sábado, 5 de maio de 2018

Consagração por meio dos Conselhos evangélicos


O Papa Francisco recebeu, na manhã do dia 4 deste mês, na Sala Paulo VI, no Vaticano, cerca de 700 participantes no encontro internacional promovido pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica e que está a decorrer em Roma, na Pontifícia Universidade Antonianum, de 3 a 6 em torno do tema “Consagração por meio dos Conselhos evangélicos”.
Segundo o Vatican News, o Pontífice falou espontaneamente aos consagrados e consagradas, indicando critérios autênticos para discernir o que está acontecendo e “não se perder neste mundo, no nevoeiro da mundanidade, nas provocações e no espírito de guerra”. Para tanto, é de realçar que a vida de Consagração se deve fundamentar na oração, pobreza e paciência.
“A oração é voltar sempre ao primeiro chamamento”, lembrou Francisco, acrescentando que “toda a oração é voltar a isso, ao sorriso dos primeiros passos”. E sublinhou que “a oração na vida consagrada é o ar que nos faz respirar o chamamento, renovar o chamamento”. Sem este ar não poderá haver bons consagrados. Serão talvez “pessoas boas, bons cristãos, bons católicos que trabalham em muitas obras da Igreja, mas a consagração deve ser renovada continuamente ali, na oração, no encontro com o Senhor”.
Depois, referiu que a pobreza voluntária “é a mãe, o muro de contenção da vida consagrada” que “defende do espírito mundano”.
Nas palavras do Papa, o espírito de pobreza não é negociável, porque impede o risco de passar da “consagração religiosa” à “mundanidade religiosa” em três degraus: o da valorização do dinheiro, a vaidade e o orgulho.
O dinheiro resulta da falta de pobreza e o apego a ele contraria a disponibilidade para a partilha e para a solidariedade. A vaidade, que parte do extremo de ser um pavão, vai até aos pequenos detalhes. A soberba, o orgulho, acaba por ser a geratriz de todos os vícios. Mas o Santo Padre considera o primeiro degrau da degradação humana “o apego às riquezas, o apego ao dinheiro”, que leva à acumulação, à avareza, à ganância e ao desprezo pelos bens espirituais.
No atinente à paciência, Francisco enalteceu “aquela que Jesus teve para chegar ao fim de sua vida”. E fez a aplicação aos religiosos e religiosas sustentando que “sem paciência, se compreendem as guerras internas de uma congregação”, os “carreirismos nos capítulos gerais” e “algumas decisões tomadas diante de problemas da vida comunitária como a perda das vocações”, sem haver força anímica para prosseguir na busca. E discorreu:
Falta paciência e não vêm as vocações? Vendemos e apegamos-nos ao dinheiro por qualquer coisa que possa acontecer no futuro. Esse é um sinal, um sinal de que se está perto da morte: quando uma congregação começa a apegar-se ao dinheiro. Não tem paciência e cai na falta de pobreza.”.
Em suma, para o Papa, a “oração, pobreza e paciência” são “opções radicais” que os consagrados devem seguir na vida pessoal e comunitária.
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Mas o Papa ilustrou a sua alocução com tiradas de episódica profundidade, por exemplo, quando falou do Espírito Santo que rotulou de uma “calamidade, porque nunca se cansa de ser criativo”. E, designando-o como “autor da diversidade e ao mesmo tempo Criador de unidade, sustentou que “Ele faz a unidade do Corpo de Cristo, a unidade da consagração”, o que representa um enorme “desafio”. Mais é o Espírito Santo que dita os três critérios autênticos em função do discernimento e em prol da solidez da vida consagrada. São seus verdadeiros pilares a oração, a pobreza e a paciência – já referidas.
A oração na vida consagrada é o ar que faz respirar e renovar a vocação no ambiente de encontro com o Senhor. E o Papa evocou o exemplo de Madre Teresa de Calcutá que, não obstante o trabalho de todos os dias, permanecia duas horas diárias em oração, diante do Santíssimo Sacramento. E reiterou que “o tempo para a oração deve ser encontrado”, pois “não é possível viver a vida consagrada e discernir o que está acontecendo sem conversar com o Senhor” rosto a rosto.
Para falar da pobreza evangélica, mencionou Santo Inácio de Loyola que dizia que a pobreza “é a mãe, o muro de contenção da vida consagrada” e “defende do espírito mundano”. Assim, o espírito de pobreza não é negociável, pois corre-se o risco de passar da “consagração religiosa” à “mundanidade religiosa”.
No concernente à paciência, como se disse, Francisco apontou para “aquela que Jesus teve para chegar ao fim de sua vida”, a condição em que, depois da última ceia, vai ao Horto das Oliveiras para encontrar fôlego e forças para fazer a vontade do Pai e não a sua.
Entretanto, disse o Pontífice que é preciso evitar a “ars bene moriendi” das instituições. E, para clarificar esta advertência, aduziu o exemplo de duas províncias masculinas de duas congregações diferentes que, num país “secularizado”, encerraram a admissão ao noviciado, condenando o futuro da congregação naquele período. Foi a “arte de morrer bem”. A vocação, por falta de capacidade de espera e paciência, teve um sucedâneo: a venda de bens e o apego ao dinheiro, afastando a insegurança futura, dando utilidade humana àquilo que já não presta, mas perdendo a mística do impossível aos olhos dos homens e possível aos olhos de Deus.
