Generalizou-se
o hábito de os participantes na celebração eucarística que não se abeiram da
mesa da comunhão se sentarem durante a distribuição do Corpo e Sangue de Cristo
na hóstia consagrada, a partir do momento em que o celebrante e/ou os demais ministros
da comunhão (ordinários ou extraordinários) iniciam o desenvolvimento desta
atividade. Também se generalizou esse hábito para os comungantes depois de terem
observado uns momentos de recolhimento de pé ou ajoelhados.
Porém,
quando o sacerdote ou um ministro da comunhão passam com a píxide ou píxides (vasos
sagrados em que se guardam as hóstias consagradas sobejantes da celebração,
devidamente acondicionados no sacrário)
a caminho do altar do sacrário (ou estrutura equivalente onde se localiza o sacrário) a proceder à guarda da sagrada
reserva, todos costumam levantar-se e permanecer em pé até perderem de vista tal
passagem e os demais até o ministro fechar o sacrário.
***
Entretanto,
num dos domingos em que estive na missa, tendo os fiéis tomado a postura atrás
descrita, o sacerdote celebrante interveio para dizer que, embora estivessem a
fazer o que prescreve a liturgia, deviam reparar que o Cristo que passa na
píxide é o mesmo que haviam comungado a partir do altar da missa. E, insistindo
que não negava que estivessem a fazer segundo o que está prescrito, disse que,
sempre que isto acontece, fica sobressaltado.
Obviamente
que o sacerdote em referência dispõe habitualmente dum discurso muito profundo
em que habitualmente a razão está do seu lado, até pela incidência a prática
que pretende que a fé e a doutrina tenham na vida de cada um e do pulsar da comunidade.
Todavia, dá a impressão de que se move um pouco por estados de alma e a forma
direta como diz as coisas ora é extremamente acolhedora ora sabe a alguma
agressividade. Depois, quando tenta mudar a estrutura morfossintática de
algumas fórmulas que exigem uma resposta dos participantes, deixa-os um pouco
hesitantes, por exemplo, quando diz “o Senhor está (em
vez de “esteja”) convosco”
ou “A paz do Senhor já está (em vez de simplesmente “esteja”) convosco”.
Tal advertência
como a acima apontada induziu-me a consultar a tradução da 3.ª edição típica da
IGMR (Instrução
Geral do Missal Romano),
em especial os seus números 42, 43 e 44, que versam sobre “os gestos e
atitudes corporais” durante a celebração
da Missa.
Nos termos do n.º 42, “os gestos e as atitudes corporais”
do sacerdote do diácono dos ministros e do povo visam a beleza e a nobre simplicidade
de toda a celebração, a compreensão do significado verdadeiro e pleno das suas
diversas partes e a participação de todos. Para tanto, “deve atender-se ao que
está definido por esta Instrução geral e pela tradição do Rito romano, e ao que
concorre para o bem comum espiritual do povo de Deus, mais do que à inclinação
ou arbítrio particular”. A atitude comum do corpo, que os participantes devem
observar, “é sinal de unidade dos membros da comunidade cristã reunidos para a
sagrada Liturgia: exprime e favorece os sentimentos e a atitude interior dos
participantes”.
Por sua
vez, o n.º 43 especifica os momentos para as diversas atitudes corporais. A atitude
corporal normal na celebração eucarística é estar de pé.
“Assim, os
fiéis estão de pé: desde o início do cântico de entrada ou enquanto o sacerdote
se encaminha para o altar, até à oração coleta, inclusive; durante o cântico do
Aleluia, que precede o Evangelho;
durante a proclamação do Evangelho; durante a profissão de fé e a oração universal;
e desde o convite ‘Orai, irmãos’,
antes da oração sobre as oblatas, até ao fim da Missa, exceto nos momentos
adiante indicados.
“Estão sentados: durante as
leituras que precedem o Evangelho e durante o salmo responsorial; durante a
homilia e durante a preparação dos dons ao ofertório; e, se for oportuno,
durante o silêncio sagrado depois da Comunhão.
“Estão de joelhos durante a
consagração, exceto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número
dos presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem. Aqueles, porém, que
não estão de joelhos durante a Consagração, fazem uma inclinação profunda
enquanto o sacerdote genuflete após a Consagração.
