A China Three Gorges, maior
acionista da EDP, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital da elétrica portuguesa,
oferecendo previamente uma contrapartida de 3,26 euros. Em reação a este anúncio da OPA, a EDP declarou
que não só o “preço oferecido não reflete adequadamente o valor” da empresa,
como o prémio é baixo face ao
registado nas utilities europeias em
situações de aquisição de controlo.
A EDP não classifica a oferta, pois não diz se é amigável ou
hostil, mas avalia a contrapartida apresentada pelo seu maior acionista como
sendo baixa. A este respeito, refere o conselho de administração executivo,
em comunicado enviado à CMVM:
“O conselho de administração Executivo da EDP deu
início aos procedimentos internos relevantes, no cumprimento das obrigações às
quais se encontra adstrito, e irá pronunciar-se em devido
tempo sobre os demais termos da oferta que serão dados a conhecer
ao conselho de administração executivo da EDP através do envio pelo oferente do
projeto de prospeto que incluirá, designadamente, o detalhe relevante do
projeto industrial. […] Não obstante, o conselho de administração Executivo da
EDP considera que o preço oferecido não reflete adequadamente o valor da EDP.”.
A EDP, no seu comunicado, confirma a informação já avançada pela agência
noticiosa norte-americana Bloomberg,
segundo a qual a empresa liderada por Mexia estará já a trabalhar com o banco
UBS num plano de defesa.
É verdade que a proposta chinesa tinha implícito um prémio de 4,8% face à
última cotação antes da OPA, de 3,11 euros, mas os títulos rapidamente
superaram o valor oferecido. Fecharam a valer 3,40 euros, após a maior
subida numa década, elevando em 1,1 mil milhões de euros o valor de mercado da
EDP.
Considerando tal contexto, a administração junta-se aos analistas e
investidores, na defesa dum valor superior na OPA em que seja equacionada a
contrapartida dum prémio de controlo justo, em linha com o que se tem
verificado nas várias operações de concentração na Europa.
***
OPA à EDP tem de superar 16 obstáculos para ser um sucesso.
Com efeito, a China Three Gorges apresentou uma proposta para comprar a totalidade das ações que não
detém da EDP, mas basta-lhe ficar com 50% do capital mais uma ação. Até lá, no
entanto, há várias
barreiras que têm de ser superadas para que a OPA seja, efetivamente, um
sucesso. Para já, ainda só há o anúncio
preliminar da oferta com a apresentação aos investidores duma contrapartida
de 3,26 euros por cada título que não detém da EDP. Feito o anúncio, a companhia
chinesa precisa da “obtenção do registo prévio da Oferta junto da CMVM (Comissão de Mercado de
Valores Mobiliários), sem o
qual o procedimento não prosseguirá. Por outro lado, a maior acionista
da EDP sujeita a oferta à alteração dos estatutos da EDP, embora condicionada ao sucesso da oferta, “de forma a remover qualquer
limite à contagem de votos emitidos por um só acionista (…) e a isentar a
oferente e quaisquer entidades que, direta ou indiretamente, atual ou
futuramente, venham a controlar a oferente, ou a ser controladas por esta, de
serem consideradas concorrentes” da EDP.
Depois, vem a verdadeira “prova de fogo”, com a China Three Gorges a sujeitar a operação.
“Ao deferimento de todas as
aprovações e autorizações administrativas necessárias de acordo com a lei portuguesa e/ou de acordo com quaisquer normas de
direito estrangeiro aplicáveis, para a aquisição das ações e, indiretamente,
das ações detidas pela EDP e as ações e ativos detidos pelas subsidiárias”.
Terão
de ser superadas estas 16 barreiras:
- Para
a China Three Gorges têm de ser
deferidas decisões sobre procedimentos de controlo de concentrações de empresas
aplicáveis, designadamente a decisão da Autoridade da Concorrência ou da
Comissão Europeia a declarar a compatibilidade da transação com a Lei da
Concorrência ou com o Regulamento das Concentrações Comunitárias ou a ausência
duma decisão da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia dentro do
prazo consagrado pela Lei da Concorrência ou pelo Regulamento das Concentrações
Comunitárias para o efeito.
- A
companhia chinesa pretende a confirmação do Governo de Portugal de que “não irá
opor-se à oferta tal como delineada no anúncio preliminar (e, por consequência, de que não irá
opor-se ao lançamento da potencial oferta pública obrigatória de aquisição
sobre as ações representativas do capital social da sociedade espanhola EDP
Renováveis), quer
através duma decisão explícita, quer através da ausência de uma decisão após o
termo do prazo aplicável”.
- A
empresa chinesa quer também a aprovação pela Comissão de Investimento
Estrangeiro dos Estados Unidos (Committee on Foreign Investment in the United States), de modo que não seja sujeita a
remédios ou condições (mitigation measures), salvo se tais medidas forem aceites pela oferente.
