações.”.
Assim, o
último desejo do Apóstolo é de “não algo para si ou para alguns dos seus, mas
para o Evangelho, para que seja anunciado a todos os povos”, o que “vem antes
de tudo e conta acima de tudo”. E Francisco, questionando-se se “cada um de nós
já se perguntou muitas vezes o que fazer de bom para a própria vida”, disse que
hoje é o momento de cada um se interrogar: “O
que eu posso fazer de bom pelo Evangelho?”. E adiantou:
“No Sínodo, fizemo-nos essa pergunta com o desejo de abrir novas
estradas ao anúncio do Evangelho. Anuncia-se somente o que se vive. Para viver
de Jesus, para viver do Evangelho, é preciso sair de si mesmo.”.
Depois,
disse aos fiéis e peregrinos:
“Sentimo-nos, então, impelidos a descolar, a deixar as costas
confortáveis de nossos portos seguros para penetrar nas águas profundas: não
nas águas pantanosas das ideologias, mas no mar aberto, onde o Espírito nos
convida a lançar as redes”.
Por fim,
incitou a invocar a Virgem Maria, para o caminho que virá, “venerada e amada
como Rainha da Amazónia”. E disse que Maria adquiriu esse título não como
conquistadora, “mas inculturando-se” e, “com a coragem humilde de mãe,
tornou-se a protetora de seus filhos, a defesa dos oprimidos”. E precisou:
“Sempre indo à cultura dos povos: não há uma cultura padrão, não há uma
cultura pura que purifique os outros. Existe o Evangelho, puro, que se
incultura. A Ela, que cuidou de Jesus na casa pobre de Nazaré, confiamos os
filhos mais pobres e da nossa Casa comum.”.
***
Antes, na
homilia da Missa, o Sumo Pontífice afirmou que a ‘religião do eu’ continua hipócrita
com os seus ritos e as suas ‘orações’, mas que “muitos são católicos, se
confessam católicos e se esqueceram de ser cristãos e humanos”. Assim, podemos
dizer que a sua justiça não é superior à dos escribas e fariseus. Por outro
lado, frisou que “ouvir o grito dos pobres” conduz ao “grito de esperança da Igreja”. O
Papa conduziu a sua reflexão homilética a partir de três exemplos de orantes
que as leituras da Liturgia da Palavra contemplam: na parábola de Jesus
(Lc 18,9-14), rezam o fariseu e o publicano; na primeira Leitura,
fala-se da oração do pobre.
Na sua
oração, diz o Pontífice, o fariseu vangloria-se de cumprir do melhor modo
preceitos particulares, “mas esquece o maior: amar a Deus e ao próximo”. Transbordando de confiança na sua
capacidade de observar os mandamentos, nos seus méritos e virtudes, “aparece
centrado apenas em si mesmo”. O seu drama é viver sem amor. E, como diz São
Paulo, “sem amor, até as melhores coisas de nada serviam”. Ora, sem amor, o
resultado é:
“Em vez de rezar, [o fariseu] elogia-se a si mesmo. De facto, não pede
nada ao Senhor, porque não se sente necessitado nem em dívida, mas com crédito.
Está no templo de Deus, mas pratica outra religião, a religião do eu.
Muitos grupos ilustres, cristãos católicos, vão por esta estrada.”.
Por outro
lado, Francisco diz que, além de Deus, o fariseu esquece o próximo, despreza-o,
ou seja, não lhe dá valor. Considera-se melhor que os outros designados por ele
como ‘o resto, os restantes’. E o Pontífice verifica amarguradamente:
“Em outras palavras, são ‘restos’, descartados dos quais manter-se à
distância. Quantas vezes vemos acontecer esta dinâmica na vida e na história!
Quantas vezes quem está à frente, como o fariseu relativamente ao publicano,
levanta muros para aumentar as distâncias, tornando os outros ainda mais
descartados. Ou então, considerando-os atrasados e de pouco valor, despreza as
suas tradições, cancela as suas histórias, ocupa os seus territórios e usurpa
os seus bens. Quanta superioridade presumida, que se transforma em opressão e
exploração, ainda hoje!”.
E disse que
se viu isso no Sínodo ao falar-se “sobre a exploração da Criação, das pessoas,
dos habitantes da Amazónia, do tráfico de pessoas e do comércio de pessoas”.
Para o Bispo
de Roma, “os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear
os outros e causar ferimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimos isso
no rosto desfigurado da Amazónia”. E, em conformidade com o que verificou,
exorta:
“Rezemos pedindo a graça de não nos considerarmos superiores, não nos
julgarmos íntegros, nem nos tornarmos cínicos e escarnecedores. Peçamos a Jesus
que nos cure de criticar e queixar dos outros, de desprezar seja quem for: são
coisas que desagradam a Deus.”.
