São três tópicos simbólicos do Espírito Santo
evidenciados na celebração da Solenidade do Pentecostes.
O sopro está patente da perícopa evangélica de
João (Jo 20, 19-23), proclamada já no segundo domingo da Páscoa. O Ressuscitado
apareceu aos discípulos na tarde do dia da Ressurreição, saudou-os,
desejando-lhes a paz, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo”.
Em contraponto à narrativa do Génesis, segundo a
qual Deus depois de formar o homem a partir da terra, soprou-lhe a insuflar
vida e vida humana (cf
Gn 2,7), agora Cristo redivivo sopra sobre os homens e insufla-lhes a vida nova,
a vida em abundância, em nome do Espírito Santo, e manda-os, já não a dominar a
Terra, mas a pregar o arrependimento e a conceder o perdão dos pecados, como
consequência do anúncio e aceitação do Evangelho da Fé, selada pelo Batismo e alimentada
na Palavra divina e na Eucaristia como celebração da Vida e forte rampa de lançamento
para a vida de comunidade onde todos têm lugar, voz, vez e bens.
A rajada de vento tornou-se necessária, porque,
apesar da força insuflada por Cristo e da afirmação da autoridade e garantia de
apoio com que procedeu ao envio apostólico, não havia maneira de os discípulos saírem
da pasmaceira e se assumirem como apóstolos em saída em missão permanente. Não havia
maneira de se exclaustrarem do Cenáculo: tal era o medo que eles tinham dos
judeus. Mas, vá lá, estavam ali em oração com Maria, mãe de Jesus – cenário propício
à irrupção do Espírito coma a abundância dos seus dons: sabedoria, entendimento,
conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.
Como
disse o Papa Francisco na Missa de hoje, “a rajada de vento sugere uma força
grande, mas não finalizada em si mesma: é uma força que muda a realidade”. Na verdade,
“o vento traz mudança: correntes quentes quando está frio, frescas quando está
calor, chuva quando há secura... O vento faz assim”. Não é por acaso que o
Espírito é força anímica e é a água que mana das fontes da salvação em rios de
abundância, todas as impurezas limpando e tudo irrigando para fertilização
superlativa.
O
mesmo que o vento, “embora a nível muito diferente, faz o Espírito Santo: Ele
é a força divina que muda, que muda o mundo. Assim no-lo recorda a Sequência da Missa rezada a seguir à 2.ª
leitura: “o Espírito é ‘descanso na luta, conforto no pranto”. E, por isso, “Lhe
suplicamos: ‘Lavai nossas manchas, a aridez regai, sarai os enfermos e a todos
salvai’.” De facto, “Ele penetra nas situações e transforma-as; muda os
corações e muda as vicissitudes”.
E, se a Páscoa de Jesus ocorreu em data memorável
para os judeus, a da libertação da escravidão do Egito, também o Pentecostes do
Espírito Santo ocorre na data memorável em que se celebravam as colheitas e
durava sete semanas.
Está visto que, tal como os judeus tinham a
oportunidade festiva de apreciar e saborear os frutos do seu trabalho, também
os apóstolos ganharam neste dia os dons da fortaleza (dom central) e do desassombro para proclamarem os dons pascais:
a vida nova, a paz, o Espírito Santo, o envio apostólico e o perdão dos pecados.
A língua é lugar do paladar e tem o condão de saborear, apreciar e degustar o
alimento. E, por outro lado, é o órgão exterior da loquela, da fala, da
proclamação. Tem de ser usada para a pregação saborosa da fé, para a oferta do
perdão. É ainda o símbolo do entendimento sábio de todos no Espírito,
contraposto ao pecado que desune, acusa e intriga. E cada um pode receber a
mensagem na sua própria língua e saboreá-la, em qualquer parte do mundo e em qualquer
tempo. Com efeito, se no seu atrevimento o Espírito sopra onde quer, também é
certo que ultrapassa as barreiras geográficas, étnicas, políticas, culturais e
religiosas. No Espírito, não temos um povo santo ao lado de povos não santos,
mas um único povo de Deus, santo porque chamado à santidade e instado a permanentemente
corrigir seus erros e emendar a mão frente a pecados e ignorâncias culposas.