- No
anúncio preliminar, a China Three Gorges
declarou querer a emissão duma ordem final da Comissão Federal Reguladora de
Energia dos Estados Unidos da América (Federal Energy
Regulatory Commission of the United States of America) a autorizar a aquisição, tal como
proposta no presente Anúncio Preliminar e sem quaisquer modificações.
- A
OPA fica sujeita à autorização por parte do Presidente do Departamento de
Regulação Energética da Polónia (Prezes Urzędu Regulacji Energetyki) ou confirmação por parte do mesmo
presidente de que tal autorização não é necessária”.
- Os
chineses pretendem a “emissão de um rescrit (uma decisão escrita) do Ministro da Economia e das
Finanças francês, confirmando que a oferta não está sujeita a aprovação de
acordo com os regulamentos de investimento estrangeiro francês e, se estiver
sujeita a tais regulamentos, a emissão de uma autorização por parte do ministro
da Economia e das Finanças francês para que a oferta possa prosseguir”.
- E
uma autorização para o prosseguimento da oferta por parte do CSDNR (Conselho Supremo de Defesa Nacional da
Roménia) ou confirmação
do CSDNR de que tal autorização não é necessária.
- A China Three Gorges pretende a
“autorização por parte da Autoridade Portuária de Gijón para a Oferta vis-à-vis a alteração indireta da
estrutura de controlo da Hidroeléctrica
del Cantábrico em ligação com as concessões de domínio público aprovadas
por essa autoridade, ou confirmação da Autoridade Portuária de que tal
autorização não é necessária”.
- A
empresa procura igualmente a autorização por parte da Autoridade Portuária de
Avilés para a Oferta vis-à-vis a
alteração indireta da estrutura de controlo da Hidroeléctrica del Cantábrico, nos termos da anterior.
- A
empresa pretende a “não oposição à oferta por parte do CADE (Conselho Administrativo da Defesa
Económica do Brasil) ou a
confirmação do CADE de que tal decisão não é necessária.
- E
quer garantir a não oposição à oferta por parte da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica
Brasileira) ou a confirmação
da ANEEL de que a decisão não é necessária.
- A
OPA fica sujeita à “não rejeição, explícita ou tácita (segundo a lei do Canadá), da oferta após realização da
análise relevante pela Divisão de Análise de Investimentos do Canadá (Investment Review Division – Investment Canada) sob a direção do Ministro da
Inovação, da Ciência e do Desenvolvimento Económico do Canadá”.
Vem, a
segar, a necessidade de três
autorizações canadianas:
- A
não oposição à oferta por parte do Departamento de Concorrência Federal do
Canadá (Canadian Federal Competition Bureau) ou a confirmação do FCB de que a
decisão não é necessária ou, em alternativa, a obtenção dum certificado de
decisão antecipada do FCB a declarar que não é necessária submissão junto do
FCB em relação à oferta.
- A
não oposição à OPA do Operador do Sistema Elétrico Independente Canadiano (Canadian Independent System Electricity Operator) ou a confirmação do IESO da não
necessidade da decisão.
- A
garantia da obtenção de “quaisquer outras autorizações ou consentimentos
necessários para assegurar a validade e a exequibilidade da transmissão das
ações”.
- Finalmente,
a China Three Gorges pretende uma
declaração da CMVM a confirmar que a oferente e quaisquer entidades
relacionadas com ela estão isentas do dever de lançar uma OPA subsequente
obrigatória em resultado da aquisição das ações no âmbito da oferta. A este
respeito, fonte oficial da Comissão Europeia referiu:
***
“Estamos a acompanhar os desenvolvimentos
[da OPA à EDP] na medida em que, e de acordo com as regras vigentes, seguimos
os investimentos de empresas estrangeiras em companhias sediadas na União
Europeia”.
De acordo com as regras europeias, cabe às empresas avaliar a necessidade
de notificarem uma transação à Comissão Europeia para esta ser avaliada no
âmbito das regras de fusão da região.
Em setembro passado, o presidente da Comissão
Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciou planos para criar um mecanismo que
avalia os investimentos estrangeiros, uma medida vista como sendo destinada à
China, já que precisou:
“Se uma empresa estrangeira estatal quer
comprar um porto europeu, parte da nossa infraestrutura energética ou uma empresa
de tecnologia de defesa, isso só deverá acontecer com transparência, escrutínio
e debate”.
Ora, a China Three Gorges é
detida na totalidade pelo Estado chinês e diretamente tutelada pelo Governo
central, através dum organismo conhecido como SASAC (State-owned Assets Supervision and Administration
Commission). Daí, a
pertinência da declaração de Juncker.
