sexta-feira, 25 de maio de 2018

Novidade na flexibilidade curricular e na educação pela inclusão


A partir do momento em que ficou estabelecido que o ensino básico é universal, gratuito e obrigatório, a inclusão passou a ser um dos postulados da educação. E, quando o ensino básico passou dos 6 para os 9 anos de escolaridade, operou-se o reforço da inclusão, que ganhou novo impulso após a escolaridade obrigatória de 12 anos. Algo de semelhante se deve dizer da educação pré-escolar, cada vez mais generalizada. A par da inclusão, tinha que figurar a flexibilização curricular, dado que a escola se tornou cada vez mais heterogénea. Com efeito, não há indivíduos iguais nem pessoalmente nem pelos contextos. Se a igualdade básica ante a lei, por força da dignidade de cada pessoa humana, é um dado adquirido, a igualdade real tem de ser construída em cada dia que passa.
Tecidos estes considerandos, é de nos interrogarmos sobre a razão por que a educação é concebida, gerida e controlada num sistema brutalmente centralizado em que a autonomia escolar, embora cada vez mais apregoada, resulta cada vez mais espartilhada, contentando-se com um lugar residual. Só tem mudado o controlador. Ou é o Ministério da Educação ou um departamento curricular ou uma associação de pais ou um pai ou uma mãe. Parece que vêm aí as câmaras municipais…, mas terão de respeitar a definição de 25% do currículo a nível local.
***
Sobre inclusão, o Governo assume baixas taxas de inclusão na educação especial e altera a legislação. Na verdade, Portugal é ainda um país com baixas taxas de inclusão de alunos no sistema educativo, subsistindo nas escolas um número significativo de crianças e jovens com necessidades específicas em espaços físicos ou curriculares segregados.
De acordo com o Ministério da Educação (ME), trata-se de “uma constatação” que justifica uma revisão do quadro legal em vigor, por forma a criar condições para “a construção de uma escola progressivamente mais inclusiva”. 
Neste âmbito, está em vigor o Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio. O normativo veio fazer, na sequência da experiência acumulada, um enquadramento legal mais abrangente e mais específico e revogar o Decreto-lei n.º 319/91, de 23 de agosto, que definia os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos setores público, particular e cooperativo.  
Porém, a preocupação com os alunos portadores de necessidades educativas especiais (NEE) já vem de 1977 e de 1978, porquanto, já o Decreto-lei n.º 174/77, de 2 de maio, definia o regime escolar dos alunos portadores de deficiência física ou psíquica e o Decreto-lei n.º aplicava ao ensino primário os princípios definidos no Decreto-Lei n.º 174/77, de 2 de maio.
Nos termos do Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, na sua redação atual, os alunos portadores de NEE (de caráter permanente) são abrangidos pelo PEI (programa educativo individual) e, pelo seu perfil de funcionalidade, beneficiarão de: apoio pedagógico personalizado (APP); adequações curriculares individuais (ACI); adequações no processo de matrícula (APM); adequações no processo de avaliação (APA); currículo específico individual (CEI); e tecnologias de apoio (TA).
O PEI é um documento que garante o direito à equidade educativa dos alunos com NEE de caráter permanente para responder à especificidade das suas necessidades, descreve o perfil de funcionalidade do aluno por referência à CIF-CJ (classificação internacional da funcionalidade: crianças e jovens) e configura as respostas educativas específicas requeridas por cada aluno.
O CEI é uma medida educativa com alterações significativas no currículo comum, fazendo com que o aluno, a quem foi aplicado, não possa prosseguir estudos de nível académico, mas dando-se-lhe apenas uma certificação de frequência no final do ciclo de estudos.
Há ainda o PIT (plano individual de transição), que se aplica como complemento do PEI a alunos que apresentem NEE de caráter permanente que os impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo comum.
Do meu ponto de vista, o processo, que até criou um grupo de professores especializados e profissionalizados, andou mal ao extinguir as escolas de educação especial e reconvertê-las em CRI (centros de recursos para a inclusão). As escolas admitem obrigatoriamente alunos portadores de NEE a quem não dão cabal resposta a muitas das suas necessidades. É a dispersão de meios e a inclusão de fachada. Integrados em turmas comuns, nem beneficiam do currículo comum, antes se expõem nas suas necessidades especiais, e dificultam a aprendizagem dos demais. E a inclusão limita-se à partilha precária dos mesmos espaços e dos mesmos recursos. Por outro lado, junto das escolas ou de grupos de escolas não estão alocados os suficientes CRI.
