terça-feira, 15 de maio de 2018

OPA da China Three Gorges à EDP como obra dum Estado totalitário


A China Three Gorges, maior acionista da EDP, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital da elétrica portuguesa, oferecendo previamente uma contrapartida de 3,26 euros. Em reação a este anúncio da OPA, a EDP declarou que não só o “preço oferecido não reflete adequadamente o valor” da empresa, como o prémio é baixo face ao registado nas utilities europeias em situações de aquisição de controlo.
A EDP não classifica a oferta, pois não diz se é amigável ou hostil, mas avalia a contrapartida apresentada pelo seu maior acionista como sendo baixa. A este respeito, refere o conselho de administração executivo, em comunicado enviado à CMVM:
“O conselho de administração Executivo da EDP deu início aos procedimentos internos relevantes, no cumprimento das obrigações às quais se encontra adstrito, e irá pronunciar-se em devido tempo sobre os demais termos da oferta que serão dados a conhecer ao conselho de administração executivo da EDP através do envio pelo oferente do projeto de prospeto que incluirá, designadamente, o detalhe relevante do projeto industrial. […] Não obstante, o conselho de administração Executivo da EDP considera que o preço oferecido não reflete adequadamente o valor da EDP.”.
A EDP, no seu comunicado, confirma a informação já avançada pela agência noticiosa norte-americana Bloomberg, segundo a qual a empresa liderada por Mexia estará já a trabalhar com o banco UBS num plano de defesa.
É verdade que a proposta chinesa tinha implícito um prémio de 4,8% face à última cotação antes da OPA, de 3,11 euros, mas os títulos rapidamente superaram o valor oferecido. Fecharam a valer 3,40 euros, após a maior subida numa década, elevando em 1,1 mil milhões de euros o valor de mercado da EDP.
Considerando tal contexto, a administração junta-se aos analistas e investidores, na defesa dum valor superior na OPA em que seja equacionada a contrapartida dum prémio de controlo justo, em linha com o que se tem verificado nas várias operações de concentração na Europa.
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OPA à EDP tem de superar 16 obstáculos para ser um sucesso. Com efeito, a China Three Gorges apresentou uma proposta para comprar a totalidade das ações que não detém da EDP, mas basta-lhe ficar com 50% do capital mais uma ação. Até lá, no entanto, há várias barreiras que têm de ser superadas para que a OPA seja, efetivamente, um sucesso. Para já, ainda só há o anúncio preliminar da oferta com a apresentação aos investidores duma contrapartida de 3,26 euros por cada título que não detém da EDP. Feito o anúncio, a companhia chinesa precisa da “obtenção do registo prévio da Oferta junto da CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), sem o qual o procedimento não prosseguirá. Por outro lado, a maior acionista da EDP sujeita a oferta à alteração dos estatutos da EDP, embora condicionada ao sucesso da oferta, “de forma a remover qualquer limite à contagem de votos emitidos por um só acionista (…) e a isentar a oferente e quaisquer entidades que, direta ou indiretamente, atual ou futuramente, venham a controlar a oferente, ou a ser controladas por esta, de serem consideradas concorrentes” da EDP.
Depois, vem a verdadeira “prova de fogo”, com a China Three Gorges a sujeitar a operação.
“Ao deferimento de todas as aprovações e autorizações administrativas necessárias de acordo com a lei portuguesa e/ou de acordo com quaisquer normas de direito estrangeiro aplicáveis, para a aquisição das ações e, indiretamente, das ações detidas pela EDP e as ações e ativos detidos pelas subsidiárias”.
Terão de ser superadas estas 16 barreiras:
- Para a China Three Gorges têm de ser deferidas decisões sobre procedimentos de controlo de concentrações de empresas aplicáveis, designadamente a decisão da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia a declarar a compatibilidade da transação com a Lei da Concorrência ou com o Regulamento das Concentrações Comunitárias ou a ausência duma decisão da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia dentro do prazo consagrado pela Lei da Concorrência ou pelo Regulamento das Concentrações Comunitárias para o efeito.
- A companhia chinesa pretende a confirmação do Governo de Portugal de que “não irá opor-se à oferta tal como delineada no anúncio preliminar (e, por consequência, de que não irá opor-se ao lançamento da potencial oferta pública obrigatória de aquisição sobre as ações representativas do capital social da sociedade espanhola EDP Renováveis), quer através duma decisão explícita, quer através da ausência de uma decisão após o termo do prazo aplicável”. 
- A empresa chinesa quer também a aprovação pela Comissão de Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos (Committee on Foreign Investment in the United States), de modo que não seja sujeita a remédios ou condições (mitigation measures), salvo se tais medidas forem aceites pela oferente.