“Compete, todavia, às
Conferências Episcopais, segundo as normas do direito, adaptar à mentalidade e
tradições razoáveis dos povos os gestos e atitudes indicados no Ordinário da
Missa. Atenda-se, porém, a que estejam de acordo com o sentido e o caráter de
cada uma das partes da celebração. Mantenha-se louvavelmente, onde o haja, o
costume de o povo permanecer de joelhos desde o fim da aclamação do Sanctus até ao fim da Oração
eucarística, e antes da Comunhão, quando o sacerdote diz ‘Eis o Cordeiro de
Deus’.
“Para se conseguir a uniformidade
nos gestos e atitudes do corpo na mesma celebração, os fiéis devem obedecer às
indicações que, no decurso da mesma, lhes forem dadas pelo diácono, por um
ministro leigo ou pelo sacerdote, de acordo com o que está estabelecido no
Missal.”.
E o n.º
44 adverte que, entre
os gestos, se contam também “as ações e as procissões do sacerdote ao
dirigir-se para o altar com o diácono e os ministros; do diácono, antes da
proclamação do Evangelho, ao levar o Evangeliário ou Livro dos evangelhos para
o ambão; dos fiéis ao levarem os dons e ao aproximarem-se para a Comunhão”,
convindo que “estas ações e procissões se realizem com decoro, enquanto se
executam os cânticos respetivos, segundo as normas estabelecidas para cada caso”.
***
Ora, pela
leitura da IGMR, durante a Comunhão, nem os comungantes nem os que não se
abeiram da Comunhão deveriam estar sentados, mas em pé até ao términus da distribuição
da Comunhão, a não ser nos casos em que a saúde e o cansaço recomendem a cada um
outro modo de proceder. Obviamente, no tempo da distribuição da Comunhão inclui-se
o retorno da píxide ao sacrário, em que os fiéis deviam permanecer de pé. Por outro
lado, os fiéis que não estão impedidos de o fazer devem aproximar-se da
Comunhão em sistema de cortejo ou em fila, fazer uma reverência prévia à receção
da partícula, comungar diante do ministro e voltar ao seu lugar – devendo providenciar-se
à distribuição da Comunhão a quem não se possa deslocar.
Porém, dado
que se generalizou pacificamente o hábito de tanto os comungantes (após o aludido momento de recolhimento) como
os não comungantes se sentarem, será de louvar que se levantem à predita passagem
da píxide.
Pelo menos,
esta é uma ação tão processional como as enumeradas no n.º 44 da IGMR. Mas há
outra razão de maior peso, do meu ponto de vista: a passagem da píxide do altar
da celebração para o altar (ou
estrutura equivalente onde se localiza o sacrário) configura o ato de saída
da grande celebração comunitária do Corpo e Sangue de Cristo no pão consagrado
para a reserva eucarística cuja finalidade principal é servir como viático de quem
está na iminência de proceder à última e grande viagem e, por conseguinte, disponibilizar-se
para a comunhão fora da missa, nomeadamente a doentes, encarcerados e a outros que
não podem comungar na missa, mas que o fazem, por exemplo nas celebrações da Palavra
sem a presença de sacerdote, bem como para ficar patente à visita ou à adoração
privada ou solene dos fiéis. E é sempre recomendada a conveniente reverenciação
ao Santíssimo Sacramento exposto ou quando se expõe. Tanto assim é que o
ministro ao aproximar-se do sacrário fechado, primeiro deve descerrar o
sacrário, depois, genufletir (e não ao contrário) e
tomar consigo a píxide; quando regressa com a píxide ao sacrário, primeiro, deve
abrir o sacrário (se estiver
fechado; caso contrário, deve observar o passo seguinte),
colocar a píxide, genufletir, fechar o sacrário e retirar-se (e não de outro modo).
Também por
isso é que a ação de transporte da píxide merece a deferência dos fiéis. É certo
que é o mesmo Cristo que esteve no altar, como é o mesmo Cristo que o fiel acabou
de comungar – é o Cristo todo em cada partícula ou fragmento de partícula –,
mas a deferência gestual que se presta à passagem da píxide significa a adesão
do coração ao mistério que não se cinge a um lugar, mas está em trânsito ou fica
na discrição do escondimento, como a vida do homem neste mundo, a não ser que a
comunidade resolva dar-lhe visibilidade para o bem espiritual de todos.
***
Por isso,
nada de sobressalto, mas ato de fé e de devoção eucarística mesmo que redundante!
E, sobretudo, que a fé eucarística leve as pessoas a sair de si mesmas e do egoísmo
da vida, criando nelas a obrigação da solidariedade e da partilha em obediência
às leis da caridade e da justiça, da justiça do Reino de Deus.
2018.05.02 –
Louro de Carvalho
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