Parece que deveriam continuar as escolas de educação especial para frequência dos alunos portadores de NEE de caráter permanente que o exame clínico justificasse, regidas e servidas por equipas especializadas, facultando-se-lhes a visita e a permanência periódicas em relação aos estabelecimentos de educação e ensino consentâneos com o seu nível etário. Assim, se trabalharia com maior eficácia e qualidade a educação na ótica da inclusividade. Mas devo ser o único cidadão a pensar deste modo. Será exclusivo o ensino individua e doméstico?  
***
O Conselho de Ministros aprovou, no dia 24 de maio, um decreto-lei – a abranger a educação pré-escolar e o ensino básico e secundário – que estabelece o novo regime legal em que se defende a cooperação e o trabalho de equipa na “identificação de medidas de acesso ao currículo e às aprendizagens”, proclamando como um dos grandes princípios orientadores a promoção da relação entre o professor de educação especial e os professores da turma. 
O ME, por sua vez, frisa, em comunicado, que o objetivo é responder à “diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos”, através do aumento da participação na aprendizagem e na comunidade e compromete-se com medidas de apoio, afirmando que o diploma consagra as áreas curriculares e os “recursos específicos a mobilizar” para responder às necessidades educativas de todas as crianças e jovens, nas diferentes modalidades de educação e formação. 
O trabalho com os alunos será definido e acompanhado por uma equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva, com vista a maior integração de crianças e jovens com deficiência.
O comunicado do Conselho de Ministros anuncia, por seu lado, que o decreto-lei que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva tem como eixo central a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, “encontrando formas de lidar com essa diferença adequando os processos de ensino às caraterísticas e condições individuais de cada aluno, mobilizando os meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida da comunidade educativa”.
Porém, é preciso prestar-se atenção à aplicação do normativo para que não resultem outas formas de segregação, que têm mais a ver com a postura da comunidade que com o espaço.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) revelou, a 11 de maio, ver como positivo o projeto de decreto-lei sobre educação inclusiva que lhe foi remetido pelo ME, mas recomendou o reforço dos recursos humanos nas escolas e turmas mais pequenas. 
O normativo afirma que as medidas principais de inclusão se aplicam a todos os alunos em conformidade com as caraterísticas de cada um, mas continua com a massificação da inclusão, pelo que se teme que vá pouco além da mudança de nomenclatura e composição das equipas.
***
A outra face do sistema educativo é a autonomia e flexibilização curricular.
Depois de um ano de experiência a que acederam as turmas das escolas (cerca de duas centenas e meia) que se candidataram para os anos de início de ciclo, o Conselho de Ministros, de 24 de maio, aprovou o decreto-lei que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação da aprendizagem.
Trata-se dum diploma que representa mais um passo na concretização de uma política educativa que garanta a igualdade de oportunidades e promova o sucesso educativo.
A materialização deste objetivo, já inscrito na LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), bem como os desafios decorrentes da globalização e desenvolvimento tecnológico, obriga as escolas a ter de preparar as crianças para tecnologias não inventadas e a resolução de problemas que ainda se desconhecem. Revela-se, pois, necessário desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar a sabedoria estabelecida, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente, resolver problemas complexos e promover o bem-estar.
Nesse sentido, o decreto-lei diz vir conferir (seria melhor dizer “reconhecer”, pois a autonomia não resulta de decreto) autonomia curricular às escolas e reforçar a flexibilidade dos currículos, de modo a que sejam aprofundadas e enriquecidas as aprendizagens essenciais.
É ainda de relevar a implementação da componente de Cidadania e Desenvolvimento, a valorização do papel dos alunos enquanto autores e a promoção de ajustamentos ao regime de avaliação. Neste âmbito, são eliminados os requisitos discriminatórios no acesso ao Ensino Superior para os alunos do ensino profissional, assim como o regime excecional da classificação da disciplina de Educação Física.
O Governo dá mais um passo no sentido de construir um sistema educativo onde todos e cada um, independentemente da sua situação pessoal e social, encontram resposta que lhe possibilita a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social.