- No anúncio preliminar, a China Three Gorges declarou querer a emissão duma ordem final da Comissão Federal Reguladora de Energia dos Estados Unidos da América (Federal Energy Regulatory Commission of the United States of America) a autorizar a aquisição, tal como proposta no presente Anúncio Preliminar e sem quaisquer modificações.
- A OPA fica sujeita à autorização por parte do Presidente do Departamento de Regulação Energética da Polónia (Prezes Urzędu Regulacji Energetyki) ou confirmação por parte do mesmo presidente de que tal autorização não é necessária”.
- Os chineses pretendem a “emissão de um rescrit (uma decisão escrita) do Ministro da Economia e das Finanças francês, confirmando que a oferta não está sujeita a aprovação de acordo com os regulamentos de investimento estrangeiro francês e, se estiver sujeita a tais regulamentos, a emissão de uma autorização por parte do ministro da Economia e das Finanças francês para que a oferta possa prosseguir”.
- E uma autorização para o prosseguimento da oferta por parte do CSDNR (Conselho Supremo de Defesa Nacional da Roménia) ou confirmação do CSDNR de que tal autorização não é necessária.
- A China Three Gorges pretende a “autorização por parte da Autoridade Portuária de Gijón para a Oferta vis-à-vis a alteração indireta da estrutura de controlo da Hidroeléctrica del Cantábrico em ligação com as concessões de domínio público aprovadas por essa autoridade, ou confirmação da Autoridade Portuária de que tal autorização não é necessária”.
- A empresa procura igualmente a autorização por parte da Autoridade Portuária de Avilés para a Oferta vis-à-vis a alteração indireta da estrutura de controlo da Hidroeléctrica del Cantábrico, nos termos da anterior.
- A empresa pretende a “não oposição à oferta por parte do CADE (Conselho Administrativo da Defesa Económica do Brasil) ou a confirmação do CADE de que tal decisão não é necessária.
- E quer garantir a não oposição à oferta por parte da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica Brasileira) ou a confirmação da ANEEL de que a decisão não é necessária.
- A OPA fica sujeita à “não rejeição, explícita ou tácita (segundo a lei do Canadá), da oferta após realização da análise relevante pela Divisão de Análise de Investimentos do Canadá (Investment Review Division – Investment Canada) sob a direção do Ministro da Inovação, da Ciência e do Desenvolvimento Económico do Canadá”.
Vem, a segar, a necessidade de três autorizações canadianas:
- A não oposição à oferta por parte do Departamento de Concorrência Federal do Canadá (Canadian Federal Competition Bureau) ou a confirmação do FCB de que a decisão não é necessária ou, em alternativa, a obtenção dum certificado de decisão antecipada do FCB a declarar que não é necessária submissão junto do FCB em relação à oferta.
- A não oposição à OPA do Operador do Sistema Elétrico Independente Canadiano (Canadian Independent System Electricity Operator) ou a confirmação do IESO da não necessidade da decisão.
- A garantia da obtenção de “quaisquer outras autorizações ou consentimentos necessários para assegurar a validade e a exequibilidade da transmissão das ações”.
- Finalmente, a China Three Gorges pretende uma declaração da CMVM a confirmar que a oferente e quaisquer entidades relacionadas com ela estão isentas do dever de lançar uma OPA subsequente obrigatória em resultado da aquisição das ações no âmbito da oferta. A este respeito, fonte oficial da Comissão Europeia referiu:
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Estamos a acompanhar os desenvolvimentos [da OPA à EDP] na medida em que, e de acordo com as regras vigentes, seguimos os investimentos de empresas estrangeiras em companhias sediadas na União Europeia”.
De acordo com as regras europeias, cabe às empresas avaliar a necessidade de notificarem uma transação à Comissão Europeia para esta ser avaliada no âmbito das regras de fusão da região.
Em setembro passado, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciou planos para criar um mecanismo que avalia os investimentos estrangeiros, uma medida vista como sendo destinada à China, já que precisou:
Se uma empresa estrangeira estatal quer comprar um porto europeu, parte da nossa infraestrutura energética ou uma empresa de tecnologia de defesa, isso só deverá acontecer com transparência, escrutínio e debate”.
Ora, a China Three Gorges é detida na totalidade pelo Estado chinês e diretamente tutelada pelo Governo central, através dum organismo conhecido como SASAC (State-owned Assets Supervision and Administration Commission). Daí, a pertinência da declaração de Juncker.
