O enunciado
em epígrafe vem a propósito dos desenvolvimentos dos últimos dias em torno da
invasão da academia do Sporting Clube de Portugal.
Com efeito,
ontem, dia 15 de maio, à tarde, a equipa principal do Sporting cumpria o
primeiro treino da semana, depois da derrota no terreno do Marítimo (2-1), que relegou a equipa para o 3.º lugar da I Liga,
iniciando a preparação para a final da Taça de Portugal, no domingo, dia 20, frente
ao Desportivo das Aves.
Entretanto, a
Academia do Sporting, em Alcochete, foi invadida por várias dezenas de ditos adeptos
‘leoninos’ (segundo o jornal desportivo Record foram cerca de cinco dezenas), que surgiram a correr, de
cara tapada e tentaram impedir os jornalistas de filmar. Todavia, após terem chegado à zona dos relvados
e ao balneário da equipa principal, saíram do local ao fim de 15 minutos, sem que
a polícia tivesse intervindo.
De acordo
com o jornal desportivo A Bola, a fação terá agredido Jorge Jesus, Bas Dost,
Acuña, Rui Patrício, William Carvalho, Battaglia e, ainda, Raul José, adjunto
de Jorge Jesus. O Record refere
que Misic também fez parte do lote de agredidos e que Jorge Jesus terá sido
alvo de uma cabeçada na cara. A TVI
pormenoriza que as agressões foram
feitas com cintos e barras de ferro e que houve fisioterapeutas esfaqueados.
Entretanto,
surgiu nas redes sociais e em alguns meios de comunicação social uma foto de Bas Dost ferido na cabeça e de
lágrimas nos olhos – algo que fonte do clube confirmou ao DN ser verdadeira –, assim como uma imagem do balneário do Sporting
depois de terem sido atiradas tochas lá para dentro. O holandês terá
mesmo sido o jogador mais mal tratado.
Também terá
sido agredido o preparador físico Mário Monteiro; os alarmes contra incêndios
dispararam porque houve tochas atiradas para o balneário e os jogadores recusam treinar se não tiverem garantias
de segurança e de condições de trabalho; e já haverá empresários de
futebolistas a procurar fundamento jurídico para rescisões por justa causa,
tendo vindo a direção do Sporting clarificar que não indícios de que algum
jogador rescindirá. Várias estações de televisão já transmitiram algumas
das imagens do episódio. A este respeito, o empresário do avançado holandês,
Gunther Neuhaus, afirmou a O Jogo:
“Isto não
é aceitável, é uma situação perigosa. Bas Dost é um dos jogadores mais
importantes do Sporting nos últimos 10 anos.”.
O caso é
notícia nas principais publicações internacionais, que falam em tarde de “terror” no treino dos ‘leões’.
Assim, no seu site, o espanhol A Marca faz manchete com o sucedido
à equipa principal do Sporting, com a fotografia das lesões de Bas Dost,
falando numa invasão dos “adeptos
radicais” do clube, insatisfeitos com as recentes exibições dos jogadores.
A italiana Gazzetta dello Sport destaca
na sua primeira página as agressões, no que diz ser a “fúrias dos Ultra” do
clube, depois da qualificação falhada para a Liga dos Campeões. No francês L’Équipe, entre as notícias de
antecipação para a final da Liga Europa, entre Marselha e Atlético Madrid, há espaço
para contar que “jogadores do Sporting foram agredidos” após a invasão de
adeptos ao centro de treinos. Em Inglaterra, a BBC Sport noticia os acontecimentos e destaca a reação oficial
do clube: “o Sporting não é isto, não pode ser isto”. As agressões de Alcochete
também chegaram à América do Sul, com o argentino Tyc Sports a dar sobretudo destaque a Acuna e Battaglia, jogadores
que estão pré-convocados para o Mundial 2018, enquanto o Globoesporte, do Brasil, realça as marcas que ficaram na cabeça de Bas Dost. A fotografia do avançado
holandês aparece igualmente no site da ESPN, com o jornal norte-americano a dar
destaque ao que aconteceu em Alcochete, na sua página dedicada ao ‘soccer’.
Fonte da GNR
confirmara à Lusa estar a proceder à “identificação
presencial de indivíduos que presumivelmente estiveram envolvidos” na
ocorrência, recusando confirmar se foram efetuadas detenções no local ou nas
imediações – o que veio, depois, a acontecer.
Em resultado do sucedido, as autoridades policiais detiveram efetivamente 23 suspeitos (serão adeptos
de Lisboa e da Madeira),
que são ouvidos no Tribunal do Barreiro, depois de ter chegado o respetivo
processo. Os detidos, que pernoitaram nas
instalações de diversos postos da GNR e PSP na região de Setúbal, chegaram ao
Tribunal do Barreiro cerca das 13 horas de hoje.