***
Em dia de Pentecostes, o Papa presidiu
à celebração da missa na Basílica de São Pedro e, depois de rezar a oração
mariana do Regina Coeli com os fiéis, dirigiu algumas palavras
à multidão que o acompanhava na Praça São Pedro.
Recordando
que “Pentecostes” nos conduz, de coração, a Jerusalém, Francisco disse que, na
noite de ontem, dia 19, se uniu à oração pela paz realizada naquela Cidade
Santa para judeus, cristãos e muçulmanos e pediu que continuemos a invocar o
Espírito Santo para que suscite boa vontade e gestos de diálogo de
reconciliação na Terra Santa e em todo o Oriente Médio.
Também a Venezuela teve destaque na fala pontifical:
“Peço
que o Espírito Santo dê a todo o povo venezuelano, todo: governantes e povo, a
sabedoria para encontrar o caminho da paz e da unidade. Rezo também pelos detidos
que morreram ontem.”.
De facto, um
motim numa prisão no norte da Venezuela deixou 11 mortos e 28 feridos, enquanto
no país, urnas em 14,5 mil centros de votação foram abertas na manhã deste domingo
para a eleição presidencial, estando aptas a votar 20,5 milhões de pessoas. Nos
últimos dias, os bispos venezuelanos pediam o adiamento do ato eleitoral,
invocando a falta de condições e a premência da democracia.
Por outro
lado, o evento de Pentecostes marca a origem da missão universal da Igreja,
pelo que o Papa anunciou a publicação da mensagem do Dia Mundial das Missões e mencionou os 175 anos do nascimento da Obra da Infância Missionária, que
ressalta as crianças como protagonistas da missão, com a oração, à imagem de
Santa Teresa de Lisieux, e pequenos gestos quotidianos de amor e de serviço.
Na homilia da missa a que
presidiu, concelebrada por cardeais, bispos e sacerdotes, chamou à força do Espírito “um reconstituinte para a vida” e afirmou que “o Espírito lembra à Igreja que não obstante os seus séculos de
história, é sempre uma jovem de vinte anos, a Noiva jovem por quem está perdidamente
apaixonado o Senhor”.
A homilia papal
começou com a explicação da 1.ª leitura do dia (At 2,1-11), que narra a forte rajada de vento que veio do céu
com um ruído e que encheu toda a casa em que os discípulos se encontravam: a
vinda do Espírito Santo no Pentecostes é a força divina que muda o mundo.
Frisando que
o Espírito Santo “muda os corações”, disse que “aqueles discípulos que antes
viviam no medo, fechados em casa, mesmo depois da ressurreição do Mestre, são
transformados pelo Espírito” e, com menção do Evangelho do dia, salientou que “dão
testemunho d’Ele”. Efetivamente, como referiu, “de hesitantes, tornam-se
corajosos e, partindo de Jerusalém, lançam-se até aos confins do mundo”. Se estavam
“medrosos quando Jesus estava entre eles, agora são ousados”, mesmo sem a
visibilidade d’Ele, porque o Espírito mudou os seus corações”.
E, verificando que “a experiência ensina que nenhuma tentativa terrena
de mudar as coisas satisfaz plenamente o coração do homem”, contrapôs:
“A mudança do Espírito é diferente: não revoluciona a vida ao nosso
redor, mas muda o nosso coração, transformando-o de pecador em perdoado”.
