O Papa Francisco recebeu, na manhã do dia 4 deste mês, na
Sala Paulo VI, no Vaticano, cerca de 700 participantes no encontro
internacional promovido pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada
e as Sociedades de Vida Apostólica e que está a decorrer em Roma, na Pontifícia
Universidade Antonianum, de 3 a 6 em torno do tema “Consagração por meio dos Conselhos evangélicos”.
Segundo o Vatican News, o Pontífice falou espontaneamente aos consagrados e
consagradas, indicando critérios autênticos para discernir o que está acontecendo
e “não se perder neste mundo, no nevoeiro da mundanidade, nas provocações e no
espírito de guerra”. Para tanto, é de realçar que a vida de Consagração se deve
fundamentar na oração, pobreza e paciência.
“A oração é voltar sempre ao primeiro chamamento”, lembrou
Francisco, acrescentando que “toda a oração é voltar a isso, ao sorriso dos
primeiros passos”. E sublinhou que “a oração na vida consagrada é o ar que nos
faz respirar o chamamento, renovar o chamamento”. Sem este ar não poderá haver
bons consagrados. Serão talvez “pessoas boas, bons cristãos, bons católicos que
trabalham em muitas obras da Igreja, mas a consagração deve ser renovada
continuamente ali, na oração, no encontro com o Senhor”.
Depois, referiu que a pobreza voluntária “é a mãe, o muro de
contenção da vida consagrada” que “defende do espírito mundano”.
Nas palavras
do Papa, o espírito de pobreza não é negociável, porque impede o risco de
passar da “consagração religiosa” à “mundanidade religiosa” em três degraus: o
da valorização do dinheiro, a vaidade e o orgulho.
O dinheiro
resulta da falta de pobreza e o apego a ele contraria a disponibilidade para a
partilha e para a solidariedade. A vaidade, que parte do extremo de ser um
pavão, vai até aos pequenos detalhes. A soberba, o orgulho, acaba por ser a geratriz
de todos os vícios. Mas o Santo Padre considera o primeiro degrau da degradação
humana “o apego às riquezas, o apego ao dinheiro”, que leva à acumulação, à
avareza, à ganância e ao desprezo pelos bens espirituais.
No atinente
à paciência, Francisco enalteceu “aquela que Jesus teve para chegar ao fim de
sua vida”. E fez a aplicação aos religiosos e religiosas sustentando que “sem
paciência, se compreendem as guerras internas de uma congregação”, os “carreirismos
nos capítulos gerais” e “algumas decisões tomadas diante de problemas da vida
comunitária como a perda das vocações”, sem haver força anímica para prosseguir
na busca. E discorreu:
“Falta paciência e não vêm as vocações? Vendemos e apegamos-nos ao
dinheiro por qualquer coisa que possa acontecer no futuro. Esse é um sinal, um
sinal de que se está perto da morte: quando uma congregação começa a apegar-se
ao dinheiro. Não tem paciência e cai na falta de pobreza.”.
Em suma,
para o Papa, a “oração,
pobreza e paciência” são “opções radicais” que os consagrados devem seguir na
vida pessoal e comunitária.
***
Mas o Papa ilustrou a sua alocução com tiradas de episódica profundidade,
por exemplo, quando falou do Espírito Santo que rotulou de uma “calamidade, porque nunca se cansa de ser criativo”. E,
designando-o como “autor da diversidade e ao mesmo tempo Criador de unidade, sustentou
que “Ele faz a unidade do Corpo de Cristo, a unidade da consagração”, o que
representa um enorme “desafio”. Mais é o Espírito Santo que dita os três critérios
autênticos em função do discernimento e em prol da solidez da vida consagrada. São
seus verdadeiros pilares a oração, a pobreza e a paciência – já referidas.
A oração na
vida consagrada é o ar que faz respirar e renovar a vocação no ambiente de
encontro com o Senhor. E o Papa evocou o exemplo de Madre Teresa de Calcutá que,
não obstante o trabalho de todos os dias, permanecia duas horas diárias em
oração, diante do Santíssimo Sacramento. E reiterou que “o tempo para a oração deve
ser encontrado”, pois “não é possível viver a vida consagrada e discernir o que
está acontecendo sem conversar com o Senhor” rosto a rosto.
Para falar da pobreza evangélica, mencionou Santo Inácio de Loyola que dizia que a pobreza “é a
mãe, o muro de contenção da vida consagrada” e “defende do espírito mundano”. Assim,
o espírito de pobreza não é negociável, pois corre-se o risco de passar da
“consagração religiosa” à “mundanidade religiosa”.
No concernente à paciência, como se disse, Francisco apontou para “aquela que Jesus teve para chegar ao fim de sua
vida”, a condição em que, depois da última ceia, vai ao Horto das Oliveiras
para encontrar fôlego e forças para fazer a vontade do Pai e não a sua.
Entretanto, disse o Pontífice que é preciso evitar a “ars bene moriendi” das instituições. E,
para clarificar esta advertência, aduziu o
exemplo de duas províncias masculinas de duas congregações diferentes que, num
país “secularizado”, encerraram a admissão ao noviciado, condenando o futuro da
congregação naquele período. Foi a “arte de morrer bem”. A vocação, por falta de
capacidade de espera e paciência, teve um sucedâneo: a venda de bens e o apego
ao dinheiro, afastando a insegurança futura, dando utilidade humana àquilo que
já não presta, mas perdendo a mística do impossível aos olhos dos homens e possível
aos olhos de Deus.