A inquirição
começou depois de ter chegado àquela comarca do processo completo, no qual consta
a audição a 38 testemunhas e a elaboração dos respetivos autos.
Segundo o JN, os suspeitos estão indiciados dos
crimes de associação criminosa, dano qualificado, ofensa à integridade física
qualificada e, em pelo menos um caso, tentativa de atropelamento – a que a TSF junta as acusações de terrorismo e
sequestro.
Segundo a
nota a que o JN teve acesso, as
medidas de coação a aplicar aos arguidos deverão ser conhecidas no prazo de 24
horas.
***
Face às notícias
vindas a público e à especulação da comunicação social – enquanto Acuña e
Battaglia ponderam rescindir contrato, segundo informação avançada pela edição
online da estação de televisão argentina TyC
Sports, podendo podem seguir-se outros – a Sporting SAD informou que Jorge
Jesus estará a orientar a equipa do SCP na Final da Taça de Portugal.
Por outro
lado, Bruno de Carvalho, Presidente do Sporting, em declarações à Sporting TV, reagiu aos atos de
vandalismo ocorridos e deixou a garantia de que os jogadores já não estão
irredutíveis. Também disse que “temos de nos habituar que o crime faz parte do
dia a dia", atirando culpas ao Governo, esquecendo as que ele e comparsas devem
assumir.
Lamentando
ter ouvido o secretário de Estado do Desporto a dizer “que era preciso ter
tomado decisões corajosas, mas sem dizer quais são essas medidas”, explicitou:
“O Sporting há muito tempo que fala na
violência, nas claques, mas há um presidente do IPDJ que acha que a legalização
não é importante. O que se passou foi um ato criminoso, em que a polícia esteve
na Academia desde o primeiro momento. Vamos aguardar para ver quem são. […] Os
jogadores num primeiro momento ficaram em estado de choque, como todos nós
estaríamos, estão agora mais calmos, há muita especulação, mas vamos estar no
Jamor. Muita gente não queria, mas vamos jogar. Os jogadores estão tristes com
o que aconteceu mas querem jogar.”.
E
prosseguiu:
“Já ouvi uma série de teorias mirabolantes,
que este é o meu modus operandi
porque nas Assembleias não deixo falar quem quer falar mal, o que é
falso. Estamos a quatro dias da
final e depois há o fim da época, que interesse teria o Sporting numa situação
destas? Vamos averiguar internamente o que aconteceu. Há dois ou três
meses aconteceram em Guimarães atos reprováveis, mas no Sporting são mais
agradáveis de bater. Há que condenar em todo o lado.”.
***
Obviamente,
o Presidente do Sporting, que já pediu um assembleia geral extraordinária, não é um exemplo da compostura pública. No entanto, a
sua crítica ao Secretário de Estado não é totalmente descabida. Dá a impressão de
que falou levado por um impulso que não o deixava ficar em silêncio.
Naturalmente,
os adeptos reagiram condenando o incidente – e com razão. No entanto, muitos
fazedores da opinião pública falam agora quando lhes têm passado praticamente despercebidos
outros incidentes também graves. É difícil saber quais os casos mais graves,
dado que a gravidade dum incidente é avaliada aqui e agora segundo os dados
presentes e raramente o é tendo em conta os contextos e a sequência dos
acontecimentos. Para isso, seria necessário muito sangue frio, o que não é
apanágio da Casa Lusitana.
Porém, enquanto
a Liga e a Federação fizeram desta feita o que têm feito noutras ocasiões – vir
à liça e condenar os incidentes e pedir, por um lado, a serenidade aos operadores
desportivos e, por outro, a investigação e a punição dos crimes –, alguns
detentores de cargos cimeiros do poder político vieram a terreiro fazer de
carpideiras nacionais no máximo de exagero.
Compreenderia
que adeptos e responsáveis da SAD do Sporting e do Clube no furor da onda
derrapassem nos comentários; percebo que os jogadores tenham estado tentados a
não comparecer no final da Taça, como gosto de saber que subscreveram um
comunicado em que se disponibilizam para jogar no domingo, dispondo-se a
treinar a partir do dia 18; tolera-se que alguns empresários induzam jogadores
a denunciar o contrato; aceito que o Governo venha publicamente garantir a
segurança no Estádio Nacional, prometer alterações legislativas e criar uma
Alta Autoridade; e julgo inaceitáveis as intervenções das duas figuras cimeiras
do Estado.
