A partir
do momento em que ficou estabelecido que o ensino básico é universal, gratuito
e obrigatório, a inclusão passou a ser um dos postulados da educação. E, quando
o ensino básico passou dos 6 para os 9 anos de escolaridade, operou-se o
reforço da inclusão, que ganhou novo impulso após a escolaridade obrigatória de
12 anos. Algo de semelhante se deve dizer da educação pré-escolar, cada vez
mais generalizada. A par da inclusão, tinha que figurar a flexibilização curricular,
dado que a escola se tornou cada vez mais heterogénea. Com efeito, não há
indivíduos iguais nem pessoalmente nem pelos contextos. Se a igualdade básica
ante a lei, por força da dignidade de cada pessoa humana, é um dado adquirido,
a igualdade real tem de ser construída em cada dia que passa.
Tecidos
estes considerandos, é de nos interrogarmos sobre a razão por que a educação é
concebida, gerida e controlada num sistema brutalmente centralizado em que a autonomia
escolar, embora cada vez mais apregoada, resulta cada vez mais espartilhada,
contentando-se com um lugar residual. Só tem mudado o controlador. Ou é o Ministério
da Educação ou um departamento curricular ou uma associação de pais ou um pai
ou uma mãe. Parece que vêm aí as câmaras municipais…, mas terão de respeitar a
definição de 25% do currículo a nível local.
***
Sobre
inclusão, o Governo assume baixas taxas de inclusão na educação especial e
altera a legislação. Na verdade, Portugal é
ainda um país com baixas taxas de inclusão de alunos no sistema educativo,
subsistindo nas escolas um número significativo de crianças e jovens com
necessidades específicas em espaços físicos ou curriculares segregados.
De acordo com o Ministério da Educação (ME), trata-se de “uma constatação” que justifica uma
revisão do quadro legal em vigor, por forma a criar condições para “a
construção de uma escola progressivamente mais inclusiva”.
Neste âmbito, está em vigor o Decreto-lei n.º 3/2008,
de 7 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 21/2008, de 12 de
maio. O normativo veio fazer, na sequência da experiência acumulada, um enquadramento
legal mais abrangente e mais específico e revogar o Decreto-lei n.º 319/91, de 23 de
agosto, que definia os apoios especializados a prestar na educação
pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos setores público, particular e
cooperativo.
Porém, a preocupação com os alunos portadores de
necessidades educativas especiais (NEE) já vem de 1977 e de 1978, porquanto, já o Decreto-lei n.º 174/77, de 2 de
maio, definia o regime escolar dos alunos portadores de deficiência física ou
psíquica e o Decreto-lei
n.º aplicava
ao ensino primário os princípios definidos no Decreto-Lei n.º 174/77, de 2 de maio.
Nos termos do Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro,
na sua redação atual, os
alunos portadores de NEE (de caráter permanente) são abrangidos pelo PEI (programa
educativo individual)
e, pelo seu perfil de funcionalidade, beneficiarão de: apoio pedagógico
personalizado (APP);
adequações curriculares individuais (ACI); adequações no processo de
matrícula (APM);
adequações no processo de avaliação (APA); currículo específico individual
(CEI); e tecnologias de apoio (TA).
O PEI é um documento que garante
o direito à equidade educativa dos alunos com NEE de caráter permanente para
responder à especificidade das suas necessidades, descreve o perfil de
funcionalidade do aluno por referência à CIF-CJ (classificação
internacional da funcionalidade: crianças e jovens) e configura as respostas
educativas específicas requeridas por cada aluno.
O CEI é uma medida educativa com
alterações significativas no currículo comum, fazendo com que o aluno, a quem
foi aplicado, não possa prosseguir estudos de nível académico, mas dando-se-lhe
apenas uma certificação de frequência no final do ciclo de estudos.
Há ainda o PIT (plano
individual de transição),
que se aplica como complemento do PEI a alunos que apresentem NEE de caráter
permanente que os impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas
no currículo comum.
Do meu ponto de vista, o processo,
que até criou um grupo de professores especializados e profissionalizados,
andou mal ao extinguir as escolas de educação especial e reconvertê-las em CRI
(centros
de recursos para a inclusão).
As escolas admitem obrigatoriamente alunos portadores de NEE a quem não dão
cabal resposta a muitas das suas necessidades. É a dispersão de meios e a
inclusão de fachada. Integrados em turmas comuns, nem beneficiam do currículo comum,
antes se expõem nas suas necessidades especiais, e dificultam a aprendizagem dos
demais. E a inclusão limita-se à partilha precária dos mesmos espaços e dos
mesmos recursos. Por outro lado, junto das escolas ou de grupos de escolas não
estão alocados os suficientes CRI.