A partir
desta reflexão sobre a mudança do coração, o Papa sugeriu que, quando
precisarmos da verdadeira mudança, as fraquezas nos oprimem, avançar é difícil
e amar parece impossível, faria bem tomar diariamente este reconstituinte de
vida: é Ele, a força de Deus. Depois, garantiu que, a seguir e com os corações,
o Espírito, como o vento, sopra onde quer e por todo o lado e chega às
situações mais imprevistas. E disse:
“Como
na família, quando nasce uma criança, esta complica os horários, faz perder o
sono, mas traz uma alegria que renova a vida, impelindo-a para a frente,
dilatando-a no amor, do mesmo modo o Espírito traz à Igreja um ‘sabor de
infância’; realiza renascimentos contínuos. Reaviva o amor do começo.”.
Ora, como enfatizou o Papa – e repetindo – “o Espírito lembra à
Igreja que, não obstante os seus séculos de história, é sempre uma jovem de
vinte anos, a Noiva jovem por quem está perdidamente apaixonado o Senhor”, também
não deixou de lamentar que o Gaza é hoje um nome que suscita dor. Citando o episódio dos Atos dos Apóstolos em que o
diácono Filipe é impelido “por uma estrada deserta, de Jerusalém a Gaza” (cf At 8, 26-40), Francisco exclamou: “Como este nome soa doloroso, hoje! Que o Espírito mude os corações e as
vicissitudes e dê paz à Terra Santa!”.
E, terminando,
o Papa pediu que Espírito Santo, rajada de vento de Deus, sopre sobre nós:
“Soprai nos nossos corações e fazei-nos respirar a ternura do Pai.
Soprai sobre a Igreja e impeli-a até aos últimos confins; vinde, Espírito
Santo, mudai-nos por dentro e renovai a face da terra.”.
***
Mas o Espírito surge em línguas de fogo, porque é luz que ilumina e
clarifica; é fogo que incendeia e aquece, abrasa e alastra, porque é, ao mesmo
tempo, fogo e vento. E como luz e como fogo incide sobre a pessoa do discípulo
e sobre a comunidade. Do discípulo faz o apóstolo e da comunidade faz Igreja
que tanto reúne em assembleia como envia em missão os seus membros para o mundo
não deixando que eles vejam o mundo a partir da varanda ou pelas seteiras das
fortalezas.
É pertinente reter cada uma das palavras de Francisco:
“O Espírito liberta os espíritos paralisados
pelo medo. Vence as resistências. A quem se contenta com meias medidas, propõe
ímpetos de doação. Dilata os corações mesquinhos. Impele ao serviço quem se
desleixa na comodidade. Faz caminhar quem sente já ser suficiente. Faz sonhar
quem sofre de tibieza. […] Como o
vento sopra por todo o lado, assim Ele chega às situações mesmo as mais
imprevistas. […] Quando os discípulos
menos esperam, o Espírito envia-os aos pagãos. Abre caminhos novos.”.
E:
“Quando a vida das nossas comunidades atravessa períodos de ‘lassidão’,
em que se prefere a comodidade doméstica à vida nova de Deus, é um mau sinal.
Quer dizer que se busca abrigo do vento do Espírito. Quando se vive para a
autoconservação e não se vai ao encontro dos distantes, não é um bom sinal. O
Espírito sopra, mas nós amainamos as velas. E todavia, muitas vezes O vimos
realizar maravilhas! Muitas vezes, precisamente nos períodos mais escuros, o
Espírito suscitou a santidade mais luminosa! Porque Ele é a alma da Igreja,
sempre a reanima com a esperança, enche-a de alegria, fecunda-a de vida nova,
dá-lhe rebentos de vida. Como na família, quando nasce uma criança, esta
complica os horários, faz perder o sono, mas traz uma alegria que renova a
vida, impelindo-a para a frente, dilatando-a no amor. Do mesmo modo o Espírito
traz à Igreja um ‘sabor de infância’. Realiza renascimentos contínuos. Reaviva
o amor do começo.”.
2018.05.20 – Louro de
Carvalho
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