E relevou a
cumplicidade de quem acompanhou esta Missa de encerramento do Sínodo:
“Provavelmente, hoje acompanham-nos nesta Missa não apenas os indígenas
da Amazónia: mas também os pobres das sociedades desenvolvidas, os irmãos e
irmãs doentes da Comunità dell’Arche. Estão connosco.”.
Ao invés, a oração do publicano ajuda-nos a compreender o que é agradável a Deus. Na verdade, “este
não começa pelas suas virtudes, mas pelas suas faltas; não pela riqueza, mas
pela sua pobreza: não uma pobreza económica” (os publicanos eram ricos e cobravam
também injustamente às custas de seus compatriotas), mas uma pobreza de vida, porque no pecado nunca se
vive bem”.
E Francisco,
salientando que a oração do publicano nasce
do coração, destaca:
“Aquele homem reconhece-se pobre diante de Deus, e o Senhor ouve a sua
oração, feita apenas de sete palavras, mas de atitudes verdadeiras. De facto,
enquanto o fariseu estava à frente, de pé, o publicano mantém-se à distância e
‘nem sequer ousava levantar os olhos ao céu’, porque crê que o Céu está ali
e é grande, enquanto ele se sente pequeno. E ‘batia no peito’, porque no peito
está o coração.”.
Ora, porque a
oração que nasce do coração é transparente, o publicano coloca diante de Deus o
coração, não as aparências: deixa-se olhar dentro por Deus “sem simulações, sem
desculpas, nem justificações”. E o Papa comenta, aproximando esta atitude com o
ocorrido no Sínodo:
“Muitas vezes fazem-nos rir, os arrependimentos cheios de
justificativas. Mais do que arrependimento, parece uma causa própria de
canonização. Porque, do diabo, vêm escuridão e falsidade; de Deus, luz e
verdade. Foi bom, e agradeço-vos, queridos padres e irmãos sinodais, termos
dialogado, nestas semanas, com o coração, com sinceridade e franqueza,
colocando fadigas e esperanças diante de Deus e dos irmãos.”.
E sublinhou
que, através do publicano, “descobrimos o ponto de onde recomeçar: do facto de
nos considerarmos, todos, necessitados de salvação”. É o primeiro passo
da religião de Deus, que é
misericórdia com quem se reconhece miserável. Considerar-se justo é deixar
Deus, o único justo, fora de casa”. A este respeito, Jesus confronta a atitude
da pessoa mais piedosa de então, o fariseu, com a do pecador público por
excelência, o publicano. E o Papa anota:
“E a sentença final inverte as coisas: quem é bom, mas presunçoso,
falha; quem é deplorável, mas humilde, acaba exaltado por Deus. Se olharmos
para dentro de nós com sinceridade, vemos os dois em nós: o publicano e o
fariseu. Somos um pouco publicanos, porque pecadores, e um pouco fariseus,
porque presunçosos, capazes de nos sentirmos justos, campeões na arte de nos
justificarmos! Isto, com os outros, muitas vezes dá certo; mas, com Deus,
não.”.
Por isso, o
Santo Padre exorta a que peçamos a Deus “a
graça de nos sentirmos necessitados de misericórdia, pobres intimamente”, pois
faz-nos bem frequentar os pobres, para nos lembrarmos de que somos pobres e de
que “a salvação de Deus só age num clima de pobreza interior”.
Depois,
comentando a passagem do Livro de Ben-Sirá (1.ª Leitura), sublinha que a oração do pobre ‘chegará
até as nuvens’. E assinala o contraste:
“Enquanto a oração de quem se considera justo fica por terra, esmagada pela
força de gravidade do egoísmo, a do pobre sobe, direta, até Deus. O sentido da
fé do Povo de Deus viu nos pobres ‘os porteiros do Céu’: aquele sensus fidei que faltava no Documento
final. São eles que nos abrirão, ou não, as portas da vida eterna; eles que não
se consideraram senhores nesta vida, que não se antepuseram aos outros, que
tiveram só em Deus a sua própria riqueza. São ícones vivos da profecia cristã.”.
E o Papa
argentino fala desta dimensão do Sínodo:
“Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir
sobre a precariedade de suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso
predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos testemunharam-nos
que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas
como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como
casa a ser protegida, confiando em Deus. Ele é Pai e ‘ouvirá a oração do
oprimido’. Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são ouvidas,
acabando talvez desprezadas ou silenciadas porque incómodas.”.
Por fim, Francisco
concluiu, exortando a que rezemos “pedindo a graça de saber ouvir o grito dos
pobres: é o grito de esperança da Igreja”. Com efeito, “assumindo
nós o seu grito, temos a certeza de que a nossa oração atravessará as nuvens”.