Parece que deveriam continuar as
escolas de educação especial para frequência dos alunos portadores de NEE de caráter
permanente que o exame clínico justificasse, regidas e servidas por equipas
especializadas, facultando-se-lhes a visita e a permanência periódicas em
relação aos estabelecimentos de educação e ensino consentâneos com o seu nível
etário. Assim, se trabalharia com maior eficácia e qualidade a educação na ótica da inclusividade. Mas devo ser o único cidadão a pensar deste modo. Será exclusivo
o ensino individua e doméstico?
***
O Conselho de Ministros aprovou, no dia 24 de maio, um
decreto-lei – a abranger a educação pré-escolar e o ensino básico e
secundário – que estabelece o novo regime
legal em que se defende a cooperação e o trabalho de equipa na “identificação
de medidas de acesso ao currículo e às aprendizagens”, proclamando como um dos
grandes princípios orientadores a promoção da relação entre o professor de
educação especial e os professores da turma.
O ME, por sua vez, frisa, em comunicado, que o
objetivo é responder à “diversidade das necessidades e potencialidades de todos
e de cada um dos alunos”, através do aumento da participação na aprendizagem e
na comunidade e compromete-se com medidas de apoio, afirmando que o diploma
consagra as áreas curriculares e os “recursos específicos a mobilizar” para
responder às necessidades educativas de todas as crianças e jovens, nas
diferentes modalidades de educação e formação.
O
trabalho com os alunos será definido e acompanhado por uma equipa
multidisciplinar de apoio à educação inclusiva, com
vista a maior integração de crianças e jovens com deficiência.
O
comunicado do Conselho de Ministros anuncia, por seu lado, que o decreto-lei
que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva tem como eixo central a
necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus
alunos, “encontrando formas de lidar com essa diferença adequando os
processos de ensino às caraterísticas e condições individuais de cada aluno,
mobilizando os meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida
da comunidade educativa”.
Porém,
é preciso prestar-se atenção à aplicação do normativo para que não resultem
outas formas de segregação, que têm mais a ver com a postura da comunidade que
com o espaço.
O
Conselho Nacional de Educação (CNE) revelou, a 11 de maio, ver como positivo o projeto
de decreto-lei sobre educação inclusiva que lhe foi remetido pelo ME, mas recomendou
o reforço dos recursos humanos nas escolas e turmas mais pequenas.
O normativo
afirma que as medidas principais de inclusão se aplicam a todos os alunos em
conformidade com as caraterísticas de cada um, mas continua com a massificação
da inclusão, pelo que se teme que vá pouco além da mudança de nomenclatura e
composição das equipas.
***
A outra face do sistema
educativo é a autonomia e flexibilização curricular.
Depois de um ano
de experiência a que acederam as turmas das escolas (cerca de duas centenas e meia) que se candidataram
para os anos de início de ciclo, o Conselho de Ministros, de 24 de
maio, aprovou o decreto-lei que estabelece o currículo dos ensinos básico e
secundário e os princípios orientadores da avaliação da aprendizagem.
Trata-se dum
diploma que representa mais um passo na concretização de uma política educativa
que garanta a igualdade de oportunidades e promova o sucesso educativo.
A
materialização deste objetivo, já inscrito na LBSE (Lei de Bases
do Sistema Educativo), bem como
os desafios decorrentes da globalização e desenvolvimento tecnológico, obriga
as escolas a ter de preparar as crianças para tecnologias não inventadas e a
resolução de problemas que ainda se desconhecem. Revela-se, pois, necessário
desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar a sabedoria
estabelecida, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente,
resolver problemas complexos e promover o bem-estar.
Nesse
sentido, o decreto-lei diz vir conferir (seria melhor dizer “reconhecer”,
pois a autonomia não resulta de decreto) autonomia
curricular às escolas e reforçar a flexibilidade dos currículos, de modo a que
sejam aprofundadas e enriquecidas as aprendizagens essenciais.
É ainda de
relevar a implementação da componente de Cidadania e Desenvolvimento, a
valorização do papel dos alunos enquanto autores e a promoção de ajustamentos
ao regime de avaliação. Neste âmbito, são eliminados os requisitos
discriminatórios no acesso ao Ensino Superior para os alunos do ensino
profissional, assim como o regime excecional da classificação da disciplina de
Educação Física.
O Governo dá
mais um passo no sentido de construir um sistema educativo onde todos e cada um,
independentemente da sua situação pessoal e social, encontram resposta que lhe
possibilita a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua
plena inclusão social.
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