O Presidente
da República fez bem em condenar os incidentes e em frisar que “não podemos normalizar ou
banalizar, sob pena de permitirmos escaladas que são más para o desporto
português e para a sociedade portuguesa como um todo”. Porém, exagera quando
diz que se sentiu vexado. Acha que a invasão da academia é crime de
lesa-presidente? E, se vai a toda a parte e é imenso, não vai ao final da Taça
para não se misturar com o outro Portugal, o que alegadamente não é democrático?
Valeria mais ter insistido na segurança…
E
ainda veio comparar, pela negativa, os incidentes com o caso dos irmãos Sobral.
Disse, há dias, que estes eram mais embaixadores da imagem de Portugal que muitos
dos embaixadores profissionais – o que, por inconveniente, desgostou os
diplomatas. Bem podia Marcelo reparar como é descabido o discurso de estado de alma:
Salvador Sobral, que se fartou de, por antecipação, dizer mal da canção de
Israel e da intérprete, teve de fazer o frete de lhe entregar o troféu do eurofestival…
Por
sua vez, o Presidente
da Assembleia da República também veio condenar os incidentes. Fez bem quando classifica
a situação de
gravíssima por ofender “os portugueses, o desporto português e o país, pelas
repercussões internacionais que já teve”. Todavia, não tem razão ao afirmar que os episódios correspondem a
“uma perversidade autoritária e totalitária de dirigentes, em mistura com uma
comunicação social fanática, que gosta de explorar até ao pus tudo o que
acontece sábado e domingo nos campos de futebol, e também com aquilo que são as
claques ou membros de claques, organizados como grupos terroristas”. E, se precisou
que falava como Presidente
da Assembleia da República e não como sportinguista, não podia ter dito:
“É bom que as autoridades judiciais,
sempre prontas para investigar e bem os políticos, investiguem bem os
dirigentes desportivos e aqueles que fazem do futebol português esta desgraça, sobretudo
os que fazem do Sporting Clube de Portugal esta miséria que estamos a viver”.
Não
é decente que as duas figuras cimeiras da Pátria se espalhem em declarações que
são fruto mais de estados de alma que da racionalidade. Deus nos livrou de que
estes dois homens tivessem vindo algum dia a ter responsabilidades de comando
operacional em contexto militar, policial ou de socorro. Um político é um
ordenador da razão em prol do bem comum e não um gestor de afetos, como fazem
crer, às vezes, que o povo gosta. Dessa gestão de afetos têm resultado as ditaduras,
não?!
***
O
Governo rapidamente percebeu a urgência de mexer no quadro legal sobre
violência no desporto. Apanhado pelos factos em Sofia, o Primeiro-Ministro
condenou severamente a “selvajaria” contra os jogadores e treinadores do
Sporting e anunciou mexidas no quadro legal bem como a criação de uma Alta Autoridade para a Violência no Desporto.
Costa disse que o Governo
está “a trabalhar com a Federação Portuguesa de Futebol” e a “avaliar que
outras medidas” se deverão tomar para garantir que o final da Taça decorra com
segurança, frisando que “não cedemos a ameaças e temos que garantir que a época
termina com normalidade”. E sublinhou o facto de dois Ministérios, o do
Desporto e o da Administração Interna, terem de imediato colocado os atos de
violência em Alcochete no topo da agenda. E divergiu de Rui Rio quando este
acusou a excessiva proximidade entre políticos e futebol de ter contribuído
para alimentar fenómenos de descontrolo.
Convindo
não misturar as coisas, Costa disse que “não foi seguramente por o Dr. Rui Rio
ter fechado as portas da Câmara do Porto ao FCP e por agora essas portas se
terem voltado a abrir que estas situações ocorreram” e declarou que “o desporto
é uma forma de transmitir valores e não selvajaria”.
***
Vamos ver se
o Governo consegue fazer, pela via legislativa, regulamentar e fiscalizadora, que
o desporto seja uma forma de transmissão de valores; se as lideranças
desportivas, em vez de fazem dos cargos uma forma de captação de benefícios
pessoais ou um mecanismo de corrupção e de trafico de influências, lutam pela
ética desportiva e pela sanidade física e mental de técnicos, adeptos e frequentadores
do espetáculo desportivo; e se o poder judiciário consegue, sem desautorizar a polícia,
cumprir a sua missão de administrar a justiça enquanto ato de nobre política no
que ela tem de mais consentâneo com o Estado de direito. Que todos abracem a
grande missão de tutela da causa pública. Mas temos de começar pela família,
que o Estado deve apoiar, e pela escola, em que o Estado tem responsabilidades
pelo facilitismo e pelo permissivismo reinantes.
2018.05.16 –
Louro de Carvalho
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