Por outro lado, a China tornou-se, nos últimos anos, um dos principais investidores em Portugal, adquirindo participações importantes nas áreas da energia, seguros, saúde e banca. No entanto, a OPA da China à EDP surge numa altura de crescente escrutínio na Europa e EUA sobre o investimento chinês, estando vários negócios bloqueados por motivos de segurança nacional.
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Entretanto, o Governo chinês já disse não ver razões para “terceiras partes” se oporem à OPA da China Three Gorges à EDP, tendo o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Lu Kang, citado pela Lusa, afirmado:
Quando a cooperação é baseada no respeito mútuo, com benefícios e ganhos para ambos (…) não vejo razões para outras partes contestarem”.
Em Portugal, o Primeiro-Ministro, António Costa, já afirmou a não oposição ao negócio, enquanto, nos EUA, o negócio dependerá da aprovação da Comissão para o Investimento Externo, que travou vários negócios que envolviam empresas chinesas, incluindo a oferta duma subsidiária do grupo chinês Alibaba pela empresa de transferências monetárias MoneyGram ou a compra dum fabricante de semicondutores do Estado de Oregon, nos EUA, por uma empresa financiada pelo Governo chinês.
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Percebe-se que o Governo chinês apadrinhe a OPA, pois é do seu interesse o domínio duma empresa (basta-lhe 50%+1) que lhe garante uma presença económica interveniente nos quatro cantos do mundo, sobretudo no Ocidente – o que servirá de rampa de lançamento para melhor conhecimento dos outros povos, vindo a constituir uma forma de dominação mais global.
Já não se entende a pacatez do Governo português na matéria, a não ser que António Costa tenha na manga uma solução contrária encriptada (v.g: através da CMVM ou da UE), já que o atual Governo se mostrou tão pressuroso na reversão da privatização da TAP.
Por outro lado, não se entende o silêncio nem da direita nem da esquerda.
A direita foi na ultraliberal onda de minimização do Estado e, alegadamente a coberto da necessidade, promoveu a privatização dum setor estratégico do país – a produção e distribuição da energia elétrica, bem como do investimento nas respetivas infraestruturas – sem ver a “qualidade” idiossincrática do adquirente, bastando-lhe o encaixe financeiro, desculpando-se com a balela de que o capital não tem nacionalidade. Até caiu na contradição de não querer o Estado Português democrático a pontificar na EDP e na REN (outro disparate), mas aceitar que um Estado estrangeiro dê cartas num setor estratégico nacional, podendo dar-se ao luxo de considerar não necessário ou considerar irrelevante ou prejudicial ao Estado chinês o investimento nas infraestruturas conexas com a EDP. É óbvio que agora tem de aceitar, por coerência, os mecanismos da privatização, um dos quais é a OPA. E bem podemos como a avestruz meter a cabeça na areia, convictos de que o capital sem nacionalidade passa a capital sem rosto, pois o Estado totalitário lhe dará rosto e nacionalidade, mas não um rosto português nem uma nacionalidade portuguesa. Ou pensam que aquele gestor de seguros está a ser investigado na China para receber um prémio, um louvor ou uma condecoração?
A esquerda, de que o partido socialista faz profissão de fé política, está com a sua silente conivência a aceitar a perpetuação duma soberania estrangeira sobre um relevante setor estratégico para o país. Quererá merecer, através desta hipoteca total e definitiva deste mais que significativo fator de independência nacional, uma vitória nas próximas eleições legislativas, aceitando de barato a hipócrita e conveniente promessa conjuntural de que o centro de decisão da EDP se manterá em Lisboa? Ou quererá esperar que a salvação venha do chumbo da OPA por parte da União Europeia, complexo institucional com que BE e PCP se dão mal, ou da atual administração da Casa Branca (que já o deu a entender), de que praticamente todos dizem mal, mas que tem, por motivos estratégicos, travado alguns dos negócios chineses, coisa que a UE não tem feito até agora?
É óbvio que a concertação convivencial das nações é um escopo por que vale a pena pugnar, mas sem deixar de ter em apreço os objetivos estratégicos de cada Estado soberano.
E não vale aduzir despicientemente que os 3,26 euros por cada ação correspondem a um valor quiçá muito acima do que vale a EDP, como alegam alguns observadores pouco avisados em estratégia. Valendo pouco ou muito, o maior quinhão do capital da EDP ainda é nacional!
Que dizem a isto os nossos 230 deputados na AR e o nosso máximo garante da independência nacional, Marcelo Rebelo de Sousa, bem como os antigos Presidentes da República vivos ou o Presidente do Tribunal Constitucional?
2018.05.15 – Louro de Carvalho  
  

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