Por fim, o Pontífice exortou a que ficassem atentos “à oração, pobreza e paciência” e convidou os
consagrados a seguirem essas “opções radicais” na vida pessoal e comunitária e
a apostar nelas, explicitando mesmo o desejo que que eles e elas continuem a estudar
e a ser fecundos na vida religiosa. E advertiu:
“Nunca se sabe por onde anda a minha
fecundidade, mas se você reza, é pobre e paciente, tenha certeza de que será
fecundo. Como? O Senhor lhe mostrará. É a receita para a fecundidade. Você será
pai, será mãe. É o que eu desejo para a vida religiosa: ser fecunda.”.
***
O que
são consagrados e consagradas? Antes de mais, é preciso deixar claro que todos
aqueles e aquelas que receberam o Batismo têm a consagração ao Pai, em Cristo,
pelo Espírito Santo. Somos efetivamente consagrado na verdade como discípulos de
Cristo, membros do Povo de Deus – a Igreja. É pelo Batismo que participamos no
tríplice múnus de Cristo: se aprendemos como discípulos, também, como apóstolos,
temos o dever e o direito de ensinar segundo a nossa condição e circunstâncias
(múnus profético); se somos santificados pela oração
à luz da Palavra de Deus, pelos sacramentos e pelos sacramentais, também
santificamos rezando, levando os outros a participar nos sacramentos e vivendo
a vida da comunhão dos santos (múnus
sacerdotal); e, se
beneficiamos da caridade de Cristo, fiéis à Sua Paixão e testemunhas da
Ressurreição termos de apostar na sinodalidade da Igreja que nos faz caminhar
com os demais e partilhar alegrias, preocupações, trabalho, bens e capital (múnus odegético, pastoral ou régio). É óbvio que esta consagração
batismal, que imprime caráter sacramental, não obsta a que individualmente ou comunitariamente
se faça o ato de consagração devocional, dedicação ou entrega especial a Cristo
ou à Virgem Maria – invocando proteção ou fazendo um propósito concreto duma
faceta da vida ou da ação.
Porém, outros
são chamados a um outro ser e ao desempenho de missão específica. Os diáconos
são consagrados no sacramento da Ordem para o serviço específico da Palavra, o
serviço de ajuda ao altar e o zelo pela prática da caridade da Igreja na
justiça. Os presbíteros ou padres são escolhidos para a promoção e
desenvolvimento do sacerdócio comum dos batizados e como ministros da
Eucaristia da Reconciliação, da Penitência e da Santa Unção. São eles,
consagrados pelo sacramento da Ordem num grau maior que os diáconos, verdadeiros
participantes no sacerdócio de Cristo e os principais testas e ministros da misericórdia
e do perdão de Deus. E os Bispos, recrutados entre os presbíteros e consagrados
pelo sacramento da Ordem são os ministros da Ordem e ministros ordinários da Confirmação
ou Crisma, promotores da unidade e os “profissionais” da caridade. Investidos na
plenitude da participação do sacerdócio de Cristo, são os primeiros e proeminentes
ministros da Palavra e promotores da pregação evangélica, aqueles em cujo nome
se celebra a Eucaristia e os ministros do sacramento da Ordem e, igualmente, os
grandes promotores da sinodalidade da Igreja – tanto assim é que Santo Inácio
de Antioquia dizia que “onde está o Bispo, aí está a Igreja” (Ubi Episcopus, ibi Ecclesia ou
Που ’Επίσκοπος, εκει ’Εκκλησία). Assim, o sacramento da Ordem (imprime
caráter) é verdadeira
consagração na verdade e ministério, suportada pela consagração batismal e
reforçada pela consagração crismal, a da abundância do Espírito Santo com a
plenitude dos seus dons.
Todavia,
quando se fala em consagrados e consagradas, a referência comum é aos
religiosos (padres ou não)
e às religiosas que se entregam totalmente a Deus na profissão dos conselhos ou
valores evangélicos: pobreza voluntária, obediência inteira e castidade
perpétua. São religiosos e religiosas aqueles e aquelas que se consagram pelos
votos para viverem unidos a Cristo de coração indiviso, podendo, conforme o carisma
do respetivo instituto religioso (ordem
ou congregação), dedicar-se à vida
contemplativa ou à vida ativa ou uma mescla das duas modalidades e vivendo na
comunidade do mosteiro ou numa comunidade mais pequena adequada ao teor de vida
a que se entregam, com a nota comum de um certo distanciamento do mundo e de
seus negócios.
Há ainda
aqueles homens e mulheres que, vinculados pelos votos simples partilhando assim
do essencial da vida religiosa, vivem, apesar de tudo, no meio do mundo,
preferencialmente exercendo uma profissão, e entregues ao seu contexto laboral
e negocial dando testemunho do Evangelho e tentando imbuir o mundo do espírito
e do fervor evangélicos. Podem viver isolados, em família ou em pequenas
comunidades, mas sem qualquer distintivo exterior. São os ditos institutos seculares.
É a consagração no mundo e pelo mundo!
É destes
(religiosos/as
ou membros de institutos seculares)
que se fala, stricto sensu, em
consagrados e consagradas e foi a eles que o Papa dirigiu o discurso na Sala
Paulo VI, a 4 de maio.
E para
estes e estas que se imploram vocações. Não pertencem stricto sensu e per se à
hierarquia da Igreja, mas dotam-na duma profundidade e dum cariz extremamente colado
ao seguimento de Jesus, obediente, pobre e casto – entregue pela vida do mundo!
2018.05.05 –
Louro de Carvalho
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