Por fim, o Pontífice exortou a que ficassem atentos “à oração, pobreza e paciência” e convidou os consagrados a seguirem essas “opções radicais” na vida pessoal e comunitária e a apostar nelas, explicitando mesmo o desejo que que eles e elas continuem a estudar e a ser fecundos na vida religiosa. E advertiu:
Nunca se sabe por onde anda a minha fecundidade, mas se você reza, é pobre e paciente, tenha certeza de que será fecundo. Como? O Senhor lhe mostrará. É a receita para a fecundidade. Você será pai, será mãe. É o que eu desejo para a vida religiosa: ser fecunda.”.
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O que são consagrados e consagradas? Antes de mais, é preciso deixar claro que todos aqueles e aquelas que receberam o Batismo têm a consagração ao Pai, em Cristo, pelo Espírito Santo. Somos efetivamente consagrado na verdade como discípulos de Cristo, membros do Povo de Deus – a Igreja. É pelo Batismo que participamos no tríplice múnus de Cristo: se aprendemos como discípulos, também, como apóstolos, temos o dever e o direito de ensinar segundo a nossa condição e circunstâncias (múnus profético); se somos santificados pela oração à luz da Palavra de Deus, pelos sacramentos e pelos sacramentais, também santificamos rezando, levando os outros a participar nos sacramentos e vivendo a vida da comunhão dos santos (múnus sacerdotal); e, se beneficiamos da caridade de Cristo, fiéis à Sua Paixão e testemunhas da Ressurreição termos de apostar na sinodalidade da Igreja que nos faz caminhar com os demais e partilhar alegrias, preocupações, trabalho, bens e capital (múnus odegético, pastoral ou régio). É óbvio que esta consagração batismal, que imprime caráter sacramental, não obsta a que individualmente ou comunitariamente se faça o ato de consagração devocional, dedicação ou entrega especial a Cristo ou à Virgem Maria – invocando proteção ou fazendo um propósito concreto duma faceta da vida ou da ação.    
Porém, outros são chamados a um outro ser e ao desempenho de missão específica. Os diáconos são consagrados no sacramento da Ordem para o serviço específico da Palavra, o serviço de ajuda ao altar e o zelo pela prática da caridade da Igreja na justiça. Os presbíteros ou padres são escolhidos para a promoção e desenvolvimento do sacerdócio comum dos batizados e como ministros da Eucaristia da Reconciliação, da Penitência e da Santa Unção. São eles, consagrados pelo sacramento da Ordem num grau maior que os diáconos, verdadeiros participantes no sacerdócio de Cristo e os principais testas e ministros da misericórdia e do perdão de Deus. E os Bispos, recrutados entre os presbíteros e consagrados pelo sacramento da Ordem são os ministros da Ordem e ministros ordinários da Confirmação ou Crisma, promotores da unidade e os “profissionais” da caridade. Investidos na plenitude da participação do sacerdócio de Cristo, são os primeiros e proeminentes ministros da Palavra e promotores da pregação evangélica, aqueles em cujo nome se celebra a Eucaristia e os ministros do sacramento da Ordem e, igualmente, os grandes promotores da sinodalidade da Igreja – tanto assim é que Santo Inácio de Antioquia dizia que “onde está o Bispo, aí está a Igreja” (Ubi Episcopus, ibi Ecclesia ou Που ’Επίσκοπος, εκει ’Εκκλησία). Assim, o sacramento da Ordem (imprime caráter) é verdadeira consagração na verdade e ministério, suportada pela consagração batismal e reforçada pela consagração crismal, a da abundância do Espírito Santo com a plenitude dos seus dons.
Todavia, quando se fala em consagrados e consagradas, a referência comum é aos religiosos (padres ou não) e às religiosas que se entregam totalmente a Deus na profissão dos conselhos ou valores evangélicos: pobreza voluntária, obediência inteira e castidade perpétua. São religiosos e religiosas aqueles e aquelas que se consagram pelos votos para viverem unidos a Cristo de coração indiviso, podendo, conforme o carisma do respetivo instituto religioso (ordem ou congregação), dedicar-se à vida contemplativa ou à vida ativa ou uma mescla das duas modalidades e vivendo na comunidade do mosteiro ou numa comunidade mais pequena adequada ao teor de vida a que se entregam, com a nota comum de um certo distanciamento do mundo e de seus negócios.
Há ainda aqueles homens e mulheres que, vinculados pelos votos simples partilhando assim do essencial da vida religiosa, vivem, apesar de tudo, no meio do mundo, preferencialmente exercendo uma profissão, e entregues ao seu contexto laboral e negocial dando testemunho do Evangelho e tentando imbuir o mundo do espírito e do fervor evangélicos. Podem viver isolados, em família ou em pequenas comunidades, mas sem qualquer distintivo exterior. São os ditos institutos seculares. É a consagração no mundo e pelo mundo!
É destes (religiosos/as ou membros de institutos seculares) que se fala, stricto sensu, em consagrados e consagradas e foi a eles que o Papa dirigiu o discurso na Sala Paulo VI, a 4 de maio.
E para estes e estas que se imploram vocações. Não pertencem stricto sensu e per se à hierarquia da Igreja, mas dotam-na duma profundidade e dum cariz extremamente colado ao seguimento de Jesus, obediente, pobre e casto – entregue pela vida do mundo!  
2018.05.05 – Louro de Carvalho

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