Por outro lado, a China tornou-se, nos últimos anos, um dos principais
investidores em Portugal, adquirindo participações importantes nas áreas da energia,
seguros, saúde e banca. No entanto, a OPA da China à EDP surge numa
altura de crescente escrutínio na Europa e EUA sobre o investimento chinês,
estando vários negócios bloqueados por motivos de segurança nacional.
***
Entretanto, o Governo chinês já disse não ver razões para “terceiras
partes” se oporem à OPA da China
Three Gorges à EDP, tendo o porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros chinês Lu Kang, citado pela Lusa,
afirmado:
“Quando a cooperação é baseada no respeito
mútuo, com benefícios e ganhos para ambos (…) não vejo razões para outras
partes contestarem”.
Em Portugal, o Primeiro-Ministro, António Costa, já afirmou a não
oposição ao negócio, enquanto, nos EUA, o negócio dependerá da
aprovação da Comissão para o Investimento Externo, que travou vários negócios
que envolviam empresas chinesas, incluindo a oferta duma subsidiária do
grupo chinês Alibaba pela empresa de transferências monetárias MoneyGram ou a
compra dum fabricante de semicondutores do Estado de Oregon, nos EUA, por uma
empresa financiada pelo Governo chinês.
***
Percebe-se que o Governo chinês apadrinhe a OPA, pois é do seu interesse o
domínio duma empresa (basta-lhe 50%+1) que lhe
garante uma presença económica interveniente nos quatro cantos do mundo,
sobretudo no Ocidente – o que servirá de rampa de lançamento para melhor
conhecimento dos outros povos, vindo a constituir uma forma de dominação mais
global.
Já não se entende a pacatez do Governo português na matéria, a não ser que
António Costa tenha na manga uma solução contrária encriptada (v.g: através
da CMVM ou da UE), já que o
atual Governo se mostrou tão pressuroso na reversão da privatização da TAP.
Por outro lado, não se entende o silêncio nem da direita nem da esquerda.
A direita foi na ultraliberal onda de minimização do Estado e, alegadamente
a coberto da necessidade, promoveu a privatização dum setor estratégico do país
– a produção e distribuição da energia elétrica, bem como do investimento nas
respetivas infraestruturas – sem ver a “qualidade” idiossincrática do
adquirente, bastando-lhe o encaixe financeiro, desculpando-se com a balela de
que o capital não tem nacionalidade. Até caiu na contradição de não querer o
Estado Português democrático a pontificar na EDP e na REN (outro disparate), mas aceitar que um Estado estrangeiro dê cartas num
setor estratégico nacional, podendo dar-se ao luxo de considerar não necessário
ou considerar irrelevante ou prejudicial ao Estado chinês o investimento nas
infraestruturas conexas com a EDP. É óbvio que agora tem de aceitar, por
coerência, os mecanismos da privatização, um dos quais é a OPA. E bem podemos
como a avestruz meter a cabeça na areia, convictos de que o capital sem
nacionalidade passa a capital sem rosto, pois o Estado totalitário lhe dará
rosto e nacionalidade, mas não um rosto português nem uma nacionalidade
portuguesa. Ou pensam que aquele gestor de seguros está a ser investigado na
China para receber um prémio, um louvor ou uma condecoração?
A esquerda, de que o partido socialista faz profissão de fé política, está
com a sua silente conivência a aceitar a perpetuação duma soberania estrangeira
sobre um relevante setor estratégico para o país. Quererá merecer, através
desta hipoteca total e definitiva deste mais que significativo fator de
independência nacional, uma vitória nas próximas eleições legislativas,
aceitando de barato a hipócrita e conveniente promessa conjuntural de que o
centro de decisão da EDP se manterá em Lisboa? Ou quererá esperar que a
salvação venha do chumbo da OPA por parte da União Europeia, complexo
institucional com que BE e PCP se dão mal, ou da atual administração da Casa
Branca (que já o deu
a entender), de que praticamente todos dizem
mal, mas que tem, por motivos estratégicos, travado alguns dos negócios
chineses, coisa que a UE não tem feito até agora?
É óbvio que a concertação convivencial das nações é um escopo por que vale
a pena pugnar, mas sem deixar de ter em apreço os objetivos estratégicos de
cada Estado soberano.
E não vale aduzir despicientemente que os 3,26 euros por cada ação
correspondem a um valor quiçá muito acima do que vale a EDP, como alegam alguns
observadores pouco avisados em estratégia. Valendo pouco ou muito, o maior
quinhão do capital da EDP ainda é nacional!
Que dizem a isto os nossos 230 deputados na AR e o nosso máximo garante da
independência nacional, Marcelo Rebelo de Sousa, bem como os antigos
Presidentes da República vivos ou o Presidente do Tribunal Constitucional?
2018.05.15 –
Louro de Carvalho
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