***
O Cardeal Cláudio Hummes, relator-geral
do Sínodo e presidente da REPAM (Rede Eclesial Pan-amazónica), disse que do Sínodo surgiu um apelo à humanidade para salvar o planeta e
confessou:
“Acredito que o Sínodo conseguiu mostrar novos caminhos e fazer também
uma reflexão sobre que tipo de novos caminhos é necessário neste momento”.
Em conversa
com Silvonei José, no dia 24, a propósito do Documento final do Sínodo, frisou:
“O Sínodo corre dentro dessa grande crise socioambiental que o mundo
todo, que o planeta todo, está padecendo, está sofrendo, ou seja, uma crise
climática, uma crise ecológica e junto disso, a crise da pobreza no
mundo, dos pobres. Tudo isso, nós chamamos de uma crise socioambiental.”.
Segundo Dom
Cláudio, o Documento final “deve ser lido não como se fosse um livro escrito
por um autor que tem uma linha de pensamento muito conectado, com uma fluência
muito grande”. É um documento construído – e esse é o seu valor – por toda uma
grande assembleia, construído por muitas mãos. O importante são os conteúdos, e
não se é belo literariamente. É um Documento pastoral, profundamente pastoral”
em que devemos ler os conteúdos.
Realçou o
que se afirma na introdução:
“Depois de um longo caminho sinodal de escuta do Povo de Deus na Igreja
da Amazónia, inaugurado pelo Papa Francisco na sua visita à Amazónia, em 19 de
janeiro de 2018, o Sínodo foi realizado em Roma, num encontro fraterno de 21
dias, em outubro de 2019. O clima foi de trocas abertas, livres e respeitosas
entre bispos, pastores da Amazónia, missionários e missionárias, leigos e
leigas, e representantes dos povos indígenas da Amazónia. Fomos testemunhas
participantes de um evento eclesial marcado pela urgência do tema que conclama
abrir novos caminhos para a Igreja no território. Compartilhou-se um trabalho
sério num clima marcado pela convicção de escutar a voz presente do Espírito
Santo.”.
Disse que o
Sínodo foi realizado em clima de fraternidade e oração, tendo várias vezes as
intervenções sido acompanhadas por aplausos, cantos e com intervalos de
silêncio contemplativo. Por outro lado, fora da sala sinodal, houve uma
presença notável de pessoas vindas do mundo amazónico que organizaram atos de
apoio em diferentes atividades, procissões, como a abertura com cantos e danças
acompanhando o Santo Padre, do túmulo de Pedro à sala sinodal, sendo de referir
a Via Sacra dos mártires da Amazónia, bem como uma presença maciça dos média
internacionais.
Salientou que
todos os participantes expressaram uma profunda consciência da dramática
situação de destruição que afeta a Amazónia, o que significa a possibilidade do
desaparecimento do território e dos seus habitantes, especialmente dos povos
indígenas. Na verdade, a floresta amazónica é um “coração biológico” numa terra
cada vez mais ameaçada e em desenfreada corrida para a morte. Requerem-se
mudanças radicais de suma urgência e um novo direcionamento que permita
salvá-la, pois está cientificamente comprovado que o desaparecimento do
bioma Amazónia trará um impacto catastrófico para o planeta.
Relatou o
purpurado que o caminho sinodal do Povo de Deus na fase preparatória envolveu,
em torno do documento de consulta que inspirou o Instrumentum Laboris, toda a Igreja no território, os
Bispos, os missionários e missionárias, os membros das Igrejas de outras
confissões cristãs, os leigos e leigas e muitos representantes dos povos
indígenas. E enfatizou a importância de se escutar a voz da Amazónia, movida
pelo sopro maior do Espírito Santo no grito da terra ferida e de seus habitantes.
Disse que foi
registada a participação ativa de mais de 87.000 pessoas, de diferentes cidades
e culturas, bem como de inúmeros grupos de outros setores eclesiais e as
contribuições académicas e organizações da sociedade civil nos temas centrais
específicos.
Por fim,
sublinhou que a celebração do Sínodo conseguiu destacar a integração da voz da
Amazónia com a voz e o sentimento dos pastores participantes”. E concluiu:
“Foi uma nova experiência de escuta para discernir a voz do Espírito
Santo que conduz a Igreja a novos caminhos de presença, evangelização e diálogo
intercultural na Amazónia. A afirmação, que surgiu no processo preparatório, de
que a Igreja era aliada do mundo amazónico, foi fortemente confirmada. A
celebração termina com grande alegria e esperança de abraçar e praticar o novo
paradigma da ecologia integral, o cuidado da ‘casa comum’ e a defesa da Amazónia.”.
***
O Sínodo
foi um tempo de graça de que é preciso dar graças a Deus que inspira as pessoas
que se reúnem no Espírito Santo e O querem escutar. Importa assumir e levar à prática
as suas conclusões sem medo e com audácia no Senhor ao serviço dos irmãos. Prosit. Deus adiuvet!
2019.10.27 –
Louro de Carvalho
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