O Decreto-lei estabelece também os princípios orientadores da avaliação, voltando a classificação de Educação Física a contar para a média de acesso ao ensino superior; e, no caso dos alunos do ensino profissional, são eliminados requisitos considerados discriminatórios no acesso ao ensino superior. 
Questionado pela Lusa, o Ministério da Educação esclareceu que as médias finais do ensino secundário dos alunos do ensino profissional e artístico deixam de ser prejudicadas pelos exames nacionais, pois apenas fazem exames se quiserem prosseguir estudos para o ensino superior e a nota nessas provas deixa de contar para a média final do ensino secundário.
Em resposta enviada à Lusa, a tutela esclareceu:
Até agora, os alunos do profissional e do artístico viam a média do 12.º ano alterada, com anulação de 30% do seu percurso caso quisessem ir para o superior, fazendo exames de disciplinas que não frequentaram. Os alunos do científico-humanístico tinham a sua média final respeitada quisessem ou não prosseguir estudos. A partir de agora, a conclusão do 12.º ano é dissociada do acesso. Os alunos fazem provas de ingresso se pretenderem seguir sem que o acesso afete a média do secundário.”.
E o comunicado emitido no final do Conselho de Ministros, a que já se fez referência, sustenta:
É preciso desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar a sabedoria estabelecida, comunicar eficientemente, resolver problemas complexos e promover o bem-estar”.
O diploma reconhece, como se disse, “autonomia curricular às escolas” e reforça a “flexibilidade dos currículos”, dando destaque à componente de Cidadania e Desenvolvimento e aos ajustamentos ao regime de avaliação.
Em comunicado, o ME frisa que a flexibilização curricular, ora em projeto-piloto que abrange cerca de 200 escolas, será alargada no próximo ano letivo a todas que o pretendam, referindo:
As escolas podem agora dispor de até 25% de flexibilidade no desenvolvimento curricular, possibilitando adaptar a gestão das aulas às necessidades individuais dos alunos e dos contextos locais. A flexibilidade potencia a interdisciplinaridade e o desenvolvimento de aprendizagens baseadas em problemas e em projetos, a criação de novas disciplinas e dinâmicas de organização dos tempos e espaços potenciadoras de mais motivação e melhores aprendizagens.”.
O mesmo comunicado adianta que o decreto-lei operacionaliza o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória como a referência para os objetivos a atingir ao fim de 12 anos de escolarização e confirma o fim do ensino vocacional como opção logo no ensino básico.
E refere que para os alunos do secundário a flexibilidade vai permitir a alunos de diferentes cursos e vias de ensino “a possibilidade de permutar disciplinas, construindo percursos mais adequados aos seus interesses”.
Além disso, “o decreto-lei prevê a sua própria avaliação ao final de seis anos, conferindo estabilidade e garantia de avaliação da sua eficácia”.
***
Não se percebe como, a ser tão bom o propósito do Governo e o conteúdo do diploma, ainda não se avança para a obrigatoriedade da generalização. E é de questionar se um mesmo estabelecimento vai funcionar a duas velocidades autonómicas: turmas, anos ou ciclos à antiga e turmas, anos ou ciclos à nova moda – por causa dos exames e provas finais ou por outras razões. E lá se esfuma a igualdade de oportunidades…
Depois, flexibilidade com definição de aprendizagens essenciais e 25% do currículo a nível local, não avaliável a nível nacional? E também convirá a visita inspetiva a verificar se e porque não cumpriram os programas os professores ou se os horários estão feitos de acordo com as normas (Que normas em autonomia)?
Se calhar é precisa mais autonomia da escola e sobretudo do professor (cuja formação deve ser adequada) – mais apoiada e menos manietada e assente na cooperação e menos na uniformização.
E precisamos duma escola mais senhora de si para servir melhor e menos acorrentada ao contexto dos interesses políticos, económicos e de grupo.
Por fim, os jovens merecem que se cumpra mesmo a escolaridade de 12 anos, sem a sujeição ao espartilho da idade, como quem diz exclusão facilitada logo aos 18 anos!
Mais do que satisfazer calendário, urge qualificar. Porém, a escola, o Estado e o professor precisam de ter mais autoridade e de a verem reconhecida pela sociedade, que deve ser sensibilizada para o tema.
2018.05.25 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário